Brigas entre torcidas de outros Estados apontam para novo modelo de violência no futebol: na estrada


Alianças entre uniformizadas transformam rodovias em campos de batalha; autoridades reforçam monitoramento após confronto entre organizadas do Palmeiras e do Cruzeiro

Por Eugenio Goussinsky, especial para o Estadão
Atualização:

Dois dias antes do jogo entre Palmeiras e Coritiba, no Allianz Parque, pelo Brasileirão, a preocupação do delegado César Saad era uma só: evitar um conflito entre organizadas das duas equipes, em decorrência da morte de um torcedor do Palmeiras em Curitiba, no jogo do primeiro turno.

Saad, titular da DRADE (Delegacia de Polícia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva, em São Paulo), revela que essa tem sido a base do trabalho das autoridades, para conter um novo modelo de violência no futebol. O da briga entre torcidas de Estados diferentes na estrada, ao estilo “Mad Max”, filme de franquia australiana, com Mel Gibson, de 1979, em que gangues das estradas brigavam por gasolina.

Após anos de luta contra as brigas entre rivais estaduais, que ainda ocorrem, a rixa entre torcedores se espalhou pelo Brasil. As viagens se tornaram mais acessíveis e o Campeonato Brasileiro ganhou importância maior do que o Estadual, o que explica em parte esse novo fenômeno.

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Torcedores de Palmeiras e Cruzeiro transformaram a rodovia Fernão Dias em campo de batalha em setembro.  Foto: Reprodução

Fortalecidas pelas inúmeras alianças entre torcedores, que acompanharam esse processo, as brigas transformaram estradas estaduais, rodovias e vias de acesso às cidades em campos de batalha. A pancadaria, muitas vezes, se mistura ao tráfego de veículos, provoca correria e terror em meio a carros com motoristas paralisados, e mancha de sangue o asfalto, transformando as pacatas matas ao redor das rodovias em esconderijos.

A última delas ocorreu na Fernão Dias, no último dia 28 de setembro, quando torcedores da Mancha Verde, do Palmeiras, e da Máfia Azul, do Cruzeiro, se enfrentaram. “Temos mantido reuniões semanais com torcedores dos grandes clubes paulistas. Há um diálogo e maior controle neste sentido. Mas o que tem acontecido são muitas brigas com torcedores de fora do Estado, que, quando vêm para São Paulo, têm se envolvido em confusão, apesar de todo o trabalho do Batalhão de Choque da Polícia Militar”, afirma Saad.

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O delegado admitiu que as autoridades estão tendo dificuldades em lidar com essa situação nova. “Têm ocorrido emboscadas dos aliados de rivais destas torcidas. Isso nos tem chamado a atenção. Estamos em alerta e preparando esquemas de segurança especiais, como fizemos para o jogo entre Palmeiras e Coritiba. Queríamos evitar um novo confronto após a morte do torcedor em Curitiba”, disse Saad, antes da partida.

Legislação mais rígida

Em junho, torcedores do Corinthians e do Goiás se enfrentaram em plena Marginal Tietê. Em agosto, vascaínos brigaram com os pontepretanos em Campinas e receberam o auxílio da organizada do Palmeiras. Essas brigas nas estradas também não tem como prever ou saber quando e onde elas vão acontecer.

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Para Saad, nas reuniões entre autoridades da Secretaria da Segurança do Estado de São Paulo, do Ministério Público e de entidades esportivas, a extinção destas torcidas se tornou assunto ultrapassado. “Está provado que esse tipo de iniciativa (extinção) não adianta. Assim como é apenas paliativo evitar bandeiras e mastros. Vão criar outro CNPJ, vão encontrar outras formas para brigar. O importante é o trabalho de monitoramento dos torcedores, identificação, punição e conscientização”, observa. As bandeiras voltaram recentemente aos estádios.

A extinção de torcidas já foi uma prática utilizada pelas autoridades. A própria Mancha Verde, após participar de briga na final da Supercopa São Paulo de Juniores, em 1995, na qual morreu um torcedor, foi extinta. Dois anos depois, voltou com o atual nome de Mancha Alviverde e outra documentação fiscal.

Saad acredita que a solução está em uma legislação mais rígida para esse tipo de violência. Ele se queixa do fato de que, em geral, esses torcedores são enquadrados no crime de lesão corporal, que costuma ter penas mais brandas. “O Estatuto do Torcedor é mais uma lei com punições brandas para atos de violência. Quem sofre é quem gosta do futebol, o verdadeiro torcedor. Essas brigas também devem ser enquadradas em outros tipos de crime: associação criminosa, tentativa de homicídio e até homicídio, como tem ocorrido em vários casos. Aí sim a punição seria mais rigorosa”, destaca.

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80 processos em dois anos

O delegado concorda que algumas denominações, como “Máfia”, “Fúria”, já são incentivadoras da violência. Mas, neste momento, segundo ele, esta não deveria ser a prioridade para tentar eliminar os confrontos. “Esses nomes realmente não ajudam. Mas não é a primeira coisa que deve mudar. Há muitas outras ainda mais urgentes até se chegar a isso. É fundamental, por exemplo, termos uma legislação menos branda e uma conscientização dos torcedores”, diz.

Saad afirma que, do ponto de vista da polícia, o trabalho de investigação e punição é incessante. “Em geral essas brigas são em locais distantes, os torcedores fogem rapidamente, se escondem em becos e matas. Mas vamos até o fim nas investigações. Nosso objetivo é que ninguém que participou dessas brigas escape. Nestes casos de violência que conseguimos flagrar, nos últimos dois anos há pelo menos 80 pessoas que estão sendo processadas e podem ser presas caso haja a condenação do juiz”, revela.

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No último grande confronto entre torcidas organizadas, Saad diz que a causa foi uma velha rixa entre torcedores da Mancha e da Máfia Azul. Os palmeirenses se dirigiam, pela Fernão Dias, a Belo Horizonte, para acompanhar a partida entre Palmeiras e Atlético-MG. Já os cruzeirenses iam para Campinas, assistir ao jogo de sua equipe contra a Ponte Preta.

