Tietê e Pinheiros são mais poluídos que o Sena? Investimento e características explicam diferenças


Rio abriga, na capital francesa, provas de triatlo e maratona aquática dos Jogos Olímpicos de Paris

Por Marcos Antomil

PARIS - O Rio Sena, em Paris, recebeu, na última quarta-feira, as provas masculina e feminina no triatlo e se prepara para abrigar em suas águas o revezamento misto da mesma modalidade e a maratona aquática (águas abertas). Poluído há mais de um século, o Sena passou por um longo processo de limpeza para receber as provas aquáticas dos Jogos Olímpicos de 2024 sob um investimento aproximado de € 1,4 bilhão (cerca de R$ 8,7 bilhões).

Na cidade de São Paulo, dois rios extremamente poluídos já foram locais próprios para banho e práticas esportivas até o início do século passado. Os projetos de despoluição dos Rios Tietê e Pinheiros, ainda em andamento, custaram, de acordo com o Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), R$ 3,6 bilhões entre 2011 e 2021. A previsão é que até 2026, a despoluição do principal rio paulista receba um investimento de R$ 5,6 bilhões. A reportagem do Estadão procurou a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil) e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), mas não obteve retorno para comentários sobre o tema.

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Ricardo Batista, de Portugal, mergulha no Rio Sena para a prova do triatlo nos Jogos Olímpicos de Paris. Foto: David Goldman/AFP

Quem caminha à beira do Sena, em Paris, não sente o mesmo odor de esgoto característico do Tietê e do Pinheiros em São Paulo. “Ano passado, no evento-teste, a água tinha até um cheiro meio estranho. Neste ano não senti nada, acho que a água realmente estava mais limpa”, disse o brasileiro Miguel Hidalgo, que ficou na 10ª posição do triatlo. “Conseguimos em quatro anos o que foi impossível durante um século: o Sena é nadável”, afirmou o presidente francês Emmanuel Macron.

Na capital francesa, por exemplo, o Canal de Saint-Martin fica aberto aos domingos durante o verão para mergulho de pessoas comuns. Assim como nas praias do litoral paulista, os índices de balneabilidade são verificados constantemente e, eventualmente, como no último fim de semana, o banho não foi recomendado por causa da chuva que carrega sedimentos ao rio e aumenta os índices de poluição.

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Por meio de dados públicos sobre o aferimento da presença de bactérias nas águas do Tietê e do Pinheiros, é possível traçar um comparativo com a situação do Sena. No dia 23 de julho, o rio francês tinha cerca de 1.000 UFC/100ml (1.000 unidades formadoras de colônia a cada 100 ml de água) da bactéria Escherichia coli (E. coli), que pode causar problemas intestinais e urinários.

Uma coleta no Pinheiros, por sua vez, no dia 2 de julho, registrou variação de 56 a 1.700.000 UFC/100ml. Quanto mais sujo o rio, mais instáveis são esses números. No Tietê, em 2 de maio, em coletas feitas no Alto Tietê, que compreende parte da Grande São Paulo, os números variaram entre 15 UFC/100ml e 4.900.000 UFC/100ml.

“Pode-se dizer que o Sena está menos poluído do que o Tietê e o Pinheiros. É através do monitoramento desses indicadores que pode ser definida a condição de balneabilidade ou recreação de contato primário, que são as atividades nas quais o contato é direto com a água, podendo ocorrer inclusive ingestão. É o acompanhamento que se faz nas praias brasileiras para saber se estão em condições de uso ou não”, explica a engenheira civil e especialista em gestão de recursos hídricos Mônica Porto, professora livre-docente da Universidade de São Paulo (USP).

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Triatletas nadam no Rio Sena durante prova dos Jogos Olímpicos de Paris. Foto: Martin Bureau/AP

Apesar da possibilidade de comparação entre os rios de Paris e de São Paulo, Mônica afirma que não é tão simples traçar um paralelo entre a situação do Sena e do Pinheiros e Tietê. “A questão não é tão simples. O Sena vem recebendo investimentos vultuosos há muitas décadas. No caso do Tietê e do Pinheiros, temos três décadas de investimentos, partindo de uma situação de baixos índices de coleta e tratamento de esgotos. Avançamos muito, principalmente no investimento feito no Rio Pinheiros nos últimos cinco anos, mas ainda há muito por fazer”.

