Por que Cuba perdeu relevância no cenário esportivo mundial?


O país é a vigésima nação que mais vezes subiu ao pódio olímpico, mas já não vive mais o período mais glorioso

Por Rodrigo Sampaio
Atualização:

A delegação de Cuba desembarcou em Paris com 63 atletas, menor número de representantes do país em 60 anos nos Jogos Olímpicos. Um dos sete cubanos a conquistar a medalha de ouro em Tóquio, o canoísta Fernando Dayan Jorge vai competir na capital francesa pela equipe olímpica de refugiados, evidenciando um problema que ajuda a explicar o motivo de a nação caribenha, potência no século 20, ter perdido a relevância no cenário esportivo mundial.

Com 235 medalhas, Cuba é a vigésima nação que mais vezes subiu ao pódio olímpico. A ascensão esportiva da ilha caribenha se deu principalmente no final da década de 1970 até meados dos anos 1990. Neste período, os cubanos se tornaram referência no boxe, além do destaque em esportes tradicionais, como vôlei, atletismo, beisebol e judô. Fidel Castro (1926 - 2016), cujo governo à frente do país durou 50 anos, era um ávido fã de esportes e entendia que a atividade esportiva era um direito humano. Logo, tornou-se uma das principais bandeiras de seu plano político.

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O referencial de Cuba pode ser explicado pelas políticas públicas implementadas ainda em 1959 para impulsionar o esporte no país. Entre uma série de ações do Instituto Nacional de Esportes e Educação Física (Inder), estão a construção de instalações esportivas em todas as regiões do território cubano, organização de competições, criação de escolas voltadas ao aprimoramento técnico de crianças e adolescentes, além da regulamentação da licença esportiva, por meio da qual os atletas podiam se ausentar do trabalho para participar de treinos e competições sem perda salarial.

Fidel Castro foi recebido pelas atletas Hortência e Paula, que venceram a seleção de baquete cubana, no Pan-Americano de Havana, em 1991. Foto: Sérgio Berezovsky/Estadão Conteúdo

Um dos grandes momentos do esporte cubano nos Jogos Olímpicos é o tricampeonato no vôlei feminino. A principal referência do time ouro em Barcelona-1992, Atlanta-1996 e Sydney-2000 era a ponteira Mireya Luis, considerada uma das maiores jogadoras da história. Assim como outras companheiras de equipe, ela deu os primeiros passos na quadra em uma escola de iniciação esportiva.

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“Tive treinadores formadores de atletas que me ajudaram muito no meu desenvolvimento. Fiquei cinco anos nesta escola, representando minha província, com quatro medalhas de ouro e uma bronze. Aos 15 anos, fui chamada para fazer uma prova para fazer parte da seleção nacional”, recordou, em entrevista ao Estadão.

Cuba continua sendo uma bandeira de respeito e tradição em competições olímpicas, mas não aparece entre as dez melhores em uma edição de Olimpíadas há 24 anos, quando terminou em 9º no quadro de medalhas em Sydney. Nos Jogos de Tóquio-2020, ficou na 14ª posição. Vale ressaltar que Fidel aboliu a prática esportiva profissional desde que assumiu o poder. Assim, como explica Renato Beschizza Valentin, doutorando em História pela Unesp, o esporte cubano foi diretamente afetado especialmente pelo fim do bloco socialista e o recrudescimento do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos.

Cubana Mireya Luis foi considerada melhor jogadora de todos os tempos. Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo
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“Cuba passou a sofrer as consequências negativas do isolamento internacional do país, como, por exemplo, a falta de acesso à tecnologia esportiva de ponta, produzida no exterior. Ademais, com o fim do bloco socialista, o esporte cubano deixou de contar com o trabalho de técnicos e treinadores do Leste europeu, muitos dos quais de altíssimo nível”, explica o especialista. “Desde então, o governo reduziu o orçamento estatal em diferentes áreas, inclusive o esporte. Tais dificuldades resultaram na precarização dos serviços públicos, o que impactou negativamente o desempenho de Cuba nas competições internacionais.”

Deserções de atletas cubanos

Passando por graves problemas econômicos, Cuba vive a pior crise migratória do país em três décadas. Aproximadamente 187 esportistas deixaram o país nos últimos dois anos, com oito atletas desertando após os Jogos Pan-Americanos de Santiago, em 2023. Entre eles o astro Andy Cruz, por muitos considerado o melhor boxeador do país.

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Ouro em Tóquio, Cruz foi expulso do sistema esportivo de Cuba em 2022 após tentar deixar a ilha caribenha em uma balsa. O pugilista conseguiu emigrar de maneira legal pouco tempo depois, conquistando o título internacional de peso leve da Federação Internacional de Boxe (FIB) em julho do mesmo ano, em disputa nos Estados Unidos.

Renato Beschizza Valentin explica que as deserções eram incentivadas por agentes contrários ao governo de Fidel desde o período da Guerra Fria, mas eram raras. Elas se intensificaram a partir dos anos 1990, durante o Período Especial, época em que a Economia do país viveu um de seus momentos mais delicados.

Fernando Dayan Jorge, de Cuba, vai disputar Jogos de Pari na equipe de refugiados, depois de ter representado o país no Rio e em Tóquio, em 2016 e 2021. Foto: Rebecca Blackwell/AP
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“Durante a sua estadia no exterior, por ocasião de competições internacionais como os Jogos Olímpicos e Pan-Americanos, os atletas cubanos recebem ofertas de agenciadores a serviço de clubes e empresas de grande magnitude que investem e lucram no setor esportivo”, explica Beschizza Valentin. Além da oportunidade de ganhar um bom dinheiro, vários atletas cubanos têm optado pela deserção motivados pelo desejo de viver em outras partes do mundo e conhecer de perto outras culturas.

Caso parecido ao de Andy Cruz aconteceu com Fernando Dayan Jorge, de 25 anos. O cubano foi oficializado como integrante do time de refugiados dos Jogos de Paris em 2 de maio. Desde então, o atleta intensificou a preparação para defender o ouro olímpico na canoagem de velocidade em Paris.

Menos de um ano após a disputa em Tóquio, ele aproveitou um período de treinamento na Cidade do México em março de 2022 para fugir para os EUA. Durante o trajeto até a Flórida, ele chegou a salvar a vida de uma mulher ao atravessar o Rio Grande, na fronteira entre os dois países. Jorge conta uma bola de US$ 1.500 (R$ 8.200 aproximadamente) do Comitê Olímpico Internacional e sonha em disputar as Olimpíadas de Los Angeles, em 2028, pelo time norte-americano.

A delegação de Cuba desembarcou em Paris com 63 atletas, menor número de representantes do país em 60 anos nos Jogos Olímpicos. Um dos sete cubanos a conquistar a medalha de ouro em Tóquio, o canoísta Fernando Dayan Jorge vai competir na capital francesa pela equipe olímpica de refugiados, evidenciando um problema que ajuda a explicar o motivo de a nação caribenha, potência no século 20, ter perdido a relevância no cenário esportivo mundial.

Com 235 medalhas, Cuba é a vigésima nação que mais vezes subiu ao pódio olímpico. A ascensão esportiva da ilha caribenha se deu principalmente no final da década de 1970 até meados dos anos 1990. Neste período, os cubanos se tornaram referência no boxe, além do destaque em esportes tradicionais, como vôlei, atletismo, beisebol e judô. Fidel Castro (1926 - 2016), cujo governo à frente do país durou 50 anos, era um ávido fã de esportes e entendia que a atividade esportiva era um direito humano. Logo, tornou-se uma das principais bandeiras de seu plano político.

O referencial de Cuba pode ser explicado pelas políticas públicas implementadas ainda em 1959 para impulsionar o esporte no país. Entre uma série de ações do Instituto Nacional de Esportes e Educação Física (Inder), estão a construção de instalações esportivas em todas as regiões do território cubano, organização de competições, criação de escolas voltadas ao aprimoramento técnico de crianças e adolescentes, além da regulamentação da licença esportiva, por meio da qual os atletas podiam se ausentar do trabalho para participar de treinos e competições sem perda salarial.

Fidel Castro foi recebido pelas atletas Hortência e Paula, que venceram a seleção de baquete cubana, no Pan-Americano de Havana, em 1991. Foto: Sérgio Berezovsky/Estadão Conteúdo

Um dos grandes momentos do esporte cubano nos Jogos Olímpicos é o tricampeonato no vôlei feminino. A principal referência do time ouro em Barcelona-1992, Atlanta-1996 e Sydney-2000 era a ponteira Mireya Luis, considerada uma das maiores jogadoras da história. Assim como outras companheiras de equipe, ela deu os primeiros passos na quadra em uma escola de iniciação esportiva.

