Avião ‘desmontável’ com cápsula de ejeção para passageiros não está em produção


Projeto apresentado em 2013 por engenheiro ucraniano não saiu do papel; especialistas apontam fatores como inviabilidade técnica e financeira e falta de interesse da indústria diante de investimentos efetivos que aumentam segurança e baixam riscos de acidentes graves

Por Marcelo Perrone
Atualização:

O que estão compartilhando: que uma equipe de engenheiros da Ucrânia desenvolveu “uma tecnologia de avião desmontável”, que permite, em caso de queda iminente, a ejeção do compartimento dos passageiros. Esta cápsula seria sustentada por dois conjuntos de paraquedas até chegar ao solo ou à água, neste caso acionando flutuadores, com apoio de retrofoguetes.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. O projeto existe, mas o vídeo que passou a circular nas redes sociais é antigo. Trata-se de uma animação em computação gráfica apresentada em setembro de 2013 pelo criador do projeto, o engenheiro aeronáutico ucraniano Vladimir Tatarenko, que então buscava atrair investidores. Até hoje não conseguiu. Desde então, o vídeo costuma ressurgir quando são noticiados acidentes com aviões de passageiros, como o da companhia Voepass no Brasil, que vitimou 62 pessoas no dia 9 de agosto, em São Paulo.

Passados mais de 10 anos, a ideia de Tatarenko não virou realidade por uma série de fatores, segundo especialistas em aviação. Em primeiro lugar, análises sobre a necessidade de um projeto como esse na aviação comercial sublinham um incontestável fato estatístico: problemas sérios em voos são extremamente raros.

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Para esse sistema inovador, extravagante na visão de alguns, sair do papel e da simulação no computador e virar realidade, entraria na conta, entre outros elementos além da discutível necessidade, a viabilidade tecnológica e econômica para sua implantação em larga escala pelas companhias aéreas. E a garantia de seu funcionamento ao ser acionado.

Simulação em computação gráfica mostra como funcionaria o módulo de salvamento Foto: repro
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Saiba mais: desde que foi apresentado por Tatarenko no YouTube, em 2013, o vídeo que explica como funcionaria o módulo de segurança ganhou atualizações, inclusive dele próprio. Nada aconteceu até outubro de 2015, quando um avião russo caiu no Egito. A animação de Tatarenko viralizou no Facebook como exemplo de inovação que poderia salvar vidas. Com o tempo, o vídeo original foi manipulado por outros usuários. Ganhou acréscimos de cenas para efeitos mais dramáticos, com simulações de desastres, logotipos de empresas no avião e representação de momentos de tensão no interior da aeronave em risco.

A versão que começou a circular no Brasil após o acidente com o aparelho da Voepass, em plataformas como TikTok e Instagram, combina o conteúdo original de 2013 com outros cenários e situações. A narração em português enfatiza que “inventar um avião desmontável é uma genialidade”. Explica que o fato de as aeronaves não terem paraquedas a bordo para uso dos passageiros em caso de emergência é uma situação “prestes a mudar”. Em seguida, é detalhado como funciona o aparato. Com o aparelho em queda iminente, o bloco é expelido pela parte traseira do avião e passa a flutuar suspenso por “paraquedas gigantes” até pousar suavemente no solo ou na água com todos em segurança, inclusive cargas e bagagens.

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Inovações na indústria aeronáutica demandam anos de pesquisas e muito dinheiro

Assim que o projeto de Tatarenko ficou conhecido, especialistas em aviação apontaram ser uma prospecção inviável e até mesmo delirante. A começar pelo custo bilionário de construir aviões com o sistema, processo que consome anos de pesquisas e testes em uma indústria já reconhecida por seus pesados investimentos em segurança. E segurança é justamente a questão evocada para avaliar o pouco interesse despertado pela invenção.