Segundo a professora, uma das maiores dificuldades enfrentadas por São Paulo se dá sobre a forma como a cidade foi construída. Enquanto Paris seguiu um regramento e um processo de urbanização bem planejado, a capital paulista e região metropolitana não passaram por processos semelhantes e foram crescendo de maneira mais desordenada. “Outra característica que dificulta a comparação é o tipo de urbanização da cidade no entorno do rio. Paris tem urbanização organizada e planejada desde o século XIX, o que torna o processo de implantação da infraestrutura mais rápido, fácil e de menor custo. São Paulo enfrenta condições muito menos favoráveis para a implantação da infraestrutura de coleta de esgotos.”

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O processo de despoluição de um rio pode encontrar entraves diante das características da própria bacia hidrográfica. Mônica explica que a bacia do Sena é muito maior que a do Tietê - que inclui o Pinheiros. A vazão do rio francês esteve entre 300 e 400 metros cúbicos por segundo na última semana, enquanto a média do Tietê é de cerca de 80 metros cúbicos por segundo. “A condição de diluição dos poluentes e, consequentemente, a qualidade do rio são muito facilitadas por vazões maiores, isto é, pela maior quantidade de água”.

Afinal, em algum momento, o Tietê e o Pinheiros poderão voltar a ser usados para banho e práticas esportivas na cidade de São Paulo? Mônica acredita que não, porque todo o escoamento pluvial, que arrasta sujeira da superfície, gasolina, poeira vai parar no rio que atravessa a cidade. “É preciso desmistificar o conceito de que um rio limpo é somente aquele em que se pode nadar. Podemos ter um rio limpo como o Sena antes dessa intervenção que, mesmo assim, não dá condições de balneabilidade. Dadas as condições urbanas de São Paulo, dificilmente teremos condições de balneabilidade nesses rios. Mas, certamente, alcançaremos um padrão de qualidade compatível com lazer nas margens e aproveitamento paisagístico. Rios urbanos devem ser despoluídos e conservados para serem harmônicos com a paisagem.”

PARIS - O Rio Sena, em Paris, recebeu, na última quarta-feira, as provas masculina e feminina no triatlo e se prepara para abrigar em suas águas o revezamento misto da mesma modalidade e a maratona aquática (águas abertas). Poluído há mais de um século, o Sena passou por um longo processo de limpeza para receber as provas aquáticas dos Jogos Olímpicos de 2024 sob um investimento aproximado de € 1,4 bilhão (cerca de R$ 8,7 bilhões).

Na cidade de São Paulo, dois rios extremamente poluídos já foram locais próprios para banho e práticas esportivas até o início do século passado. Os projetos de despoluição dos Rios Tietê e Pinheiros, ainda em andamento, custaram, de acordo com o Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), R$ 3,6 bilhões entre 2011 e 2021. A previsão é que até 2026, a despoluição do principal rio paulista receba um investimento de R$ 5,6 bilhões. A reportagem do Estadão procurou a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil) e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), mas não obteve retorno para comentários sobre o tema.

Ricardo Batista, de Portugal, mergulha no Rio Sena para a prova do triatlo nos Jogos Olímpicos de Paris. Foto: David Goldman/AFP

Quem caminha à beira do Sena, em Paris, não sente o mesmo odor de esgoto característico do Tietê e do Pinheiros em São Paulo. “Ano passado, no evento-teste, a água tinha até um cheiro meio estranho. Neste ano não senti nada, acho que a água realmente estava mais limpa”, disse o brasileiro Miguel Hidalgo, que ficou na 10ª posição do triatlo. “Conseguimos em quatro anos o que foi impossível durante um século: o Sena é nadável”, afirmou o presidente francês Emmanuel Macron.

Na capital francesa, por exemplo, o Canal de Saint-Martin fica aberto aos domingos durante o verão para mergulho de pessoas comuns. Assim como nas praias do litoral paulista, os índices de balneabilidade são verificados constantemente e, eventualmente, como no último fim de semana, o banho não foi recomendado por causa da chuva que carrega sedimentos ao rio e aumenta os índices de poluição.

Por meio de dados públicos sobre o aferimento da presença de bactérias nas águas do Tietê e do Pinheiros, é possível traçar um comparativo com a situação do Sena. No dia 23 de julho, o rio francês tinha cerca de 1.000 UFC/100ml (1.000 unidades formadoras de colônia a cada 100 ml de água) da bactéria Escherichia coli (E. coli), que pode causar problemas intestinais e urinários.

Uma coleta no Pinheiros, por sua vez, no dia 2 de julho, registrou variação de 56 a 1.700.000 UFC/100ml. Quanto mais sujo o rio, mais instáveis são esses números. No Tietê, em 2 de maio, em coletas feitas no Alto Tietê, que compreende parte da Grande São Paulo, os números variaram entre 15 UFC/100ml e 4.900.000 UFC/100ml.

“Pode-se dizer que o Sena está menos poluído do que o Tietê e o Pinheiros. É através do monitoramento desses indicadores que pode ser definida a condição de balneabilidade ou recreação de contato primário, que são as atividades nas quais o contato é direto com a água, podendo ocorrer inclusive ingestão. É o acompanhamento que se faz nas praias brasileiras para saber se estão em condições de uso ou não”, explica a engenheira civil e especialista em gestão de recursos hídricos Mônica Porto, professora livre-docente da Universidade de São Paulo (USP).

Triatletas nadam no Rio Sena durante prova dos Jogos Olímpicos de Paris. Foto: Martin Bureau/AP

Apesar da possibilidade de comparação entre os rios de Paris e de São Paulo, Mônica afirma que não é tão simples traçar um paralelo entre a situação do Sena e do Pinheiros e Tietê. “A questão não é tão simples. O Sena vem recebendo investimentos vultuosos há muitas décadas. No caso do Tietê e do Pinheiros, temos três décadas de investimentos, partindo de uma situação de baixos índices de coleta e tratamento de esgotos. Avançamos muito, principalmente no investimento feito no Rio Pinheiros nos últimos cinco anos, mas ainda há muito por fazer”.

Segundo a professora, uma das maiores dificuldades enfrentadas por São Paulo se dá sobre a forma como a cidade foi construída. Enquanto Paris seguiu um regramento e um processo de urbanização bem planejado, a capital paulista e região metropolitana não passaram por processos semelhantes e foram crescendo de maneira mais desordenada. “Outra característica que dificulta a comparação é o tipo de urbanização da cidade no entorno do rio. Paris tem urbanização organizada e planejada desde o século XIX, o que torna o processo de implantação da infraestrutura mais rápido, fácil e de menor custo. São Paulo enfrenta condições muito menos favoráveis para a implantação da infraestrutura de coleta de esgotos.”

O processo de despoluição de um rio pode encontrar entraves diante das características da própria bacia hidrográfica. Mônica explica que a bacia do Sena é muito maior que a do Tietê - que inclui o Pinheiros. A vazão do rio francês esteve entre 300 e 400 metros cúbicos por segundo na última semana, enquanto a média do Tietê é de cerca de 80 metros cúbicos por segundo. “A condição de diluição dos poluentes e, consequentemente, a qualidade do rio são muito facilitadas por vazões maiores, isto é, pela maior quantidade de água”.

Afinal, em algum momento, o Tietê e o Pinheiros poderão voltar a ser usados para banho e práticas esportivas na cidade de São Paulo? Mônica acredita que não, porque todo o escoamento pluvial, que arrasta sujeira da superfície, gasolina, poeira vai parar no rio que atravessa a cidade. “É preciso desmistificar o conceito de que um rio limpo é somente aquele em que se pode nadar. Podemos ter um rio limpo como o Sena antes dessa intervenção que, mesmo assim, não dá condições de balneabilidade. Dadas as condições urbanas de São Paulo, dificilmente teremos condições de balneabilidade nesses rios. Mas, certamente, alcançaremos um padrão de qualidade compatível com lazer nas margens e aproveitamento paisagístico. Rios urbanos devem ser despoluídos e conservados para serem harmônicos com a paisagem.”