As duas torcidas se encontraram na altura da cidade de Carmópolis de Minas. No confronto, quatro integrantes da Máfia Azul foram baleados, vários membros das duas torcidas foram espancados e um membro da Mancha Verde ficou em estado grave.

Cercado por vários torcedores organizados do Cruzeiro, o presidente da Mancha, Jorge Luís, foi espancado e humilhado. As imagens das agressões viralizaram nas redes sociais. O palmeirense também teve documentos e cartões furtados por integrantes da torcida rival.

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Tudo aconteceu, segundo Saad, porque os palmeirenses foram surpreendidos pelo elevado número de ônibus dos torcedores do Cruzeiro. “Torcedores da Mancha esperaram os cruzeirenses, acreditando que viriam dois ônibus apenas. Mas chegaram pelo menos seis. Nas agressões ao presidente da Mancha, houve uma violência grande, mas, na visão dos cruzeirenses, eles até agiram com ética, ao pouparem a vida do torcedor. Quiseram mostrar que não usam os artifícios dos torcedores de São Paulo, que utilizam armas e barras de ferro nas brigas. Outras torcidas organizadas, de Estados como Minas Gerais, Rio e Paraná, brigam essencialmente por meio de socos e pontapés, como ocorre na Europa”, afirma Saad.

Maior controle

Saad ressaltou que, já em 2023, haverá maior controle sobre a presença de torcedores violentos nos estádios de São Paulo. “Estamos acertando com a Federação Paulista a implantação de câmeras e equipamentos de reconhecimento facial. Com isso, poderemos, de maneira legal, impedir a entrada de torcedores que são comprovadamente violentos, mas que ainda não foram impedidos pela Justiça de frequentar as arenas”, observa.

Em nota da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Governo de Minas), a entidade afirmou que há esquemas especiais para acompanhar os torcedores durante os jogos das equipes mineiras. “Os principais pontos da capital mineira e da Região Metropolitana, incluindo estradas, vias de acesso rápido e outros locais considerados críticos, como vias próximas a estádios e estabelecimentos com transmissão de partidas e consequente aglomeração de pessoas, são monitorados por câmeras, além de contarmos com a presença ostensiva e reforçada da Polícia Militar de Minas”, declarou a Sejusp.

Já a Secretaria de Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, também em nota, admitiu que os últimos episódios fizeram a entidade dedicar atenção especial à movimentação de torcedores antes e depois dos jogos.

Após a briga, os cruzeirenses foram impedidos de entrar no Estado de São Paulo e, escoltados pela Polícia Militar, retornaram a Belo Horizonte. “A Polícia Militar intensificará o policiamento nos estádios, em rodovias, estações de trem, metrô e terminais de ônibus nos dias de jogos com grandes torcidas”, informou a entidade paulista.

A Anatorg (Associação Nacional das Torcidas Organizadas) e outras organizadas procuradas pelo Estadão preferiram não fazer comentários sobre o último confronto, entre palmeirenses e cruzeirenses. Em um momento no qual o futebol brasileiro voltou a mostrar maior qualidade, com jogos eletrizantes e estádios lotados, os torcedores comuns ficam ainda mais incomodados com a violência de organizadas.

“Para mim, essas organizadas deveriam acabar. É bizarro eles acharem que estão defendendo o clube desta maneira. Estão expondo o clube. É uma piada de mau gosto. Eles são importantes por causa das músicas, da força que dão. Mas, ao partirem para a violência, se tornam uma vergonha para o clube. Até afastam investidores e patrocinadores”, disse um torcedor que não quis ter o nome revelado por medo de represálias. O Palmeiras fez 4 a 0 no Coritiba, com muita festa e, desta vez, sem brigas, sem mortos ou feridos.

Dois dias antes do jogo entre Palmeiras e Coritiba, no Allianz Parque, pelo Brasileirão, a preocupação do delegado César Saad era uma só: evitar um conflito entre organizadas das duas equipes, em decorrência da morte de um torcedor do Palmeiras em Curitiba, no jogo do primeiro turno.

Saad, titular da DRADE (Delegacia de Polícia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva, em São Paulo), revela que essa tem sido a base do trabalho das autoridades, para conter um novo modelo de violência no futebol. O da briga entre torcidas de Estados diferentes na estrada, ao estilo “Mad Max”, filme de franquia australiana, com Mel Gibson, de 1979, em que gangues das estradas brigavam por gasolina.

Após anos de luta contra as brigas entre rivais estaduais, que ainda ocorrem, a rixa entre torcedores se espalhou pelo Brasil. As viagens se tornaram mais acessíveis e o Campeonato Brasileiro ganhou importância maior do que o Estadual, o que explica em parte esse novo fenômeno.

Torcedores de Palmeiras e Cruzeiro transformaram a rodovia Fernão Dias em campo de batalha em setembro.  Foto: Reprodução

Fortalecidas pelas inúmeras alianças entre torcedores, que acompanharam esse processo, as brigas transformaram estradas estaduais, rodovias e vias de acesso às cidades em campos de batalha. A pancadaria, muitas vezes, se mistura ao tráfego de veículos, provoca correria e terror em meio a carros com motoristas paralisados, e mancha de sangue o asfalto, transformando as pacatas matas ao redor das rodovias em esconderijos.

A última delas ocorreu na Fernão Dias, no último dia 28 de setembro, quando torcedores da Mancha Verde, do Palmeiras, e da Máfia Azul, do Cruzeiro, se enfrentaram. “Temos mantido reuniões semanais com torcedores dos grandes clubes paulistas. Há um diálogo e maior controle neste sentido. Mas o que tem acontecido são muitas brigas com torcedores de fora do Estado, que, quando vêm para São Paulo, têm se envolvido em confusão, apesar de todo o trabalho do Batalhão de Choque da Polícia Militar”, afirma Saad.

