Saquarema volta a receber uma etapa da World Surf League (WSL), o Circuito Mundial de Surfe, neste sábado, 22, na Praia de Itaúna. A etapa continua até dia 30. Desde 2017, as ondas da praia na Região dos Lagos do Rio de Janeiro é palco para a etapa do Brasil, e só com triunfos brasileiros. Profissionalização do esporte e inovações no espetáculo consolidaram o município fluminense, que já era conhecido por “Maracanã do Surfe”, como a capital brasileira do esporte. Somente em 2023, a disputa foi responsável por movimentar R$ 97 milhões na cidade de pouco mais de 90 mil habtantes, segundo a empresa de análise em transações, EY. A expectativa para este ano é superar a marca.
Às vésperas de mais uma edição, o Estadão conversou com o presidente da WSL na América Latina, Ivan Martinho. O trabalho com o evento, enquanto negócio, tem o objetivo de diferenciá-lo, como uma etapa especial, mas que mantenha a unidade das demais fases pelo mundo. Além disso, enquanto referencia os astros do surfe brasileiros, como Gabriel Medina, Yago Dora e Ítalo Ferreira, a WSL também auxilia na busca por novos talentos que sejam sucessão da Brazilian Storm.
O investimento na modalidade tem amparo nos resultados obtidos pelos atletas. O Brasil já foi campeão mundial de surfe sete vezes nos útimos dez anos. Em Saquarema, somente os brasileiros Adriano de Souza, Filipe Toledo (três vezes) e Yago Dora saíram com vitória. Em 2020 e 2021, por causa da pandemia, o evento não aconteceu.
Junto do esporte e do negócio, está a preocupação com a execução de um evento sustentável. A ideia de que o surfista tem uma ligação com a natureza e que, sem mar, não o restante, norteia esse cuidado. Ainda assim, institucionalmente, a WSL evita entrar em debates políticos que discutam, por exemplo, privatização de praias ou espececulação imobiliária.
Veja a entrevista com o CEO da WSL na América Latina, Ivan Martinho:
Qual é a estimativa para superar a edição de 2023 em valores movimentados em Saquarema?
Estimativa a gente não tem. Mas temos o desejo. E o entendimento, ano após ano, de quais são os gatilhos que, de fato, fazem com que esse impacto econômico se multiplique. Esse evento já passou por Florianópolis e Rio de Janeiro antes de Saquarema. Sempre ouvíamos dos donos de restaurantes e hotéis que lota a cidade. E tentamos mensurar. Todo ano as pessoas já esperam o que a gente vai consguir trazer para o Brasil e depois se torna referência para o mundo. Ao mesmo tempo, não só no ponto de vista de desafio criativo, mas também em execução. Ano passado, mais de 300 mil pessoas foram à Saquarema. Esse ano trabalhamos para superar isso e trazer inovações, além do esporte. O entretenimento, um programa de família. Esse ano trazemos um mascote, show de abertura, novas formas de reciclagem. É uma combinação de fatores que faz um compromisso com a comunidade e a cidade de Saquarema.
A etapa evolui enquanto negócio. Como se coloca a preocupação com sustentabilidade?
Qualquer surfista, não precisa nem ser surfista, mas qualquer pessoa, eu, você... não quer o lugar sujo. O que a gente quer é expandir essa consciência, por meio do projeto chamado One Ocean, é com a ideia de que temos que cuidar da praia que a gente vai, e de todas as praias. Porque, no fundo, se a gente polui o nosso litoral aqui, se a gente polui o nosso litoral aqui, a pessoa que está lá na Austrália também está sofrendo. Todos os oceanos são interligados.