PARIS - O Rio Sena, em Paris, recebeu, na última quarta-feira, as provas masculina e feminina no triatlo e se prepara para abrigar em suas águas o revezamento misto da mesma modalidade e a maratona aquática (águas abertas). Poluído há mais de um século, o Sena passou por um longo processo de limpeza para receber as provas aquáticas dos Jogos Olímpicos de 2024 sob um investimento aproximado de € 1,4 bilhão (cerca de R$ 8,7 bilhões).

Na cidade de São Paulo, dois rios extremamente poluídos já foram locais próprios para banho e práticas esportivas até o início do século passado. Os projetos de despoluição dos Rios Tietê e Pinheiros, ainda em andamento, custaram, de acordo com o Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), R$ 3,6 bilhões entre 2011 e 2021. A previsão é que até 2026, a despoluição do principal rio paulista receba um investimento de R$ 5,6 bilhões. A reportagem do Estadão procurou a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil) e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), mas não obteve retorno para comentários sobre o tema.

Ricardo Batista, de Portugal, mergulha no Rio Sena para a prova do triatlo nos Jogos Olímpicos de Paris. Foto: David Goldman/AFP

Quem caminha à beira do Sena, em Paris, não sente o mesmo odor de esgoto característico do Tietê e do Pinheiros em São Paulo. “Ano passado, no evento-teste, a água tinha até um cheiro meio estranho. Neste ano não senti nada, acho que a água realmente estava mais limpa”, disse o brasileiro Miguel Hidalgo, que ficou na 10ª posição do triatlo. “Conseguimos em quatro anos o que foi impossível durante um século: o Sena é nadável”, afirmou o presidente francês Emmanuel Macron.

Na capital francesa, por exemplo, o Canal de Saint-Martin fica aberto aos domingos durante o verão para mergulho de pessoas comuns. Assim como nas praias do litoral paulista, os índices de balneabilidade são verificados constantemente e, eventualmente, como no último fim de semana, o banho não foi recomendado por causa da chuva que carrega sedimentos ao rio e aumenta os índices de poluição.

Por meio de dados públicos sobre o aferimento da presença de bactérias nas águas do Tietê e do Pinheiros, é possível traçar um comparativo com a situação do Sena. No dia 23 de julho, o rio francês tinha cerca de 1.000 UFC/100ml (1.000 unidades formadoras de colônia a cada 100 ml de água) da bactéria Escherichia coli (E. coli), que pode causar problemas intestinais e urinários.

Uma coleta no Pinheiros, por sua vez, no dia 2 de julho, registrou variação de 56 a 1.700.000 UFC/100ml. Quanto mais sujo o rio, mais instáveis são esses números. No Tietê, em 2 de maio, em coletas feitas no Alto Tietê, que compreende parte da Grande São Paulo, os números variaram entre 15 UFC/100ml e 4.900.000 UFC/100ml.

“Pode-se dizer que o Sena está menos poluído do que o Tietê e o Pinheiros. É através do monitoramento desses indicadores que pode ser definida a condição de balneabilidade ou recreação de contato primário, que são as atividades nas quais o contato é direto com a água, podendo ocorrer inclusive ingestão. É o acompanhamento que se faz nas praias brasileiras para saber se estão em condições de uso ou não”, explica a engenheira civil e especialista em gestão de recursos hídricos Mônica Porto, professora livre-docente da Universidade de São Paulo (USP).

Triatletas nadam no Rio Sena durante prova dos Jogos Olímpicos de Paris. Foto: Martin Bureau/AP

Apesar da possibilidade de comparação entre os rios de Paris e de São Paulo, Mônica afirma que não é tão simples traçar um paralelo entre a situação do Sena e do Pinheiros e Tietê. “A questão não é tão simples. O Sena vem recebendo investimentos vultuosos há muitas décadas. No caso do Tietê e do Pinheiros, temos três décadas de investimentos, partindo de uma situação de baixos índices de coleta e tratamento de esgotos. Avançamos muito, principalmente no investimento feito no Rio Pinheiros nos últimos cinco anos, mas ainda há muito por fazer”.

