Haaland brasileiro? Paixão pela cultura fez fenômeno do esqui trocar Noruega pelo Brasil


Identificado com o ‘Joga bonito’ e fã de Jorge Ben e Milton Nascimento, Lucas Braathen é campeão mundial e pode trazer medalha ao País nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2026

Por Bruno Accorsi
Atualização:

Lucas Braathen já foi chamado de “Haaland do esqui alpino” pelo tradicional jornal suíço Blick e não se incomoda com a comparação, até porque se identifica com a mentalidade do atacante do Manchester City e compartilha com ele a responsabilidade de ser um fenômeno do esporte norueguês. Aliás, compartilhava, pois agora representa o Brasil e pode conquistar a primeira medalha de Jogos Olímpicos de Inverno para a América Latina .

Nascido em Oslo, na Noruega, o esquiador de 24 anos carrega também o sobrenome Pinheiro, de sua mãe, a brasileira Alessandra, que o teve como fruto do relacionamento com o norueguês Björn Braathen, a quem conheceu em um voo para Miami na década de 1990.

A Noruega é uma potência dos esportes de inverno, e foi sob a bandeira do país nórdico que Lucas se tornou campeão do slalom na temporada 2023 da Copa do Mundo de Esqui Alpino, principal circuito internacional do gênero. Lá, e nos demais países onde o esqui é popular, o norueguês-brasileiro é uma estrela. Tal status, entretanto, não está acima de suas paixões, ligadas à cultura do Brasil e cultivadas durante os períodos que passou em São Paulo e Campinas com a família materna.

continua após a publicidade

“Quero trazer este sentimento, o jeito brasileiro, essa atmosfera, essa relação com o esporte para o meu esporte de inverno. Isso não existe no meu esporte. Eu quero ser um produto de todas as minhas inspirações, que não são somente esquiadores, são pessoas que fazem arte, pintura, música, e jogadores de futebol aqui do Brasil… Ronaldinho, Neymar, Ronaldo Fenômeno”, conta o jovem esquiador ao Estadão, em português claro e com sotaque carregado.

Lucas Braathen tem forte conexão com a música brasileira e gosta de artistas como Jorge Ben e Milton Nascimento. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Durante a infância e adolescência, Braathen visitava São Paulo uma vez por ano. Chegou até a passar um semestre inteiro na capital paulista, onde se esbaldava de futebol jogando em uma escolinha e na rua. Em casa, mais futebol, só que no computador, devorando vídeos da série Joga Bonito, que mostrava o lado mais alegre e criativo do mundo da bola, dos dribles de Ronaldinho Gaúcho ao samba da seleção brasileira nos vestiários.

continua após a publicidade

“Eu não via um jogo de futebol, um cara com um troféu e falava: ‘Nossa, eu quero ser igual ele’. Não, eu via esses vídeos no YouTube. Atletas mostrando a história deles, a personalidade deles, isso é o ‘Joga Bonito’ para mim”, afirma.

Aquilo mexia com os sentimentos de Lucas, assim como as músicas que a mãe ouvia. Não à toa, hoje é fã de artistas como Jorge Ben e Milton Nascimento. A musicalidade corre nas veias do atleta, que também é DJ dedicado ao deep house, vertente eletrônica mais suave influenciada pelo jazz e pelo funk americano, à qual acrescenta ritmos afro-latinos e canções brazucas.

A música lhe serve, ainda, como método para trazer foco e relaxamento antes das competições. Durante as disputas, embora não possa usar fones de ouvido, esquia como se estivesse dançando ao seu próprio ritmo.

continua após a publicidade

“Antes da competição, se eu preciso relaxar um pouquinho, estou muito estressado, eu vou ouvir bossa nova, Jorge Ben, talvez um Milton. Mas se eu preciso ficar mais agitado, é mais um funk, house, rap”, diz. “Vejo meu esporte como dança, eu quero achar o ritmo quando eu estou esquiando. Quando você está batendo bandeira, tem um ritmo. Eu quero achar ele. Nas minhas competições melhores, parece que eu estava dançando, não estava pensando.”

O ritmo ao qual ele se refere está ligado ao som dos bastões tocando a neve durante o ziguezague no trajeto do slalom. Em resumo, a modalidade consiste em completar uma descida desviando de ‘portões’ - espécie de bandeira erguida entre duas hastes - mais rápido que os adversários. No slalom gigante, prova que Braathen também disputa e já venceu etapas, o princípio é o mesmo, porém os ‘portões’ ficam mais distantes um do outro, o que torna as curvas maiores.

continua após a publicidade

Quando não está ziguezagueando ou discotecando, Lucas pode ser encontrado desfilando. Ele tem forte relação com a moda, já fez diversos trabalhos como modelo e admira Dennis Rodman, ex-jogador da NBA que foi companheiro de Michael Jordan no Chicago Bulls e ficou marcado por ter um estilo considerado excêntrico para a época.