Usamos nossa força midiática, a audiência, para conscientizar sobre esse tema. Nos nossos eventos, não usamos plástico descartável. Temos restrições, que naturalmente criam desafios, do ponto de produção. E contamos com nossos atletas como embaixadores para limpeza na praia. Isso obviamente leva um número maior de pessoas. Uma coisa é você fazer limpeza de praia com os amigos, outra é com o Filipe Toledo e o Ítalo Ferreira para ajudar. E também com doações, por meio de recursos separados do One Ocean para ONGs que se dediquem a cuidar do meio-ambiente, especialmente dos oceanos. E tem projetos que se candidatam a receber esses aportes. Estamos muito à frente de outras entidades esportivas. Tem uma questão do nosso campo de provas ser o oceano, mas a nossa preocupação vai além disso. Tem alguns exemplos bacanas. No ano passado, a gente transformou as lonas do evento em bancos de praça, e os prendedores das lonas em quilhas que foram doadas por cento de treinamento de Saquarema.
Nesse ano, a gente vai fazer pontos de ônibus. Vai ser sendo inaugurado, em Saquarema, o novo bairro temático do surfe. Como se fosse La Boca (bairro de Buenos Aires com grande identificação com o Boca Juniors). Vamos fazer lá. No fundo, é um legado e uma conscientização de que tudo pode ser reaproveitado.
Ajuda também a lembrar que Saquarema tem essa parceria com a WSL quando não tem etapa também.
Durante o ano inteiro sem dúvida nenhuma. Nos interessa isso. É a história do legado positivo. A gente está lá normalmente durante por 45 dias de montagem, dez dias de evento e mais dez ou 15 para desmontar. Então, no mínimo, de 60 a 70 dias só para esse evento específico. É muito importante para nós deixar a praia melhor do que como a gente encontrou. Fizemos micro-coleta de lixo. Temos uma parceria com a prefeitura, que já conseguiu a bandeira azul, um símbolo da qualidade da água.
Inclusive o desenvolvimento imobiliário, porque a cidade cresce e tem especulação imobiliária, é normal que isso aconteça, são preocupados com isso e tem funcionado super bem. Falamos muito em sustentabilidade. E quando mais se fala, mais chama atenção. Talvez tenha uma galera esperando a gente errar (risos).
Em temas como especulação imobiliária, o quanto dá para se posicionar institucionalmente?
São leis públicas, acabamos não interferindo com isso. O que a gente faz sempre é compartilhar melhores práticas que a gente conhece do mundo todo. Tem que lembrar o que faz a cidade, que é ter aquelas ondas, a vibe, aquele jeito. Isso não pode ser ameaçado. Não interferimos, mas, quando somos questionados, compartilhamos melhores práticas.
Recentemente, teve a discussão sobre construir ou não a torre de ferro no Taiti (para juízes do surfe nos Jogos Paris-2024). Sempre usamos torres de madeira, que compõe melhor para o oceano. É importante saber que, quando você tem esse mindset da natureza em primeiro lugar, as coisas se facilitam.
E no caso de privatização de praias, que foi uma polêmica recente envolvendo Neymar?
A gente não tem repertório para tomar uma posição nesse caso. Nosso cuidado é com a praia, entender qual o ecossistema de fauna, flora e tudo que envolve. Não temos posicionamento sobre esse assunto.
Como se procura fazer algo diferente em WSL sem perder a identidade?
Tem lugares e lugares. A gente viaja atrás das melhores ondas do mundo. Essa é a lógica: as melhores ondas e os melhores surfistas. Tem locais, como eu falei para você, por exemplom o Taiti, não tem nada comparado. Aqui no Brasil, a gente não tem uma onda como essa, mas a gente tem um outro tipo de aspecto. Tem eventos fan engagement, em que conseguimos combinar belas ondas, com entretenimento e uma sensação de arena. Saquarema sido um laboratório que tem exportado tecnologia e melhores práticas para o mundo. Isso tem a ver com um público de fãs apaixonados que responde as nossas iniciativas, porque, sem fã, não adianta.
