Em grupos de WhatsApp, circula nesta semana um áudio que afirma que a "linha dura" do Foro de São Paulo se reuniu com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para definir ações pós-pandemia -- uma voz afirma, em espanhol, que a "esquerda internacional" teria planos para desestabilizar a democracia do continente em meio à crise do novo coronavírus. A mensagem que acompanha o áudio acrescenta que participaram do encontro a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-chanceler Celso Amorim e o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante.
Na realidade, estas e outras lideranças da esquerda ibero-americana se reuniram no dia 15 de maio em videoconferência do Grupo de Puebla, um fórum político para discussão de ideias do chamado campo progressista. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva era um dos palestrantes. Um dos fundadores do grupo e ex-presidente da Colômbia, Ernesto Samper, foi anfitrião da reunião, que discutiu o processo de paz colombiano e possíveis estratégias econômicas pós-pandemia.
No início do encontro, Samper lamentou o descumprimento do acordo de paz na Colômbia com a guerrilha das Farc. Ele acrescentou que a situação de violência no país se agravou com a pandemia do novo coronavírus. O ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica também criticou o modo com que o Estado colombiano gerenciou o processo de paz. "A tragédia da Colômbia é um fracasso da política", disse ele. "Não é um fracasso da Colômbia, é um fracasso da humanidade inteira".
O fórum convidou ainda representantes políticos colombianos, que não são integrantes do Grupo. Nesse momento, a ex-comandante das Farc e senadora Victoria Sandino pediu o cumprimento do acordo de paz com as guerrilhas, firmado em 2016 pelo ex-presidente Juan Manuel Santos. O ex-grupo guerrilheiro se transformou em um partido político, com a mesma sigla: Força Alternativa Revolucionária do Comum.
O atual presidente da Colômbia, Iván Duque, se opôs a vários aspectos do acordo, o que levou parte dos ex-líderes das Farc a anunciarem o retorno à luta armada e a aproximação com a guerrilha Exército de Libertação Nacional (ELN). No final do ano passado e no início deste ano, colombianos foram às ruas protestar contra as políticas econômicas e de segurança de Duque, incluindo a tentativa de modificação do acordo de paz.
O grupo também discutiu estratégias de enfrentamento à pandemia de covid-19, como o estabelecimento de uma renda básica universal e a convocação de uma Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) para tratar do assunto.
Apesar de falarem da necessidade da união das lideranças de esquerda na América Latina, em nenhum momento da reunião os conferencistas traçam planos de dominação da região, como os descritos no áudio que circula no WhatsApp. O único líder ainda no poder presente no encontro foi o presidente da Argentina, Alberto Fernández.
O vídeo do encontro, com quase 3h20 de duração, está disponível publicamente na página de Facebook da organização.
O que é o Grupo de Puebla? E o que é o Foro de São Paulo?
O Grupo de Puebla foi criado em julho de 2019 na cidade mexicana de mesmo nome. Em nota ao Estadão Verifica, a entidade se definiu como "iniciativa que reúne diversas lideranças progressistas da América Latina para buscar alternativas de paz, de solidariedade e de integração para a América Latina frente ao neoliberalismo".
Entre os integrantes fundadores, estão: Luiz Inácio Lula Da Silva, Dilma Rousseff, José Luis Rodríguez Zapatero, Ernesto Samper, Fernando Lugo, Rafael Correa, Pepe Mujica, Celso Amorim e Aloizio Mercadante. Em relação ao áudio que circula no WhatsApp, o Grupo disse se tratar de "mais uma fake news da extrema-direita".
O Foro de São Paulo foi criado em 1990 a partir de um seminário organizado pelo PT. Em nota, a entidade explicou ser "uma plataforma de partidos progressistas e de esquerda latino-americana (não inclui Espanha, por exemplo)". A organização informou ainda que o Grupo e o Foro "são de naturezas diferentes. Um é de partidos políticos, outro de pessoas".
O Foro também afirmou nunca ter realizado uma reunião secreta. O último encontro da organização foi em 8 de maio, quando ficou decidido o apoio à proposta da ONU de um cessar-fogo mundial, o respaldo à criação de um Fundo Humanitário Internacional de enfrentamento à pandemia de covid-19, entre outras iniciativas.
O Estadão Verifica também procurou o ex-presidente Lula, presente na reunião. Em nota, ele afirmou que "áudios com fake news são distribuídos no Brasil há anos com mentiras e teorias da conspiração. Grupo de Puebla e Foro de São Paulo são entidades diferentes, ambas democráticas, e as Farc não fazem parte de nenhuma delas".
A organização é mencionada frequentemente em boatos online, que buscam aumentar sua importância e escopo. Veja perguntas e respostas sobre o Foro de São Paulo.