O delegado admitiu que as autoridades estão tendo dificuldades em lidar com essa situação nova. “Têm ocorrido emboscadas dos aliados de rivais destas torcidas. Isso nos tem chamado a atenção. Estamos em alerta e preparando esquemas de segurança especiais, como fizemos para o jogo entre Palmeiras e Coritiba. Queríamos evitar um novo confronto após a morte do torcedor em Curitiba”, disse Saad, antes da partida.

Legislação mais rígida

Em junho, torcedores do Corinthians e do Goiás se enfrentaram em plena Marginal Tietê. Em agosto, vascaínos brigaram com os pontepretanos em Campinas e receberam o auxílio da organizada do Palmeiras. Essas brigas nas estradas também não tem como prever ou saber quando e onde elas vão acontecer.

Para Saad, nas reuniões entre autoridades da Secretaria da Segurança do Estado de São Paulo, do Ministério Público e de entidades esportivas, a extinção destas torcidas se tornou assunto ultrapassado. “Está provado que esse tipo de iniciativa (extinção) não adianta. Assim como é apenas paliativo evitar bandeiras e mastros. Vão criar outro CNPJ, vão encontrar outras formas para brigar. O importante é o trabalho de monitoramento dos torcedores, identificação, punição e conscientização”, observa. As bandeiras voltaram recentemente aos estádios.

A extinção de torcidas já foi uma prática utilizada pelas autoridades. A própria Mancha Verde, após participar de briga na final da Supercopa São Paulo de Juniores, em 1995, na qual morreu um torcedor, foi extinta. Dois anos depois, voltou com o atual nome de Mancha Alviverde e outra documentação fiscal.

Saad acredita que a solução está em uma legislação mais rígida para esse tipo de violência. Ele se queixa do fato de que, em geral, esses torcedores são enquadrados no crime de lesão corporal, que costuma ter penas mais brandas. “O Estatuto do Torcedor é mais uma lei com punições brandas para atos de violência. Quem sofre é quem gosta do futebol, o verdadeiro torcedor. Essas brigas também devem ser enquadradas em outros tipos de crime: associação criminosa, tentativa de homicídio e até homicídio, como tem ocorrido em vários casos. Aí sim a punição seria mais rigorosa”, destaca.

80 processos em dois anos

O delegado concorda que algumas denominações, como “Máfia”, “Fúria”, já são incentivadoras da violência. Mas, neste momento, segundo ele, esta não deveria ser a prioridade para tentar eliminar os confrontos. “Esses nomes realmente não ajudam. Mas não é a primeira coisa que deve mudar. Há muitas outras ainda mais urgentes até se chegar a isso. É fundamental, por exemplo, termos uma legislação menos branda e uma conscientização dos torcedores”, diz.

Saad afirma que, do ponto de vista da polícia, o trabalho de investigação e punição é incessante. “Em geral essas brigas são em locais distantes, os torcedores fogem rapidamente, se escondem em becos e matas. Mas vamos até o fim nas investigações. Nosso objetivo é que ninguém que participou dessas brigas escape. Nestes casos de violência que conseguimos flagrar, nos últimos dois anos há pelo menos 80 pessoas que estão sendo processadas e podem ser presas caso haja a condenação do juiz”, revela.

No último grande confronto entre torcidas organizadas, Saad diz que a causa foi uma velha rixa entre torcedores da Mancha e da Máfia Azul. Os palmeirenses se dirigiam, pela Fernão Dias, a Belo Horizonte, para acompanhar a partida entre Palmeiras e Atlético-MG. Já os cruzeirenses iam para Campinas, assistir ao jogo de sua equipe contra a Ponte Preta.

As duas torcidas se encontraram na altura da cidade de Carmópolis de Minas. No confronto, quatro integrantes da Máfia Azul foram baleados, vários membros das duas torcidas foram espancados e um membro da Mancha Verde ficou em estado grave.

Cercado por vários torcedores organizados do Cruzeiro, o presidente da Mancha, Jorge Luís, foi espancado e humilhado. As imagens das agressões viralizaram nas redes sociais. O palmeirense também teve documentos e cartões furtados por integrantes da torcida rival.

Tudo aconteceu, segundo Saad, porque os palmeirenses foram surpreendidos pelo elevado número de ônibus dos torcedores do Cruzeiro. “Torcedores da Mancha esperaram os cruzeirenses, acreditando que viriam dois ônibus apenas. Mas chegaram pelo menos seis. Nas agressões ao presidente da Mancha, houve uma violência grande, mas, na visão dos cruzeirenses, eles até agiram com ética, ao pouparem a vida do torcedor. Quiseram mostrar que não usam os artifícios dos torcedores de São Paulo, que utilizam armas e barras de ferro nas brigas. Outras torcidas organizadas, de Estados como Minas Gerais, Rio e Paraná, brigam essencialmente por meio de socos e pontapés, como ocorre na Europa”, afirma Saad.

Maior controle

Saad ressaltou que, já em 2023, haverá maior controle sobre a presença de torcedores violentos nos estádios de São Paulo. “Estamos acertando com a Federação Paulista a implantação de câmeras e equipamentos de reconhecimento facial. Com isso, poderemos, de maneira legal, impedir a entrada de torcedores que são comprovadamente violentos, mas que ainda não foram impedidos pela Justiça de frequentar as arenas”, observa.

Em nota da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Governo de Minas), a entidade afirmou que há esquemas especiais para acompanhar os torcedores durante os jogos das equipes mineiras. “Os principais pontos da capital mineira e da Região Metropolitana, incluindo estradas, vias de acesso rápido e outros locais considerados críticos, como vias próximas a estádios e estabelecimentos com transmissão de partidas e consequente aglomeração de pessoas, são monitorados por câmeras, além de contarmos com a presença ostensiva e reforçada da Polícia Militar de Minas”, declarou a Sejusp.