Segundo a professora, uma das maiores dificuldades enfrentadas por São Paulo se dá sobre a forma como a cidade foi construída. Enquanto Paris seguiu um regramento e um processo de urbanização bem planejado, a capital paulista e região metropolitana não passaram por processos semelhantes e foram crescendo de maneira mais desordenada. “Outra característica que dificulta a comparação é o tipo de urbanização da cidade no entorno do rio. Paris tem urbanização organizada e planejada desde o século XIX, o que torna o processo de implantação da infraestrutura mais rápido, fácil e de menor custo. São Paulo enfrenta condições muito menos favoráveis para a implantação da infraestrutura de coleta de esgotos.”

O processo de despoluição de um rio pode encontrar entraves diante das características da própria bacia hidrográfica. Mônica explica que a bacia do Sena é muito maior que a do Tietê - que inclui o Pinheiros. A vazão do rio francês esteve entre 300 e 400 metros cúbicos por segundo na última semana, enquanto a média do Tietê é de cerca de 80 metros cúbicos por segundo. “A condição de diluição dos poluentes e, consequentemente, a qualidade do rio são muito facilitadas por vazões maiores, isto é, pela maior quantidade de água”.

Afinal, em algum momento, o Tietê e o Pinheiros poderão voltar a ser usados para banho e práticas esportivas na cidade de São Paulo? Mônica acredita que não, porque todo o escoamento pluvial, que arrasta sujeira da superfície, gasolina, poeira vai parar no rio que atravessa a cidade. “É preciso desmistificar o conceito de que um rio limpo é somente aquele em que se pode nadar. Podemos ter um rio limpo como o Sena antes dessa intervenção que, mesmo assim, não dá condições de balneabilidade. Dadas as condições urbanas de São Paulo, dificilmente teremos condições de balneabilidade nesses rios. Mas, certamente, alcançaremos um padrão de qualidade compatível com lazer nas margens e aproveitamento paisagístico. Rios urbanos devem ser despoluídos e conservados para serem harmônicos com a paisagem.”

PARIS - O Rio Sena, em Paris, recebeu, na última quarta-feira, as provas masculina e feminina no triatlo e se prepara para abrigar em suas águas o revezamento misto da mesma modalidade e a maratona aquática (águas abertas). Poluído há mais de um século, o Sena passou por um longo processo de limpeza para receber as provas aquáticas dos Jogos Olímpicos de 2024 sob um investimento aproximado de € 1,4 bilhão (cerca de R$ 8,7 bilhões).

Na cidade de São Paulo, dois rios extremamente poluídos já foram locais próprios para banho e práticas esportivas até o início do século passado. Os projetos de despoluição dos Rios Tietê e Pinheiros, ainda em andamento, custaram, de acordo com o Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), R$ 3,6 bilhões entre 2011 e 2021. A previsão é que até 2026, a despoluição do principal rio paulista receba um investimento de R$ 5,6 bilhões. A reportagem do Estadão procurou a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil) e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), mas não obteve retorno para comentários sobre o tema.

Ricardo Batista, de Portugal, mergulha no Rio Sena para a prova do triatlo nos Jogos Olímpicos de Paris. Foto: David Goldman/AFP

Quem caminha à beira do Sena, em Paris, não sente o mesmo odor de esgoto característico do Tietê e do Pinheiros em São Paulo. “Ano passado, no evento-teste, a água tinha até um cheiro meio estranho. Neste ano não senti nada, acho que a água realmente estava mais limpa”, disse o brasileiro Miguel Hidalgo, que ficou na 10ª posição do triatlo. “Conseguimos em quatro anos o que foi impossível durante um século: o Sena é nadável”, afirmou o presidente francês Emmanuel Macron.

Na capital francesa, por exemplo, o Canal de Saint-Martin fica aberto aos domingos durante o verão para mergulho de pessoas comuns. Assim como nas praias do litoral paulista, os índices de balneabilidade são verificados constantemente e, eventualmente, como no último fim de semana, o banho não foi recomendado por causa da chuva que carrega sedimentos ao rio e aumenta os índices de poluição.

