Escultura, pintura e até música: a modalidade mais inusitada da Olimpíada chegava ao fim há 100 anos


Que 2024 marque o 100º aniversário da medalha de ouro do arremessador de disco, o centenário de uma Olimpíada de Paris e início de outra é uma feliz coincidência

Por John Branch (The New York Times)
Atualização:

Por muitos anos, as Olimpíadas distribuíram medalhas para artistas, não apenas para atletas – se você não sabia disso, o resto deste texto pode trazer mais surpresas. E o auge dessa prática ocorreu em Paris, 100 anos atrás.

A medalha de ouro em escultura nas Olimpíadas de Paris de 1924 foi para um artista grego chamado Costas Dimitriadis. Seu Discobole (arremessador de disco) nu e arqueado de 2,10 metros de altura passou semanas exibido com destaque no Grand Palais.

"O lançador de disco", de Costas Dimitriadis, levou a medalha de ouro nos Jogos de Paris, de 1924. Foto: Victor J. Blue/NYT
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Dois anos mais tarde, diante de “uma multidão de mulheres em vestidos leves e homens com chapéus de palha”, como noticiou o New York Times, a escultura premiada, agora fundida em bronze, foi instalada na frente do Metropolitan Museum of Art, no Central Park de Nova York.

“Um símbolo da perfeição humana”, declarou um representante do museu naquele dia.

A estátua não ficou parada por muito tempo. Assim como as competições de artes nas Olimpíadas, ela saiu para uma grande jornada – rumo ao esquecimento.

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“Pentatlo das Musas”

Por décadas, a partir das Olimpíadas de 1912 em Estocolmo, as Olimpíadas incluíram competições de pintura, escultura, arquitetura, música e literatura – um “pentatlo das Musas”, como disse Pierre de Coubertin, fundador e líder das Olimpíadas modernas.

“A partir de agora, elas farão parte de toda Olimpíada, em pé de igualdade com as competições atléticas”, disse Coubertin.

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Milhares de artistas enviaram trabalhos. Foram concedidas mais de 150 medalhas olímpicas em artes, as mesmas medalhas que os atletas recebiam. Nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1932, 400 mil pessoas visitaram a exposição de inscrições, que durou um mês.

“The Liffey Swim”, principal trabalho do artista irlandês Jack Butler Yeats levou a prata nos Jogos de Paris de 1924. Foto: Ellius Grace/NYT

Com o regresso dos Jogos Olímpicos a Paris neste verão, estarão em disputa milhares de medalhas de ouro, prata e bronze – todas nos esportes, nenhuma nas artes.

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“O espírito de Pierre de Coubertin não sobreviveu”, disse Nikoleta Tzani, historiadora de arte grega.

Mas algumas obras de arte, sim. Elas estão espalhadas pelo mundo todo, algumas em museus ou parques, outras em coleções particulares, muitas delas simplesmente perdidas no tempo e na indiferença.

Em Lausanne, na Suíça, sede do Comitê Olímpico Internacional (COI), o Museu Olímpico tem uma área de armazenamento segura no subsolo. Os curadores supervisionam milhares de equipamentos esportivos, uniformes, medalhas, documentos, tochas, troféus – e obras de arte.

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Mas as únicas pinturas ganhadoras de medalhas de ouro na coleção são as duas peças coloridas de um tríptico que rendeu ao ilustrador de jornal Jean Jacoby, de Luxemburgo, o primeiro lugar em 1924. Uma representa o futebol; outra, o rúgbi. O paradeiro da terceira pintura a óleo, representando o início de uma corrida, é desconhecido.

No andar de cima, os visitantes do museu aprendem tudo sobre Coubertin e veem objetos que relembram a história dos esportes olímpicos. Não há indicação de que as Olimpíadas tenham realizado competições artísticas.

Fora do museu, porém, o jardim está salpicado de esculturas. Um visitante atento talvez note uma peça em particular: o arremessador de Dimitriadis, uma cópia do final do século 20 daquele de Nova York.

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“O original ganhou o primeiro prêmio na seção de escultura do concurso de arte realizado durante os Jogos Olímpicos de Paris, em 1924″, diz uma placa – mensagem enigmática que levanta mais perguntas que respostas.

De Paris à Ilha de Randall

Patricia Reymond é gerente de coleções do Museu Olímpico de Lausanne. Numa tarde de março, no silencioso depósito do subsolo, ela ponderou para onde tinha ido toda a arte olímpica.

“É claro que adoraríamos ter mais peças dos artistas vencedores”, disse ela, perto de uma das pinturas de Jacoby. “Mas é difícil”.

Os pesquisadores têm listas dos artistas e títulos de obras submetidos a cada Olimpíada, mas as descrições, quando existem, são vagas. Às vezes, os artistas criavam várias obras com títulos semelhantes, dificultando a verificação. As poucas fotografias restantes são em preto e branco.

Curadores vasculham leilões e vendas online. A língua é uma barreira. Nem sempre se explica que as peças anunciadas participaram das Olimpíadas.

O caso do arremessador de disco talvez seja o mais ilustrativo. Um executivo do tabaco greco-americano chamado Ery Kehaya encomendou a primeira versão em bronze para Nova York.

Mas uma década depois da sua inauguração festiva diante do Met, ela foi arrancada dali e reinstalada na Ilha de Randall, em Nova York, em frente a um novo estádio onde o velocista Jesse Owens se classificaria para os Jogos Olímpicos de Berlim.

O local fazia um certo sentido, mas há muito tempo é bem mais provável que os nova-iorquinos cruzem as pontes da Ilha de Randall de carro ou trem do que parem ali. Com cerca de dois quilômetros quadrados e praticamente desabitada, a ilha é o ponto onde a ponte Robert F. Kennedy (antiga Triborough) une Manhattan, Queens e Bronx. Ali estão parques e instalações esportivas, em sua maioria mantidos pela Aliança dos Parques da Ilha de Randall.

A assinatura do artista grego Costas Dimitriadis está visível na base do "Lançador de Discos". Foto: Victor J. Blue/NYT

O logotipo da organização é uma silhueta do arremessador de disco. Retratando uma forma antiga de arremesso com as duas mãos, parece um nudista musculoso tentando entregar um pão para alguém atrás dele no meio da multidão.

“A maioria das pessoas não sabe o que ela representa”, admitiu Deborah Maher, presidente da aliança.

A estátua não envelheceu bem. Desgastada e vandalizada, sem um braço e o próprio disco, ela foi discretamente removida e guardada em 1970.

Mas o arremessador de disco foi redescoberto e reformado em 1999. Com o antigo estádio prestes a ser demolido, ele foi parar num canteiro gramado ao pé de uma rampa de saída para Manhattan.

A estátua ficou ali até o ano passado, quando Maher e outros expressaram preocupação com as obras de manutenção das estradas. Eles a retiraram dali e, em 16 de abril, o arremessador de disco foi reinstalado, mais uma vez, diante do Estádio Icahn, espaço com capacidade para 5 mil lugares, inaugurado em 2005 no local do estádio anterior.

A estátua é a peça central de uma nova praça de US$ 1,6 milhão. Fica no alto de um canteiro de flores redondo e elevado, iluminado por todo os lados.

“Queríamos dar a ela um lugar de destaque”, disse Maher.

Que 2024 marque o 100º aniversário da medalha de ouro do arremessador de disco, o centenário de uma Olimpíada de Paris e início de outra – e tudo isso é uma feliz coincidência.

Um lugar de destaque na Ilha de Randall talvez não seja a maior das glórias olímpicas. Mas é um destino muito melhor do que o das competições artísticas, enterradas pela história.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Por muitos anos, as Olimpíadas distribuíram medalhas para artistas, não apenas para atletas – se você não sabia disso, o resto deste texto pode trazer mais surpresas. E o auge dessa prática ocorreu em Paris, 100 anos atrás.

A medalha de ouro em escultura nas Olimpíadas de Paris de 1924 foi para um artista grego chamado Costas Dimitriadis. Seu Discobole (arremessador de disco) nu e arqueado de 2,10 metros de altura passou semanas exibido com destaque no Grand Palais.

"O lançador de disco", de Costas Dimitriadis, levou a medalha de ouro nos Jogos de Paris, de 1924. Foto: Victor J. Blue/NYT

Dois anos mais tarde, diante de “uma multidão de mulheres em vestidos leves e homens com chapéus de palha”, como noticiou o New York Times, a escultura premiada, agora fundida em bronze, foi instalada na frente do Metropolitan Museum of Art, no Central Park de Nova York.