Já a Secretaria de Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, também em nota, admitiu que os últimos episódios fizeram a entidade dedicar atenção especial à movimentação de torcedores antes e depois dos jogos.

Após a briga, os cruzeirenses foram impedidos de entrar no Estado de São Paulo e, escoltados pela Polícia Militar, retornaram a Belo Horizonte. “A Polícia Militar intensificará o policiamento nos estádios, em rodovias, estações de trem, metrô e terminais de ônibus nos dias de jogos com grandes torcidas”, informou a entidade paulista.

A Anatorg (Associação Nacional das Torcidas Organizadas) e outras organizadas procuradas pelo Estadão preferiram não fazer comentários sobre o último confronto, entre palmeirenses e cruzeirenses. Em um momento no qual o futebol brasileiro voltou a mostrar maior qualidade, com jogos eletrizantes e estádios lotados, os torcedores comuns ficam ainda mais incomodados com a violência de organizadas.

“Para mim, essas organizadas deveriam acabar. É bizarro eles acharem que estão defendendo o clube desta maneira. Estão expondo o clube. É uma piada de mau gosto. Eles são importantes por causa das músicas, da força que dão. Mas, ao partirem para a violência, se tornam uma vergonha para o clube. Até afastam investidores e patrocinadores”, disse um torcedor que não quis ter o nome revelado por medo de represálias. O Palmeiras fez 4 a 0 no Coritiba, com muita festa e, desta vez, sem brigas, sem mortos ou feridos.

Dois dias antes do jogo entre Palmeiras e Coritiba, no Allianz Parque, pelo Brasileirão, a preocupação do delegado César Saad era uma só: evitar um conflito entre organizadas das duas equipes, em decorrência da morte de um torcedor do Palmeiras em Curitiba, no jogo do primeiro turno.

Saad, titular da DRADE (Delegacia de Polícia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva, em São Paulo), revela que essa tem sido a base do trabalho das autoridades, para conter um novo modelo de violência no futebol. O da briga entre torcidas de Estados diferentes na estrada, ao estilo “Mad Max”, filme de franquia australiana, com Mel Gibson, de 1979, em que gangues das estradas brigavam por gasolina.

Após anos de luta contra as brigas entre rivais estaduais, que ainda ocorrem, a rixa entre torcedores se espalhou pelo Brasil. As viagens se tornaram mais acessíveis e o Campeonato Brasileiro ganhou importância maior do que o Estadual, o que explica em parte esse novo fenômeno.

Torcedores de Palmeiras e Cruzeiro transformaram a rodovia Fernão Dias em campo de batalha em setembro.  Foto: Reprodução

Fortalecidas pelas inúmeras alianças entre torcedores, que acompanharam esse processo, as brigas transformaram estradas estaduais, rodovias e vias de acesso às cidades em campos de batalha. A pancadaria, muitas vezes, se mistura ao tráfego de veículos, provoca correria e terror em meio a carros com motoristas paralisados, e mancha de sangue o asfalto, transformando as pacatas matas ao redor das rodovias em esconderijos.

A última delas ocorreu na Fernão Dias, no último dia 28 de setembro, quando torcedores da Mancha Verde, do Palmeiras, e da Máfia Azul, do Cruzeiro, se enfrentaram. “Temos mantido reuniões semanais com torcedores dos grandes clubes paulistas. Há um diálogo e maior controle neste sentido. Mas o que tem acontecido são muitas brigas com torcedores de fora do Estado, que, quando vêm para São Paulo, têm se envolvido em confusão, apesar de todo o trabalho do Batalhão de Choque da Polícia Militar”, afirma Saad.

O delegado admitiu que as autoridades estão tendo dificuldades em lidar com essa situação nova. “Têm ocorrido emboscadas dos aliados de rivais destas torcidas. Isso nos tem chamado a atenção. Estamos em alerta e preparando esquemas de segurança especiais, como fizemos para o jogo entre Palmeiras e Coritiba. Queríamos evitar um novo confronto após a morte do torcedor em Curitiba”, disse Saad, antes da partida.

Legislação mais rígida

Em junho, torcedores do Corinthians e do Goiás se enfrentaram em plena Marginal Tietê. Em agosto, vascaínos brigaram com os pontepretanos em Campinas e receberam o auxílio da organizada do Palmeiras. Essas brigas nas estradas também não tem como prever ou saber quando e onde elas vão acontecer.

Para Saad, nas reuniões entre autoridades da Secretaria da Segurança do Estado de São Paulo, do Ministério Público e de entidades esportivas, a extinção destas torcidas se tornou assunto ultrapassado. “Está provado que esse tipo de iniciativa (extinção) não adianta. Assim como é apenas paliativo evitar bandeiras e mastros. Vão criar outro CNPJ, vão encontrar outras formas para brigar. O importante é o trabalho de monitoramento dos torcedores, identificação, punição e conscientização”, observa. As bandeiras voltaram recentemente aos estádios.

A extinção de torcidas já foi uma prática utilizada pelas autoridades. A própria Mancha Verde, após participar de briga na final da Supercopa São Paulo de Juniores, em 1995, na qual morreu um torcedor, foi extinta. Dois anos depois, voltou com o atual nome de Mancha Alviverde e outra documentação fiscal.

Saad acredita que a solução está em uma legislação mais rígida para esse tipo de violência. Ele se queixa do fato de que, em geral, esses torcedores são enquadrados no crime de lesão corporal, que costuma ter penas mais brandas. “O Estatuto do Torcedor é mais uma lei com punições brandas para atos de violência. Quem sofre é quem gosta do futebol, o verdadeiro torcedor. Essas brigas também devem ser enquadradas em outros tipos de crime: associação criminosa, tentativa de homicídio e até homicídio, como tem ocorrido em vários casos. Aí sim a punição seria mais rigorosa”, destaca.