“Eu sempre quis usar outros tipos de roupas, coisas estranhas, mas sempre tive medo, porque as pessoas não gostam, em especial na comunidade de esportes, as pessoas não aceitam tão fácil essa mentalidade. Eu quero ser um embaixador para a próxima geração, que eles possam andar no caminho deles. Moda é um jeito muito forte para mostrar outro lado da sua personalidade de esportes. Esporte mostra um lado da minha personalidade, mas para mim é muito importante mostrar outro lado também. Eu não sou só um atleta, quero ser uma inspiração maior”, explica o jovem esquiador.

Lucas Braathen em ação na neve de Reiteralm, na Áustria. Foto: Stefan Voitl / Red Bull Content Pool
continua após a publicidade

Período sabático e o processo para representar o Brasil

Lucas Braathen surpreendeu o mundo dos esportes de inverno quando, em outubro de 2023, poucos meses depois do título mundial, anunciou que estava se aposentando, em meio a desentendimentos com a Federação Norueguesa de Esqui por causa de direitos de imagem. “Pela primeira vez em muitos anos, me sinto livre. E todos que me conhecem sabem que a liberdade é uma das minhas maiores fontes de sucesso e felicidade”, disse, na ocasião, em coletiva de imprensa para a anunciar a decisão.

Cinco meses depois, ressurgiu com um novo anúncio: voltaria a competir no esqui alpino, mas agora representando o Brasil. A ideia começou a amadurecer em sua mente durante o período sabático e passou a fazer mais sentido a cada dia, conforme a saudade do esporte aumentava e entendia o tamanho de sua ligação à cultura brasileira.

continua após a publicidade

“Eu cultivei meu amor pelo esporte aqui no Brasil, não foi na Noruega e não foi com esporte de inverno, foi com o futebol. Eu não gostava de esquiar. Eu achava muito frio, a perna doía para caramba nas botas. Minha perna estava acostumada com praia e chuteira de futebol, não botas. Eu estava jogando futebol, visitando minha família, nas ruas de São Paulo com os meus primos. Eu descobri essa relação que os brasileiros têm com o esporte, que não tem igual em outros países. É bem especial. Eu senti esse amor e mudou minha vida”, afirma.

Na Noruega, a notícia dividiu opiniões e foi assunto nos principais veículos do país, como os canais NRK, VG e TV2. Braathen, contudo, se apegou ao apoio recebido. Ao decidir retornar ao esqui, recebeu até dicas de Aksel Lund Svindal, esquiador norueguês multicampeão e dono de dois ouros olímpicos.

“Há mais pessoas falando que é um coisa muito legal e interessante, uma oportunidade para os esportes de inverno. Tem pessoas tristes, com um pouco de raiva que não estou representando eles. Mas eu tenho a oportunidade de escrever uma nova história. Sempre vai vir mais um esquiador norueguês. Não são todas as gerações que vêm com um esquiador brasileiro. Acho que esse é meu caminho”.

Apesar dos desentendimentos passados com a Federação Norueguesa, Braathen conseguiu a liberação da entidade, por meio de uma carta, para se filiar à Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDN).

“Gostaríamos de tê-lo na seleção norueguesa. Ao mesmo tempo, devemos respeitar a escolha que ele fez pelo Brasil e as oportunidades que ele teve lá. Quanto ao retorno, vemos que ele teve oportunidades comerciais e esportivas únicas no Brasil, e ele deixou bem claro nessa escolha que era o que ele queria”, comentou Claus Ryste gerente esportivo da federação norueguesa, em entrevista à NRK.

Conforme explicado por Anders Pettersson, presidente da CBDN, ao Estadão, resta apenas o carimbo da Federação Internacional de Esqui (FIS) para oficializar a transição, o que deve ocorrer durante um Conselho previsto para junho. Se Lucas não tivesse conseguido a liberação, perderia todos os pontos no ranking mundial e teria um caminho bem mais árduo. “Eu iria representar Brasil, independentemente de eles aceitarem ou não, mas, claro, sou muito grato que aceitaram essa transformação”, afirma o esquiador.

