Aos 32 anos, Rafaela Silva foi aos Jogos Olímpicos de Paris como uma garota. Não a mesma que morava na Cidade de Deus, favela da zona oeste do Rio, e começou no judô aos oito anos. Mas a que sonhava com o topo após ter enfrentado uma suspensão e já ter iniciado um recomeço. Apesar da derrota individual, ela voltou ao topo, decidindo a disputa pelo terceiro lugar por equipes mistas e conquistando a medalha de bronze.
Foi em 2019, após conquistar a medalha de ouro no Pan-Americano de Lima, que veio a queda. O antidoping apontou presença de uma substância broncodilatadora proibida. Ela justificou que teve contato com uma criança que tratava asma. Não foi suficiente para ter de volta a conquista. Além disso, a judoca teve suspensão de dois anos.
A volta foi em 2022, com novo título no Mundial, no Uzbequistão. Um ano depois, no Pan de Santiago, a judoca recuperou a medalha de ouro que havia perdido. Ouro na Rio-2016, ela entrou mais uma vez para a história do esporte, agora como primeira atleta da modalidade a ser campeã olímpica, mundial e pan-americana.
Se o espírito olímpico é saber se levantar depois de cair, Rafaela Silva é uma santidade. Pode parecer história milagrosa. Talvez seja. Não haveria ninguém melhor que Rafaela, cria da Cidade de Deus, para operar um milagre.
Começo para deixar de ‘brigar na rua’
Rafaela era apaixonada por futebol quando criança e jogava peladas com meninos. Na rua, porém, a menina arrumava confusões. O pai Luiz Carlos Silva acreditou que colocar a filha no judô seria a solução. Aos 8 anos, ela foi uma das primeiras alunas do que virou o Instituto Reação, fundado pelo ex-judoca Flávio Canto. Hoje, cerca de 4 mil crianças são atendidas em 12 polos distribuídos em seis Estados brasileiros.
Dali, Rafaela saiu para ser campeã mundial sub-20 com 16 anos. Já na categoria adulta até 57 kg conquistou a prata, no Mundial de 2011, justamente em Paris, onde agora tem a chance de abrilhantar ainda mais o seu retorno.
O primeiro ouro na competição veio em casa, em 2013, no Rio de Janeiro. A carioca tinha 21 anos e venceu a americana Marti Malloy na final com ippon. Ela foi, na época, a primeira brasileira campeã mundial.
A curiosidade deste título é que o judogui azul da judoca sumiu na véspera da final. Outro, da mesma cor, foi levado a uma costureira, que prendeu a identificação de Rafaela nas costas. Na final, porém, ela utilizou o branco.
Ela gastou R$ 11 mil em ingressos para amigos e familiares
A primeira participação da judoca em Jogos Olímpicos foi em Londres-2012. O desempenho foi ruim, com uma eliminação na segunda rodada após aplicar um golpe irregular. Nas redes sociais, mensagens racistas e outras ofensas foram endereçadas a Rafaela. A resposta de verdade veio quatro anos depois, quando, novamente no Rio, ela conquistou a primeira medalha de ouro do Brasil naquela edição de Jogos Olímpicos.
O apoio foi fundamental na conquista no Rio-2016. Por isso, ela mesma bancou ingressos para pessoas próximas. O Time Brasil lhe deu duas entradas para a sessão da manhã e mais duas para tarde. A irmã Raquel, que também é judoca, foi com o credenciamento da Confederação Brasileira de Judô (CBJ). Os ingressos cortesia foram para o cunhado e para a sobrinha.
Mas faltava mais gente. A atleta comprou 15 entradas para a sessão da manhã. Cada uma era R$ 250. Assim, puderam ir também os pais de Rafaela, amigos do Instituto Reação e cinco atletas auxiliaram nos treinos da seleção brasileira de judô. Para tarde, nas semifinais e final, era R$ 700 cada. A judoca bancou mais onze, ainda antes de ter se classificado. Convidar todo mundo custou R$ 11 mil. Na época, Rafaela falou que “recuperou” com o prêmio do Comitê Olímpico do Brasil (COB).
Como Rafaela Silva chegou a Paris-2024
A judoca pôde não disputar o Mundial de Abu Dabi neste ano para ter mais tempo de preparação para os Jogos. Ela garantiu a quarta posição no ranking mundial da sua categoria, o que lhe coloca como cabeça de chave.