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Oposta está satisfeita com medalha de bronze, mas, um mês depois dos Jogos, ainda pensa em como a semifinal poderia ter sido diferente
Rosamaria Montibeller é um dos nomes mais midiáticos da seleção de vôlei e está acostumada ao calor dos fãs brasileiros. Nos últimos 12 meses, período de sua primeira temporada pelo Denso Airybees, do Japão, habituou-se a outro tipo de relação com torcedores, mais quietos e menos eufóricos. O silêncio nos ginásios foi estranho no começo, mas a oposta se adaptou muito bem à cultura japonesa, não à toa decidiu renovar contrato para a temporada 2024/2025, após ser medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos de Paris-2024.
Em solo japonês, a jogadora de 30 anos leva a vida com a discrição pela qual sempre prezou. Embora trabalhe também com a própria imagem nas redes sociais, nunca aderiu ao comportamento de superexposição comum a muitos influenciadores e demais personalidades que trabalham com internet. Mesmo assim, já viu mais de uma vez seu nome em páginas de fofoca, assim como outras colegas de seleção, inclusive às vésperas das Olimpíadas.
“Entendo que as pessoas sejam curiosas pela nossa vida pessoal, mas não me exponho muito. Uso minha rede para me comunicar com as pessoas que acompanham meu trabalho, e falo do que eu acho necessário ser falado. Às vezes é demais, às vezes as pessoas não entendem muito o limite do que não é agradável”, diz ao Estadão. “Tento não acompanhar muito os comentários, tem muito tempo que eu não vejo essas coisas porque é especulação, opinião que as pessoas colocam ali como se fosse verdade. Não dá para a gente desmentir um por um.”
A preocupação primordial da medalhista olímpica é proteger os mais próximos desse circuito de boatos que se criou no mundo virtual do vôlei nos últimos anos, por isso é raro vê-la compartilhar fotos de momentos pessoais, seja com a família, amigos ou namorada.
“Da minha vida pessoal, falo o que é natural pra mim. Sobre o meu relacionamento, quando me foi perguntado, falei. Fico à vontade para falar, mas não exponho tanto nas redes a minha família, meu relacionamento. Eu sou a pessoa pública, não eles. Não é fácil lidar com a exposição, e eu sei, então procuro preservar eles, porque não têm noção do que é ser público. Eu que estou nesse meio quase não tenho, às vezes fico confusa sobre como lidar. Já falei até com a minha mãe: ‘não fica vendo comentário’. Fico preocupada com eles na rede social. Porque um dia te amam e outro dia te odeiam”, afirma.
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No Japão, sem os protegidos por perto, Rosamaria levou algum tempo para se sentir em casa, mas estava com a mente aberta e disposta a aprender. Contou com a ajuda de Marcos Lerbach, brasileiro parte da comissão técnica do Airybees, e de sua tradutora nipo-brasileira para entender alguns aspectos da cultura local.
“Eu tenho na minha cabeça que eu escolhi estar lá. Claro que eles me escolheram também, mas eu escolhi mudar para lá. Eu queria muito respeitar a maneira como eles fazem as coisas, entender e crescer”, diz. “De repente, a maneira que eles fazem é melhor do que a minha. Foram experiências maravilhosas, que só me fizeram crescer como pessoa. Não é fácil, é muito solitário em alguns momentos, porque é muito longe, então às vezes é uma vida solitária, mas foi muito agregador.”
Evoluindo com o vôlei japonês
Campeã da V.Cup, torneio que encerra a temporada japonesa, e segunda maior pontuadora da liga nacional em seu primeiro ano com o Airybees, a brasileira chegou à equipe em um período de grande evolução do vôlei no Japão, que foi protagonista do esporte entre as décadas de 1960 e 1980.
Após uma fase de menos destaque, o país asiático vem se sobressaindo novamente, ao mesmo tempo em que cultiva popularidade entre jovens inspirados por produções como Haykiu!, uma série de anime e manga com o vôlei como pano de fundo.