Segundo estudo publicado em 13 julho de 2024 pelo referencial Massachusetts Institute of Technology (MIT), o risco de um passageiro morrer em acidente aéreo em todo o mundo, no período entre 2018 e 2022, foi, em média, de um em 13,7 milhões. O Brasil integra um grupo de países em que a segurança observada foi ainda maior: um em 80 milhões. O estudo destaca que “a esse ritmo, um passageiro poderia, em média, escolher um voo ao acaso todos os dias durante 220 mil anos antes de sucumbir a um acidente fatal”.

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O jornal britânico Independent, em reportagem de janeiro de 2016 sobre o modelo proposto por Tatarenko, apontou questões como a fragilidade estrutural que o módulo poderia impor ao conjunto da fuselagem, construída para operar em bloco único. Especialistas mencionaram ainda a falta de garantia de que a grande cabine sem controle, lançada ao sabor da emergência e dos ventos, seguisse um trajeto seguro sem encontrar pelo caminho montanhas e prédios.

A CNN acrescentou em reportagem da mesma época que não haveria motivação dos fabricantes de aviões para substituir uma frota confiável apostando em um “conceito”. Ainda mais com o respaldo de dados confiáveis sobre as mortes em acidentes aéreos serem extremamente baixas diante da alta circulação diária de passageiros em todo o mundo.

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O professor Fernando Catalano, diretor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), que abriga o curso de Engenharia Aeronáutica, corrobora essas avaliações e complementa: “Possível é, mas não é viável”, disse. “Todo equipamento em um avião tem um propósito. O trem de pouso pesa toneladas, ocupa um enorme espaço e só é usado em dois momentos, para decolar e para aterrissar. Poderia se pensar em retirar o trem de pouso? Poderia, mas isso não é viável”.

Catalano cita outros empecilhos ao projeto “O chamado paraquedas balístico, que seria preciso para sustentar essa cabine de passageiros, teria de ser gigantesco e muito pesado, ocuparia grande espaço, exigiria manutenção constante pela provável falta de uso”, acrescentou. “E não tem como prever se o conjunto funcionaria como o planejado diante de tantas situações que podem ocorrer em uma emergência”.

A maior parte dos acidentes com aviões comerciais ocorre nas etapas de decolagem e aterrissagem, com altitudes que poderiam ser limitadoras para o acionamento da cápsula proposta pelo ucraniano. Doutor em Engenharia Aeronáutica pela Cranfield University, do Reino Unido, Catalano destaca: “Qualquer inovação precisa ter um propósito. O paraquedas balístico já é usado em aeronaves de pequeno porte, como o Cirrus, e há muito tempo nas cápsulas espaciais. Mas não vejo como uma ideia viável em um avião comercial”.

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Criador do projeto não atraiu investidores

Ao longo da última década, diante das dúvidas despertadas por seu projeto na comunidade aeronáutica, Vladimir Tatarenko foi explicando alguns pontos não esclarecidos por seus vídeos. O comandante e o copiloto do avião, após acionarem o salvador botão de ejeção da cápsula, rumariam em sacrifício para o mergulho fatal? Não, respondeu, pois poderiam entrar no compartimento em tempo.

O fato de o compartimento ser lançado de uma porta traseira vem da formação do engenheiro na Antonov, célebre fábrica do maior avião de carga do mundo que foi orgulho da antiga União Soviética e tem sede na Ucrânia. A adaptação do sistema em uma aeronave com cauda convencional se apresenta como barreira intransponível, segundo especialistas. O inventor explicou que o mais provável é a construção “do zero” de aviões de até médio porte, pensados de dentro para fora.

Para questões como o aumento de peso e a redução do número de assentos impactarem em maiores custos, no consumo de combustível e no valor da passagens, Tatarenko disse acreditar que os passageiros aceitariam pagar mais por esta suposta segurança extra. Sobre questões técnicas e estruturais, explicou que o uso de novos materiais derivados de carbono não trariam um aumento de peso expressivo no conjunto.