“Tive treinadores formadores de atletas que me ajudaram muito no meu desenvolvimento. Fiquei cinco anos nesta escola, representando minha província, com quatro medalhas de ouro e uma bronze. Aos 15 anos, fui chamada para fazer uma prova para fazer parte da seleção nacional”, recordou, em entrevista ao Estadão.

Cuba continua sendo uma bandeira de respeito e tradição em competições olímpicas, mas não aparece entre as dez melhores em uma edição de Olimpíadas há 24 anos, quando terminou em 9º no quadro de medalhas em Sydney. Nos Jogos de Tóquio-2020, ficou na 14ª posição. Vale ressaltar que Fidel aboliu a prática esportiva profissional desde que assumiu o poder. Assim, como explica Renato Beschizza Valentin, doutorando em História pela Unesp, o esporte cubano foi diretamente afetado especialmente pelo fim do bloco socialista e o recrudescimento do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos.

Cubana Mireya Luis foi considerada melhor jogadora de todos os tempos. Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo

“Cuba passou a sofrer as consequências negativas do isolamento internacional do país, como, por exemplo, a falta de acesso à tecnologia esportiva de ponta, produzida no exterior. Ademais, com o fim do bloco socialista, o esporte cubano deixou de contar com o trabalho de técnicos e treinadores do Leste europeu, muitos dos quais de altíssimo nível”, explica o especialista. “Desde então, o governo reduziu o orçamento estatal em diferentes áreas, inclusive o esporte. Tais dificuldades resultaram na precarização dos serviços públicos, o que impactou negativamente o desempenho de Cuba nas competições internacionais.”

Deserções de atletas cubanos

Passando por graves problemas econômicos, Cuba vive a pior crise migratória do país em três décadas. Aproximadamente 187 esportistas deixaram o país nos últimos dois anos, com oito atletas desertando após os Jogos Pan-Americanos de Santiago, em 2023. Entre eles o astro Andy Cruz, por muitos considerado o melhor boxeador do país.

Ouro em Tóquio, Cruz foi expulso do sistema esportivo de Cuba em 2022 após tentar deixar a ilha caribenha em uma balsa. O pugilista conseguiu emigrar de maneira legal pouco tempo depois, conquistando o título internacional de peso leve da Federação Internacional de Boxe (FIB) em julho do mesmo ano, em disputa nos Estados Unidos.

Renato Beschizza Valentin explica que as deserções eram incentivadas por agentes contrários ao governo de Fidel desde o período da Guerra Fria, mas eram raras. Elas se intensificaram a partir dos anos 1990, durante o Período Especial, época em que a Economia do país viveu um de seus momentos mais delicados.

Fernando Dayan Jorge, de Cuba, vai disputar Jogos de Pari na equipe de refugiados, depois de ter representado o país no Rio e em Tóquio, em 2016 e 2021. Foto: Rebecca Blackwell/AP

“Durante a sua estadia no exterior, por ocasião de competições internacionais como os Jogos Olímpicos e Pan-Americanos, os atletas cubanos recebem ofertas de agenciadores a serviço de clubes e empresas de grande magnitude que investem e lucram no setor esportivo”, explica Beschizza Valentin. Além da oportunidade de ganhar um bom dinheiro, vários atletas cubanos têm optado pela deserção motivados pelo desejo de viver em outras partes do mundo e conhecer de perto outras culturas.

Caso parecido ao de Andy Cruz aconteceu com Fernando Dayan Jorge, de 25 anos. O cubano foi oficializado como integrante do time de refugiados dos Jogos de Paris em 2 de maio. Desde então, o atleta intensificou a preparação para defender o ouro olímpico na canoagem de velocidade em Paris.

Menos de um ano após a disputa em Tóquio, ele aproveitou um período de treinamento na Cidade do México em março de 2022 para fugir para os EUA. Durante o trajeto até a Flórida, ele chegou a salvar a vida de uma mulher ao atravessar o Rio Grande, na fronteira entre os dois países. Jorge conta uma bola de US$ 1.500 (R$ 8.200 aproximadamente) do Comitê Olímpico Internacional e sonha em disputar as Olimpíadas de Los Angeles, em 2028, pelo time norte-americano.

