GOIÂNIA - Em novembro de 2022, cinco jogadores do Sampaio Corrêa, do Maranhão, decidiram subir o tom das cobranças pelo dinheiro prometido no esquema de manipulação das casas de apostas. O grupo providenciou um pênalti no primeiro tempo da partida contra o Londrina, pela Série B do Campeonato Brasileiro, encomendado pelo empresário Luís Felipe Rodrigues de Castro, o LF, um dos arrolados na Operação Penalidade Máxima, do MP-GO, e quis receber os R$ 140 mil combinados pelo feito. Pressionado por não fazer o repasse, LF deu como garantia uma suposta influência sobre dezenas de atletas da principal competição do País: “nós temos mais de 50 jogadores na Série A”.
O poder sobre meia centena de atletas do futebol brasileiro permitiria angariar facilmente o dinheiro prometido aos jogadores do Sampaio. Apesar de o grupo ter cumprido o combinado, a aposta de Luís Felipe deu errado. A quadrilha aliciou jogadores de Sampaio Corrêa, Tombense e Vila Nova para que cometessem pênaltis no primeiro tempo dos respectivos jogos. Entretanto, dois jogadores do Vila não entraram em campo. Sem o terceiro pênalti, o esquema foi por água abaixo, a aposta não foi remunerada e a quadrilha amargou prejuízos.
O episódio ocorrido na última rodada da Série B do Campeonato Brasileiro de 2022 embasou a primeira denúncia oferecida pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) contra empresários e jogadores envolvidos no esquema. Outros crimes ainda são investigados. Os documentos com análises técnicas das trocas de mensagens entre os envolvidos trouxeram à luz mais detalhes da conversa entre Luís Felipe e jogadores profissionais.
Atualmente no futebol do Irã, o atacante Ygor Catatau, também ex-Vasco, era o porta-voz da pressão a LF. Os cinco jogadores do Maranhão receberam somente R$ 10 mil antecipadamente e queriam o restante do dinheiro acordado. Catatau gerou um vídeo percorrendo as mensagens trocadas com Luís Felipe pelo WhatsApp e mandou aos colegas de time. O diálogo se deu da seguinte maneira:
Catatau: “Faz esse Pix logo aí, mano. Já fizemos e temos que receber. Não somos bobos. Quem não pode estar no prejuízo somos nós. Correr o risco e não receber, tá doido? Sem condições, irmão. Papo é um só.”
Luís Felipe: “Ninguém vai deixar de fazer o combinado não. Só que entenda uma coisa. A aposta deu ‘red’ (prejuízo). Nós estamos na missão com jogador que vacilou. (...) Vocês fizeram sua parte, só que nós tomamos foi red, prejuízo de 492 mil reais!! Espera nós resolvermos. Estamos na linha com o empresário do moleque do Vila que assumiu e não fez a parada!”
Catatau: “Mas é problema deles, mano. Nós não combinamos nada de depender de ninguém, entendeu? Você sabe muito bem. Combinou e foi feito sem erro. Então nós queremos receber porque corremos risco e foi combinado”.
Luís Felipe: “E quem está falando, meu truta, que você não vai receber? Tô mandando esperar só. Nós temos mais de 50 jogadores na Série A”.
Repercussão entre jogadores
A informação de que LF teria vários atletas sob sua influência no futebol brasileiro não gerou surpresa no grupo de jogadores do Sampaio Correa. “Teve rodada da Série A. Já que ele tem 50 jogadores ele já tinha que ter resolvido”, escreveu André Queixo, outro jogador arrolado no esquema do time do Maranhão.
Luís Felipe foi denunciado ainda na primeira fase da Operação Penalidade Máxima. Ele responde em liberdade pelos crimes de promoção de organização criminosa e de manipulação de competição esportiva, este último previsto no Estatuto do Torcedor. Segundo a investigação do Ministério Público de Goiás, ele agiu em conjunto na última rodada da Série B do ano passado com Ícaro Calixto e Bruno Lopez, empresário apontado como um dos líderes do esquema fraudulento de apostadores.
As investigações também apuraram cobranças pesadas dos membros do esquema aos jogadores cooptados que não fizeram sua parte. O não cumprimento do combinado no jogo do Vila Nova rendeu uma ameaça da quadrilha aos atletas aliciados. O caso chegou ao presidente do clube, Hugo Jorge Bravo, que reuniu informações sobre o esquema e as entregou ao Ministério Público de Goiás. Assim começou a Operação Penalidade Máxima.
O total de jogadores aliciados para esquemas de manipulação de partidas e de apostas esportivas ainda está sob investigação. Alguns dos nomes citados na troca de mensagens já foram punidos por seus respectivos clubes com suspensão ou rescisão de contratos. É o caso, por exemplo, de: Richard (Cruzeiro), Vitor Mendes (Fluminense), Alef Manga (Coritiba), Jesús Trindade (Coritiba), Raphael Rodrigues (Avaí), Max Alves (Colorado Rapids, dos EUA), Eduardo Bauermann (Santos), Fernando Neto (São Bernardo), Paulo Miranda (Náutico), Romarinho (Vila Nova), Gabriel Domingos (Vila Nova), Pedrinho (ex-Athletico), Bryan García (Athletico-PR) e Nino Paraíba (América-MG).
Em depoimento, Luís Felipe e Ygor Catatau foram orientados por seus advogados a ficar em silêncio. Procurado para comentar a declaração do empresário sobre “ter jogadores da Série A”, o advogado Anderson Godoi informou que só se manifestará após o término das investigações. A defesa de Catatau não atendeu às chamadas.
Ao todo, 25 pessoas já foram denunciadas à Justiça e tornadas réus no esquema das apostas descoberto em duas fases da Operação Penalidade Máxima. Três pessoas com papel de liderança, segundo o MP-GO, estão presas preventivamente.