Reportagem de 2021 do portal indonésio berita.trans contou que Tatarenko tentou emplacar o projeto na própria Antonov, que não mostrou interesse, tampouco teria recursos para tal investimento. Ele resistia em levar seu projeto a investidores internacionais. A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, e a guerra em curso são novas pedras no caminho do inventor.

O que estão compartilhando: que uma equipe de engenheiros da Ucrânia desenvolveu “uma tecnologia de avião desmontável”, que permite, em caso de queda iminente, a ejeção do compartimento dos passageiros. Esta cápsula seria sustentada por dois conjuntos de paraquedas até chegar ao solo ou à água, neste caso acionando flutuadores, com apoio de retrofoguetes.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. O projeto existe, mas o vídeo que passou a circular nas redes sociais é antigo. Trata-se de uma animação em computação gráfica apresentada em setembro de 2013 pelo criador do projeto, o engenheiro aeronáutico ucraniano Vladimir Tatarenko, que então buscava atrair investidores. Até hoje não conseguiu. Desde então, o vídeo costuma ressurgir quando são noticiados acidentes com aviões de passageiros, como o da companhia Voepass no Brasil, que vitimou 62 pessoas no dia 9 de agosto, em São Paulo.

Passados mais de 10 anos, a ideia de Tatarenko não virou realidade por uma série de fatores, segundo especialistas em aviação. Em primeiro lugar, análises sobre a necessidade de um projeto como esse na aviação comercial sublinham um incontestável fato estatístico: problemas sérios em voos são extremamente raros.

Para esse sistema inovador, extravagante na visão de alguns, sair do papel e da simulação no computador e virar realidade, entraria na conta, entre outros elementos além da discutível necessidade, a viabilidade tecnológica e econômica para sua implantação em larga escala pelas companhias aéreas. E a garantia de seu funcionamento ao ser acionado.

Simulação em computação gráfica mostra como funcionaria o módulo de salvamento Foto: repro

Saiba mais: desde que foi apresentado por Tatarenko no YouTube, em 2013, o vídeo que explica como funcionaria o módulo de segurança ganhou atualizações, inclusive dele próprio. Nada aconteceu até outubro de 2015, quando um avião russo caiu no Egito. A animação de Tatarenko viralizou no Facebook como exemplo de inovação que poderia salvar vidas. Com o tempo, o vídeo original foi manipulado por outros usuários. Ganhou acréscimos de cenas para efeitos mais dramáticos, com simulações de desastres, logotipos de empresas no avião e representação de momentos de tensão no interior da aeronave em risco.

A versão que começou a circular no Brasil após o acidente com o aparelho da Voepass, em plataformas como TikTok e Instagram, combina o conteúdo original de 2013 com outros cenários e situações. A narração em português enfatiza que “inventar um avião desmontável é uma genialidade”. Explica que o fato de as aeronaves não terem paraquedas a bordo para uso dos passageiros em caso de emergência é uma situação “prestes a mudar”. Em seguida, é detalhado como funciona o aparato. Com o aparelho em queda iminente, o bloco é expelido pela parte traseira do avião e passa a flutuar suspenso por “paraquedas gigantes” até pousar suavemente no solo ou na água com todos em segurança, inclusive cargas e bagagens.

Inovações na indústria aeronáutica demandam anos de pesquisas e muito dinheiro

Assim que o projeto de Tatarenko ficou conhecido, especialistas em aviação apontaram ser uma prospecção inviável e até mesmo delirante. A começar pelo custo bilionário de construir aviões com o sistema, processo que consome anos de pesquisas e testes em uma indústria já reconhecida por seus pesados investimentos em segurança. E segurança é justamente a questão evocada para avaliar o pouco interesse despertado pela invenção.