Tudo correndo conforme o esperado, Lucas Pinheiro Braathen representará o Brasil pela primeira vez em 27 de outubro de 2024, quando será disputada a primeira etapa da Copa do Mundo, em Solden, na Áustria. São 19 etapas ao longo da temporada 2024/2025, e e circuito conta pontos no ranking de classificação para os Jogos Olímpicos de Inverno de Milão e Cortina D’Ampezzo 2026.

Lucas Braathen já foi chamado de “Haaland do esqui alpino” pelo tradicional jornal suíço Blick e não se incomoda com a comparação, até porque se identifica com a mentalidade do atacante do Manchester City e compartilha com ele a responsabilidade de ser um fenômeno do esporte norueguês. Aliás, compartilhava, pois agora representa o Brasil e pode conquistar a primeira medalha de Jogos Olímpicos de Inverno para a América Latina .

Nascido em Oslo, na Noruega, o esquiador de 24 anos carrega também o sobrenome Pinheiro, de sua mãe, a brasileira Alessandra, que o teve como fruto do relacionamento com o norueguês Björn Braathen, a quem conheceu em um voo para Miami na década de 1990.

A Noruega é uma potência dos esportes de inverno, e foi sob a bandeira do país nórdico que Lucas se tornou campeão do slalom na temporada 2023 da Copa do Mundo de Esqui Alpino, principal circuito internacional do gênero. Lá, e nos demais países onde o esqui é popular, o norueguês-brasileiro é uma estrela. Tal status, entretanto, não está acima de suas paixões, ligadas à cultura do Brasil e cultivadas durante os períodos que passou em São Paulo e Campinas com a família materna.

“Quero trazer este sentimento, o jeito brasileiro, essa atmosfera, essa relação com o esporte para o meu esporte de inverno. Isso não existe no meu esporte. Eu quero ser um produto de todas as minhas inspirações, que não são somente esquiadores, são pessoas que fazem arte, pintura, música, e jogadores de futebol aqui do Brasil… Ronaldinho, Neymar, Ronaldo Fenômeno”, conta o jovem esquiador ao Estadão, em português claro e com sotaque carregado.

Lucas Braathen tem forte conexão com a música brasileira e gosta de artistas como Jorge Ben e Milton Nascimento. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Durante a infância e adolescência, Braathen visitava São Paulo uma vez por ano. Chegou até a passar um semestre inteiro na capital paulista, onde se esbaldava de futebol jogando em uma escolinha e na rua. Em casa, mais futebol, só que no computador, devorando vídeos da série Joga Bonito, que mostrava o lado mais alegre e criativo do mundo da bola, dos dribles de Ronaldinho Gaúcho ao samba da seleção brasileira nos vestiários.

“Eu não via um jogo de futebol, um cara com um troféu e falava: ‘Nossa, eu quero ser igual ele’. Não, eu via esses vídeos no YouTube. Atletas mostrando a história deles, a personalidade deles, isso é o ‘Joga Bonito’ para mim”, afirma.

Aquilo mexia com os sentimentos de Lucas, assim como as músicas que a mãe ouvia. Não à toa, hoje é fã de artistas como Jorge Ben e Milton Nascimento. A musicalidade corre nas veias do atleta, que também é DJ dedicado ao deep house, vertente eletrônica mais suave influenciada pelo jazz e pelo funk americano, à qual acrescenta ritmos afro-latinos e canções brazucas.

A música lhe serve, ainda, como método para trazer foco e relaxamento antes das competições. Durante as disputas, embora não possa usar fones de ouvido, esquia como se estivesse dançando ao seu próprio ritmo.

“Antes da competição, se eu preciso relaxar um pouquinho, estou muito estressado, eu vou ouvir bossa nova, Jorge Ben, talvez um Milton. Mas se eu preciso ficar mais agitado, é mais um funk, house, rap”, diz. “Vejo meu esporte como dança, eu quero achar o ritmo quando eu estou esquiando. Quando você está batendo bandeira, tem um ritmo. Eu quero achar ele. Nas minhas competições melhores, parece que eu estava dançando, não estava pensando.”

O ritmo ao qual ele se refere está ligado ao som dos bastões tocando a neve durante o ziguezague no trajeto do slalom. Em resumo, a modalidade consiste em completar uma descida desviando de ‘portões’ - espécie de bandeira erguida entre duas hastes - mais rápido que os adversários. No slalom gigante, prova que Braathen também disputa e já venceu etapas, o princípio é o mesmo, porém os ‘portões’ ficam mais distantes um do outro, o que torna as curvas maiores.

Quando não está ziguezagueando ou discotecando, Lucas pode ser encontrado desfilando. Ele tem forte relação com a moda, já fez diversos trabalhos como modelo e admira Dennis Rodman, ex-jogador da NBA que foi companheiro de Michael Jordan no Chicago Bulls e ficou marcado por ter um estilo considerado excêntrico para a época.

“Eu sempre quis usar outros tipos de roupas, coisas estranhas, mas sempre tive medo, porque as pessoas não gostam, em especial na comunidade de esportes, as pessoas não aceitam tão fácil essa mentalidade. Eu quero ser um embaixador para a próxima geração, que eles possam andar no caminho deles. Moda é um jeito muito forte para mostrar outro lado da sua personalidade de esportes. Esporte mostra um lado da minha personalidade, mas para mim é muito importante mostrar outro lado também. Eu não sou só um atleta, quero ser uma inspiração maior”, explica o jovem esquiador.

Lucas Braathen em ação na neve de Reiteralm, na Áustria. Foto: Stefan Voitl / Red Bull Content Pool

Período sabático e o processo para representar o Brasil

Lucas Braathen surpreendeu o mundo dos esportes de inverno quando, em outubro de 2023, poucos meses depois do título mundial, anunciou que estava se aposentando, em meio a desentendimentos com a Federação Norueguesa de Esqui por causa de direitos de imagem. “Pela primeira vez em muitos anos, me sinto livre. E todos que me conhecem sabem que a liberdade é uma das minhas maiores fontes de sucesso e felicidade”, disse, na ocasião, em coletiva de imprensa para a anunciar a decisão.

Cinco meses depois, ressurgiu com um novo anúncio: voltaria a competir no esqui alpino, mas agora representando o Brasil. A ideia começou a amadurecer em sua mente durante o período sabático e passou a fazer mais sentido a cada dia, conforme a saudade do esporte aumentava e entendia o tamanho de sua ligação à cultura brasileira.

“Eu cultivei meu amor pelo esporte aqui no Brasil, não foi na Noruega e não foi com esporte de inverno, foi com o futebol. Eu não gostava de esquiar. Eu achava muito frio, a perna doía para caramba nas botas. Minha perna estava acostumada com praia e chuteira de futebol, não botas. Eu estava jogando futebol, visitando minha família, nas ruas de São Paulo com os meus primos. Eu descobri essa relação que os brasileiros têm com o esporte, que não tem igual em outros países. É bem especial. Eu senti esse amor e mudou minha vida”, afirma.

Na Noruega, a notícia dividiu opiniões e foi assunto nos principais veículos do país, como os canais NRK, VG e TV2. Braathen, contudo, se apegou ao apoio recebido. Ao decidir retornar ao esqui, recebeu até dicas de Aksel Lund Svindal, esquiador norueguês multicampeão e dono de dois ouros olímpicos.

“Há mais pessoas falando que é um coisa muito legal e interessante, uma oportunidade para os esportes de inverno. Tem pessoas tristes, com um pouco de raiva que não estou representando eles. Mas eu tenho a oportunidade de escrever uma nova história. Sempre vai vir mais um esquiador norueguês. Não são todas as gerações que vêm com um esquiador brasileiro. Acho que esse é meu caminho”.

Apesar dos desentendimentos passados com a Federação Norueguesa, Braathen conseguiu a liberação da entidade, por meio de uma carta, para se filiar à Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDN).

“Gostaríamos de tê-lo na seleção norueguesa. Ao mesmo tempo, devemos respeitar a escolha que ele fez pelo Brasil e as oportunidades que ele teve lá. Quanto ao retorno, vemos que ele teve oportunidades comerciais e esportivas únicas no Brasil, e ele deixou bem claro nessa escolha que era o que ele queria”, comentou Claus Ryste gerente esportivo da federação norueguesa, em entrevista à NRK.

Conforme explicado por Anders Pettersson, presidente da CBDN, ao Estadão, resta apenas o carimbo da Federação Internacional de Esqui (FIS) para oficializar a transição, o que deve ocorrer durante um Conselho previsto para junho. Se Lucas não tivesse conseguido a liberação, perderia todos os pontos no ranking mundial e teria um caminho bem mais árduo. “Eu iria representar Brasil, independentemente de eles aceitarem ou não, mas, claro, sou muito grato que aceitaram essa transformação”, afirma o esquiador.

Tudo correndo conforme o esperado, Lucas Pinheiro Braathen representará o Brasil pela primeira vez em 27 de outubro de 2024, quando será disputada a primeira etapa da Copa do Mundo, em Solden, na Áustria. São 19 etapas ao longo da temporada 2024/2025, e e circuito conta pontos no ranking de classificação para os Jogos Olímpicos de Inverno de Milão e Cortina D’Ampezzo 2026.

Lucas Braathen já foi chamado de “Haaland do esqui alpino” pelo tradicional jornal suíço Blick e não se incomoda com a comparação, até porque se identifica com a mentalidade do atacante do Manchester City e compartilha com ele a responsabilidade de ser um fenômeno do esporte norueguês. Aliás, compartilhava, pois agora representa o Brasil e pode conquistar a primeira medalha de Jogos Olímpicos de Inverno para a América Latina .

Nascido em Oslo, na Noruega, o esquiador de 24 anos carrega também o sobrenome Pinheiro, de sua mãe, a brasileira Alessandra, que o teve como fruto do relacionamento com o norueguês Björn Braathen, a quem conheceu em um voo para Miami na década de 1990.

A Noruega é uma potência dos esportes de inverno, e foi sob a bandeira do país nórdico que Lucas se tornou campeão do slalom na temporada 2023 da Copa do Mundo de Esqui Alpino, principal circuito internacional do gênero. Lá, e nos demais países onde o esqui é popular, o norueguês-brasileiro é uma estrela. Tal status, entretanto, não está acima de suas paixões, ligadas à cultura do Brasil e cultivadas durante os períodos que passou em São Paulo e Campinas com a família materna.

“Quero trazer este sentimento, o jeito brasileiro, essa atmosfera, essa relação com o esporte para o meu esporte de inverno. Isso não existe no meu esporte. Eu quero ser um produto de todas as minhas inspirações, que não são somente esquiadores, são pessoas que fazem arte, pintura, música, e jogadores de futebol aqui do Brasil… Ronaldinho, Neymar, Ronaldo Fenômeno”, conta o jovem esquiador ao Estadão, em português claro e com sotaque carregado.

Lucas Braathen tem forte conexão com a música brasileira e gosta de artistas como Jorge Ben e Milton Nascimento. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Durante a infância e adolescência, Braathen visitava São Paulo uma vez por ano. Chegou até a passar um semestre inteiro na capital paulista, onde se esbaldava de futebol jogando em uma escolinha e na rua. Em casa, mais futebol, só que no computador, devorando vídeos da série Joga Bonito, que mostrava o lado mais alegre e criativo do mundo da bola, dos dribles de Ronaldinho Gaúcho ao samba da seleção brasileira nos vestiários.

“Eu não via um jogo de futebol, um cara com um troféu e falava: ‘Nossa, eu quero ser igual ele’. Não, eu via esses vídeos no YouTube. Atletas mostrando a história deles, a personalidade deles, isso é o ‘Joga Bonito’ para mim”, afirma.

Aquilo mexia com os sentimentos de Lucas, assim como as músicas que a mãe ouvia. Não à toa, hoje é fã de artistas como Jorge Ben e Milton Nascimento. A musicalidade corre nas veias do atleta, que também é DJ dedicado ao deep house, vertente eletrônica mais suave influenciada pelo jazz e pelo funk americano, à qual acrescenta ritmos afro-latinos e canções brazucas.

A música lhe serve, ainda, como método para trazer foco e relaxamento antes das competições. Durante as disputas, embora não possa usar fones de ouvido, esquia como se estivesse dançando ao seu próprio ritmo.

“Antes da competição, se eu preciso relaxar um pouquinho, estou muito estressado, eu vou ouvir bossa nova, Jorge Ben, talvez um Milton. Mas se eu preciso ficar mais agitado, é mais um funk, house, rap”, diz. “Vejo meu esporte como dança, eu quero achar o ritmo quando eu estou esquiando. Quando você está batendo bandeira, tem um ritmo. Eu quero achar ele. Nas minhas competições melhores, parece que eu estava dançando, não estava pensando.”

O ritmo ao qual ele se refere está ligado ao som dos bastões tocando a neve durante o ziguezague no trajeto do slalom. Em resumo, a modalidade consiste em completar uma descida desviando de ‘portões’ - espécie de bandeira erguida entre duas hastes - mais rápido que os adversários. No slalom gigante, prova que Braathen também disputa e já venceu etapas, o princípio é o mesmo, porém os ‘portões’ ficam mais distantes um do outro, o que torna as curvas maiores.