E tem a ver com o jeito brasileiro de inovar, inventar e de querer fazer aqui o maior evento de surfe do mundo, mais faladom mais inovador, divertido. Então, todo ano, a gente começa com coisas... Esse ano a gente traz, pela primeira vez na história da WSL, um mascote. De novo, a Esquadrilha da Fumaça. Vamos fazer um show de abertura, com drones. Nunca show de drones na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. São novidades que trazem componentes de inovação que fazem com que o evento tenha nossa cara, de uma liga que cresce tanto dentro quanto fora da água e atraindo marcas líderes de mercado.
Saquarema tem, ano após ano, batido recordes. E isso, ao mesmo tempo que deixa a gente muito orgulhoso, traz uma responsabilidade enorme. Porque as pessoas já esperam o que a gente vai conseguir trazer aqui no Brasil aqui e depois se torna referência para o mundo.
Olhando para o futuro, como a WSL contribui para captar novos talentos no surfe brasileiro?
Uma história que ficou muito famosa é a do Ítalo. Ele é um garoto, da Ilha Formosa, o pai, pescador. Ele aprendeu a surfar na tampa de isopor da caixa de peixe do pai dele e se transformou num campeão olímpico. Isso dá para a gente essa ideia de quantos outros meninos e meninas que têm característica, que tem potencial para ser um surfista profissional podem estar Brasil a fora e não necessariamente tenham recurso dinheiro para vir até o Sudeste ou no Sul participar das principais competições de surfe. Será que isso não seria um desperdício de talentos?
Então, a gente criou o circuito do Banco do Brasil, que viaja três regiões do país anualmente. Estamos no terceiro ano do circuito do Banco do Brasil. Vamos concluir, ao final desse ano, 13 eventos. Visitamos diferentes cidades com QS, que é o qualify series, que é o começo da carreira de um atleta de surfe, dando oportunidade para esse surfistas da nova geração mostrarem o seu trabalho e também criarem o gosto pelo profissional Tão importante quanto dar a chance, é você mostrar para a família dele que isso tem caminho. Porque muitas vezes a família pode falar de tentar apagar o sonho da criança. É muito importante o núcleo familiar apoiar. À medida que a gente leva eventos bem organizados, que pagam premiação, que têm apoio, dá exposição para esses atletas... o que a gente está fazendo é criar nova base de sucessão da Brazilian Storm.
O Brasil tem um problema, do ponto de vista de esporte, de sucessão. A gente já viu vários outras esportes que tiveram campeões e que não tiveram sucessão. A gente tem a alegria o privilégio de ter uma geração hipervencedora, que é representada por mais de um atleta. O que a gente pode fazer hoje para garantir que essa geração tenha a sucessão e não espere esses atletas se aposentarem para começar a pensar em sucessão? Isso já está sendo feito. Vai longe e temos um bom prognóstico para o que vem aí nas novas gerações.
Saquarema terá 9 brasileiros na água
Os surfistas brasileiros chegam na etapa do País em diferentes cenários. Após a disputa em El Salvador, Yago Dora e Gabriel Medina estão perto do Top 5 do Circuito Mundial. Em contrapartida, Italo Ferreira caiu para sétimo.
Restam duas etapas antes do Finals, agendado para Trestles, nos Estados Unidos, em setembro. Em incrível ascensão, subindo da 17ª colocação para o sexto lugar em duas etapas boas, ambas com o terceiro lugar, Medina aparece como principal candidato brasileiro. Dois brasileiros competirão como convidados: Samuel Pupo e João Chianca.
No feminino, Tatiana Weston-Webb ocupa a oitava posição. Ela estreia em Saquarema na mesma bateria da compatriota Tainá Hinckel, que compete como convidada. Também disputam como convidadas Sophia Medina e Luana Silva.
Depois da etapa brasileira haverá a pausa para a disputa dos Jogos Olímpicos. A volta ao Circuito Mundial ocorre em agosto, em Fiji, com a nona e penúltima etapa, na qual serão definidos os cinco garantidos ao Finals.