“Um símbolo da perfeição humana”, declarou um representante do museu naquele dia.

A estátua não ficou parada por muito tempo. Assim como as competições de artes nas Olimpíadas, ela saiu para uma grande jornada – rumo ao esquecimento.

“Pentatlo das Musas”

Por décadas, a partir das Olimpíadas de 1912 em Estocolmo, as Olimpíadas incluíram competições de pintura, escultura, arquitetura, música e literatura – um “pentatlo das Musas”, como disse Pierre de Coubertin, fundador e líder das Olimpíadas modernas.

“A partir de agora, elas farão parte de toda Olimpíada, em pé de igualdade com as competições atléticas”, disse Coubertin.

Milhares de artistas enviaram trabalhos. Foram concedidas mais de 150 medalhas olímpicas em artes, as mesmas medalhas que os atletas recebiam. Nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1932, 400 mil pessoas visitaram a exposição de inscrições, que durou um mês.

“The Liffey Swim”, principal trabalho do artista irlandês Jack Butler Yeats levou a prata nos Jogos de Paris de 1924. Foto: Ellius Grace/NYT

Com o regresso dos Jogos Olímpicos a Paris neste verão, estarão em disputa milhares de medalhas de ouro, prata e bronze – todas nos esportes, nenhuma nas artes.

“O espírito de Pierre de Coubertin não sobreviveu”, disse Nikoleta Tzani, historiadora de arte grega.

Mas algumas obras de arte, sim. Elas estão espalhadas pelo mundo todo, algumas em museus ou parques, outras em coleções particulares, muitas delas simplesmente perdidas no tempo e na indiferença.

Em Lausanne, na Suíça, sede do Comitê Olímpico Internacional (COI), o Museu Olímpico tem uma área de armazenamento segura no subsolo. Os curadores supervisionam milhares de equipamentos esportivos, uniformes, medalhas, documentos, tochas, troféus – e obras de arte.

Mas as únicas pinturas ganhadoras de medalhas de ouro na coleção são as duas peças coloridas de um tríptico que rendeu ao ilustrador de jornal Jean Jacoby, de Luxemburgo, o primeiro lugar em 1924. Uma representa o futebol; outra, o rúgbi. O paradeiro da terceira pintura a óleo, representando o início de uma corrida, é desconhecido.

No andar de cima, os visitantes do museu aprendem tudo sobre Coubertin e veem objetos que relembram a história dos esportes olímpicos. Não há indicação de que as Olimpíadas tenham realizado competições artísticas.

Fora do museu, porém, o jardim está salpicado de esculturas. Um visitante atento talvez note uma peça em particular: o arremessador de Dimitriadis, uma cópia do final do século 20 daquele de Nova York.

“O original ganhou o primeiro prêmio na seção de escultura do concurso de arte realizado durante os Jogos Olímpicos de Paris, em 1924″, diz uma placa – mensagem enigmática que levanta mais perguntas que respostas.

De Paris à Ilha de Randall

Patricia Reymond é gerente de coleções do Museu Olímpico de Lausanne. Numa tarde de março, no silencioso depósito do subsolo, ela ponderou para onde tinha ido toda a arte olímpica.

“É claro que adoraríamos ter mais peças dos artistas vencedores”, disse ela, perto de uma das pinturas de Jacoby. “Mas é difícil”.

Os pesquisadores têm listas dos artistas e títulos de obras submetidos a cada Olimpíada, mas as descrições, quando existem, são vagas. Às vezes, os artistas criavam várias obras com títulos semelhantes, dificultando a verificação. As poucas fotografias restantes são em preto e branco.

Curadores vasculham leilões e vendas online. A língua é uma barreira. Nem sempre se explica que as peças anunciadas participaram das Olimpíadas.

O caso do arremessador de disco talvez seja o mais ilustrativo. Um executivo do tabaco greco-americano chamado Ery Kehaya encomendou a primeira versão em bronze para Nova York.

Mas uma década depois da sua inauguração festiva diante do Met, ela foi arrancada dali e reinstalada na Ilha de Randall, em Nova York, em frente a um novo estádio onde o velocista Jesse Owens se classificaria para os Jogos Olímpicos de Berlim.