Quando não está ziguezagueando ou discotecando, Lucas pode ser encontrado desfilando. Ele tem forte relação com a moda, já fez diversos trabalhos como modelo e admira Dennis Rodman, ex-jogador da NBA que foi companheiro de Michael Jordan no Chicago Bulls e ficou marcado por ter um estilo considerado excêntrico para a época.

“Eu sempre quis usar outros tipos de roupas, coisas estranhas, mas sempre tive medo, porque as pessoas não gostam, em especial na comunidade de esportes, as pessoas não aceitam tão fácil essa mentalidade. Eu quero ser um embaixador para a próxima geração, que eles possam andar no caminho deles. Moda é um jeito muito forte para mostrar outro lado da sua personalidade de esportes. Esporte mostra um lado da minha personalidade, mas para mim é muito importante mostrar outro lado também. Eu não sou só um atleta, quero ser uma inspiração maior”, explica o jovem esquiador.

Lucas Braathen em ação na neve de Reiteralm, na Áustria. Foto: Stefan Voitl / Red Bull Content Pool

Período sabático e o processo para representar o Brasil

Lucas Braathen surpreendeu o mundo dos esportes de inverno quando, em outubro de 2023, poucos meses depois do título mundial, anunciou que estava se aposentando, em meio a desentendimentos com a Federação Norueguesa de Esqui por causa de direitos de imagem. “Pela primeira vez em muitos anos, me sinto livre. E todos que me conhecem sabem que a liberdade é uma das minhas maiores fontes de sucesso e felicidade”, disse, na ocasião, em coletiva de imprensa para a anunciar a decisão.

Cinco meses depois, ressurgiu com um novo anúncio: voltaria a competir no esqui alpino, mas agora representando o Brasil. A ideia começou a amadurecer em sua mente durante o período sabático e passou a fazer mais sentido a cada dia, conforme a saudade do esporte aumentava e entendia o tamanho de sua ligação à cultura brasileira.

“Eu cultivei meu amor pelo esporte aqui no Brasil, não foi na Noruega e não foi com esporte de inverno, foi com o futebol. Eu não gostava de esquiar. Eu achava muito frio, a perna doía para caramba nas botas. Minha perna estava acostumada com praia e chuteira de futebol, não botas. Eu estava jogando futebol, visitando minha família, nas ruas de São Paulo com os meus primos. Eu descobri essa relação que os brasileiros têm com o esporte, que não tem igual em outros países. É bem especial. Eu senti esse amor e mudou minha vida”, afirma.

Na Noruega, a notícia dividiu opiniões e foi assunto nos principais veículos do país, como os canais NRK, VG e TV2. Braathen, contudo, se apegou ao apoio recebido. Ao decidir retornar ao esqui, recebeu até dicas de Aksel Lund Svindal, esquiador norueguês multicampeão e dono de dois ouros olímpicos.

“Há mais pessoas falando que é um coisa muito legal e interessante, uma oportunidade para os esportes de inverno. Tem pessoas tristes, com um pouco de raiva que não estou representando eles. Mas eu tenho a oportunidade de escrever uma nova história. Sempre vai vir mais um esquiador norueguês. Não são todas as gerações que vêm com um esquiador brasileiro. Acho que esse é meu caminho”.

Apesar dos desentendimentos passados com a Federação Norueguesa, Braathen conseguiu a liberação da entidade, por meio de uma carta, para se filiar à Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDN).

“Gostaríamos de tê-lo na seleção norueguesa. Ao mesmo tempo, devemos respeitar a escolha que ele fez pelo Brasil e as oportunidades que ele teve lá. Quanto ao retorno, vemos que ele teve oportunidades comerciais e esportivas únicas no Brasil, e ele deixou bem claro nessa escolha que era o que ele queria”, comentou Claus Ryste gerente esportivo da federação norueguesa, em entrevista à NRK.

Conforme explicado por Anders Pettersson, presidente da CBDN, ao Estadão, resta apenas o carimbo da Federação Internacional de Esqui (FIS) para oficializar a transição, o que deve ocorrer durante um Conselho previsto para junho. Se Lucas não tivesse conseguido a liberação, perderia todos os pontos no ranking mundial e teria um caminho bem mais árduo. “Eu iria representar Brasil, independentemente de eles aceitarem ou não, mas, claro, sou muito grato que aceitaram essa transformação”, afirma o esquiador.

Tudo correndo conforme o esperado, Lucas Pinheiro Braathen representará o Brasil pela primeira vez em 27 de outubro de 2024, quando será disputada a primeira etapa da Copa do Mundo, em Solden, na Áustria. São 19 etapas ao longo da temporada 2024/2025, e e circuito conta pontos no ranking de classificação para os Jogos Olímpicos de Inverno de Milão e Cortina D’Ampezzo 2026.

