Há duas histórias sobre Rafael Nadal circulando na primeira semana do Aberto da Austrália. A primeira envolve a parte inferior das costas do tenista vinte vezes vencedor do Grand Slam, o que, em suas palavras, não é ótimo, embora não tenha atrapalhado sua eficiente vitória sem perder um único set contra Laslo Djere, da Sérvia, pela primeira rodada, na terça-feira.
A segunda história envolve um espanhol de 17 anos chamado Carlos Alcaraz, que de repente se tornou conhecido como “o próximo Rafa”. A decisão de Nadal de treinar com Alcaraz na semana passada, nos últimos dias que antecederam o primeiro Grand Slam do ano, aumentou o volume do hype em torno do prodígio adolescente.
Enquanto Nadal se preparava para a partida de estreia, Alcaraz estava erguendo o punho para comemorar sua primeira vitória num torneio Grand Slam, sobre Botic Van de Zandschulp, da Holanda, uma sólida surra: 6-1, 6-4, 6-4.
“Ele tem intensidade, tem paixão, tem bons golpes”, disse Nadal sobre Alcaraz. “Então, é tudo uma questão de saber quanto você vai conseguir melhorar ao longo dos próximos anos. Tudo depende do quanto você será capaz de melhorar, é o que vai fazer a diferença, se ele vai ser muito bom ou se vai ser um campeão incrível”.
Declarar prematuramente que um adolescente será uma futura lenda faz parte do tênis tanto quanto as bolas amarelas e felpudas. Por vários anos, Grigor Dimitrov, da Bulgária, foi chamado de Baby Fed porque sua criatividade precoce e seu jogo versátil se assemelhavam aos do grande suíço Roger Federer. Já faz quase uma década. E Dimitrov hoje está com 29 anos, classificado em 21º no ranking e ainda em busca de seu primeiro título de Grand Slam.
Alcaraz não é exatamente um clone de Nadal. Ele não rebate com o supremo topspin de Nadal, e seu técnico, Juan Carlos Ferrero, disse que os pisos duros provavelmente seriam sua melhor superfície, e não o saibro. Alcaraz não compartilha de nenhuma das compulsões de Nadal na quadra, como se certificar de que os rótulos de suas garrafas de água fiquem voltados para determinado lado durante as partidas, ou seguir um padrão específico para chegar até a sua cadeira. Mas ser um jogador espanhol explodindo aos 17 anos tem suas implicações.
Alcaraz venceu o belga David Goffin, 13º no ranking, na semana passada durante um evento de aquecimento na Austrália, quando teve início o burburinho sobre o “próximo Rafa” no Melbourne Park. Depois ele pegou o adversário ideal na primeira rodada: Van de Zandschulp, um jovem de 25 anos que nunca chegou perto do top 100 e parecia cumprir bem seu papel enquanto Alcaraz o fazia correr pela quadra e o forçava a cometer 73 erros.
Ferrero, que já foi número 1 do mundo e trabalha com Alcaraz há três anos, disse que o tempo treinando na semana passada com Nadal e o russo Andrey Rublev, cabeça-de-chave número 7, foi a chave para o sucesso de Alcaraz na primeira fase.
“Ele pôde ver como os grandes jogadores jogam”, disse Ferrero.
No começo, Alcaraz sofreu para segurar os ralis por mais do que umas poucas trocas. Nadal não cedeu. Alcaraz demorou para se adaptar ao ritmo.
Vergonha nenhuma, porque jovens de 17 anos não deveriam ser capazes de competir nesse nível do tênis masculino em 2021. O jogo deveria ser muito exigente em termos físicos para um adolescente que está tentando conciliar o tênis profissional com seu último ano no ensino médio on-line. Mas Alcaraz já tem 1,85 metro (a mesma altura de Nadal), ombros largos e quadríceps grossos.
Mas a vitória de terça-feira foi sua primeira melhor-de-cinco sets. Ele ainda tem a aparência de alguém que está saindo do ensino médio e prefere o Instagram ao TikTok. Adora o Real Madrid (Nadal também), embora tenha desistido do futebol aos 10 anos para se concentrar exclusivamente no tênis. Mora a maior parte do tempo na academia de tênis de Ferrero, em Villena, perto da costa sudeste da Espanha, a cerca de uma hora de carro da casa dos Alcaraz em El Palmar, para onde volta a cada dois fins de semana.
Os melhores jogadores da Espanha, que dominaram o top 50 não muito tempo atrás e ainda são uma grande força do esporte, há anos são um grupo muito unido. Eles aparecem nas partidas uns dos outros e se encontram ao longo do tour para compartilhar refeições e assistir ao futebol.
Enquanto Alcaraz jogava contra Van de Zandschulp na terça-feira, ele ficava olhando e dando socos no ar na direção de Ferrero e de Pablo Carreño Busta, cabeça-de-chave número 15 do Aberto da Austrália. Carreño Busta é 12 anos mais velho que Alcaraz e virou uma espécie de irmão mais velho para ele na academia de Ferrero.
Alcaraz jogou na Quadra 17, que fica perto de um canteiro de obras, um entroncamento ferroviário movimentado e nos fundos da John Cain Arena e do Melbourne Cricket Ground. São apenas algumas centenas de lugares. É o cafundó do Melbourne Park.
Alcaraz não deve jogar muitos mais jogos por ali, mas pouco antes de entrar em quadra, Carreño Busta o lembrou de tirar um minuto para saborear o início de sua carreira no Grand Slam.
“Eu estava um pouco nervoso”, disse Alcaraz. “Ele me disse para curtir o momento”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU