Um time de futebol parou de cobrar ingressos. Outros deveriam fazer o mesmo?


Estratégia de entradas grátis vai custar ao Paris FC, clube que tem Raí como um dos sócios, cerca de US$ 1 milhão, mas diretoria vê ação como marketing e está contente com os resultados

Por Rory Smith

PARIS — Nem o Paris FC nem o Saint-Étienne têm motivos para recordar o jogo do dia 2 de março entre eles com carinho. Havia muito pouco para lembrar: nenhum gol, poucos chutes, pouco drama. Isso foi o que ocorreu dentro de campo. Do lado de fora, os cerca de 17 mil torcedores presentes podem se considerar parte de um exercício filosófico que no futuro poderá desempenhar um papel no esporte mais popular do mundo.

Em novembro do ano passado, o Paris FC, que está na segunda divisão francesa, passou por uma revolução improvável ao anunciar que iria eliminar o preço dos ingressos para o resto da temporada. Houve algumas exceções: uma taxa nominal para torcedores do time visitante e taxas de mercado para aqueles que usam as áreas de hospitalidade. Todos os outros, porém, poderiam ir ao Stade Charléty – o estádio que o Paris aluga da prefeitura – gratuitamente.

Paris FC não cobrará ingressos dos torcedores até o final da temporada.  Foto: Dmitry Kostyukov/NYT
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Ao fazê-lo, o clube iniciou o que equivale a uma experiência que examina algumas das questões mais profundas que afetam o esporte na era digital: a relação entre custo e valor; a conexão entre torcedores e seus times; e, o mais importante, o que significa participar de um evento numa época em que os esportes são apenas mais um braço da indústria do entretenimento.

No Paris FC, o pensamento era mais pragmático do que nobre. O futebol parisiense é dominado pelo Paris Saint-Germain. O Paris, por outro lado, é um time comum da segunda divisão que joga em uma casa alugada e sua história nem chega a ser páreo para o Red Star, tradicionalmente o segundo time da cidade.

Ao abrir suas portas, o clube acreditou que poderia aumentar o público, atrair famílias e nutrir alguma lealdade a longo prazo. Mas estava igualmente preocupado em dizer às pessoas que estava lá, que existe. “Foi uma espécie de estratégia de marketing”, disse Fabrice Herrault, gerente geral do clube. “Temos que ser diferentes para nos destacarmos na grande Paris. Foi uma boa oportunidade para falar sobre o Paris FC.”

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Meses depois, a maioria das métricas sugere que a estratégia funcionou. O público aumentou em mais de um terço. Os jogos realizados em datas e horários favoráveis a crianças em idade escolar têm sido os mais frequentados, indicando que o clube está conseguindo atrair um público mais jovem.

Os ingressos do Paris FC nunca foram desesperadamente caros – Aymeric Pinto, um torcedor que frequenta os jogos do time há uma década, disse que os participantes pagavam o equivalente a apenas US$ 6, mas a abolição até mesmo dessa barreira superficial fez uma diferença notável.

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O jogo contra o Saint-Étienne atraiu cerca de 17 mil espectadores não pagantes. Foi um ponto alto para a experiência, mas também um pouco enganador: na década de 1970, o Saint-Étienne era o time mais proeminente da França e tem uma torcida considerável. E isso se viu no estádio. “Olhe ao redor”, disse Thomas Ferrier, com sua camisa do Saint-Étienne visível sob a capa de chuva. “Todo o lugar é verde.”

Ainda assim, para o Paris FC, o padrão geral tem sido encorajador. A estratégia de ingressos grátis custará ao clube cerca de US$ 1 milhão – uma combinação de perda de receita e gastos adicionais com segurança e pessoal –, mas a opinião da empresa e o feedback dos torcedores é de que valeu a pena. “É bom para o clube”, disse Pinto. “É difícil atrair uma multidão para o Paris FC.”

Experiência alemã

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Os resultados positivos estão alinhados com a experiência do Fortuna Düsseldorf, clube alemão da segunda divisão que foi pioneiro na adoção de bilhetes gratuitos. No ano passado, o Fortuna anunciou que permitiria aos torcedores assistir a alguns jogos gratuitamente, o início de um programa-piloto de cinco anos – financiado por acordos de patrocínio – que poderia levar à abolição total das taxas de ingresso.

O Fortuna organizou dois dos três jogos gratuitos planejados para a fase-piloto. O clube disse que recebeu tantos pedidos que poderia ter lotado duas vezes seu estádio de 52 mil lugares na primeira partida e três vezes na segunda. Mais significativo, porém, é o impacto fora desses jogos.

“Nossa média de público passou de 27 mil para 33 mil”, disse Alexander Jobst, CEO do clube. “Nossas vendas de mercadorias aumentaram 50%. Nossa receita de patrocínio aumentou 50%. Atingimos um número recorde de sócios.”

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O Fortuna oscila entre o primeiro e o segundo escalão da Alemanha. Mesmo assim, está atraindo mais torcedores do que quando venceu a segunda divisão em 2018.

A correlação não é causalidade – “É difícil associá-la com certeza absoluta aos jogos gratuitos”, disse Jobst –, mas não há outra explicação particularmente convincente.

Jogadores do Paris FC em contato com a torcida no Estádio Charléty. Foto: Dmitry Kostyukov/NYT
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Conexão com a cidade

A justificativa do Fortuna era mais ideológica do que a do Paris FC. Como todos os times de futebol alemães, o Fortuna é propriedade de seus associados, e o clube viu a entrada gratuita dos torcedores como uma forma de aprofundar sua conexão com a cidade e de garantir que ninguém fosse impedido de assistir a um jogo.

Mas isso não significa que também não houvesse uma contrapartida no horizonte. O Fortuna também aluga o estádio municipal. A esperança do clube era que, ao embarcar no que considerava um “conceito social” distinto, pudesse persuadir o governo local a gastar um pouco de dinheiro na atualização das instalações.

Embora ambas as iniciativas tenham as suas raízes na economia fria – e embora ambos os clubes afirmem que os esquemas não devem ser interpretados como planos para o futuro do esporte de forma mais ampla – elas serviram como plataforma para questões mais profundas.

A mais óbvia é até que ponto o custo de um item afeta o seu valor intrínseco. No contexto do esporte, isso sempre se resumiu ao pressuposto de que é mais provável que os torcedores compareçam a um evento se pagarem para ir, e mais provavelmente ainda se pagarem uma quantia significativa. Os ingressos que não custam nada, por outro lado, são inerentemente descartáveis.

O Fortuna Düsseldorf não considerou isso um problema. “Tivemos menos faltas com os jogos gratuitos do que com os normais”, disse Jobst.

A imagem em Paris é mais complexa. “Entre os fãs, falamos muito sobre o ‘efeito de ingresso grátis’”, disse o torcedor Rayan Benabderrahmane. “Você vê pessoas chegando tarde, saindo mais cedo ou às vezes nem chegando”, observou ele. “Muitas pessoas pensam que este não é realmente o seu clube e não pagaram. Por isso, se o tempo estiver ruim, não importa no ir ao estádio.”

A questão mais significativa a ser respondida pode ser como os torcedores que assistem a um jogo dentro de um estádio devem ser categorizados. São observadores de um espetáculo e, portanto, obrigados a pagar pelo privilégio? Ou é hora de mudar essa categorização? Eles agora são parte da produção do espetáculo?[INTERTITULO]

Negócio para TV

O futebol – como todos os esportes – é hoje em grande parte um negócio televisivo. As equipes são financiadas com dinheiro de acordos de transmissão. Os horários dos jogos são reorganizados para atender aos telespectadores. As decisões dos árbitros são revisadas pelos árbitros de vídeo em um estúdio remoto.

E se o futebol agora é conteúdo, então parte desse conteúdo – o refrão, a textura, a trilha sonora, o espetáculo – é fornecido pelos torcedores. “Desde a pandemia, tem havido uma consciência crescente do papel dos espectadores na ‘produção’ de eventos desportivos”, disse Luc Arrondel, professor do Escola de Economia de Paris. Ele ressaltou que havia amplo consenso na literatura acadêmica de que a vantagem de jogar em casa é real e que o fator mais saliente na sua existência é o efeito de uma multidão partidária.

Mas a metamorfose do futebol num evento televisivo também dá aos torcedores um papel financeiro, disse Arrondel. “A presença de torcedores no estádio aumenta a atratividade do produto televisivo e, portanto, possivelmente, o valor dos direitos televisivos.”

Poder-se-ia argumentar, então, que os clubes deveriam ir ainda mais longe do que Paris FC e Fortuna Düsseldorf fizeram. De acordo com um artigo de coautoria de Arrondel, em alguns casos – para times que recebem uma certa quantia de receitas comerciais e de transmissão – há um argumento para incentivar a presença dos torcedores mais fervorosos: não apenas permitindo-lhes entrar gratuitamente, mas possivelmente até pagando-lhes para comparecer.

