Tifanny Abreu, 36 anos, primeira atleta trans a jogar na Superliga feminina de vôlei, estreou em dezembro de 2017 e foi alvo de muitas críticas dentro e fora da quadra. Aos poucos, foi conquistando seu espaço e bloqueando preconceitos. O debate ainda é quente no meio esportivo, mas a jogadora deu mais um passo importante em sua carreira: ela se tornou estrela global em uma campanha internacional de sua patrocinadora sobre inclusão e diversidade no esporte. Nesta entrevista ao Estadão, ela contou como tem sido essa fase em sua carreira e espera abrir as portas para outras atletas trans no futuro.
Você terminou a temporada nacional no vôlei jogando bem e agora está de férias. Está podendo relaxar um pouco? Agora é a hora de recuperar o corpo e a mente porque a próxima temporada promete. Tomara que a pandemia já tenha passado para podermos ter o torcedor mais perto da gente. Adoro tirar foto, abraçar torcedor. Recebo tanta pedrada, e quando recebo carinho, quero retribuir.
Quando você se tornou a primeira atleta trans no vôlei nacional, você sofreu muito com a polêmica que se criou. Como está isso agora? No início foi uma tempestade em copo d'água. Muitas pessoas pensam que era só ser trans e que poderia jogar. Mas precisa ter laudos, fazer a hormonização corporal, e sofri bastante. Depois de quatro anos, as pessoas começaram a estudar e viram que as mulheres trans não têm vantagem em cima das mulheres cis. Quem era contra hoje está a favor e do meu lado. A história do esporte mostra isso, pois teve a primeira vez de um atleta negro, a primeira mulher, a primeira trans...
Algumas jogadoras brasileiras se posicionaram contra a sua presença naquele momento. Como está isso agora? Eu nunca tive problema com nenhuma, sempre tive um bom relacionamento. E a cada dia isso tudo melhora. A cada temporada, novas atletas aparecem no clube, me conhecem de perto e tiram dúvidas. Graças a Deus eu tenho uma aceitação maravilhosa por todas.
Muito se falava que sua presença no vôlei brasileiro atrairia dezenas de atletas trans, mas isso não ocorreu. Nem virou tendência no mundo. Como acolher pessoas trans no esporte? Estamos trabalhando muito na inclusão social das crianças trans, precisamos amá-las. Precisa ser feliz com você mesma. O importante é estar sempre bem consigo mesma e seguir as regras. Muitos campeonatos não aceitam atletas trans por preconceito. A gente tem um crescimento de aceitação, porém para chegar ao alto nível precisa de talento que poucas vão ter. As pessoas precisam entender também que não é só ser trans, precisa ter talento.
Como tem sido para você ter se tornado uma estrela global de uma campanha da Adidas? Costumo dizer que toda borboletinha nasce como lagarta. Quando vira borboleta, fica linda. Eu lutei, sofri muito preconceito e agora estou colhendo os frutos do trabalho. Estrelar uma campanha global é o sonho de muitas garotas. E para mim, para minha família, para o esporte e para as pessoas LGBTs é motivo de orgulho. Estampar a cara de uma mulher transexual mostra que nada é impossível, que é o mote da campanha. Muitos acharam que eu não iria conseguir, mas já estou há cinco anos nisso e consegui.
Você imaginava que depois de enfrentar todo tipo de preconceito alcançaria isso? Sempre lutei para conseguir meus objetivos. Essa campanha mostra a realidade nossa de cada dia, a luta diária, sem medo de errar e não alcançar. O importante é que eu continue crescendo sempre.
Você que sempre lutou contra a discriminação no esporte. Como enxerga a postura de algumas marcas a favor da diversidade e da inclusão? É um trabalho que começou muito tempo atrás e agora estamos colhendo os frutos deste trabalho. Eu lembro da época que não tinha tênis apropriado para fazer as coisas. O mesmo era usado para jogar, sair e andar por aí. Uma vez eu fui assaltada e o ladrão devolveu o tênis porque ele estava furado. Hoje essa situação mudou e eu queria agradecer muito a todas as mulheres trans que buscaram este espaço para nós hoje. E eu preciso continuar o trabalho para que outras mulheres trans cheguem também.
Quais são seus projetos para o futuro? Toda atleta sonha em disputar uma Olimpíada. Eu estou chegando a uma certa idade, mas pretendo cuidar do meu corpo, dos meus joelhos, e nada impede que um dia eu possa representar o Brasil. Mas meu legado maior é abrir as portas para que outras meninas possam representar.
Acredita que sua imagem continuará ajudando a derrubar mais barreiras no esporte? Acredito e luto bastante por isso. Se eu desistir, muitas outras vão acreditar que minha desistência foi por pressão e pode fazer com que outras meninas não vejam futuro nisso. Estou lutando para que todas tenham sua chance.