Por meio de dados públicos sobre o aferimento da presença de bactérias nas águas do Tietê e do Pinheiros, é possível traçar um comparativo com a situação do Sena. No dia 23 de julho, o rio francês tinha cerca de 1.000 UFC/100ml (1.000 unidades formadoras de colônia a cada 100 ml de água) da bactéria Escherichia coli (E. coli), que pode causar problemas intestinais e urinários.

Uma coleta no Pinheiros, por sua vez, no dia 2 de julho, registrou variação de 56 a 1.700.000 UFC/100ml. Quanto mais sujo o rio, mais instáveis são esses números. No Tietê, em 2 de maio, em coletas feitas no Alto Tietê, que compreende parte da Grande São Paulo, os números variaram entre 15 UFC/100ml e 4.900.000 UFC/100ml.

“Pode-se dizer que o Sena está menos poluído do que o Tietê e o Pinheiros. É através do monitoramento desses indicadores que pode ser definida a condição de balneabilidade ou recreação de contato primário, que são as atividades nas quais o contato é direto com a água, podendo ocorrer inclusive ingestão. É o acompanhamento que se faz nas praias brasileiras para saber se estão em condições de uso ou não”, explica a engenheira civil e especialista em gestão de recursos hídricos Mônica Porto, professora livre-docente da Universidade de São Paulo (USP).

Triatletas nadam no Rio Sena durante prova dos Jogos Olímpicos de Paris. Foto: Martin Bureau/AP

Apesar da possibilidade de comparação entre os rios de Paris e de São Paulo, Mônica afirma que não é tão simples traçar um paralelo entre a situação do Sena e do Pinheiros e Tietê. “A questão não é tão simples. O Sena vem recebendo investimentos vultuosos há muitas décadas. No caso do Tietê e do Pinheiros, temos três décadas de investimentos, partindo de uma situação de baixos índices de coleta e tratamento de esgotos. Avançamos muito, principalmente no investimento feito no Rio Pinheiros nos últimos cinco anos, mas ainda há muito por fazer”.

Segundo a professora, uma das maiores dificuldades enfrentadas por São Paulo se dá sobre a forma como a cidade foi construída. Enquanto Paris seguiu um regramento e um processo de urbanização bem planejado, a capital paulista e região metropolitana não passaram por processos semelhantes e foram crescendo de maneira mais desordenada. “Outra característica que dificulta a comparação é o tipo de urbanização da cidade no entorno do rio. Paris tem urbanização organizada e planejada desde o século XIX, o que torna o processo de implantação da infraestrutura mais rápido, fácil e de menor custo. São Paulo enfrenta condições muito menos favoráveis para a implantação da infraestrutura de coleta de esgotos.”

O processo de despoluição de um rio pode encontrar entraves diante das características da própria bacia hidrográfica. Mônica explica que a bacia do Sena é muito maior que a do Tietê - que inclui o Pinheiros. A vazão do rio francês esteve entre 300 e 400 metros cúbicos por segundo na última semana, enquanto a média do Tietê é de cerca de 80 metros cúbicos por segundo. “A condição de diluição dos poluentes e, consequentemente, a qualidade do rio são muito facilitadas por vazões maiores, isto é, pela maior quantidade de água”.

Afinal, em algum momento, o Tietê e o Pinheiros poderão voltar a ser usados para banho e práticas esportivas na cidade de São Paulo? Mônica acredita que não, porque todo o escoamento pluvial, que arrasta sujeira da superfície, gasolina, poeira vai parar no rio que atravessa a cidade. “É preciso desmistificar o conceito de que um rio limpo é somente aquele em que se pode nadar. Podemos ter um rio limpo como o Sena antes dessa intervenção que, mesmo assim, não dá condições de balneabilidade. Dadas as condições urbanas de São Paulo, dificilmente teremos condições de balneabilidade nesses rios. Mas, certamente, alcançaremos um padrão de qualidade compatível com lazer nas margens e aproveitamento paisagístico. Rios urbanos devem ser despoluídos e conservados para serem harmônicos com a paisagem.”

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