Desde criança, Magnus Carlsen tinha um estilo ousado e temperamental. Nascido em 30 de novembro de 1990, em Tønsberg, sudeste da Noruega, era admirador de futebol, mas logo aos cinco anos viu seu horizonte se ampliar quando venceu a irmã mais velha em uma partida de xadrez. A partir daí, ninguém mais o segurou. Nem ele mesmo.
Aos 14 anos, tornou-se o mais jovem grande mestre da história. Fruto, possivelmente, da sua exigência consigo mesmo e com os outros. A mesma que o fez abandonar o Sinquefield Cup 2022, em Saint Louis (EUA), no último dia 7, insinuando ter sido trapaceado por seu oponente, o americano Hans Niemann, de 19 anos apenas, em jogo ocorrido dias antes. Duas semanas depois, ele abandonou novo confronto com Niemann, pela sexta rodada da Julius Baer Generations Cup, da etapa de Meltwater na Turnê dos Campeões.
Para se tornar um grande mestre no xadrez, é preciso reconhecido da Federação Internacional de Xadrez (Fide), fundada em 1924, e ter um mínimo de 2.500 pontos de rating, além de conquistar três normas em competições de Grandes Mestres Internacionais, com pelo menos dois competidores estrangeiros.
A polêmica, para Carlsen, não é novidade. Aos 21 anos, por exemplo, ele se recusou a participar do Torneio dos Candidatos, alegando desorganização por parte da Fide, em relação aos critérios da disputa. Ele aceitou, naquele ano e no seguinte, participar da final do Grand Slam de xadrez no Brasil. E veio para o País trazendo junto todo seu estilo controvertido, segundo conta Davy de Israel, enxadrista e empresário que organizou aquela competição, em parceria com a cidade de Bilbao, na Espanha.
“Foi um grande sucesso, com a presença dos seis melhores jogadores do mundo na época, incluindo o campeão mundial de 2012, o indiano Viswanathan Anand (hoje com 52 anos). Carlsen era um jovem tímido e não falava muito. Veio acompanhado de seu manager, que resolvia todas as questões técnicas para ele”, conta Israel.
Os jogadores ficavam hospedados no Hotel Meliá, no Itaim-Bibi, na capital paulista, e as partidas ocorreram no parque do Ibirapuera, onde os seis grandes mestres jogavam dentro de um aquário de vidro acústico, construído especialmente para o evento.
No primeiro dia dos jogos, conta Israel, uma van levou os jogadores ao local por volta das 13h, uma hora antes do início das partidas. Foi quando Israel começou a perceber traços inusitados na personalidade do jovem norueguês, que ainda nem era campeão mundial. “Carlsen era o único que não estava presente na van. Já era o grande mestre mais badalado do mundo do xadrez pelos seus brilhantes resultados desde os 11 e 12 anos de idade e havia uma enorme expectativa para vê-lo em ação”, conta.
O organizador, então, teve uma carga de trabalho a mais por ter de lidar com os hábitos incomuns do jovem enxadrista norueguês. “Eu então fiquei no hotel para saber onde ele estava e encontrei o seu técnico. Comentei que os jogadores já haviam saído para o local dos jogos e que Carlsen estava atrasado. O técnico então me disse que Carlsen ainda estava dormindo e não gostava de ser acordado com muito tempo de antecedência para a partida, pois isso o deixava tenso. Gostava de acordar com o tempo justo para ir ao parque e começar o jogo”, lembra Israel.
O empresário conta ainda que, apesar de sua característica específica, a convivência com Carlsen no Brasil foi tranquila. “Ele falava muito pouco. Era bastante curto nas suas respostas das entrevistas”, lembra.
Sua maneira de relaxar também era bastante individual. E o remetia à sua paixão pelos esportes coletivos. “Carlsen gostava de praticar atividades como futebol e basquete. Um dia, levamos os jogadores ao clube Hebraica, onde exerço uma das minhas atividades. Carlsen jogou uma partida de basquete com os demais grandes mestres e jogadores locais. Fiz um vídeo e guardo até hoje”, diz.
A segunda metade do evento foi jogada em Bilbao. “Carlsen ganhou o torneio. Fui homenageado, por ter organizado o evento em São Paulo, ao me chamarem para entregar o prêmio de campeão para ele”, diz Israel. E, para sua sorte, nada impediu Carlsen de comparecer à cerimônia.