80 processos em dois anos

O delegado concorda que algumas denominações, como “Máfia”, “Fúria”, já são incentivadoras da violência. Mas, neste momento, segundo ele, esta não deveria ser a prioridade para tentar eliminar os confrontos. “Esses nomes realmente não ajudam. Mas não é a primeira coisa que deve mudar. Há muitas outras ainda mais urgentes até se chegar a isso. É fundamental, por exemplo, termos uma legislação menos branda e uma conscientização dos torcedores”, diz.

Saad afirma que, do ponto de vista da polícia, o trabalho de investigação e punição é incessante. “Em geral essas brigas são em locais distantes, os torcedores fogem rapidamente, se escondem em becos e matas. Mas vamos até o fim nas investigações. Nosso objetivo é que ninguém que participou dessas brigas escape. Nestes casos de violência que conseguimos flagrar, nos últimos dois anos há pelo menos 80 pessoas que estão sendo processadas e podem ser presas caso haja a condenação do juiz”, revela.

No último grande confronto entre torcidas organizadas, Saad diz que a causa foi uma velha rixa entre torcedores da Mancha e da Máfia Azul. Os palmeirenses se dirigiam, pela Fernão Dias, a Belo Horizonte, para acompanhar a partida entre Palmeiras e Atlético-MG. Já os cruzeirenses iam para Campinas, assistir ao jogo de sua equipe contra a Ponte Preta.

As duas torcidas se encontraram na altura da cidade de Carmópolis de Minas. No confronto, quatro integrantes da Máfia Azul foram baleados, vários membros das duas torcidas foram espancados e um membro da Mancha Verde ficou em estado grave.

Cercado por vários torcedores organizados do Cruzeiro, o presidente da Mancha, Jorge Luís, foi espancado e humilhado. As imagens das agressões viralizaram nas redes sociais. O palmeirense também teve documentos e cartões furtados por integrantes da torcida rival.

Tudo aconteceu, segundo Saad, porque os palmeirenses foram surpreendidos pelo elevado número de ônibus dos torcedores do Cruzeiro. “Torcedores da Mancha esperaram os cruzeirenses, acreditando que viriam dois ônibus apenas. Mas chegaram pelo menos seis. Nas agressões ao presidente da Mancha, houve uma violência grande, mas, na visão dos cruzeirenses, eles até agiram com ética, ao pouparem a vida do torcedor. Quiseram mostrar que não usam os artifícios dos torcedores de São Paulo, que utilizam armas e barras de ferro nas brigas. Outras torcidas organizadas, de Estados como Minas Gerais, Rio e Paraná, brigam essencialmente por meio de socos e pontapés, como ocorre na Europa”, afirma Saad.

Maior controle

Saad ressaltou que, já em 2023, haverá maior controle sobre a presença de torcedores violentos nos estádios de São Paulo. “Estamos acertando com a Federação Paulista a implantação de câmeras e equipamentos de reconhecimento facial. Com isso, poderemos, de maneira legal, impedir a entrada de torcedores que são comprovadamente violentos, mas que ainda não foram impedidos pela Justiça de frequentar as arenas”, observa.

Em nota da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Governo de Minas), a entidade afirmou que há esquemas especiais para acompanhar os torcedores durante os jogos das equipes mineiras. “Os principais pontos da capital mineira e da Região Metropolitana, incluindo estradas, vias de acesso rápido e outros locais considerados críticos, como vias próximas a estádios e estabelecimentos com transmissão de partidas e consequente aglomeração de pessoas, são monitorados por câmeras, além de contarmos com a presença ostensiva e reforçada da Polícia Militar de Minas”, declarou a Sejusp.

Já a Secretaria de Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, também em nota, admitiu que os últimos episódios fizeram a entidade dedicar atenção especial à movimentação de torcedores antes e depois dos jogos.

Após a briga, os cruzeirenses foram impedidos de entrar no Estado de São Paulo e, escoltados pela Polícia Militar, retornaram a Belo Horizonte. “A Polícia Militar intensificará o policiamento nos estádios, em rodovias, estações de trem, metrô e terminais de ônibus nos dias de jogos com grandes torcidas”, informou a entidade paulista.

A Anatorg (Associação Nacional das Torcidas Organizadas) e outras organizadas procuradas pelo Estadão preferiram não fazer comentários sobre o último confronto, entre palmeirenses e cruzeirenses. Em um momento no qual o futebol brasileiro voltou a mostrar maior qualidade, com jogos eletrizantes e estádios lotados, os torcedores comuns ficam ainda mais incomodados com a violência de organizadas.

“Para mim, essas organizadas deveriam acabar. É bizarro eles acharem que estão defendendo o clube desta maneira. Estão expondo o clube. É uma piada de mau gosto. Eles são importantes por causa das músicas, da força que dão. Mas, ao partirem para a violência, se tornam uma vergonha para o clube. Até afastam investidores e patrocinadores”, disse um torcedor que não quis ter o nome revelado por medo de represálias. O Palmeiras fez 4 a 0 no Coritiba, com muita festa e, desta vez, sem brigas, sem mortos ou feridos.

Dois dias antes do jogo entre Palmeiras e Coritiba, no Allianz Parque, pelo Brasileirão, a preocupação do delegado César Saad era uma só: evitar um conflito entre organizadas das duas equipes, em decorrência da morte de um torcedor do Palmeiras em Curitiba, no jogo do primeiro turno.

Saad, titular da DRADE (Delegacia de Polícia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva, em São Paulo), revela que essa tem sido a base do trabalho das autoridades, para conter um novo modelo de violência no futebol. O da briga entre torcidas de Estados diferentes na estrada, ao estilo “Mad Max”, filme de franquia australiana, com Mel Gibson, de 1979, em que gangues das estradas brigavam por gasolina.

Após anos de luta contra as brigas entre rivais estaduais, que ainda ocorrem, a rixa entre torcedores se espalhou pelo Brasil. As viagens se tornaram mais acessíveis e o Campeonato Brasileiro ganhou importância maior do que o Estadual, o que explica em parte esse novo fenômeno.

