O ex-piloto Nelson Piquet foi condenado em primeira instância a pagar uma indenização de R$ 5 milhões por falas racistas e homofóbicas dirigidas ao piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton, da Mercedes, durante entrevista a um canal do Youtube.
A decisão, de sexta-feira, 24, é do juiz Pedro Matos de Arruda da 20ª Vara Cível de Brasília. O juiz atendeu a uma ação impetrada pelas entidades Aliança Nacional LGBTI, Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas, Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de SP e FAecidh.
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As associações alegaram que Piquet violou direito fundamental difuso à honra da população negra e da comunidade LGBTQIA+ ao se referir em comentário a Hamilton como “neguinho” e ao proferir falas homofóbicas contra os também pilotos Keke e Nico Rosberg.
“O neguinho meteu o carro. O Senna não fez isso. O Senna saiu reto”, comentou ao comparar um acidente envolvendo Hamilton em 2016 com o acidente envolvendo Ayrton Senna e Alain Prost, no GP do Japão em 1990. Em seguida, o piloto insultou Keke e Nico: “[Koke] é que nem o filho dele [Nico Rosberg]. Ganhou um campeonato... o neguinho devia estar dando mais c.. naquela época e ‘tava’ meio ruim, então... (risos)”.
Embora a fala tenha sido direcionada ao piloto inglês, as associações argumentaram que houve a prática velada de ato racista e homofóbico, afetando “o direito de toda a sociedade de não se ver afrontada por ações dessa natureza”, o que extrapolaria os limites da liberdade de expressão.
Em sua decisão, o juiz Pedro Matos de Arruda ressaltou o potencial de alcance e influência da fala do piloto brasileiro. “Esta ofensa é intolerável. Mais ainda quando se considera a projeção que é dada quando é uma pessoa tão reconhecida e tão admirada como o réu”, escreveu na decisão o juiz.
Para Frei David Santos OFM, Diretor Executivo da Educafro Brasil, uma das entidades proponentes da ação, a sentença constitui um marco na aplicação do Direito Antidiscriminatório. “Fundamentos que ele utiliza na sentença mostram que o Judiciário brasileiro começa a se renovar e se tornar mais justo para com os oprimidos. Ele, certamente, se preparou muito para julgar esse processo, pois esse conteúdo antirracista não é ensinado nas faculdades de Direito do Brasil. A justiça está, cada vez mais, voltando seu olhar para os injustiçados”, afirmou o religioso.
“Acreditamos que mais de 90% dos juízes brasileiros não possuem essa formação, pois as faculdades estão desatualizadas. Esse domínio antirracista não é dado em nenhuma faculdade de direito do Brasil, nem na USP. Todas as Faculdades de direito (e outras), sérias, deveriam criar uma matéria antirracista, imediatamente.”
Quanto ao valor da indenização e os critérios de apuração, o juiz levou em consideração o fato de Piquet ter feito doações para a campanha de reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2022, no valor de R$ 501 mil. Como a Lei nº 9.504/97, da Justiça Eleitoral, limita as doações e contribuições a campanhas eleitorais a 10% dos rendimentos brutos, o juiz considerou que Piquet teria arrecadado em 2021 mais de R$ 5 milhões.
“Considerando que o réu se propôs a pagar mais de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para ajudar na campanha eleitoral de um candidato à presidência república, objetivando certamente a melhoria do país segundo as suas ideologias, nada mais justo que fixar a quantia de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) – que é o valor mínimo de sua renda bruta anual – para auxiliar o país a se desenvolver como nação e para estimular a mais rápida expurgação de atos discriminatórios.”
Entenda o caso
Trechos de uma entrevista concedida por Nelson Piquet ao canal do YouTube “Motorsports Talks” em novembro de 2021 ressurgiram nas redes sociais em julho do ano passado. Na conversa, o tricampeão mundial tece comentários racistas e homofóbicos em relação a Lewis Hamilton, a quem classificou como “neguinho”.
Os comentários de Piquet viralizaram na internet e foram respondidos com repúdio por todo o ecossistema da Fórmula 1. Pilotos, equipes, jornalistas e fãs condenaram a atitude do piloto brasileiro, defendendo Hamilton e afirmando que não havia mais espaço para esse tipo de comportamento no esporte.
Em seu Twitter, o heptacampeão foi breve em sua resposta. Ele afirmou, em português, que era necessário “mudar a mentalidade”. “É mais do que linguagem. Essas mentalidades arcaicas precisam mudar e não têm lugar no nosso esporte. Fui cercado por essas atitudes minha vida toda. Houve muito tempo para aprender. Chegou a hora da ação”, disse o britânico.
A FIA se posicionou, afirmando que “condena veementemente qualquer linguagem e comportamento racista ou discriminatório, que não tem lugar no esporte ou na sociedade em geral.” A Fórmula 1 também saiu em defesa de Hamilton. “A linguagem discriminatória ou racista é inaceitável sob qualquer forma e não tem parte na sociedade. Lewis é um embaixador incrível do nosso esporte e merece respeito.”
Em contrapartida, Pique se desculpou por seus comentários justificando o uso do termo racista ao afirmar que a palavra “neguinho” é usada como sinônimo de “rapaz” e “pessoa” no português brasileiro. “Eu gostaria de esclarecer a história que tem circulado na mídia a respeito de um comentário que fiz em uma entrevista no ano passado. O que eu disse foi mal pensado, e não há defesa para isso. Mas gostaria de esclarecer que o termo usado é historicamente usado de forma coloquial no português brasileiro como um sinônimo de rapaz ou pessoa, mas sem a intenção de ofender. Eu nunca usaria a palavra da qual tenho sido acusado em algumas traduções. Condeno toda e qualquer sugestão de que a palavra que usei tenha sido direcionada de forma depreciativa ao piloto por causa da cor de pele dele”, disse o ex-piloto.