O local fazia um certo sentido, mas há muito tempo é bem mais provável que os nova-iorquinos cruzem as pontes da Ilha de Randall de carro ou trem do que parem ali. Com cerca de dois quilômetros quadrados e praticamente desabitada, a ilha é o ponto onde a ponte Robert F. Kennedy (antiga Triborough) une Manhattan, Queens e Bronx. Ali estão parques e instalações esportivas, em sua maioria mantidos pela Aliança dos Parques da Ilha de Randall.

A assinatura do artista grego Costas Dimitriadis está visível na base do "Lançador de Discos". Foto: Victor J. Blue/NYT

O logotipo da organização é uma silhueta do arremessador de disco. Retratando uma forma antiga de arremesso com as duas mãos, parece um nudista musculoso tentando entregar um pão para alguém atrás dele no meio da multidão.

“A maioria das pessoas não sabe o que ela representa”, admitiu Deborah Maher, presidente da aliança.

A estátua não envelheceu bem. Desgastada e vandalizada, sem um braço e o próprio disco, ela foi discretamente removida e guardada em 1970.

Mas o arremessador de disco foi redescoberto e reformado em 1999. Com o antigo estádio prestes a ser demolido, ele foi parar num canteiro gramado ao pé de uma rampa de saída para Manhattan.

A estátua ficou ali até o ano passado, quando Maher e outros expressaram preocupação com as obras de manutenção das estradas. Eles a retiraram dali e, em 16 de abril, o arremessador de disco foi reinstalado, mais uma vez, diante do Estádio Icahn, espaço com capacidade para 5 mil lugares, inaugurado em 2005 no local do estádio anterior.

A estátua é a peça central de uma nova praça de US$ 1,6 milhão. Fica no alto de um canteiro de flores redondo e elevado, iluminado por todo os lados.

“Queríamos dar a ela um lugar de destaque”, disse Maher.

Que 2024 marque o 100º aniversário da medalha de ouro do arremessador de disco, o centenário de uma Olimpíada de Paris e início de outra – e tudo isso é uma feliz coincidência.

Um lugar de destaque na Ilha de Randall talvez não seja a maior das glórias olímpicas. Mas é um destino muito melhor do que o das competições artísticas, enterradas pela história.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Por muitos anos, as Olimpíadas distribuíram medalhas para artistas, não apenas para atletas – se você não sabia disso, o resto deste texto pode trazer mais surpresas. E o auge dessa prática ocorreu em Paris, 100 anos atrás.

A medalha de ouro em escultura nas Olimpíadas de Paris de 1924 foi para um artista grego chamado Costas Dimitriadis. Seu Discobole (arremessador de disco) nu e arqueado de 2,10 metros de altura passou semanas exibido com destaque no Grand Palais.

"O lançador de disco", de Costas Dimitriadis, levou a medalha de ouro nos Jogos de Paris, de 1924. Foto: Victor J. Blue/NYT

Dois anos mais tarde, diante de “uma multidão de mulheres em vestidos leves e homens com chapéus de palha”, como noticiou o New York Times, a escultura premiada, agora fundida em bronze, foi instalada na frente do Metropolitan Museum of Art, no Central Park de Nova York.

“Um símbolo da perfeição humana”, declarou um representante do museu naquele dia.

A estátua não ficou parada por muito tempo. Assim como as competições de artes nas Olimpíadas, ela saiu para uma grande jornada – rumo ao esquecimento.

“Pentatlo das Musas”

Por décadas, a partir das Olimpíadas de 1912 em Estocolmo, as Olimpíadas incluíram competições de pintura, escultura, arquitetura, música e literatura – um “pentatlo das Musas”, como disse Pierre de Coubertin, fundador e líder das Olimpíadas modernas.

“A partir de agora, elas farão parte de toda Olimpíada, em pé de igualdade com as competições atléticas”, disse Coubertin.

Milhares de artistas enviaram trabalhos. Foram concedidas mais de 150 medalhas olímpicas em artes, as mesmas medalhas que os atletas recebiam. Nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1932, 400 mil pessoas visitaram a exposição de inscrições, que durou um mês.