Torcedores de Palmeiras e Cruzeiro transformaram a rodovia Fernão Dias em campo de batalha em setembro.  Foto: Reprodução

Fortalecidas pelas inúmeras alianças entre torcedores, que acompanharam esse processo, as brigas transformaram estradas estaduais, rodovias e vias de acesso às cidades em campos de batalha. A pancadaria, muitas vezes, se mistura ao tráfego de veículos, provoca correria e terror em meio a carros com motoristas paralisados, e mancha de sangue o asfalto, transformando as pacatas matas ao redor das rodovias em esconderijos.

A última delas ocorreu na Fernão Dias, no último dia 28 de setembro, quando torcedores da Mancha Verde, do Palmeiras, e da Máfia Azul, do Cruzeiro, se enfrentaram. “Temos mantido reuniões semanais com torcedores dos grandes clubes paulistas. Há um diálogo e maior controle neste sentido. Mas o que tem acontecido são muitas brigas com torcedores de fora do Estado, que, quando vêm para São Paulo, têm se envolvido em confusão, apesar de todo o trabalho do Batalhão de Choque da Polícia Militar”, afirma Saad.

O delegado admitiu que as autoridades estão tendo dificuldades em lidar com essa situação nova. “Têm ocorrido emboscadas dos aliados de rivais destas torcidas. Isso nos tem chamado a atenção. Estamos em alerta e preparando esquemas de segurança especiais, como fizemos para o jogo entre Palmeiras e Coritiba. Queríamos evitar um novo confronto após a morte do torcedor em Curitiba”, disse Saad, antes da partida.

Legislação mais rígida

Em junho, torcedores do Corinthians e do Goiás se enfrentaram em plena Marginal Tietê. Em agosto, vascaínos brigaram com os pontepretanos em Campinas e receberam o auxílio da organizada do Palmeiras. Essas brigas nas estradas também não tem como prever ou saber quando e onde elas vão acontecer.

Para Saad, nas reuniões entre autoridades da Secretaria da Segurança do Estado de São Paulo, do Ministério Público e de entidades esportivas, a extinção destas torcidas se tornou assunto ultrapassado. “Está provado que esse tipo de iniciativa (extinção) não adianta. Assim como é apenas paliativo evitar bandeiras e mastros. Vão criar outro CNPJ, vão encontrar outras formas para brigar. O importante é o trabalho de monitoramento dos torcedores, identificação, punição e conscientização”, observa. As bandeiras voltaram recentemente aos estádios.

A extinção de torcidas já foi uma prática utilizada pelas autoridades. A própria Mancha Verde, após participar de briga na final da Supercopa São Paulo de Juniores, em 1995, na qual morreu um torcedor, foi extinta. Dois anos depois, voltou com o atual nome de Mancha Alviverde e outra documentação fiscal.

Saad acredita que a solução está em uma legislação mais rígida para esse tipo de violência. Ele se queixa do fato de que, em geral, esses torcedores são enquadrados no crime de lesão corporal, que costuma ter penas mais brandas. “O Estatuto do Torcedor é mais uma lei com punições brandas para atos de violência. Quem sofre é quem gosta do futebol, o verdadeiro torcedor. Essas brigas também devem ser enquadradas em outros tipos de crime: associação criminosa, tentativa de homicídio e até homicídio, como tem ocorrido em vários casos. Aí sim a punição seria mais rigorosa”, destaca.

80 processos em dois anos

O delegado concorda que algumas denominações, como “Máfia”, “Fúria”, já são incentivadoras da violência. Mas, neste momento, segundo ele, esta não deveria ser a prioridade para tentar eliminar os confrontos. “Esses nomes realmente não ajudam. Mas não é a primeira coisa que deve mudar. Há muitas outras ainda mais urgentes até se chegar a isso. É fundamental, por exemplo, termos uma legislação menos branda e uma conscientização dos torcedores”, diz.

Saad afirma que, do ponto de vista da polícia, o trabalho de investigação e punição é incessante. “Em geral essas brigas são em locais distantes, os torcedores fogem rapidamente, se escondem em becos e matas. Mas vamos até o fim nas investigações. Nosso objetivo é que ninguém que participou dessas brigas escape. Nestes casos de violência que conseguimos flagrar, nos últimos dois anos há pelo menos 80 pessoas que estão sendo processadas e podem ser presas caso haja a condenação do juiz”, revela.

No último grande confronto entre torcidas organizadas, Saad diz que a causa foi uma velha rixa entre torcedores da Mancha e da Máfia Azul. Os palmeirenses se dirigiam, pela Fernão Dias, a Belo Horizonte, para acompanhar a partida entre Palmeiras e Atlético-MG. Já os cruzeirenses iam para Campinas, assistir ao jogo de sua equipe contra a Ponte Preta.

As duas torcidas se encontraram na altura da cidade de Carmópolis de Minas. No confronto, quatro integrantes da Máfia Azul foram baleados, vários membros das duas torcidas foram espancados e um membro da Mancha Verde ficou em estado grave.

Cercado por vários torcedores organizados do Cruzeiro, o presidente da Mancha, Jorge Luís, foi espancado e humilhado. As imagens das agressões viralizaram nas redes sociais. O palmeirense também teve documentos e cartões furtados por integrantes da torcida rival.

Tudo aconteceu, segundo Saad, porque os palmeirenses foram surpreendidos pelo elevado número de ônibus dos torcedores do Cruzeiro. “Torcedores da Mancha esperaram os cruzeirenses, acreditando que viriam dois ônibus apenas. Mas chegaram pelo menos seis. Nas agressões ao presidente da Mancha, houve uma violência grande, mas, na visão dos cruzeirenses, eles até agiram com ética, ao pouparem a vida do torcedor. Quiseram mostrar que não usam os artifícios dos torcedores de São Paulo, que utilizam armas e barras de ferro nas brigas. Outras torcidas organizadas, de Estados como Minas Gerais, Rio e Paraná, brigam essencialmente por meio de socos e pontapés, como ocorre na Europa”, afirma Saad.

