É falso que a atriz Maria Flor tenha recebido R$ 10,47 milhões do governo federal entre 2013 e 2018, valor citado em postagens em redes sociais. Desde sua fundação, em 2008, a produtora audiovisual Fina Flor Filmes, empresa de que a atriz é uma das sócias. captou R$ 4,9 milhões, por meio de patrocínios, editais e programas de renúncia fiscal. Os valores são nominais, ou seja, não foram atualizados pela inflação. Diversas versões do boato utilizam informações erradas e confundem os valores e a natureza das captações da produtora. Algumas versões do boato também dizem que ela arrecadou todos esses recursos a partir da Lei Rouanet, o que também é falso.
As primeiras postagens identificadas pelo Estadão Verifica a respeito surgiram no último dia 22, alguns dias depois que Maria Flor defendeu em público o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Foram divulgadas capturas de tela de documentos públicos entre 2013 e 2018. Muitas das postagens e textos que fazem referência aos "10 milhões" partem da mesma conta errada. Esses números diferem dos verdadeiros porque o cálculo foi feito com base nos "valores aprovados" para captação, e não nos efetivamente captados. Além disso, há valores contabilizados duas vezes nos boatos.
Os dados corretos estão disponíveis no site da Agência Nacional do Cinema (Ancine), pelo Sistema Ancine Digital (SAD). Segundo o SAD, oito projetos da Fina Flor tiveram captações aprovadas, entre programas de TV e filmes, detalhados no final deste texto. No entanto, somente quatro foram de fato beneficiários de incentivos. Além disso, também há um patrocínio da Caixa Econômica Federal para uma exposição.
A Ancine escolhe projetos de artistas amigos?
As postagens que atacam a atriz Maria Flor insinuam que ela foi beneficiada por governos anteriores, e que isso explicaria a oposição dela a Bolsonaro.
Os projetos da produtora da atriz se utilizaram de três mecanismos de incentivo cultural: um mecanismo de renúncia fiscal, um patrocínio de empresa pública e editais do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que preveem investimento em troca de participação nos resultados da exploração comercial do projeto.
O mecanismo de renúncia fiscal usado não tem relação com a Lei Rouanet. Conhecido no setor como 3º A, é baseado na Lei 8.685, de 20 de julho de 1993, que determina que empresas podem direcionar 70% do Imposto de Renda de transações específicas para a produção audiovisual. Não existe favorecimento do governo nesses casos, pois basta que uma produtora cumpra determinados requisitos legais para que possa captar recursos a partir de mecanismos de renúncia fiscal como ART 3º A. Não há discricionariedade da Ancine ou de qualquer órgão da administração pública. O patrocinador é quem decide para quem faz o repasse.
Já chamadas de patrocínios para empresas públicas possuem regulamentos próprios que variam de acordo com a empresa e o programa.
No site da produtora Fina Flor há 14 obras audiovisuais já veiculadas em que não consta recebimento ou incentivo do governo federal.
Nos editais em que a produtora se inscreveu, em 2013, há mecanismos de aprovação indireta: se uma emissora de TV se compromete a veicular a obra, por exemplo, não há escolha por banca indicada ou pela própria Ancine.
Ancine de 2019 em diante
Algumas versões do boato ainda acrescentam que a Fina Flor não recebeu recursos desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, o que é verdade. Segundo informações obtidas pelo Ministério Público Federal, entre janeiro e setembro de 2020, apenas 24 projetos audiovisuais foram encaminhados para contratação, sendo que outros 782 aguardavam aprovação. Também não foram abertos novos editais de financiamento nos anos de 2019 e 2020.
Viralização
Flor publicou um vídeo em seu perfil no Instagram no último dia 18 pedindo o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. A peça ganhou repercussão nas redes. Alguns dias após a publicação, os boatos começaram a circular. De acordo com a plataforma de monitoramento CrowdTangle, no Facebook, publicações com o boato superaram as 50 mil interações.
Os números corretos
Filme No Ano que Vem:
- R$ 100 mil captados através de edital do FSA, aprovados em 2015.
- R$ 3,8 milhões, através de edital do FSA, aprovados este ano, mas ainda não transferidos. O responsável pelo investimento, o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, afirmou ao Estadão Verifica que houve a aprovação do projeto e que "o recurso ainda não foi liberado, pois há diligências em cumprimento".
Projeto Inclassificáveis:
- R$ 100 mil captados através de edital do FSA
Ata Resultado Final PRODAV - 05/2016
Série documental MMA em Família:
- R$ 294 mil através de renúncia fiscal pelo mecanismo "ART 3º A".
Filme Ensaio:
- R$ 230 mil através de renúncia fiscal pelo mecanismo "ART 3º A".
Documentário Samuel Wainer:
- R$ 200 mil captados através de renúncia fiscal pelo mecanismo "ART 3º A".
Exposição Assíntotas
- 148 mil reais, conforme constado no Diário Oficial da União e um documento de lista de projetos patrocinados da Caixa Cultural, complexo de centros culturais mantidos pela Caixa.
Portanto, foram R$ 724 mil captados através de renúncia fiscal e R$ 4 milhões através de editais de investimento, além de R$ 148 mil através de patrocínio, totalizando cerca de R$ 4,9 milhões.
O que dizem
Procurada pelo Estadão Verifica, a atriz disse que "as alegações e montagem feitas com meu nome sugerindo qualquer tipo de captação indevida através de leis de incentivo são falsas". Ela também reiterou que a empresa nunca captou recursos através da Lei Rouanet. Procuradas, a Ancine e a Secretaria Especial de Cultura e a Caixa não responderam até a publicação deste texto.