“The Liffey Swim”, principal trabalho do artista irlandês Jack Butler Yeats levou a prata nos Jogos de Paris de 1924. Foto: Ellius Grace/NYT

Com o regresso dos Jogos Olímpicos a Paris neste verão, estarão em disputa milhares de medalhas de ouro, prata e bronze – todas nos esportes, nenhuma nas artes.

“O espírito de Pierre de Coubertin não sobreviveu”, disse Nikoleta Tzani, historiadora de arte grega.

Mas algumas obras de arte, sim. Elas estão espalhadas pelo mundo todo, algumas em museus ou parques, outras em coleções particulares, muitas delas simplesmente perdidas no tempo e na indiferença.

Em Lausanne, na Suíça, sede do Comitê Olímpico Internacional (COI), o Museu Olímpico tem uma área de armazenamento segura no subsolo. Os curadores supervisionam milhares de equipamentos esportivos, uniformes, medalhas, documentos, tochas, troféus – e obras de arte.

Mas as únicas pinturas ganhadoras de medalhas de ouro na coleção são as duas peças coloridas de um tríptico que rendeu ao ilustrador de jornal Jean Jacoby, de Luxemburgo, o primeiro lugar em 1924. Uma representa o futebol; outra, o rúgbi. O paradeiro da terceira pintura a óleo, representando o início de uma corrida, é desconhecido.

No andar de cima, os visitantes do museu aprendem tudo sobre Coubertin e veem objetos que relembram a história dos esportes olímpicos. Não há indicação de que as Olimpíadas tenham realizado competições artísticas.

Fora do museu, porém, o jardim está salpicado de esculturas. Um visitante atento talvez note uma peça em particular: o arremessador de Dimitriadis, uma cópia do final do século 20 daquele de Nova York.

“O original ganhou o primeiro prêmio na seção de escultura do concurso de arte realizado durante os Jogos Olímpicos de Paris, em 1924″, diz uma placa – mensagem enigmática que levanta mais perguntas que respostas.

De Paris à Ilha de Randall

Patricia Reymond é gerente de coleções do Museu Olímpico de Lausanne. Numa tarde de março, no silencioso depósito do subsolo, ela ponderou para onde tinha ido toda a arte olímpica.

“É claro que adoraríamos ter mais peças dos artistas vencedores”, disse ela, perto de uma das pinturas de Jacoby. “Mas é difícil”.

Os pesquisadores têm listas dos artistas e títulos de obras submetidos a cada Olimpíada, mas as descrições, quando existem, são vagas. Às vezes, os artistas criavam várias obras com títulos semelhantes, dificultando a verificação. As poucas fotografias restantes são em preto e branco.

Curadores vasculham leilões e vendas online. A língua é uma barreira. Nem sempre se explica que as peças anunciadas participaram das Olimpíadas.

O caso do arremessador de disco talvez seja o mais ilustrativo. Um executivo do tabaco greco-americano chamado Ery Kehaya encomendou a primeira versão em bronze para Nova York.

Mas uma década depois da sua inauguração festiva diante do Met, ela foi arrancada dali e reinstalada na Ilha de Randall, em Nova York, em frente a um novo estádio onde o velocista Jesse Owens se classificaria para os Jogos Olímpicos de Berlim.

O local fazia um certo sentido, mas há muito tempo é bem mais provável que os nova-iorquinos cruzem as pontes da Ilha de Randall de carro ou trem do que parem ali. Com cerca de dois quilômetros quadrados e praticamente desabitada, a ilha é o ponto onde a ponte Robert F. Kennedy (antiga Triborough) une Manhattan, Queens e Bronx. Ali estão parques e instalações esportivas, em sua maioria mantidos pela Aliança dos Parques da Ilha de Randall.

A assinatura do artista grego Costas Dimitriadis está visível na base do "Lançador de Discos". Foto: Victor J. Blue/NYT

O logotipo da organização é uma silhueta do arremessador de disco. Retratando uma forma antiga de arremesso com as duas mãos, parece um nudista musculoso tentando entregar um pão para alguém atrás dele no meio da multidão.

“A maioria das pessoas não sabe o que ela representa”, admitiu Deborah Maher, presidente da aliança.

A estátua não envelheceu bem. Desgastada e vandalizada, sem um braço e o próprio disco, ela foi discretamente removida e guardada em 1970.