Maior controle

Saad ressaltou que, já em 2023, haverá maior controle sobre a presença de torcedores violentos nos estádios de São Paulo. “Estamos acertando com a Federação Paulista a implantação de câmeras e equipamentos de reconhecimento facial. Com isso, poderemos, de maneira legal, impedir a entrada de torcedores que são comprovadamente violentos, mas que ainda não foram impedidos pela Justiça de frequentar as arenas”, observa.

Em nota da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Governo de Minas), a entidade afirmou que há esquemas especiais para acompanhar os torcedores durante os jogos das equipes mineiras. “Os principais pontos da capital mineira e da Região Metropolitana, incluindo estradas, vias de acesso rápido e outros locais considerados críticos, como vias próximas a estádios e estabelecimentos com transmissão de partidas e consequente aglomeração de pessoas, são monitorados por câmeras, além de contarmos com a presença ostensiva e reforçada da Polícia Militar de Minas”, declarou a Sejusp.

Já a Secretaria de Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, também em nota, admitiu que os últimos episódios fizeram a entidade dedicar atenção especial à movimentação de torcedores antes e depois dos jogos.

Após a briga, os cruzeirenses foram impedidos de entrar no Estado de São Paulo e, escoltados pela Polícia Militar, retornaram a Belo Horizonte. “A Polícia Militar intensificará o policiamento nos estádios, em rodovias, estações de trem, metrô e terminais de ônibus nos dias de jogos com grandes torcidas”, informou a entidade paulista.

A Anatorg (Associação Nacional das Torcidas Organizadas) e outras organizadas procuradas pelo Estadão preferiram não fazer comentários sobre o último confronto, entre palmeirenses e cruzeirenses. Em um momento no qual o futebol brasileiro voltou a mostrar maior qualidade, com jogos eletrizantes e estádios lotados, os torcedores comuns ficam ainda mais incomodados com a violência de organizadas.

“Para mim, essas organizadas deveriam acabar. É bizarro eles acharem que estão defendendo o clube desta maneira. Estão expondo o clube. É uma piada de mau gosto. Eles são importantes por causa das músicas, da força que dão. Mas, ao partirem para a violência, se tornam uma vergonha para o clube. Até afastam investidores e patrocinadores”, disse um torcedor que não quis ter o nome revelado por medo de represálias. O Palmeiras fez 4 a 0 no Coritiba, com muita festa e, desta vez, sem brigas, sem mortos ou feridos.

Dois dias antes do jogo entre Palmeiras e Coritiba, no Allianz Parque, pelo Brasileirão, a preocupação do delegado César Saad era uma só: evitar um conflito entre organizadas das duas equipes, em decorrência da morte de um torcedor do Palmeiras em Curitiba, no jogo do primeiro turno.

Saad, titular da DRADE (Delegacia de Polícia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva, em São Paulo), revela que essa tem sido a base do trabalho das autoridades, para conter um novo modelo de violência no futebol. O da briga entre torcidas de Estados diferentes na estrada, ao estilo “Mad Max”, filme de franquia australiana, com Mel Gibson, de 1979, em que gangues das estradas brigavam por gasolina.

Após anos de luta contra as brigas entre rivais estaduais, que ainda ocorrem, a rixa entre torcedores se espalhou pelo Brasil. As viagens se tornaram mais acessíveis e o Campeonato Brasileiro ganhou importância maior do que o Estadual, o que explica em parte esse novo fenômeno.

Torcedores de Palmeiras e Cruzeiro transformaram a rodovia Fernão Dias em campo de batalha em setembro.  Foto: Reprodução

Fortalecidas pelas inúmeras alianças entre torcedores, que acompanharam esse processo, as brigas transformaram estradas estaduais, rodovias e vias de acesso às cidades em campos de batalha. A pancadaria, muitas vezes, se mistura ao tráfego de veículos, provoca correria e terror em meio a carros com motoristas paralisados, e mancha de sangue o asfalto, transformando as pacatas matas ao redor das rodovias em esconderijos.

A última delas ocorreu na Fernão Dias, no último dia 28 de setembro, quando torcedores da Mancha Verde, do Palmeiras, e da Máfia Azul, do Cruzeiro, se enfrentaram. “Temos mantido reuniões semanais com torcedores dos grandes clubes paulistas. Há um diálogo e maior controle neste sentido. Mas o que tem acontecido são muitas brigas com torcedores de fora do Estado, que, quando vêm para São Paulo, têm se envolvido em confusão, apesar de todo o trabalho do Batalhão de Choque da Polícia Militar”, afirma Saad.

O delegado admitiu que as autoridades estão tendo dificuldades em lidar com essa situação nova. “Têm ocorrido emboscadas dos aliados de rivais destas torcidas. Isso nos tem chamado a atenção. Estamos em alerta e preparando esquemas de segurança especiais, como fizemos para o jogo entre Palmeiras e Coritiba. Queríamos evitar um novo confronto após a morte do torcedor em Curitiba”, disse Saad, antes da partida.

Legislação mais rígida

Em junho, torcedores do Corinthians e do Goiás se enfrentaram em plena Marginal Tietê. Em agosto, vascaínos brigaram com os pontepretanos em Campinas e receberam o auxílio da organizada do Palmeiras. Essas brigas nas estradas também não tem como prever ou saber quando e onde elas vão acontecer.

Para Saad, nas reuniões entre autoridades da Secretaria da Segurança do Estado de São Paulo, do Ministério Público e de entidades esportivas, a extinção destas torcidas se tornou assunto ultrapassado. “Está provado que esse tipo de iniciativa (extinção) não adianta. Assim como é apenas paliativo evitar bandeiras e mastros. Vão criar outro CNPJ, vão encontrar outras formas para brigar. O importante é o trabalho de monitoramento dos torcedores, identificação, punição e conscientização”, observa. As bandeiras voltaram recentemente aos estádios.

