Wallison Fortes estava a caminho de Kubo, no Japão, quando o Rio Grande do Sul enfrentava a maior tragédia climática da sua história. Ele não sabia exatamente qual era a situação da casa em que morava, em Eldorado do Sul. Apenas tinha a ideia de que o cenário poderia ser pior que a enchente de novembro de 2023. Isso aconteceu até por causa de familiares não revelarem o real estado para ele. Enquanto isso, Wallison foi medalhista nos 200m rasos na categoria T64 (para atletas com ausência de uma das pernas abaixo do joelho) no Mundial.
Era a primeira participação do gaúcho no torneio. Ele cruzou a linha de chegada caindo, e o photo finish definiu a prata, o que já lhe garantiu um sorriso. Logo depois da prova, o italiano Francesco Loragno, medalhista de ouro até então, foi desclassificado por invadir a raia adversária. Com isso, Wallison foi considerado o primeiro colocado. Esse foi o último dos 19 ouros do Brasil neste Mundial, a maior marca em participações brasileiras.
Wallison já tinha no currículo os recordes brasileiros provas dos 100m, 200m e 400m T64. “Quando eu me preparava para o Mundial (em novembro de 2023), a água já tinha entrado na minha casa. Decidi pegar minha mala e sair dali, com medo que piorasse. Quando eu cheguei em São Paulo, antes de voltar para o Rio Grande do Sul, eles me mandaram as fotos. E aí eu descobri a real situação. Aquilo foi forte”, relata ao Estadão. Eldorado do Sul foi uma das cidades mais afetadas nas enchentes que atingiram o Estado em maio deste ano, praticamente submersa em totalidade e com quase toda a população evacuada.
Nascido em São Luiz Gonzaga, no interior gaúcho, Wallison vive em Eldorado do Sul desde 2002, quando tinha seis anos. A paixão pelo esporte o acompanha desde sempre. Aos 11 anos, começou a jogar futebol, mas o sonho de virar profissional não se concretizou. Ao 18, pensou que poderia virar atleta do Exército. Novamente, não foi selecionado.
O destino foi o mercado de trabalho, com dois empregos, mecânico e motoboy. Aos 21 anos, Wallison sofreu um acidente de moto. Foi o motivo para que a perna direita fosse amputada, abaixo do joelho.
Praticou natação paralímpica, mesmo sem saber nada da prática. O motivo era simplesmente não ser necessária nenhuma prótese ou outro equipamento custoso. Somente em 2019, encontrou o atletismo.
“Sempre admirei muito o esporte, mas não tinha a oportunidade de praticar, já trabalhava. Passei a valorizar mais a vida (depois do acidente). Agradecer a Deus a oportunidade de estar vivo, minha família”, reflete o corredor.
O local em que ele treinava era a pista pública do Centro Estadual de Treinamento Esportivo (Cete). O espaço virou abrigo para pessoas afetadas durante as enchentes.
“A gente ainda está arrumando nossa casa. No momento, estamos morando de aluguel em Porto Alegre, próximo do Sogipa, onde estava treinando em preparação para os Jogos Paralímpicos. Tive que mudar tudo. Fui campeão mundial, voltei e não tinha uma pista. Depois tudo encaixou bem. Fiquei próximo do meu treinador, da minha família. A preparação, de alguma forma, foi atrapalhada, mas deu certo”, conta.
‘Fiz tudo que poderia para chegar aqui’
Na França, o corredor quer, em primeiro lugar, superar suas marcas. “Sei que fazendo uma boa corrida, a medalha vai ser consequência. Prefiro colocar minha expectativa em fazer boas corridas”, afirma.
A reflexão tem fundamento no foco que ele tenta manter durante os Jogos. A Paralimpíada é o maior desafio de Wallison na carreira como atleta. ”Se acabar mirando muito medalha, posso esquecer o que vim fazer e perder o foco. Expectativa é correr bem, com alegria e com a cabeça tranquila de que fiz tudo que eu poderia ter feito para chegar aqui”, argumenta.
Brasil tem maior seleção paralímpica de atletismo em Paris
A seleção brasileira de atletismo paralímpico que chegou a Troyes, cidade a cerca de 160 km de Paris, é a maior que o País já teve em Jogos Paralímpicos, com 71 atletas com deficiência e 18 atletas-guia, somando 89 competidores brasileiros.
A marca supera até mesmo a edição da Paralimpíada do Rio-2016. Quando o Brasil sediou o evento, o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) somou 61 esportistas e 18 atletas-guia no atletismo. O crescimento envolve melhor desempenho em mundiais e no rankeamento global.
“A cota máxima de atletas por país no atletismo é de 73 competidores. Quase a atingimos. Talvez só a China tenha chegado a esse número”, afirma o coordenador de atletismo do CPB, João Paulo da Cunha.
O país asiático tem sido um rival do Brasil na modalidade. Em julho de 2023, no Mundial realizado em Paris, os chineses tiveram 16 ouros, contra 14 brasileiros. Na soma geral, porém, o Brasil somou 47 medalhas, contra 45 da China.
Na edição deste ano, foram 19 ouros, 12 pratas e 11 bronze (42 no total) para os brasileiros, novamente na segunda posição do quadro, mas com a maior quantidade de primeiros lugares na história das participações brasileiras em mundiais de atletismo. A líder foi a China, com 33 ouros, 30 pratas e 24 bronzes (87, ao todo).
A seleção de atletismo está em Troyes junto das equipes de badmínton, golbol, natação, remo, taekwondo, tênis em cadeira de rodas, vôlei sentado e tênis de mesa, canoagem e do futebol de cegos. O Brasil terá 280 atletas nos Jogos Paralímpicos de Paris, em 20 modalidades diferentes.
Entre o total, 255 são pessoas com deficiência. O número em Tóquio foi de 259 (entre paratletas e guias). O recorde continua sendo dos Jogos do Rio, em 2016, quando o Brasil contou com 278 atletas com deficiência em todas as 22 modalidades.
Ao final da chamada aclimatação em Troyes, os brasileiros vão de fato a Paris. Os Jogos Paralímpicos ocorrerão de 28 de agosto a 8 de setembro na capital francesa.