A delegação de Cuba desembarcou em Paris com 63 atletas, menor número de representantes do país em 60 anos nos Jogos Olímpicos. Um dos sete cubanos a conquistar a medalha de ouro em Tóquio, o canoísta Fernando Dayan Jorge vai competir na capital francesa pela equipe olímpica de refugiados, evidenciando um problema que ajuda a explicar o motivo de a nação caribenha, potência no século 20, ter perdido a relevância no cenário esportivo mundial.

Com 235 medalhas, Cuba é a vigésima nação que mais vezes subiu ao pódio olímpico. A ascensão esportiva da ilha caribenha se deu principalmente no final da década de 1970 até meados dos anos 1990. Neste período, os cubanos se tornaram referência no boxe, além do destaque em esportes tradicionais, como vôlei, atletismo, beisebol e judô. Fidel Castro (1926 - 2016), cujo governo à frente do país durou 50 anos, era um ávido fã de esportes e entendia que a atividade esportiva era um direito humano. Logo, tornou-se uma das principais bandeiras de seu plano político.

O referencial de Cuba pode ser explicado pelas políticas públicas implementadas ainda em 1959 para impulsionar o esporte no país. Entre uma série de ações do Instituto Nacional de Esportes e Educação Física (Inder), estão a construção de instalações esportivas em todas as regiões do território cubano, organização de competições, criação de escolas voltadas ao aprimoramento técnico de crianças e adolescentes, além da regulamentação da licença esportiva, por meio da qual os atletas podiam se ausentar do trabalho para participar de treinos e competições sem perda salarial.

Fidel Castro foi recebido pelas atletas Hortência e Paula, que venceram a seleção de baquete cubana, no Pan-Americano de Havana, em 1991. Foto: Sérgio Berezovsky/Estadão Conteúdo

Um dos grandes momentos do esporte cubano nos Jogos Olímpicos é o tricampeonato no vôlei feminino. A principal referência do time ouro em Barcelona-1992, Atlanta-1996 e Sydney-2000 era a ponteira Mireya Luis, considerada uma das maiores jogadoras da história. Assim como outras companheiras de equipe, ela deu os primeiros passos na quadra em uma escola de iniciação esportiva.

“Tive treinadores formadores de atletas que me ajudaram muito no meu desenvolvimento. Fiquei cinco anos nesta escola, representando minha província, com quatro medalhas de ouro e uma bronze. Aos 15 anos, fui chamada para fazer uma prova para fazer parte da seleção nacional”, recordou, em entrevista ao Estadão.

Cuba continua sendo uma bandeira de respeito e tradição em competições olímpicas, mas não aparece entre as dez melhores em uma edição de Olimpíadas há 24 anos, quando terminou em 9º no quadro de medalhas em Sydney. Nos Jogos de Tóquio-2020, ficou na 14ª posição. Vale ressaltar que Fidel aboliu a prática esportiva profissional desde que assumiu o poder. Assim, como explica Renato Beschizza Valentin, doutorando em História pela Unesp, o esporte cubano foi diretamente afetado especialmente pelo fim do bloco socialista e o recrudescimento do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos.

Cubana Mireya Luis foi considerada melhor jogadora de todos os tempos. Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo

“Cuba passou a sofrer as consequências negativas do isolamento internacional do país, como, por exemplo, a falta de acesso à tecnologia esportiva de ponta, produzida no exterior. Ademais, com o fim do bloco socialista, o esporte cubano deixou de contar com o trabalho de técnicos e treinadores do Leste europeu, muitos dos quais de altíssimo nível”, explica o especialista. “Desde então, o governo reduziu o orçamento estatal em diferentes áreas, inclusive o esporte. Tais dificuldades resultaram na precarização dos serviços públicos, o que impactou negativamente o desempenho de Cuba nas competições internacionais.”

Deserções de atletas cubanos

Passando por graves problemas econômicos, Cuba vive a pior crise migratória do país em três décadas. Aproximadamente 187 esportistas deixaram o país nos últimos dois anos, com oito atletas desertando após os Jogos Pan-Americanos de Santiago, em 2023. Entre eles o astro Andy Cruz, por muitos considerado o melhor boxeador do país.