Do jeito que as coisas estão, isso ainda está um pouco distante. O projeto do Fortuna continua em fase de testes. O Paris FC “fará um balanço” de sua política no final da temporada, disse Herrault, o gerente geral do clube. O tamanho do público que assistiu ao jogo com o Saint-Étienne naquela chuvosa tarde de 2 de março, porém, todos aqueles figurantes na produção, podem muito bem ter ramificações para além do Stade Charléty.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times/TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

PARIS — Nem o Paris FC nem o Saint-Étienne têm motivos para recordar o jogo do dia 2 de março entre eles com carinho. Havia muito pouco para lembrar: nenhum gol, poucos chutes, pouco drama. Isso foi o que ocorreu dentro de campo. Do lado de fora, os cerca de 17 mil torcedores presentes podem se considerar parte de um exercício filosófico que no futuro poderá desempenhar um papel no esporte mais popular do mundo.

Em novembro do ano passado, o Paris FC, que está na segunda divisão francesa, passou por uma revolução improvável ao anunciar que iria eliminar o preço dos ingressos para o resto da temporada. Houve algumas exceções: uma taxa nominal para torcedores do time visitante e taxas de mercado para aqueles que usam as áreas de hospitalidade. Todos os outros, porém, poderiam ir ao Stade Charléty – o estádio que o Paris aluga da prefeitura – gratuitamente.

Paris FC não cobrará ingressos dos torcedores até o final da temporada.  Foto: Dmitry Kostyukov/NYT

Ao fazê-lo, o clube iniciou o que equivale a uma experiência que examina algumas das questões mais profundas que afetam o esporte na era digital: a relação entre custo e valor; a conexão entre torcedores e seus times; e, o mais importante, o que significa participar de um evento numa época em que os esportes são apenas mais um braço da indústria do entretenimento.

No Paris FC, o pensamento era mais pragmático do que nobre. O futebol parisiense é dominado pelo Paris Saint-Germain. O Paris, por outro lado, é um time comum da segunda divisão que joga em uma casa alugada e sua história nem chega a ser páreo para o Red Star, tradicionalmente o segundo time da cidade.

Ao abrir suas portas, o clube acreditou que poderia aumentar o público, atrair famílias e nutrir alguma lealdade a longo prazo. Mas estava igualmente preocupado em dizer às pessoas que estava lá, que existe. “Foi uma espécie de estratégia de marketing”, disse Fabrice Herrault, gerente geral do clube. “Temos que ser diferentes para nos destacarmos na grande Paris. Foi uma boa oportunidade para falar sobre o Paris FC.”

Meses depois, a maioria das métricas sugere que a estratégia funcionou. O público aumentou em mais de um terço. Os jogos realizados em datas e horários favoráveis a crianças em idade escolar têm sido os mais frequentados, indicando que o clube está conseguindo atrair um público mais jovem.

Os ingressos do Paris FC nunca foram desesperadamente caros – Aymeric Pinto, um torcedor que frequenta os jogos do time há uma década, disse que os participantes pagavam o equivalente a apenas US$ 6, mas a abolição até mesmo dessa barreira superficial fez uma diferença notável.

O jogo contra o Saint-Étienne atraiu cerca de 17 mil espectadores não pagantes. Foi um ponto alto para a experiência, mas também um pouco enganador: na década de 1970, o Saint-Étienne era o time mais proeminente da França e tem uma torcida considerável. E isso se viu no estádio. “Olhe ao redor”, disse Thomas Ferrier, com sua camisa do Saint-Étienne visível sob a capa de chuva. “Todo o lugar é verde.”

Ainda assim, para o Paris FC, o padrão geral tem sido encorajador. A estratégia de ingressos grátis custará ao clube cerca de US$ 1 milhão – uma combinação de perda de receita e gastos adicionais com segurança e pessoal –, mas a opinião da empresa e o feedback dos torcedores é de que valeu a pena. “É bom para o clube”, disse Pinto. “É difícil atrair uma multidão para o Paris FC.”

Experiência alemã

Os resultados positivos estão alinhados com a experiência do Fortuna Düsseldorf, clube alemão da segunda divisão que foi pioneiro na adoção de bilhetes gratuitos. No ano passado, o Fortuna anunciou que permitiria aos torcedores assistir a alguns jogos gratuitamente, o início de um programa-piloto de cinco anos – financiado por acordos de patrocínio – que poderia levar à abolição total das taxas de ingresso.

O Fortuna organizou dois dos três jogos gratuitos planejados para a fase-piloto. O clube disse que recebeu tantos pedidos que poderia ter lotado duas vezes seu estádio de 52 mil lugares na primeira partida e três vezes na segunda. Mais significativo, porém, é o impacto fora desses jogos.