Lucas Braathen já foi chamado de “Haaland do esqui alpino” pelo tradicional jornal suíço Blick e não se incomoda com a comparação, até porque se identifica com a mentalidade do atacante do Manchester City e compartilha com ele a responsabilidade de ser um fenômeno do esporte norueguês. Aliás, compartilhava, pois agora representa o Brasil e pode conquistar a primeira medalha de Jogos Olímpicos de Inverno para a América Latina .

Nascido em Oslo, na Noruega, o esquiador de 24 anos carrega também o sobrenome Pinheiro, de sua mãe, a brasileira Alessandra, que o teve como fruto do relacionamento com o norueguês Björn Braathen, a quem conheceu em um voo para Miami na década de 1990.

A Noruega é uma potência dos esportes de inverno, e foi sob a bandeira do país nórdico que Lucas se tornou campeão do slalom na temporada 2023 da Copa do Mundo de Esqui Alpino, principal circuito internacional do gênero. Lá, e nos demais países onde o esqui é popular, o norueguês-brasileiro é uma estrela. Tal status, entretanto, não está acima de suas paixões, ligadas à cultura do Brasil e cultivadas durante os períodos que passou em São Paulo e Campinas com a família materna.

“Quero trazer este sentimento, o jeito brasileiro, essa atmosfera, essa relação com o esporte para o meu esporte de inverno. Isso não existe no meu esporte. Eu quero ser um produto de todas as minhas inspirações, que não são somente esquiadores, são pessoas que fazem arte, pintura, música, e jogadores de futebol aqui do Brasil… Ronaldinho, Neymar, Ronaldo Fenômeno”, conta o jovem esquiador ao Estadão, em português claro e com sotaque carregado.

Lucas Braathen tem forte conexão com a música brasileira e gosta de artistas como Jorge Ben e Milton Nascimento. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Durante a infância e adolescência, Braathen visitava São Paulo uma vez por ano. Chegou até a passar um semestre inteiro na capital paulista, onde se esbaldava de futebol jogando em uma escolinha e na rua. Em casa, mais futebol, só que no computador, devorando vídeos da série Joga Bonito, que mostrava o lado mais alegre e criativo do mundo da bola, dos dribles de Ronaldinho Gaúcho ao samba da seleção brasileira nos vestiários.

“Eu não via um jogo de futebol, um cara com um troféu e falava: ‘Nossa, eu quero ser igual ele’. Não, eu via esses vídeos no YouTube. Atletas mostrando a história deles, a personalidade deles, isso é o ‘Joga Bonito’ para mim”, afirma.

Aquilo mexia com os sentimentos de Lucas, assim como as músicas que a mãe ouvia. Não à toa, hoje é fã de artistas como Jorge Ben e Milton Nascimento. A musicalidade corre nas veias do atleta, que também é DJ dedicado ao deep house, vertente eletrônica mais suave influenciada pelo jazz e pelo funk americano, à qual acrescenta ritmos afro-latinos e canções brazucas.

A música lhe serve, ainda, como método para trazer foco e relaxamento antes das competições. Durante as disputas, embora não possa usar fones de ouvido, esquia como se estivesse dançando ao seu próprio ritmo.

“Antes da competição, se eu preciso relaxar um pouquinho, estou muito estressado, eu vou ouvir bossa nova, Jorge Ben, talvez um Milton. Mas se eu preciso ficar mais agitado, é mais um funk, house, rap”, diz. “Vejo meu esporte como dança, eu quero achar o ritmo quando eu estou esquiando. Quando você está batendo bandeira, tem um ritmo. Eu quero achar ele. Nas minhas competições melhores, parece que eu estava dançando, não estava pensando.”

O ritmo ao qual ele se refere está ligado ao som dos bastões tocando a neve durante o ziguezague no trajeto do slalom. Em resumo, a modalidade consiste em completar uma descida desviando de ‘portões’ - espécie de bandeira erguida entre duas hastes - mais rápido que os adversários. No slalom gigante, prova que Braathen também disputa e já venceu etapas, o princípio é o mesmo, porém os ‘portões’ ficam mais distantes um do outro, o que torna as curvas maiores.

Quando não está ziguezagueando ou discotecando, Lucas pode ser encontrado desfilando. Ele tem forte relação com a moda, já fez diversos trabalhos como modelo e admira Dennis Rodman, ex-jogador da NBA que foi companheiro de Michael Jordan no Chicago Bulls e ficou marcado por ter um estilo considerado excêntrico para a época.