Ouro em Tóquio, Cruz foi expulso do sistema esportivo de Cuba em 2022 após tentar deixar a ilha caribenha em uma balsa. O pugilista conseguiu emigrar de maneira legal pouco tempo depois, conquistando o título internacional de peso leve da Federação Internacional de Boxe (FIB) em julho do mesmo ano, em disputa nos Estados Unidos.

Renato Beschizza Valentin explica que as deserções eram incentivadas por agentes contrários ao governo de Fidel desde o período da Guerra Fria, mas eram raras. Elas se intensificaram a partir dos anos 1990, durante o Período Especial, época em que a Economia do país viveu um de seus momentos mais delicados.

Fernando Dayan Jorge, de Cuba, vai disputar Jogos de Pari na equipe de refugiados, depois de ter representado o país no Rio e em Tóquio, em 2016 e 2021. Foto: Rebecca Blackwell/AP

“Durante a sua estadia no exterior, por ocasião de competições internacionais como os Jogos Olímpicos e Pan-Americanos, os atletas cubanos recebem ofertas de agenciadores a serviço de clubes e empresas de grande magnitude que investem e lucram no setor esportivo”, explica Beschizza Valentin. Além da oportunidade de ganhar um bom dinheiro, vários atletas cubanos têm optado pela deserção motivados pelo desejo de viver em outras partes do mundo e conhecer de perto outras culturas.

Caso parecido ao de Andy Cruz aconteceu com Fernando Dayan Jorge, de 25 anos. O cubano foi oficializado como integrante do time de refugiados dos Jogos de Paris em 2 de maio. Desde então, o atleta intensificou a preparação para defender o ouro olímpico na canoagem de velocidade em Paris.

Menos de um ano após a disputa em Tóquio, ele aproveitou um período de treinamento na Cidade do México em março de 2022 para fugir para os EUA. Durante o trajeto até a Flórida, ele chegou a salvar a vida de uma mulher ao atravessar o Rio Grande, na fronteira entre os dois países. Jorge conta uma bola de US$ 1.500 (R$ 8.200 aproximadamente) do Comitê Olímpico Internacional e sonha em disputar as Olimpíadas de Los Angeles, em 2028, pelo time norte-americano.

A delegação de Cuba desembarcou em Paris com 63 atletas, menor número de representantes do país em 60 anos nos Jogos Olímpicos. Um dos sete cubanos a conquistar a medalha de ouro em Tóquio, o canoísta Fernando Dayan Jorge vai competir na capital francesa pela equipe olímpica de refugiados, evidenciando um problema que ajuda a explicar o motivo de a nação caribenha, potência no século 20, ter perdido a relevância no cenário esportivo mundial.

Com 235 medalhas, Cuba é a vigésima nação que mais vezes subiu ao pódio olímpico. A ascensão esportiva da ilha caribenha se deu principalmente no final da década de 1970 até meados dos anos 1990. Neste período, os cubanos se tornaram referência no boxe, além do destaque em esportes tradicionais, como vôlei, atletismo, beisebol e judô. Fidel Castro (1926 - 2016), cujo governo à frente do país durou 50 anos, era um ávido fã de esportes e entendia que a atividade esportiva era um direito humano. Logo, tornou-se uma das principais bandeiras de seu plano político.

O referencial de Cuba pode ser explicado pelas políticas públicas implementadas ainda em 1959 para impulsionar o esporte no país. Entre uma série de ações do Instituto Nacional de Esportes e Educação Física (Inder), estão a construção de instalações esportivas em todas as regiões do território cubano, organização de competições, criação de escolas voltadas ao aprimoramento técnico de crianças e adolescentes, além da regulamentação da licença esportiva, por meio da qual os atletas podiam se ausentar do trabalho para participar de treinos e competições sem perda salarial.

Fidel Castro foi recebido pelas atletas Hortência e Paula, que venceram a seleção de baquete cubana, no Pan-Americano de Havana, em 1991. Foto: Sérgio Berezovsky/Estadão Conteúdo

Um dos grandes momentos do esporte cubano nos Jogos Olímpicos é o tricampeonato no vôlei feminino. A principal referência do time ouro em Barcelona-1992, Atlanta-1996 e Sydney-2000 era a ponteira Mireya Luis, considerada uma das maiores jogadoras da história. Assim como outras companheiras de equipe, ela deu os primeiros passos na quadra em uma escola de iniciação esportiva.