“Nossa média de público passou de 27 mil para 33 mil”, disse Alexander Jobst, CEO do clube. “Nossas vendas de mercadorias aumentaram 50%. Nossa receita de patrocínio aumentou 50%. Atingimos um número recorde de sócios.”

O Fortuna oscila entre o primeiro e o segundo escalão da Alemanha. Mesmo assim, está atraindo mais torcedores do que quando venceu a segunda divisão em 2018.

A correlação não é causalidade – “É difícil associá-la com certeza absoluta aos jogos gratuitos”, disse Jobst –, mas não há outra explicação particularmente convincente.

Jogadores do Paris FC em contato com a torcida no Estádio Charléty. Foto: Dmitry Kostyukov/NYT

Conexão com a cidade

A justificativa do Fortuna era mais ideológica do que a do Paris FC. Como todos os times de futebol alemães, o Fortuna é propriedade de seus associados, e o clube viu a entrada gratuita dos torcedores como uma forma de aprofundar sua conexão com a cidade e de garantir que ninguém fosse impedido de assistir a um jogo.

Mas isso não significa que também não houvesse uma contrapartida no horizonte. O Fortuna também aluga o estádio municipal. A esperança do clube era que, ao embarcar no que considerava um “conceito social” distinto, pudesse persuadir o governo local a gastar um pouco de dinheiro na atualização das instalações.

Embora ambas as iniciativas tenham as suas raízes na economia fria – e embora ambos os clubes afirmem que os esquemas não devem ser interpretados como planos para o futuro do esporte de forma mais ampla – elas serviram como plataforma para questões mais profundas.

A mais óbvia é até que ponto o custo de um item afeta o seu valor intrínseco. No contexto do esporte, isso sempre se resumiu ao pressuposto de que é mais provável que os torcedores compareçam a um evento se pagarem para ir, e mais provavelmente ainda se pagarem uma quantia significativa. Os ingressos que não custam nada, por outro lado, são inerentemente descartáveis.

O Fortuna Düsseldorf não considerou isso um problema. “Tivemos menos faltas com os jogos gratuitos do que com os normais”, disse Jobst.

A imagem em Paris é mais complexa. “Entre os fãs, falamos muito sobre o ‘efeito de ingresso grátis’”, disse o torcedor Rayan Benabderrahmane. “Você vê pessoas chegando tarde, saindo mais cedo ou às vezes nem chegando”, observou ele. “Muitas pessoas pensam que este não é realmente o seu clube e não pagaram. Por isso, se o tempo estiver ruim, não importa no ir ao estádio.”

A questão mais significativa a ser respondida pode ser como os torcedores que assistem a um jogo dentro de um estádio devem ser categorizados. São observadores de um espetáculo e, portanto, obrigados a pagar pelo privilégio? Ou é hora de mudar essa categorização? Eles agora são parte da produção do espetáculo?[INTERTITULO]

Negócio para TV

O futebol – como todos os esportes – é hoje em grande parte um negócio televisivo. As equipes são financiadas com dinheiro de acordos de transmissão. Os horários dos jogos são reorganizados para atender aos telespectadores. As decisões dos árbitros são revisadas pelos árbitros de vídeo em um estúdio remoto.

E se o futebol agora é conteúdo, então parte desse conteúdo – o refrão, a textura, a trilha sonora, o espetáculo – é fornecido pelos torcedores. “Desde a pandemia, tem havido uma consciência crescente do papel dos espectadores na ‘produção’ de eventos desportivos”, disse Luc Arrondel, professor do Escola de Economia de Paris. Ele ressaltou que havia amplo consenso na literatura acadêmica de que a vantagem de jogar em casa é real e que o fator mais saliente na sua existência é o efeito de uma multidão partidária.

Mas a metamorfose do futebol num evento televisivo também dá aos torcedores um papel financeiro, disse Arrondel. “A presença de torcedores no estádio aumenta a atratividade do produto televisivo e, portanto, possivelmente, o valor dos direitos televisivos.”

Poder-se-ia argumentar, então, que os clubes deveriam ir ainda mais longe do que Paris FC e Fortuna Düsseldorf fizeram. De acordo com um artigo de coautoria de Arrondel, em alguns casos – para times que recebem uma certa quantia de receitas comerciais e de transmissão – há um argumento para incentivar a presença dos torcedores mais fervorosos: não apenas permitindo-lhes entrar gratuitamente, mas possivelmente até pagando-lhes para comparecer.

Do jeito que as coisas estão, isso ainda está um pouco distante. O projeto do Fortuna continua em fase de testes. O Paris FC “fará um balanço” de sua política no final da temporada, disse Herrault, o gerente geral do clube. O tamanho do público que assistiu ao jogo com o Saint-Étienne naquela chuvosa tarde de 2 de março, porém, todos aqueles figurantes na produção, podem muito bem ter ramificações para além do Stade Charléty.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times/TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

PARIS — Nem o Paris FC nem o Saint-Étienne têm motivos para recordar o jogo do dia 2 de março entre eles com carinho. Havia muito pouco para lembrar: nenhum gol, poucos chutes, pouco drama. Isso foi o que ocorreu dentro de campo. Do lado de fora, os cerca de 17 mil torcedores presentes podem se considerar parte de um exercício filosófico que no futuro poderá desempenhar um papel no esporte mais popular do mundo.

Em novembro do ano passado, o Paris FC, que está na segunda divisão francesa, passou por uma revolução improvável ao anunciar que iria eliminar o preço dos ingressos para o resto da temporada. Houve algumas exceções: uma taxa nominal para torcedores do time visitante e taxas de mercado para aqueles que usam as áreas de hospitalidade. Todos os outros, porém, poderiam ir ao Stade Charléty – o estádio que o Paris aluga da prefeitura – gratuitamente.

Paris FC não cobrará ingressos dos torcedores até o final da temporada.  Foto: Dmitry Kostyukov/NYT

Ao fazê-lo, o clube iniciou o que equivale a uma experiência que examina algumas das questões mais profundas que afetam o esporte na era digital: a relação entre custo e valor; a conexão entre torcedores e seus times; e, o mais importante, o que significa participar de um evento numa época em que os esportes são apenas mais um braço da indústria do entretenimento.

No Paris FC, o pensamento era mais pragmático do que nobre. O futebol parisiense é dominado pelo Paris Saint-Germain. O Paris, por outro lado, é um time comum da segunda divisão que joga em uma casa alugada e sua história nem chega a ser páreo para o Red Star, tradicionalmente o segundo time da cidade.

Ao abrir suas portas, o clube acreditou que poderia aumentar o público, atrair famílias e nutrir alguma lealdade a longo prazo. Mas estava igualmente preocupado em dizer às pessoas que estava lá, que existe. “Foi uma espécie de estratégia de marketing”, disse Fabrice Herrault, gerente geral do clube. “Temos que ser diferentes para nos destacarmos na grande Paris. Foi uma boa oportunidade para falar sobre o Paris FC.”

Meses depois, a maioria das métricas sugere que a estratégia funcionou. O público aumentou em mais de um terço. Os jogos realizados em datas e horários favoráveis a crianças em idade escolar têm sido os mais frequentados, indicando que o clube está conseguindo atrair um público mais jovem.

Os ingressos do Paris FC nunca foram desesperadamente caros – Aymeric Pinto, um torcedor que frequenta os jogos do time há uma década, disse que os participantes pagavam o equivalente a apenas US$ 6, mas a abolição até mesmo dessa barreira superficial fez uma diferença notável.

O jogo contra o Saint-Étienne atraiu cerca de 17 mil espectadores não pagantes. Foi um ponto alto para a experiência, mas também um pouco enganador: na década de 1970, o Saint-Étienne era o time mais proeminente da França e tem uma torcida considerável. E isso se viu no estádio. “Olhe ao redor”, disse Thomas Ferrier, com sua camisa do Saint-Étienne visível sob a capa de chuva. “Todo o lugar é verde.”

Ainda assim, para o Paris FC, o padrão geral tem sido encorajador. A estratégia de ingressos grátis custará ao clube cerca de US$ 1 milhão – uma combinação de perda de receita e gastos adicionais com segurança e pessoal –, mas a opinião da empresa e o feedback dos torcedores é de que valeu a pena. “É bom para o clube”, disse Pinto. “É difícil atrair uma multidão para o Paris FC.”

Experiência alemã

Os resultados positivos estão alinhados com a experiência do Fortuna Düsseldorf, clube alemão da segunda divisão que foi pioneiro na adoção de bilhetes gratuitos. No ano passado, o Fortuna anunciou que permitiria aos torcedores assistir a alguns jogos gratuitamente, o início de um programa-piloto de cinco anos – financiado por acordos de patrocínio – que poderia levar à abolição total das taxas de ingresso.

O Fortuna organizou dois dos três jogos gratuitos planejados para a fase-piloto. O clube disse que recebeu tantos pedidos que poderia ter lotado duas vezes seu estádio de 52 mil lugares na primeira partida e três vezes na segunda. Mais significativo, porém, é o impacto fora desses jogos.

“Nossa média de público passou de 27 mil para 33 mil”, disse Alexander Jobst, CEO do clube. “Nossas vendas de mercadorias aumentaram 50%. Nossa receita de patrocínio aumentou 50%. Atingimos um número recorde de sócios.”

