PARIS - O Brasil fechou sua participação nas Olimpíadas de Paris com 20 medalhas. Foram três de ouro, 7 de prata e 10 de bronze. O recorde de medalhas, estipulado como meta pelo Comitê Olímpico do Brasil, não foi alcançado, uma vez que o desempenho foi inferior a Tóquio-2020. O investimento do COB no esporte olímpico subiu neste ciclo que termina na capital francesa e alcançou pouco mais de R$ 700 milhões. Mas quanto “custou” cada medalha à entidade?
É impossível fazer essa conta. São dezenas de variáveis que impedem que se chegue a um número capaz de fechar essa equação. “Tem exemplos de modalidade que não passam pelo primor de um planejamento, mas rendem medalhas. Então, não dá para a gente padronizar e dizer quanto custa uma medalha”, explica Sebastian Pereira, gerente de alto rendimento do COB, em entrevista ao Estadão. “A gente evita falar nisso. A gente acredita em trabalho, planejamento e estruturação. O que fazemos é o trabalho para deixar que os atletas cheguem nas Olimpíadas com condições de brigar pelas medalhas”,
A grosso modo, é possível apontar que a ginástica e o judô, modalidades que trouxeram mais medalhas de Paris - quatro cada - são duas das confederações que receberam os maiores repasses financeiros do COB no atual ciclo olímpico, entre 2022 e 2024, por meio Lei das Loterias (antiga Lei Agnelo Piva). Elas levaram R$ 35 milhões cada em três anos. A Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) é a entidade que ganha os maiores valores por ano. Neste ciclo, conseguiu cerca de R$ 40 milhões.
A chamada Lei das Loterias determina que cerca de 1,7% do valor em apostas em todas as Loterias Caixa do País sejam destinados ao COB, que repassa parte desse montante às confederações. Cabe salientar que esse repasse às confederações é apenas uma parte do todo. Há vários outros recursos investidos no esporte brasileiro, públicos ou privados, como o Bolsa Atleta, investimentos dos clubes e patrocínios.
Os recursos assegurados por meio da Lei têm permitido ao COB investir no esporte olímpico de forma contínua e crescente. A entidade diz fazer um acompanhamento rigoroso da aplicação da verba, avaliando a qualidade dos investimentos e checando os resultados obtidos pelas entidades. A liberação de recursos para novos projetos está condicionada à prestação - e aprovação - das contas dos projetos anteriormente executados.
Após cada Olimpíada é feito uma avaliação entre dirigentes do comitê e das confederações para entender o que deu certo e o que pode ser melhorado em cada uma das modalidades. A gente já está fazendo isso aqui em Paris com algumas modalidades”, revela Pereira. “A gente não pode dizer que está tudo errado, que foi ruim e tem que reformular, mas temos de fazer uma série de avaliações para chegar melhor em Los Angeles em 2028″.
Critérios para distribuição dos recursos
O COB segue dois critérios administrativos e 11 esportivos com base em resultados para distribuir a verba às confederações. São eles: medalha na última edição de Olimpíadas, medalha na penúltima edição de Jogos, modalidade multimedalhista, finalistas nos últimos Jogos Olímpicos, participação em eventos nos Jogos (quanto mais atletas classificarem maior é a nota), medalha em Mundiais adultos e sub-21, final em Mundiais adultos e sub-21, e medalhas no Pan-Americano, o segundo evento mais importante de um ciclo.
“São 11 critérios meritocráticos que formam uma tabela de pontuação, que gera um ranking de modalidades para que os recursos sejam distribuídos”, explica Pereira. No fim de cada ano o COB realiza sua assembleia para aprovar o orçamento do ano seguinte e definir quanto será investido nas modalidades olímpicas e em outros programas esportivos.
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Considerando apenas o atual ciclo, a verba destinada às confederações têm subido. O COB pagou R$ 160 milhões em 2022, R$ 250 milhões em 2023 e a projeção é de que desembolse neste ano R$ 225 milhões, valor que é projetado e só será fechado no final do ano.
O comitê brasileiro diz acompanhar o planejamento técnico desenvolvido em conjunto com as confederações brasileiras olímpicas, o que contempla treinamento das equipes, contratação de treinadores, viagens de intercâmbio, participação em competições nacionais e internacionais, aquisição de equipamentos e materiais esportivos e períodos de aclimatação das delegações, entre outras ações.
Os repasses são importantes, mas não a única fonte de renda para o esporte olímpico nacional. A própria Lei das Loterias prevê destinação de recursos em áreas ligadas ao fomento esportivo. Até o fim de 2024, 236,4 milhões serão investidos em Missões do Time Brasil; programa de preparação olímpica e pan-americana; programa de desenvolvimento esportivo; manutenção e reforma do Centro de Treinamento do COB; Jogos da Juventude; e desenvolvimento do laboratório olímpico.
