PARIS - Enquanto a maioria dos atletas brasileiros ainda não competiu em Paris e não há, por ora, medalhas a serem comemoradas, um assunto que extrapola as competição tomou as redes sociais. Há um frenesi em relação aos uniformes da delegação, especialmente o que será usado na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos no rio Sena, que corta a cidade, a capital da moda.
Quando desfilarem em sua embarcação no Sena, os atletas estarão vestidos com camisetas listradas em verde e amarelo, calças e saias brancas e jaquetas jeans com onças, araras e tucanos bordados às costas. As peças foram confeccionadas pela Riachuelo, uma das empresas que patrocina o Comitê Olímpico do Brasil (COB) e que também produziu o moletom de viagem para os esportistas.
Parte das críticas no ambiente digital diz respeito ao processo de criação das roupas, consideradas simplistas, conservadoras e que não representam fielmente o País e sua cultura. Até a cantora Anitta mostrou descontentamento com o design do vestuário que, disse a artista, representa “exatamente como o atleta é tratado no País. Sem estrutura, sem oportunidades, desvalorizado”.
O presidente do COB, Paulo Wanderley, rebateu as críticas com irritação na quarta-feira. “Não é Paris Fashion Week, são os Jogos Olímpicos. Então nosso foco está nisso”, afirmou.
Cathyelle Schroeder, diretora de marketing e comunicação da Riachuelo se chateou com as avaliações negativas em relação ao uniforme. “Sofri muito, nos deixa muito triste. Ninguém quer viver um momento como esse. A gente sente muito, nos dói”, disse ela ao Estadão. “Eu sei a verdade que existe por trás e o que a gente construiu”. Ela preferiu não responder se achou exagerados os comentários negativos.
Apenas disse que a empresa está atenta às críticas e ampliou a monitoração nas redes sociais sobre os uniformes. “O que fazemos é pelos consumidores e atletas. Levamos para dentro de casa para entender os próximos passos e evoluir. Queremos garantir que estamos, sim, lendo e ouvindo todos os comentários. É nosso papel fazer isso”.
Para Cathyelle, as roupas enaltecem a beleza do trabalho manual e valorizam a cultura e a biodiversidade brasileira. Segundo a executiva, o traje foi bordado com atenção especial à sustentabilidade, com jeans reciclável, e à equidade, uma vez que 60% das 500 famílias que participaram da confecção são mulheres.
Cathyelle veio a Paris e trouxe consigo Salmira de Araújo Torres Clemente e Jailma Araújo, duas das 80 bordadeiras que costuraram à mão as peças. Ambas são de Timbaúba dos Batistas, pequena cidade do sertão do Rio Grande do Norte, e representarão o projeto na cerimônia de abertura das Olimpíadas, convidadas pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte e pela Embratur.
Salmira, de 68 anos, borda há mais de cinquenta. Jailma, de 44, cresceu imersa na tradição do bordado, que começou com uma máquina herdada de sua avó. “Na minha cidade, bordamos desde crianças. Eu brincava na máquina da minha avó. Faz parte da minha história, está no meu DNA. O barulho da máquina é música pra mim”, conta Jailma.
Ela e as outras bordadeiras receberam o desenho pronto. Não deram pitaco na criação do traje, apenas executaram a ideia. “Não tenho noção de onde meu bordado ainda vai chegar, mas estou orgulhosa por onde ele já está”, afirma a bordadeira.
“Adorei o conceito artístico que a marca usou para criar o uniforme do desfile. Chamar a atenção para o trabalho manual dos bordados, sobretudo de uma região do Nordeste tão rica culturalmente como Timbaúba dos Batistas, é digno de aplausos. Isso torna cada peça exclusiva e única. O que a moda mais busca é exclusividade, então acredito que esses bordados são o grande diferencial do uniforme do Brasil”, opina o figurinista Paulo Paranhos.
Ele vê exagero nas críticas e enxerga riqueza de detalhes no processo de criação do traje. “Quem estuda e compreende moda como um todo certamente irá perceber esta riqueza de detalhes pensada pelo time criativo”.
Outros uniformes
Existem outro dois uniformes que os atletas receberam em Paris. Ambos foram fornecidos pela Peak, marca esportiva chinesa. Trata-se de um conjunto para ser usado na Vila Olímpica, com jaqueta, camiseta, calça e tênis, e outro que será vestido em uma ocasião especial: subir ao pódio para receber uma medalha.
“Nossa preocupação é que a roupa seja prática e funcional”, defende Katherine Campos, ex-judoca e líder da operação de uniformes do COB. Toda a logística é feita no Serra Wangari, uma das três instalações à disposição do Brasil em Saint-Ouen.
Os atletas receberam os uniformes da Riachuelo no Brasil. Em Paris, ganharam os materiais esportivos, fornecidos pela Peak. São quase 50 mil peças que vieram da China dispostas em quatro contêineres. “Temos um QR code que mostra a quais atletas cada peça está associada”, diz ela. As malas são separadas por modalidade. Se o uniforme requer ajustes, há duas costureiras destacadas para isso no local. O uniforme masculino parte do P e termina no 7G. O menor tamanho feminino é o PP e o maior, o 4G.
Já os trajes de treino e competição são de responsabilidade de cada delegação, que têm um patrocinador próprio. Caso a confederação que administra a modalidade olímpica não tenha um fornecedor de material próprio, o COB também pode fornecer o material de competição dos atletas. Eles também vestirão Peak nesse caso.