O Fortuna oscila entre o primeiro e o segundo escalão da Alemanha. Mesmo assim, está atraindo mais torcedores do que quando venceu a segunda divisão em 2018.

A correlação não é causalidade – “É difícil associá-la com certeza absoluta aos jogos gratuitos”, disse Jobst –, mas não há outra explicação particularmente convincente.

Jogadores do Paris FC em contato com a torcida no Estádio Charléty. Foto: Dmitry Kostyukov/NYT

Conexão com a cidade

A justificativa do Fortuna era mais ideológica do que a do Paris FC. Como todos os times de futebol alemães, o Fortuna é propriedade de seus associados, e o clube viu a entrada gratuita dos torcedores como uma forma de aprofundar sua conexão com a cidade e de garantir que ninguém fosse impedido de assistir a um jogo.

Mas isso não significa que também não houvesse uma contrapartida no horizonte. O Fortuna também aluga o estádio municipal. A esperança do clube era que, ao embarcar no que considerava um “conceito social” distinto, pudesse persuadir o governo local a gastar um pouco de dinheiro na atualização das instalações.

Embora ambas as iniciativas tenham as suas raízes na economia fria – e embora ambos os clubes afirmem que os esquemas não devem ser interpretados como planos para o futuro do esporte de forma mais ampla – elas serviram como plataforma para questões mais profundas.

A mais óbvia é até que ponto o custo de um item afeta o seu valor intrínseco. No contexto do esporte, isso sempre se resumiu ao pressuposto de que é mais provável que os torcedores compareçam a um evento se pagarem para ir, e mais provavelmente ainda se pagarem uma quantia significativa. Os ingressos que não custam nada, por outro lado, são inerentemente descartáveis.

O Fortuna Düsseldorf não considerou isso um problema. “Tivemos menos faltas com os jogos gratuitos do que com os normais”, disse Jobst.

A imagem em Paris é mais complexa. “Entre os fãs, falamos muito sobre o ‘efeito de ingresso grátis’”, disse o torcedor Rayan Benabderrahmane. “Você vê pessoas chegando tarde, saindo mais cedo ou às vezes nem chegando”, observou ele. “Muitas pessoas pensam que este não é realmente o seu clube e não pagaram. Por isso, se o tempo estiver ruim, não importa no ir ao estádio.”

A questão mais significativa a ser respondida pode ser como os torcedores que assistem a um jogo dentro de um estádio devem ser categorizados. São observadores de um espetáculo e, portanto, obrigados a pagar pelo privilégio? Ou é hora de mudar essa categorização? Eles agora são parte da produção do espetáculo?[INTERTITULO]

Negócio para TV

O futebol – como todos os esportes – é hoje em grande parte um negócio televisivo. As equipes são financiadas com dinheiro de acordos de transmissão. Os horários dos jogos são reorganizados para atender aos telespectadores. As decisões dos árbitros são revisadas pelos árbitros de vídeo em um estúdio remoto.

E se o futebol agora é conteúdo, então parte desse conteúdo – o refrão, a textura, a trilha sonora, o espetáculo – é fornecido pelos torcedores. “Desde a pandemia, tem havido uma consciência crescente do papel dos espectadores na ‘produção’ de eventos desportivos”, disse Luc Arrondel, professor do Escola de Economia de Paris. Ele ressaltou que havia amplo consenso na literatura acadêmica de que a vantagem de jogar em casa é real e que o fator mais saliente na sua existência é o efeito de uma multidão partidária.

Mas a metamorfose do futebol num evento televisivo também dá aos torcedores um papel financeiro, disse Arrondel. “A presença de torcedores no estádio aumenta a atratividade do produto televisivo e, portanto, possivelmente, o valor dos direitos televisivos.”

Poder-se-ia argumentar, então, que os clubes deveriam ir ainda mais longe do que Paris FC e Fortuna Düsseldorf fizeram. De acordo com um artigo de coautoria de Arrondel, em alguns casos – para times que recebem uma certa quantia de receitas comerciais e de transmissão – há um argumento para incentivar a presença dos torcedores mais fervorosos: não apenas permitindo-lhes entrar gratuitamente, mas possivelmente até pagando-lhes para comparecer.