Segundo estudo publicado em 13 julho de 2024 pelo referencial Massachusetts Institute of Technology (MIT), o risco de um passageiro morrer em acidente aéreo em todo o mundo, no período entre 2018 e 2022, foi, em média, de um em 13,7 milhões. O Brasil integra um grupo de países em que a segurança observada foi ainda maior: um em 80 milhões. O estudo destaca que “a esse ritmo, um passageiro poderia, em média, escolher um voo ao acaso todos os dias durante 220 mil anos antes de sucumbir a um acidente fatal”.

O jornal britânico Independent, em reportagem de janeiro de 2016 sobre o modelo proposto por Tatarenko, apontou questões como a fragilidade estrutural que o módulo poderia impor ao conjunto da fuselagem, construída para operar em bloco único. Especialistas mencionaram ainda a falta de garantia de que a grande cabine sem controle, lançada ao sabor da emergência e dos ventos, seguisse um trajeto seguro sem encontrar pelo caminho montanhas e prédios.

A CNN acrescentou em reportagem da mesma época que não haveria motivação dos fabricantes de aviões para substituir uma frota confiável apostando em um “conceito”. Ainda mais com o respaldo de dados confiáveis sobre as mortes em acidentes aéreos serem extremamente baixas diante da alta circulação diária de passageiros em todo o mundo.

O professor Fernando Catalano, diretor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), que abriga o curso de Engenharia Aeronáutica, corrobora essas avaliações e complementa: “Possível é, mas não é viável”, disse. “Todo equipamento em um avião tem um propósito. O trem de pouso pesa toneladas, ocupa um enorme espaço e só é usado em dois momentos, para decolar e para aterrissar. Poderia se pensar em retirar o trem de pouso? Poderia, mas isso não é viável”.

Catalano cita outros empecilhos ao projeto “O chamado paraquedas balístico, que seria preciso para sustentar essa cabine de passageiros, teria de ser gigantesco e muito pesado, ocuparia grande espaço, exigiria manutenção constante pela provável falta de uso”, acrescentou. “E não tem como prever se o conjunto funcionaria como o planejado diante de tantas situações que podem ocorrer em uma emergência”.

A maior parte dos acidentes com aviões comerciais ocorre nas etapas de decolagem e aterrissagem, com altitudes que poderiam ser limitadoras para o acionamento da cápsula proposta pelo ucraniano. Doutor em Engenharia Aeronáutica pela Cranfield University, do Reino Unido, Catalano destaca: “Qualquer inovação precisa ter um propósito. O paraquedas balístico já é usado em aeronaves de pequeno porte, como o Cirrus, e há muito tempo nas cápsulas espaciais. Mas não vejo como uma ideia viável em um avião comercial”.

Criador do projeto não atraiu investidores

Ao longo da última década, diante das dúvidas despertadas por seu projeto na comunidade aeronáutica, Vladimir Tatarenko foi explicando alguns pontos não esclarecidos por seus vídeos. O comandante e o copiloto do avião, após acionarem o salvador botão de ejeção da cápsula, rumariam em sacrifício para o mergulho fatal? Não, respondeu, pois poderiam entrar no compartimento em tempo.

O fato de o compartimento ser lançado de uma porta traseira vem da formação do engenheiro na Antonov, célebre fábrica do maior avião de carga do mundo que foi orgulho da antiga União Soviética e tem sede na Ucrânia. A adaptação do sistema em uma aeronave com cauda convencional se apresenta como barreira intransponível, segundo especialistas. O inventor explicou que o mais provável é a construção “do zero” de aviões de até médio porte, pensados de dentro para fora.

Para questões como o aumento de peso e a redução do número de assentos impactarem em maiores custos, no consumo de combustível e no valor da passagens, Tatarenko disse acreditar que os passageiros aceitariam pagar mais por esta suposta segurança extra. Sobre questões técnicas e estruturais, explicou que o uso de novos materiais derivados de carbono não trariam um aumento de peso expressivo no conjunto.