Mas o arremessador de disco foi redescoberto e reformado em 1999. Com o antigo estádio prestes a ser demolido, ele foi parar num canteiro gramado ao pé de uma rampa de saída para Manhattan.

A estátua ficou ali até o ano passado, quando Maher e outros expressaram preocupação com as obras de manutenção das estradas. Eles a retiraram dali e, em 16 de abril, o arremessador de disco foi reinstalado, mais uma vez, diante do Estádio Icahn, espaço com capacidade para 5 mil lugares, inaugurado em 2005 no local do estádio anterior.

A estátua é a peça central de uma nova praça de US$ 1,6 milhão. Fica no alto de um canteiro de flores redondo e elevado, iluminado por todo os lados.

“Queríamos dar a ela um lugar de destaque”, disse Maher.

Que 2024 marque o 100º aniversário da medalha de ouro do arremessador de disco, o centenário de uma Olimpíada de Paris e início de outra – e tudo isso é uma feliz coincidência.

Um lugar de destaque na Ilha de Randall talvez não seja a maior das glórias olímpicas. Mas é um destino muito melhor do que o das competições artísticas, enterradas pela história.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Por muitos anos, as Olimpíadas distribuíram medalhas para artistas, não apenas para atletas – se você não sabia disso, o resto deste texto pode trazer mais surpresas. E o auge dessa prática ocorreu em Paris, 100 anos atrás.

A medalha de ouro em escultura nas Olimpíadas de Paris de 1924 foi para um artista grego chamado Costas Dimitriadis. Seu Discobole (arremessador de disco) nu e arqueado de 2,10 metros de altura passou semanas exibido com destaque no Grand Palais.

"O lançador de disco", de Costas Dimitriadis, levou a medalha de ouro nos Jogos de Paris, de 1924. Foto: Victor J. Blue/NYT

Dois anos mais tarde, diante de “uma multidão de mulheres em vestidos leves e homens com chapéus de palha”, como noticiou o New York Times, a escultura premiada, agora fundida em bronze, foi instalada na frente do Metropolitan Museum of Art, no Central Park de Nova York.

“Um símbolo da perfeição humana”, declarou um representante do museu naquele dia.

A estátua não ficou parada por muito tempo. Assim como as competições de artes nas Olimpíadas, ela saiu para uma grande jornada – rumo ao esquecimento.

“Pentatlo das Musas”

Por décadas, a partir das Olimpíadas de 1912 em Estocolmo, as Olimpíadas incluíram competições de pintura, escultura, arquitetura, música e literatura – um “pentatlo das Musas”, como disse Pierre de Coubertin, fundador e líder das Olimpíadas modernas.

“A partir de agora, elas farão parte de toda Olimpíada, em pé de igualdade com as competições atléticas”, disse Coubertin.

Milhares de artistas enviaram trabalhos. Foram concedidas mais de 150 medalhas olímpicas em artes, as mesmas medalhas que os atletas recebiam. Nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1932, 400 mil pessoas visitaram a exposição de inscrições, que durou um mês.

“The Liffey Swim”, principal trabalho do artista irlandês Jack Butler Yeats levou a prata nos Jogos de Paris de 1924. Foto: Ellius Grace/NYT

Com o regresso dos Jogos Olímpicos a Paris neste verão, estarão em disputa milhares de medalhas de ouro, prata e bronze – todas nos esportes, nenhuma nas artes.

“O espírito de Pierre de Coubertin não sobreviveu”, disse Nikoleta Tzani, historiadora de arte grega.

Mas algumas obras de arte, sim. Elas estão espalhadas pelo mundo todo, algumas em museus ou parques, outras em coleções particulares, muitas delas simplesmente perdidas no tempo e na indiferença.

Em Lausanne, na Suíça, sede do Comitê Olímpico Internacional (COI), o Museu Olímpico tem uma área de armazenamento segura no subsolo. Os curadores supervisionam milhares de equipamentos esportivos, uniformes, medalhas, documentos, tochas, troféus – e obras de arte.

Mas as únicas pinturas ganhadoras de medalhas de ouro na coleção são as duas peças coloridas de um tríptico que rendeu ao ilustrador de jornal Jean Jacoby, de Luxemburgo, o primeiro lugar em 1924. Uma representa o futebol; outra, o rúgbi. O paradeiro da terceira pintura a óleo, representando o início de uma corrida, é desconhecido.