“Levar o esporte para essa área da educação e do entretenimento, como os quadrinhos, você atinge as crianças com muito mais facilidade. Para os jovens de lá, o anime é muito forte, é uma cultura forte. Eu não sabia que era tão famoso assim. Eu nunca tinha visto um anime sobre vôlei, a gente não vê muita coisa assim. Fiquei impressionada quando eu cheguei lá, você vê que tem de tudo falando sobre esse anime, e você vai nas lojas tem cartaz, exposição, caderno, livro, chaveiro. É um universo muito grande que atinge bastante os jovens”, comenta.
A oposta tem contato direto com crianças japonesas que consomem esse tipo de conteúdo e se inspiram a jogar vôlei. Em seu clube, são realizadas algumas aulas com a presença das jogadoras durante a temporada, como forma de difundir e incentivar a prática do esporte, proporcionando aos jovens encontros com atletas profissionais.
Rosamaria também vive experiências de troca com os torcedores do Denso Airybees e outras equipes japonesas, longe da intensidade com a qual está acostumada no tratamento que recebe no Brasil ou mesmo na Europa, onde atuou por muito tempo em times da liga italiana.
“Tem torcedores mais fiéis de alguns times, mas estão lá muito pelo espetáculo do voleibol, e curtem, apoiam. Não é tão intenso quanto é aqui, aquela paixão mais aflorada. Acredito que pelo comportamento cultural ser um pouco diferente do nosso. Mas é muito legal você ver o respeito que têm, eles ficam no final esperando por nós para ter um contato, tem o sócio-torcedor dos times. Tem gente que acompanha de fato todos os jogos, viaja. O que me chocou muito no início foi o silêncio do ginásio, muito mais calmo. Um momento ou outro eles vibram, claro, mas é mais sereno”, afirma.
Derrota para os EUA ainda dói
A última vez em que esteve em quadra, Rosamaria estava em um ambiente oposto ao das partidas no Japão. Em Paris, há um mês, conquistava, com muita vibração, o bronze nas Olimpíadas. Foi sua segunda medalha olímpica, pois já havia sido prata em Tóquio.
Apesar da celebração pelo terceiro lugar, a campanha ficou marcado por uma dose de frustração pelo favoritismo que se construiu ao longo da competição. Até a eliminação para os Estados Unidos na semifinal, o Brasil não tinha perdido um set sequer. Internamente, o foco era total em conseguir o ouro, por isso a queda para os EUA ainda machuca.
“Ainda dói porque todo mundo viu como o time estava e a gente acreditava muito nessa vitória. Não vou mentir, a gente acreditava mesmo que a gente seria campeão, e a gente estava com esse espírito, dava para ver no nosso olho. A gente treinou muito bem, se preparou. Foi um jogão decidido nos detalhes. A gente fica triste porque poderia ter ido a mais uma final, poderia ter sido diferente. Mas a gente nunca vai saber se uma bola dentro, uma bola fora, teria feito a diferença. Um erro a mais, um a menos. Difícil entender, mas o bronze coroou um caminho legal que esse grupo teve”, pondera.
A chance de buscar mais uma final olímpica e seu primeiro ouro pode vir nos Jogos de Los Angles-2028 para Rosamaria, que terá 34 anos até lá, três a menos do que a companheira de seleção Thaisa tinha enquanto disputava os Jogos de Paris. O objetivo é chegar à Olimpíada em solo americano, mas a concretização vai depender dos rumos que a vida vai tomar nos próximos anos.
“O caminho é cada vez mais difícil. Pensam que é cada vez mais fácil. Eu quero, tem muita coisa aí para acontecer, muitas mudanças que vão acontecer ao longo desses quatro anos, mas eu vou me programar, pensar na minha carreira, na minha vida pessoal também. Determinar uma prioridade, porque não é fácil, é muito desgastante, os quatro anos são muito longos e muito intensos. Preciso entender de que maneira que a gente pode chegar bem lá. Espero ter oportunidade de disputar, vai ser uma briga muito grande. A gente está vindo com uma geração muito boa”, afirma.