Diferenças
Há sensíveis diferenças entre algumas modalidades, o que reflete no tipo e quantia de investimento que o COB faz. Esporte praticado por Rodrigo Pessoa, brasileiro com mais participações em Olimpíadas, o hipismo, por exemplo, requer menos verba pública porque o cavalo, geralmente, é de um proprietário.
A gente faz ali um investimento direto no líder da modalidade, que é o treinador. Não fazemos o investimento em competições, o investimento direto em profissional de uma equipe multidisciplinar, a não ser o treinador”, realça Pereira, que foi judoca antes de se tornar executivo. Ele competiu nos Jogos de Atlanta, em 1996, e bateu na trave por uma medalha - lutou pelo bronze e perdeu.
Na ginástica, o dinheiro público aplicado tem de ser maior pelo COB, que, para ambientar as ginastas, gastou pouco mais de RS 1 milhão na compra dos equipamentos de uma marca francesa em que elas competiriam em Paris. “A gente vai analisando conforme a exigência da modalidade”, diz o gerente do COB. “O segredo, para mim, é ter sempre a melhor condição de treinamentos para os nossos atletas, para eles chegarem numa Olimpíada em iguais condições em relação às principais potências do mundo”.
Um dos principais responsáveis pelo sucesso de Rebeca Andrade, o técnico da ginasta, Francisco Porath, aponta o caminho para que surjam novos talentos na ginástica e em outros esportes: trabalho de base. “Eu preciso ter uma estrela como a Rebeca para que surjam novos talentos, mas preciso de investimento na base para que tenhamos uma estrela como a Rebeca”.
Já o futebol, esporte mais popular do País, não recebe verba pública. A CBF é proibida disso por causa do seu próprio estatuto, como determina o artigo 136. “É vedado à CBF receber subvenções e doações de origem ou de natureza pública”.
Além disso há uma decisão histórica da CBF de optar por não ficar com dinheiro público para evitar ter de fazer prestações de contas ao poder público e ser escrutinada por auditorias da Controladoria Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Bolsa Atleta (governo) e patrocinadores
Mais de nove mil atletas são beneficiados atualmente pelo programa e recebem bolsas que variam de R$ 410 a R$ 16,6 mil. Entre os 276 esportistas brasileiros que competiram nas Olimpíadas, 241 têm direito ao auxílio financeiro, criado em 2004, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Os benefícios são divididos em seis categorias. Quem faz parte do “atleta base” ou do “atleta estudantil” recebe R$ 410 mensais. O “atleta nacional” ganha R$ 1.025 e o “atleta internacional”, R$ 3.437. O “atleta olímpico e paralímpico”, por sua vez, é subsidiado com R$ 3.437.
A categoria “atleta pódio” é a que recebe o maior benefício, agrupando atletas de alto rendimento que estão no topo dos rankings mundiais das modalidades esportivas. Os atletas desse nível recebem entre R$ 5.543 e R$ 16.629.
Em 2012, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) assinou uma lei que permitiu que o beneficiário possa acumular o auxílio do governo com outras fontes de recursos. Ou seja, o atleta pode somar o dinheiro concedido pelo Bolsa Atleta com ganhos de patrocínios, por exemplo.
Investimento na base
O COB é só a ponta do esporte nacional. A entidade tem várias limitações e há outros atores importantes no fomento ao esporte nacional, desde a formação de atletas até eles chegarem ao alto rendimento. Projetos sociais e clubes têm participação importante nesse processo.
“A gente vive num sistema clubístico no esporte brasileiro no qual os clubes estão extremamente sobrecarregados. Os clubes cuidam da iniciação da formação, do alto rendimento, da seleção brasileira, do nível olímpico. É uma estrutura sobrecarregada”, opina o nadador Bruno Fratus, medalhista em Tóquio-2020.
O ex-maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima vê avanços de sua época para hoje no esporte brasileiro, mas aponta que há muito a percorrer ainda para que o País realmente se torne uma potência olímpica.
“O Brasil hoje se coloca num cenário de ascensão, de conquistas esportivas, mas temos que ter políticas públicas de longo prazo. Não pode ser política de governo, de gestão porque às vezes a gestão seguinte não dá continuidade por não ser o “pai da criança” ou por questões partidárias. Se tivermos uma política de longo prazo, o Brasil tem todas as condições para se tornar uma potência olímpica”, acredita o ex-atleta.
Para Sebastian Pereira, gerente de alto rendimento do COB, o esporte nacional só vai deslanchar quando houver integração com outras áreas, como educação e saúde, e as práticas esportivas estiverem consolidadas nas escolas. Assim, as crianças e jovens vão estudar, terão aptidão em alguma modalidade e poderão ser lapidadas. “Depois das escolas, vêm os clubes e projetos sociais. Precisa ter essa integração, senão o jovem não chega ao alto rendimento”.