Reportagem de 2021 do portal indonésio berita.trans contou que Tatarenko tentou emplacar o projeto na própria Antonov, que não mostrou interesse, tampouco teria recursos para tal investimento. Ele resistia em levar seu projeto a investidores internacionais. A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, e a guerra em curso são novas pedras no caminho do inventor.

O que estão compartilhando: que uma equipe de engenheiros da Ucrânia desenvolveu “uma tecnologia de avião desmontável”, que permite, em caso de queda iminente, a ejeção do compartimento dos passageiros. Esta cápsula seria sustentada por dois conjuntos de paraquedas até chegar ao solo ou à água, neste caso acionando flutuadores, com apoio de retrofoguetes.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. O projeto existe, mas o vídeo que passou a circular nas redes sociais é antigo. Trata-se de uma animação em computação gráfica apresentada em setembro de 2013 pelo criador do projeto, o engenheiro aeronáutico ucraniano Vladimir Tatarenko, que então buscava atrair investidores. Até hoje não conseguiu. Desde então, o vídeo costuma ressurgir quando são noticiados acidentes com aviões de passageiros, como o da companhia Voepass no Brasil, que vitimou 62 pessoas no dia 9 de agosto, em São Paulo.

Passados mais de 10 anos, a ideia de Tatarenko não virou realidade por uma série de fatores, segundo especialistas em aviação. Em primeiro lugar, análises sobre a necessidade de um projeto como esse na aviação comercial sublinham um incontestável fato estatístico: problemas sérios em voos são extremamente raros.

Para esse sistema inovador, extravagante na visão de alguns, sair do papel e da simulação no computador e virar realidade, entraria na conta, entre outros elementos além da discutível necessidade, a viabilidade tecnológica e econômica para sua implantação em larga escala pelas companhias aéreas. E a garantia de seu funcionamento ao ser acionado.

Simulação em computação gráfica mostra como funcionaria o módulo de salvamento Foto: repro

Saiba mais: desde que foi apresentado por Tatarenko no YouTube, em 2013, o vídeo que explica como funcionaria o módulo de segurança ganhou atualizações, inclusive dele próprio. Nada aconteceu até outubro de 2015, quando um avião russo caiu no Egito. A animação de Tatarenko viralizou no Facebook como exemplo de inovação que poderia salvar vidas. Com o tempo, o vídeo original foi manipulado por outros usuários. Ganhou acréscimos de cenas para efeitos mais dramáticos, com simulações de desastres, logotipos de empresas no avião e representação de momentos de tensão no interior da aeronave em risco.

A versão que começou a circular no Brasil após o acidente com o aparelho da Voepass, em plataformas como TikTok e Instagram, combina o conteúdo original de 2013 com outros cenários e situações. A narração em português enfatiza que “inventar um avião desmontável é uma genialidade”. Explica que o fato de as aeronaves não terem paraquedas a bordo para uso dos passageiros em caso de emergência é uma situação “prestes a mudar”. Em seguida, é detalhado como funciona o aparato. Com o aparelho em queda iminente, o bloco é expelido pela parte traseira do avião e passa a flutuar suspenso por “paraquedas gigantes” até pousar suavemente no solo ou na água com todos em segurança, inclusive cargas e bagagens.

Inovações na indústria aeronáutica demandam anos de pesquisas e muito dinheiro

Assim que o projeto de Tatarenko ficou conhecido, especialistas em aviação apontaram ser uma prospecção inviável e até mesmo delirante. A começar pelo custo bilionário de construir aviões com o sistema, processo que consome anos de pesquisas e testes em uma indústria já reconhecida por seus pesados investimentos em segurança. E segurança é justamente a questão evocada para avaliar o pouco interesse despertado pela invenção.

Segundo estudo publicado em 13 julho de 2024 pelo referencial Massachusetts Institute of Technology (MIT), o risco de um passageiro morrer em acidente aéreo em todo o mundo, no período entre 2018 e 2022, foi, em média, de um em 13,7 milhões. O Brasil integra um grupo de países em que a segurança observada foi ainda maior: um em 80 milhões. O estudo destaca que “a esse ritmo, um passageiro poderia, em média, escolher um voo ao acaso todos os dias durante 220 mil anos antes de sucumbir a um acidente fatal”.