A extinção de torcidas já foi uma prática utilizada pelas autoridades. A própria Mancha Verde, após participar de briga na final da Supercopa São Paulo de Juniores, em 1995, na qual morreu um torcedor, foi extinta. Dois anos depois, voltou com o atual nome de Mancha Alviverde e outra documentação fiscal.

Saad acredita que a solução está em uma legislação mais rígida para esse tipo de violência. Ele se queixa do fato de que, em geral, esses torcedores são enquadrados no crime de lesão corporal, que costuma ter penas mais brandas. “O Estatuto do Torcedor é mais uma lei com punições brandas para atos de violência. Quem sofre é quem gosta do futebol, o verdadeiro torcedor. Essas brigas também devem ser enquadradas em outros tipos de crime: associação criminosa, tentativa de homicídio e até homicídio, como tem ocorrido em vários casos. Aí sim a punição seria mais rigorosa”, destaca.

80 processos em dois anos

O delegado concorda que algumas denominações, como “Máfia”, “Fúria”, já são incentivadoras da violência. Mas, neste momento, segundo ele, esta não deveria ser a prioridade para tentar eliminar os confrontos. “Esses nomes realmente não ajudam. Mas não é a primeira coisa que deve mudar. Há muitas outras ainda mais urgentes até se chegar a isso. É fundamental, por exemplo, termos uma legislação menos branda e uma conscientização dos torcedores”, diz.

Saad afirma que, do ponto de vista da polícia, o trabalho de investigação e punição é incessante. “Em geral essas brigas são em locais distantes, os torcedores fogem rapidamente, se escondem em becos e matas. Mas vamos até o fim nas investigações. Nosso objetivo é que ninguém que participou dessas brigas escape. Nestes casos de violência que conseguimos flagrar, nos últimos dois anos há pelo menos 80 pessoas que estão sendo processadas e podem ser presas caso haja a condenação do juiz”, revela.

No último grande confronto entre torcidas organizadas, Saad diz que a causa foi uma velha rixa entre torcedores da Mancha e da Máfia Azul. Os palmeirenses se dirigiam, pela Fernão Dias, a Belo Horizonte, para acompanhar a partida entre Palmeiras e Atlético-MG. Já os cruzeirenses iam para Campinas, assistir ao jogo de sua equipe contra a Ponte Preta.

As duas torcidas se encontraram na altura da cidade de Carmópolis de Minas. No confronto, quatro integrantes da Máfia Azul foram baleados, vários membros das duas torcidas foram espancados e um membro da Mancha Verde ficou em estado grave.

Cercado por vários torcedores organizados do Cruzeiro, o presidente da Mancha, Jorge Luís, foi espancado e humilhado. As imagens das agressões viralizaram nas redes sociais. O palmeirense também teve documentos e cartões furtados por integrantes da torcida rival.

Tudo aconteceu, segundo Saad, porque os palmeirenses foram surpreendidos pelo elevado número de ônibus dos torcedores do Cruzeiro. “Torcedores da Mancha esperaram os cruzeirenses, acreditando que viriam dois ônibus apenas. Mas chegaram pelo menos seis. Nas agressões ao presidente da Mancha, houve uma violência grande, mas, na visão dos cruzeirenses, eles até agiram com ética, ao pouparem a vida do torcedor. Quiseram mostrar que não usam os artifícios dos torcedores de São Paulo, que utilizam armas e barras de ferro nas brigas. Outras torcidas organizadas, de Estados como Minas Gerais, Rio e Paraná, brigam essencialmente por meio de socos e pontapés, como ocorre na Europa”, afirma Saad.

Maior controle

Saad ressaltou que, já em 2023, haverá maior controle sobre a presença de torcedores violentos nos estádios de São Paulo. “Estamos acertando com a Federação Paulista a implantação de câmeras e equipamentos de reconhecimento facial. Com isso, poderemos, de maneira legal, impedir a entrada de torcedores que são comprovadamente violentos, mas que ainda não foram impedidos pela Justiça de frequentar as arenas”, observa.

Em nota da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Governo de Minas), a entidade afirmou que há esquemas especiais para acompanhar os torcedores durante os jogos das equipes mineiras. “Os principais pontos da capital mineira e da Região Metropolitana, incluindo estradas, vias de acesso rápido e outros locais considerados críticos, como vias próximas a estádios e estabelecimentos com transmissão de partidas e consequente aglomeração de pessoas, são monitorados por câmeras, além de contarmos com a presença ostensiva e reforçada da Polícia Militar de Minas”, declarou a Sejusp.

Já a Secretaria de Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, também em nota, admitiu que os últimos episódios fizeram a entidade dedicar atenção especial à movimentação de torcedores antes e depois dos jogos.

Após a briga, os cruzeirenses foram impedidos de entrar no Estado de São Paulo e, escoltados pela Polícia Militar, retornaram a Belo Horizonte. “A Polícia Militar intensificará o policiamento nos estádios, em rodovias, estações de trem, metrô e terminais de ônibus nos dias de jogos com grandes torcidas”, informou a entidade paulista.

A Anatorg (Associação Nacional das Torcidas Organizadas) e outras organizadas procuradas pelo Estadão preferiram não fazer comentários sobre o último confronto, entre palmeirenses e cruzeirenses. Em um momento no qual o futebol brasileiro voltou a mostrar maior qualidade, com jogos eletrizantes e estádios lotados, os torcedores comuns ficam ainda mais incomodados com a violência de organizadas.

“Para mim, essas organizadas deveriam acabar. É bizarro eles acharem que estão defendendo o clube desta maneira. Estão expondo o clube. É uma piada de mau gosto. Eles são importantes por causa das músicas, da força que dão. Mas, ao partirem para a violência, se tornam uma vergonha para o clube. Até afastam investidores e patrocinadores”, disse um torcedor que não quis ter o nome revelado por medo de represálias. O Palmeiras fez 4 a 0 no Coritiba, com muita festa e, desta vez, sem brigas, sem mortos ou feridos.

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