No andar de cima, os visitantes do museu aprendem tudo sobre Coubertin e veem objetos que relembram a história dos esportes olímpicos. Não há indicação de que as Olimpíadas tenham realizado competições artísticas.

Fora do museu, porém, o jardim está salpicado de esculturas. Um visitante atento talvez note uma peça em particular: o arremessador de Dimitriadis, uma cópia do final do século 20 daquele de Nova York.

“O original ganhou o primeiro prêmio na seção de escultura do concurso de arte realizado durante os Jogos Olímpicos de Paris, em 1924″, diz uma placa – mensagem enigmática que levanta mais perguntas que respostas.

De Paris à Ilha de Randall

Patricia Reymond é gerente de coleções do Museu Olímpico de Lausanne. Numa tarde de março, no silencioso depósito do subsolo, ela ponderou para onde tinha ido toda a arte olímpica.

“É claro que adoraríamos ter mais peças dos artistas vencedores”, disse ela, perto de uma das pinturas de Jacoby. “Mas é difícil”.

Os pesquisadores têm listas dos artistas e títulos de obras submetidos a cada Olimpíada, mas as descrições, quando existem, são vagas. Às vezes, os artistas criavam várias obras com títulos semelhantes, dificultando a verificação. As poucas fotografias restantes são em preto e branco.

Curadores vasculham leilões e vendas online. A língua é uma barreira. Nem sempre se explica que as peças anunciadas participaram das Olimpíadas.

O caso do arremessador de disco talvez seja o mais ilustrativo. Um executivo do tabaco greco-americano chamado Ery Kehaya encomendou a primeira versão em bronze para Nova York.

Mas uma década depois da sua inauguração festiva diante do Met, ela foi arrancada dali e reinstalada na Ilha de Randall, em Nova York, em frente a um novo estádio onde o velocista Jesse Owens se classificaria para os Jogos Olímpicos de Berlim.

O local fazia um certo sentido, mas há muito tempo é bem mais provável que os nova-iorquinos cruzem as pontes da Ilha de Randall de carro ou trem do que parem ali. Com cerca de dois quilômetros quadrados e praticamente desabitada, a ilha é o ponto onde a ponte Robert F. Kennedy (antiga Triborough) une Manhattan, Queens e Bronx. Ali estão parques e instalações esportivas, em sua maioria mantidos pela Aliança dos Parques da Ilha de Randall.

A assinatura do artista grego Costas Dimitriadis está visível na base do "Lançador de Discos". Foto: Victor J. Blue/NYT

O logotipo da organização é uma silhueta do arremessador de disco. Retratando uma forma antiga de arremesso com as duas mãos, parece um nudista musculoso tentando entregar um pão para alguém atrás dele no meio da multidão.

“A maioria das pessoas não sabe o que ela representa”, admitiu Deborah Maher, presidente da aliança.

A estátua não envelheceu bem. Desgastada e vandalizada, sem um braço e o próprio disco, ela foi discretamente removida e guardada em 1970.

Mas o arremessador de disco foi redescoberto e reformado em 1999. Com o antigo estádio prestes a ser demolido, ele foi parar num canteiro gramado ao pé de uma rampa de saída para Manhattan.

A estátua ficou ali até o ano passado, quando Maher e outros expressaram preocupação com as obras de manutenção das estradas. Eles a retiraram dali e, em 16 de abril, o arremessador de disco foi reinstalado, mais uma vez, diante do Estádio Icahn, espaço com capacidade para 5 mil lugares, inaugurado em 2005 no local do estádio anterior.

A estátua é a peça central de uma nova praça de US$ 1,6 milhão. Fica no alto de um canteiro de flores redondo e elevado, iluminado por todo os lados.

“Queríamos dar a ela um lugar de destaque”, disse Maher.

Que 2024 marque o 100º aniversário da medalha de ouro do arremessador de disco, o centenário de uma Olimpíada de Paris e início de outra – e tudo isso é uma feliz coincidência.

Um lugar de destaque na Ilha de Randall talvez não seja a maior das glórias olímpicas. Mas é um destino muito melhor do que o das competições artísticas, enterradas pela história.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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