O jornal britânico Independent, em reportagem de janeiro de 2016 sobre o modelo proposto por Tatarenko, apontou questões como a fragilidade estrutural que o módulo poderia impor ao conjunto da fuselagem, construída para operar em bloco único. Especialistas mencionaram ainda a falta de garantia de que a grande cabine sem controle, lançada ao sabor da emergência e dos ventos, seguisse um trajeto seguro sem encontrar pelo caminho montanhas e prédios.

A CNN acrescentou em reportagem da mesma época que não haveria motivação dos fabricantes de aviões para substituir uma frota confiável apostando em um “conceito”. Ainda mais com o respaldo de dados confiáveis sobre as mortes em acidentes aéreos serem extremamente baixas diante da alta circulação diária de passageiros em todo o mundo.

O professor Fernando Catalano, diretor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), que abriga o curso de Engenharia Aeronáutica, corrobora essas avaliações e complementa: “Possível é, mas não é viável”, disse. “Todo equipamento em um avião tem um propósito. O trem de pouso pesa toneladas, ocupa um enorme espaço e só é usado em dois momentos, para decolar e para aterrissar. Poderia se pensar em retirar o trem de pouso? Poderia, mas isso não é viável”.

Catalano cita outros empecilhos ao projeto “O chamado paraquedas balístico, que seria preciso para sustentar essa cabine de passageiros, teria de ser gigantesco e muito pesado, ocuparia grande espaço, exigiria manutenção constante pela provável falta de uso”, acrescentou. “E não tem como prever se o conjunto funcionaria como o planejado diante de tantas situações que podem ocorrer em uma emergência”.

A maior parte dos acidentes com aviões comerciais ocorre nas etapas de decolagem e aterrissagem, com altitudes que poderiam ser limitadoras para o acionamento da cápsula proposta pelo ucraniano. Doutor em Engenharia Aeronáutica pela Cranfield University, do Reino Unido, Catalano destaca: “Qualquer inovação precisa ter um propósito. O paraquedas balístico já é usado em aeronaves de pequeno porte, como o Cirrus, e há muito tempo nas cápsulas espaciais. Mas não vejo como uma ideia viável em um avião comercial”.

Criador do projeto não atraiu investidores

Ao longo da última década, diante das dúvidas despertadas por seu projeto na comunidade aeronáutica, Vladimir Tatarenko foi explicando alguns pontos não esclarecidos por seus vídeos. O comandante e o copiloto do avião, após acionarem o salvador botão de ejeção da cápsula, rumariam em sacrifício para o mergulho fatal? Não, respondeu, pois poderiam entrar no compartimento em tempo.

O fato de o compartimento ser lançado de uma porta traseira vem da formação do engenheiro na Antonov, célebre fábrica do maior avião de carga do mundo que foi orgulho da antiga União Soviética e tem sede na Ucrânia. A adaptação do sistema em uma aeronave com cauda convencional se apresenta como barreira intransponível, segundo especialistas. O inventor explicou que o mais provável é a construção “do zero” de aviões de até médio porte, pensados de dentro para fora.

Para questões como o aumento de peso e a redução do número de assentos impactarem em maiores custos, no consumo de combustível e no valor da passagens, Tatarenko disse acreditar que os passageiros aceitariam pagar mais por esta suposta segurança extra. Sobre questões técnicas e estruturais, explicou que o uso de novos materiais derivados de carbono não trariam um aumento de peso expressivo no conjunto.

Reportagem de 2021 do portal indonésio berita.trans contou que Tatarenko tentou emplacar o projeto na própria Antonov, que não mostrou interesse, tampouco teria recursos para tal investimento. Ele resistia em levar seu projeto a investidores internacionais. A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, e a guerra em curso são novas pedras no caminho do inventor.

O que estão compartilhando: que uma equipe de engenheiros da Ucrânia desenvolveu “uma tecnologia de avião desmontável”, que permite, em caso de queda iminente, a ejeção do compartimento dos passageiros. Esta cápsula seria sustentada por dois conjuntos de paraquedas até chegar ao solo ou à água, neste caso acionando flutuadores, com apoio de retrofoguetes.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. O projeto existe, mas o vídeo que passou a circular nas redes sociais é antigo. Trata-se de uma animação em computação gráfica apresentada em setembro de 2013 pelo criador do projeto, o engenheiro aeronáutico ucraniano Vladimir Tatarenko, que então buscava atrair investidores. Até hoje não conseguiu. Desde então, o vídeo costuma ressurgir quando são noticiados acidentes com aviões de passageiros, como o da companhia Voepass no Brasil, que vitimou 62 pessoas no dia 9 de agosto, em São Paulo.

Passados mais de 10 anos, a ideia de Tatarenko não virou realidade por uma série de fatores, segundo especialistas em aviação. Em primeiro lugar, análises sobre a necessidade de um projeto como esse na aviação comercial sublinham um incontestável fato estatístico: problemas sérios em voos são extremamente raros.

Para esse sistema inovador, extravagante na visão de alguns, sair do papel e da simulação no computador e virar realidade, entraria na conta, entre outros elementos além da discutível necessidade, a viabilidade tecnológica e econômica para sua implantação em larga escala pelas companhias aéreas. E a garantia de seu funcionamento ao ser acionado.

Simulação em computação gráfica mostra como funcionaria o módulo de salvamento Foto: repro

Saiba mais: desde que foi apresentado por Tatarenko no YouTube, em 2013, o vídeo que explica como funcionaria o módulo de segurança ganhou atualizações, inclusive dele próprio. Nada aconteceu até outubro de 2015, quando um avião russo caiu no Egito. A animação de Tatarenko viralizou no Facebook como exemplo de inovação que poderia salvar vidas. Com o tempo, o vídeo original foi manipulado por outros usuários. Ganhou acréscimos de cenas para efeitos mais dramáticos, com simulações de desastres, logotipos de empresas no avião e representação de momentos de tensão no interior da aeronave em risco.

A versão que começou a circular no Brasil após o acidente com o aparelho da Voepass, em plataformas como TikTok e Instagram, combina o conteúdo original de 2013 com outros cenários e situações. A narração em português enfatiza que “inventar um avião desmontável é uma genialidade”. Explica que o fato de as aeronaves não terem paraquedas a bordo para uso dos passageiros em caso de emergência é uma situação “prestes a mudar”. Em seguida, é detalhado como funciona o aparato. Com o aparelho em queda iminente, o bloco é expelido pela parte traseira do avião e passa a flutuar suspenso por “paraquedas gigantes” até pousar suavemente no solo ou na água com todos em segurança, inclusive cargas e bagagens.

Inovações na indústria aeronáutica demandam anos de pesquisas e muito dinheiro

Assim que o projeto de Tatarenko ficou conhecido, especialistas em aviação apontaram ser uma prospecção inviável e até mesmo delirante. A começar pelo custo bilionário de construir aviões com o sistema, processo que consome anos de pesquisas e testes em uma indústria já reconhecida por seus pesados investimentos em segurança. E segurança é justamente a questão evocada para avaliar o pouco interesse despertado pela invenção.

Segundo estudo publicado em 13 julho de 2024 pelo referencial Massachusetts Institute of Technology (MIT), o risco de um passageiro morrer em acidente aéreo em todo o mundo, no período entre 2018 e 2022, foi, em média, de um em 13,7 milhões. O Brasil integra um grupo de países em que a segurança observada foi ainda maior: um em 80 milhões. O estudo destaca que “a esse ritmo, um passageiro poderia, em média, escolher um voo ao acaso todos os dias durante 220 mil anos antes de sucumbir a um acidente fatal”.