Do jeito que as coisas estão, isso ainda está um pouco distante. O projeto do Fortuna continua em fase de testes. O Paris FC “fará um balanço” de sua política no final da temporada, disse Herrault, o gerente geral do clube. O tamanho do público que assistiu ao jogo com o Saint-Étienne naquela chuvosa tarde de 2 de março, porém, todos aqueles figurantes na produção, podem muito bem ter ramificações para além do Stade Charléty.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times/TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

PARIS — Nem o Paris FC nem o Saint-Étienne têm motivos para recordar o jogo do dia 2 de março entre eles com carinho. Havia muito pouco para lembrar: nenhum gol, poucos chutes, pouco drama. Isso foi o que ocorreu dentro de campo. Do lado de fora, os cerca de 17 mil torcedores presentes podem se considerar parte de um exercício filosófico que no futuro poderá desempenhar um papel no esporte mais popular do mundo.

Em novembro do ano passado, o Paris FC, que está na segunda divisão francesa, passou por uma revolução improvável ao anunciar que iria eliminar o preço dos ingressos para o resto da temporada. Houve algumas exceções: uma taxa nominal para torcedores do time visitante e taxas de mercado para aqueles que usam as áreas de hospitalidade. Todos os outros, porém, poderiam ir ao Stade Charléty – o estádio que o Paris aluga da prefeitura – gratuitamente.

Paris FC não cobrará ingressos dos torcedores até o final da temporada.  Foto: Dmitry Kostyukov/NYT

Ao fazê-lo, o clube iniciou o que equivale a uma experiência que examina algumas das questões mais profundas que afetam o esporte na era digital: a relação entre custo e valor; a conexão entre torcedores e seus times; e, o mais importante, o que significa participar de um evento numa época em que os esportes são apenas mais um braço da indústria do entretenimento.

No Paris FC, o pensamento era mais pragmático do que nobre. O futebol parisiense é dominado pelo Paris Saint-Germain. O Paris, por outro lado, é um time comum da segunda divisão que joga em uma casa alugada e sua história nem chega a ser páreo para o Red Star, tradicionalmente o segundo time da cidade.

Ao abrir suas portas, o clube acreditou que poderia aumentar o público, atrair famílias e nutrir alguma lealdade a longo prazo. Mas estava igualmente preocupado em dizer às pessoas que estava lá, que existe. “Foi uma espécie de estratégia de marketing”, disse Fabrice Herrault, gerente geral do clube. “Temos que ser diferentes para nos destacarmos na grande Paris. Foi uma boa oportunidade para falar sobre o Paris FC.”

Meses depois, a maioria das métricas sugere que a estratégia funcionou. O público aumentou em mais de um terço. Os jogos realizados em datas e horários favoráveis a crianças em idade escolar têm sido os mais frequentados, indicando que o clube está conseguindo atrair um público mais jovem.

Os ingressos do Paris FC nunca foram desesperadamente caros – Aymeric Pinto, um torcedor que frequenta os jogos do time há uma década, disse que os participantes pagavam o equivalente a apenas US$ 6, mas a abolição até mesmo dessa barreira superficial fez uma diferença notável.

O jogo contra o Saint-Étienne atraiu cerca de 17 mil espectadores não pagantes. Foi um ponto alto para a experiência, mas também um pouco enganador: na década de 1970, o Saint-Étienne era o time mais proeminente da França e tem uma torcida considerável. E isso se viu no estádio. “Olhe ao redor”, disse Thomas Ferrier, com sua camisa do Saint-Étienne visível sob a capa de chuva. “Todo o lugar é verde.”

Ainda assim, para o Paris FC, o padrão geral tem sido encorajador. A estratégia de ingressos grátis custará ao clube cerca de US$ 1 milhão – uma combinação de perda de receita e gastos adicionais com segurança e pessoal –, mas a opinião da empresa e o feedback dos torcedores é de que valeu a pena. “É bom para o clube”, disse Pinto. “É difícil atrair uma multidão para o Paris FC.”

Experiência alemã

Os resultados positivos estão alinhados com a experiência do Fortuna Düsseldorf, clube alemão da segunda divisão que foi pioneiro na adoção de bilhetes gratuitos. No ano passado, o Fortuna anunciou que permitiria aos torcedores assistir a alguns jogos gratuitamente, o início de um programa-piloto de cinco anos – financiado por acordos de patrocínio – que poderia levar à abolição total das taxas de ingresso.

O Fortuna organizou dois dos três jogos gratuitos planejados para a fase-piloto. O clube disse que recebeu tantos pedidos que poderia ter lotado duas vezes seu estádio de 52 mil lugares na primeira partida e três vezes na segunda. Mais significativo, porém, é o impacto fora desses jogos.

“Nossa média de público passou de 27 mil para 33 mil”, disse Alexander Jobst, CEO do clube. “Nossas vendas de mercadorias aumentaram 50%. Nossa receita de patrocínio aumentou 50%. Atingimos um número recorde de sócios.”