“Eu sempre quis usar outros tipos de roupas, coisas estranhas, mas sempre tive medo, porque as pessoas não gostam, em especial na comunidade de esportes, as pessoas não aceitam tão fácil essa mentalidade. Eu quero ser um embaixador para a próxima geração, que eles possam andar no caminho deles. Moda é um jeito muito forte para mostrar outro lado da sua personalidade de esportes. Esporte mostra um lado da minha personalidade, mas para mim é muito importante mostrar outro lado também. Eu não sou só um atleta, quero ser uma inspiração maior”, explica o jovem esquiador.

Lucas Braathen em ação na neve de Reiteralm, na Áustria. Foto: Stefan Voitl / Red Bull Content Pool

Período sabático e o processo para representar o Brasil

Lucas Braathen surpreendeu o mundo dos esportes de inverno quando, em outubro de 2023, poucos meses depois do título mundial, anunciou que estava se aposentando, em meio a desentendimentos com a Federação Norueguesa de Esqui por causa de direitos de imagem. “Pela primeira vez em muitos anos, me sinto livre. E todos que me conhecem sabem que a liberdade é uma das minhas maiores fontes de sucesso e felicidade”, disse, na ocasião, em coletiva de imprensa para a anunciar a decisão.

Cinco meses depois, ressurgiu com um novo anúncio: voltaria a competir no esqui alpino, mas agora representando o Brasil. A ideia começou a amadurecer em sua mente durante o período sabático e passou a fazer mais sentido a cada dia, conforme a saudade do esporte aumentava e entendia o tamanho de sua ligação à cultura brasileira.

“Eu cultivei meu amor pelo esporte aqui no Brasil, não foi na Noruega e não foi com esporte de inverno, foi com o futebol. Eu não gostava de esquiar. Eu achava muito frio, a perna doía para caramba nas botas. Minha perna estava acostumada com praia e chuteira de futebol, não botas. Eu estava jogando futebol, visitando minha família, nas ruas de São Paulo com os meus primos. Eu descobri essa relação que os brasileiros têm com o esporte, que não tem igual em outros países. É bem especial. Eu senti esse amor e mudou minha vida”, afirma.

Na Noruega, a notícia dividiu opiniões e foi assunto nos principais veículos do país, como os canais NRK, VG e TV2. Braathen, contudo, se apegou ao apoio recebido. Ao decidir retornar ao esqui, recebeu até dicas de Aksel Lund Svindal, esquiador norueguês multicampeão e dono de dois ouros olímpicos.

“Há mais pessoas falando que é um coisa muito legal e interessante, uma oportunidade para os esportes de inverno. Tem pessoas tristes, com um pouco de raiva que não estou representando eles. Mas eu tenho a oportunidade de escrever uma nova história. Sempre vai vir mais um esquiador norueguês. Não são todas as gerações que vêm com um esquiador brasileiro. Acho que esse é meu caminho”.

Apesar dos desentendimentos passados com a Federação Norueguesa, Braathen conseguiu a liberação da entidade, por meio de uma carta, para se filiar à Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDN).

“Gostaríamos de tê-lo na seleção norueguesa. Ao mesmo tempo, devemos respeitar a escolha que ele fez pelo Brasil e as oportunidades que ele teve lá. Quanto ao retorno, vemos que ele teve oportunidades comerciais e esportivas únicas no Brasil, e ele deixou bem claro nessa escolha que era o que ele queria”, comentou Claus Ryste gerente esportivo da federação norueguesa, em entrevista à NRK.

Conforme explicado por Anders Pettersson, presidente da CBDN, ao Estadão, resta apenas o carimbo da Federação Internacional de Esqui (FIS) para oficializar a transição, o que deve ocorrer durante um Conselho previsto para junho. Se Lucas não tivesse conseguido a liberação, perderia todos os pontos no ranking mundial e teria um caminho bem mais árduo. “Eu iria representar Brasil, independentemente de eles aceitarem ou não, mas, claro, sou muito grato que aceitaram essa transformação”, afirma o esquiador.

Tudo correndo conforme o esperado, Lucas Pinheiro Braathen representará o Brasil pela primeira vez em 27 de outubro de 2024, quando será disputada a primeira etapa da Copa do Mundo, em Solden, na Áustria. São 19 etapas ao longo da temporada 2024/2025, e e circuito conta pontos no ranking de classificação para os Jogos Olímpicos de Inverno de Milão e Cortina D’Ampezzo 2026.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.