“Tive treinadores formadores de atletas que me ajudaram muito no meu desenvolvimento. Fiquei cinco anos nesta escola, representando minha província, com quatro medalhas de ouro e uma bronze. Aos 15 anos, fui chamada para fazer uma prova para fazer parte da seleção nacional”, recordou, em entrevista ao Estadão.

Cuba continua sendo uma bandeira de respeito e tradição em competições olímpicas, mas não aparece entre as dez melhores em uma edição de Olimpíadas há 24 anos, quando terminou em 9º no quadro de medalhas em Sydney. Nos Jogos de Tóquio-2020, ficou na 14ª posição. Vale ressaltar que Fidel aboliu a prática esportiva profissional desde que assumiu o poder. Assim, como explica Renato Beschizza Valentin, doutorando em História pela Unesp, o esporte cubano foi diretamente afetado especialmente pelo fim do bloco socialista e o recrudescimento do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos.

Cubana Mireya Luis foi considerada melhor jogadora de todos os tempos. Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo

“Cuba passou a sofrer as consequências negativas do isolamento internacional do país, como, por exemplo, a falta de acesso à tecnologia esportiva de ponta, produzida no exterior. Ademais, com o fim do bloco socialista, o esporte cubano deixou de contar com o trabalho de técnicos e treinadores do Leste europeu, muitos dos quais de altíssimo nível”, explica o especialista. “Desde então, o governo reduziu o orçamento estatal em diferentes áreas, inclusive o esporte. Tais dificuldades resultaram na precarização dos serviços públicos, o que impactou negativamente o desempenho de Cuba nas competições internacionais.”

Deserções de atletas cubanos

Passando por graves problemas econômicos, Cuba vive a pior crise migratória do país em três décadas. Aproximadamente 187 esportistas deixaram o país nos últimos dois anos, com oito atletas desertando após os Jogos Pan-Americanos de Santiago, em 2023. Entre eles o astro Andy Cruz, por muitos considerado o melhor boxeador do país.

Ouro em Tóquio, Cruz foi expulso do sistema esportivo de Cuba em 2022 após tentar deixar a ilha caribenha em uma balsa. O pugilista conseguiu emigrar de maneira legal pouco tempo depois, conquistando o título internacional de peso leve da Federação Internacional de Boxe (FIB) em julho do mesmo ano, em disputa nos Estados Unidos.

Renato Beschizza Valentin explica que as deserções eram incentivadas por agentes contrários ao governo de Fidel desde o período da Guerra Fria, mas eram raras. Elas se intensificaram a partir dos anos 1990, durante o Período Especial, época em que a Economia do país viveu um de seus momentos mais delicados.

Fernando Dayan Jorge, de Cuba, vai disputar Jogos de Pari na equipe de refugiados, depois de ter representado o país no Rio e em Tóquio, em 2016 e 2021. Foto: Rebecca Blackwell/AP

“Durante a sua estadia no exterior, por ocasião de competições internacionais como os Jogos Olímpicos e Pan-Americanos, os atletas cubanos recebem ofertas de agenciadores a serviço de clubes e empresas de grande magnitude que investem e lucram no setor esportivo”, explica Beschizza Valentin. Além da oportunidade de ganhar um bom dinheiro, vários atletas cubanos têm optado pela deserção motivados pelo desejo de viver em outras partes do mundo e conhecer de perto outras culturas.

Caso parecido ao de Andy Cruz aconteceu com Fernando Dayan Jorge, de 25 anos. O cubano foi oficializado como integrante do time de refugiados dos Jogos de Paris em 2 de maio. Desde então, o atleta intensificou a preparação para defender o ouro olímpico na canoagem de velocidade em Paris.

Menos de um ano após a disputa em Tóquio, ele aproveitou um período de treinamento na Cidade do México em março de 2022 para fugir para os EUA. Durante o trajeto até a Flórida, ele chegou a salvar a vida de uma mulher ao atravessar o Rio Grande, na fronteira entre os dois países. Jorge conta uma bola de US$ 1.500 (R$ 8.200 aproximadamente) do Comitê Olímpico Internacional e sonha em disputar as Olimpíadas de Los Angeles, em 2028, pelo time norte-americano.

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