O Fortuna oscila entre o primeiro e o segundo escalão da Alemanha. Mesmo assim, está atraindo mais torcedores do que quando venceu a segunda divisão em 2018.

A correlação não é causalidade – “É difícil associá-la com certeza absoluta aos jogos gratuitos”, disse Jobst –, mas não há outra explicação particularmente convincente.

Jogadores do Paris FC em contato com a torcida no Estádio Charléty. Foto: Dmitry Kostyukov/NYT

Conexão com a cidade

A justificativa do Fortuna era mais ideológica do que a do Paris FC. Como todos os times de futebol alemães, o Fortuna é propriedade de seus associados, e o clube viu a entrada gratuita dos torcedores como uma forma de aprofundar sua conexão com a cidade e de garantir que ninguém fosse impedido de assistir a um jogo.

Mas isso não significa que também não houvesse uma contrapartida no horizonte. O Fortuna também aluga o estádio municipal. A esperança do clube era que, ao embarcar no que considerava um “conceito social” distinto, pudesse persuadir o governo local a gastar um pouco de dinheiro na atualização das instalações.

Embora ambas as iniciativas tenham as suas raízes na economia fria – e embora ambos os clubes afirmem que os esquemas não devem ser interpretados como planos para o futuro do esporte de forma mais ampla – elas serviram como plataforma para questões mais profundas.

A mais óbvia é até que ponto o custo de um item afeta o seu valor intrínseco. No contexto do esporte, isso sempre se resumiu ao pressuposto de que é mais provável que os torcedores compareçam a um evento se pagarem para ir, e mais provavelmente ainda se pagarem uma quantia significativa. Os ingressos que não custam nada, por outro lado, são inerentemente descartáveis.

O Fortuna Düsseldorf não considerou isso um problema. “Tivemos menos faltas com os jogos gratuitos do que com os normais”, disse Jobst.

A imagem em Paris é mais complexa. “Entre os fãs, falamos muito sobre o ‘efeito de ingresso grátis’”, disse o torcedor Rayan Benabderrahmane. “Você vê pessoas chegando tarde, saindo mais cedo ou às vezes nem chegando”, observou ele. “Muitas pessoas pensam que este não é realmente o seu clube e não pagaram. Por isso, se o tempo estiver ruim, não importa no ir ao estádio.”

A questão mais significativa a ser respondida pode ser como os torcedores que assistem a um jogo dentro de um estádio devem ser categorizados. São observadores de um espetáculo e, portanto, obrigados a pagar pelo privilégio? Ou é hora de mudar essa categorização? Eles agora são parte da produção do espetáculo?[INTERTITULO]

Negócio para TV

O futebol – como todos os esportes – é hoje em grande parte um negócio televisivo. As equipes são financiadas com dinheiro de acordos de transmissão. Os horários dos jogos são reorganizados para atender aos telespectadores. As decisões dos árbitros são revisadas pelos árbitros de vídeo em um estúdio remoto.

E se o futebol agora é conteúdo, então parte desse conteúdo – o refrão, a textura, a trilha sonora, o espetáculo – é fornecido pelos torcedores. “Desde a pandemia, tem havido uma consciência crescente do papel dos espectadores na ‘produção’ de eventos desportivos”, disse Luc Arrondel, professor do Escola de Economia de Paris. Ele ressaltou que havia amplo consenso na literatura acadêmica de que a vantagem de jogar em casa é real e que o fator mais saliente na sua existência é o efeito de uma multidão partidária.

Mas a metamorfose do futebol num evento televisivo também dá aos torcedores um papel financeiro, disse Arrondel. “A presença de torcedores no estádio aumenta a atratividade do produto televisivo e, portanto, possivelmente, o valor dos direitos televisivos.”

Poder-se-ia argumentar, então, que os clubes deveriam ir ainda mais longe do que Paris FC e Fortuna Düsseldorf fizeram. De acordo com um artigo de coautoria de Arrondel, em alguns casos – para times que recebem uma certa quantia de receitas comerciais e de transmissão – há um argumento para incentivar a presença dos torcedores mais fervorosos: não apenas permitindo-lhes entrar gratuitamente, mas possivelmente até pagando-lhes para comparecer.

Do jeito que as coisas estão, isso ainda está um pouco distante. O projeto do Fortuna continua em fase de testes. O Paris FC “fará um balanço” de sua política no final da temporada, disse Herrault, o gerente geral do clube. O tamanho do público que assistiu ao jogo com o Saint-Étienne naquela chuvosa tarde de 2 de março, porém, todos aqueles figurantes na produção, podem muito bem ter ramificações para além do Stade Charléty.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times/TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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