O jornal britânico Independent, em reportagem de janeiro de 2016 sobre o modelo proposto por Tatarenko, apontou questões como a fragilidade estrutural que o módulo poderia impor ao conjunto da fuselagem, construída para operar em bloco único. Especialistas mencionaram ainda a falta de garantia de que a grande cabine sem controle, lançada ao sabor da emergência e dos ventos, seguisse um trajeto seguro sem encontrar pelo caminho montanhas e prédios.

A CNN acrescentou em reportagem da mesma época que não haveria motivação dos fabricantes de aviões para substituir uma frota confiável apostando em um “conceito”. Ainda mais com o respaldo de dados confiáveis sobre as mortes em acidentes aéreos serem extremamente baixas diante da alta circulação diária de passageiros em todo o mundo.

O professor Fernando Catalano, diretor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), que abriga o curso de Engenharia Aeronáutica, corrobora essas avaliações e complementa: “Possível é, mas não é viável”, disse. “Todo equipamento em um avião tem um propósito. O trem de pouso pesa toneladas, ocupa um enorme espaço e só é usado em dois momentos, para decolar e para aterrissar. Poderia se pensar em retirar o trem de pouso? Poderia, mas isso não é viável”.

Catalano cita outros empecilhos ao projeto “O chamado paraquedas balístico, que seria preciso para sustentar essa cabine de passageiros, teria de ser gigantesco e muito pesado, ocuparia grande espaço, exigiria manutenção constante pela provável falta de uso”, acrescentou. “E não tem como prever se o conjunto funcionaria como o planejado diante de tantas situações que podem ocorrer em uma emergência”.

A maior parte dos acidentes com aviões comerciais ocorre nas etapas de decolagem e aterrissagem, com altitudes que poderiam ser limitadoras para o acionamento da cápsula proposta pelo ucraniano. Doutor em Engenharia Aeronáutica pela Cranfield University, do Reino Unido, Catalano destaca: “Qualquer inovação precisa ter um propósito. O paraquedas balístico já é usado em aeronaves de pequeno porte, como o Cirrus, e há muito tempo nas cápsulas espaciais. Mas não vejo como uma ideia viável em um avião comercial”.

Criador do projeto não atraiu investidores

Ao longo da última década, diante das dúvidas despertadas por seu projeto na comunidade aeronáutica, Vladimir Tatarenko foi explicando alguns pontos não esclarecidos por seus vídeos. O comandante e o copiloto do avião, após acionarem o salvador botão de ejeção da cápsula, rumariam em sacrifício para o mergulho fatal? Não, respondeu, pois poderiam entrar no compartimento em tempo.

O fato de o compartimento ser lançado de uma porta traseira vem da formação do engenheiro na Antonov, célebre fábrica do maior avião de carga do mundo que foi orgulho da antiga União Soviética e tem sede na Ucrânia. A adaptação do sistema em uma aeronave com cauda convencional se apresenta como barreira intransponível, segundo especialistas. O inventor explicou que o mais provável é a construção “do zero” de aviões de até médio porte, pensados de dentro para fora.

Para questões como o aumento de peso e a redução do número de assentos impactarem em maiores custos, no consumo de combustível e no valor da passagens, Tatarenko disse acreditar que os passageiros aceitariam pagar mais por esta suposta segurança extra. Sobre questões técnicas e estruturais, explicou que o uso de novos materiais derivados de carbono não trariam um aumento de peso expressivo no conjunto.

Reportagem de 2021 do portal indonésio berita.trans contou que Tatarenko tentou emplacar o projeto na própria Antonov, que não mostrou interesse, tampouco teria recursos para tal investimento. Ele resistia em levar seu projeto a investidores internacionais. A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, e a guerra em curso são novas pedras no caminho do inventor.

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