Postagem engana ao afirmar que PT concluiu 21 'obras no exterior'


Post no Facebook inclui empreendimentos financiados pelo BNDES e outros que não receberam investimento através do banco brasileiro

Por Clarissa Pacheco

Obras de infraestrutura feitas no exterior por empresas brasileiras com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) continuam a ser alvo de desinformação nas redes. O caso mais recente é um post no Facebook que lista 21 itens e os classifica como "obras que o PT concluiu". As informações são enganosas, já que não é correto afirmar que o partido concluiu as obras, mesmo as que contaram com financiamento do banco brasileiro -- além disso, menos da metade dos projetos citados realmente obtiveram recursos do BNDES.

Nessa modalidade de empréstimo, empreiteiras nacionais recebiam financiamento para executar obras ou exportar serviços para o exterior. Quem paga é o governo estrangeiro. Dos 15 países que receberam empreenimentos desde 1998, três deram "calote" no BNDES: Cuba, Moçambique e Venezuela.

 Foto: Estadão
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Embora a publicação no Facebook não mencione diretamente o BNDES, os projetos retratados já apareceram em outras peças de desinformação sobre o banco.  Dos 21 itens listados na postagem, dois não são "obras" e sim exportações de equipamentos fabricados no Brasil, como ônibus e aviões. Outros três mostram fotografias em locais diferentes dos mencionados. Nove não receberam recursos do BNDES. Há ainda obras que tiveram o financiamento suspenso pelo banco.

O Projeto Comprova já verificou parte deste conteúdo em 2018 e o próprio BNDES já havia">?t=2GjMqApIcTq0CerPeQtnPg&s=19">negado ter financiado alguns dos projetos citados no post.

 Foto: Estadão

De acordo com o BNDES, ao longo de 20 anos, o banco financiou a comercialização de bens e serviços de empresas brasileiras para a execução de obras em 15 países: Angola, Argentina, Costa Rica, Cuba, Equador, Gana, Guatemala, Honduras, México, Moçambique, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Todas as obras que receberam financiamento estão detalhadas no site do banco. Em 2019, o Estadão montou um dossiê com as obras que foram financiadas pelo BNDES fora do Brasil.

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Nos casos listados, os recursos disponibilizados pelo banco -- em reais e no Brasil -- eram destinados às empresas nacionais responsáveis pelas obras, enquanto a dívida era paga pelo país que contratou o serviço - em dólares ou euros e com juros. O valor não cobria bens e serviços contratados no exterior, apenas no Brasil.

Segundo o banco, "a exportação de serviços, quando bem aplicada, com neutralidade, é reconhecida mundialmente como importante instrumento de um país para estímulo à geração de empregos, ao aumento da atividade industrial e à obtenção de saldos positivos em balança comercial". Por outro lado, os investimentos foram criticados pela falta de transparência e por "excepcionalidades" em contratos.

Embora boa parte dos desembolsos tenham ocorrido durante governos do PT (88%), não é correto afirmar que apenas estes governos financiaram obras no exterior através do BNDES. Isso porque o programa de financiamento à exportação de serviços de engenharia foi criado em 1998, no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O programa foi suspenso em 2017, o que não impede o recebimento das parcelas ainda em débito pelos países contratantes.

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De acordo com o BNDES, entre 1998 e 2017, o banco desembolsou US$ 10,499 bilhões para empreendimentos de infraestrutura nos 15 países da América Latina e da África listados. O valor recebido, incluindo juros, é superior ao desembolsado, mesmo com as parcelas em atraso e as não pagas: US$ 12,568 bilhões.

Dos 15 países que receberam obras financiadas pelo programa, três deixaram de pagar as parcelas: Cuba, Moçambique e Venezuela. "Em caso de inadimplência do devedor, a estrutura de garantias é acionada e o BNDES é ressarcido como, por exemplo, pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE)", explica o banco, em sua página sobre transparência. O FGE já indenizou o BNDES por 178 prestações não pagas de Cuba, 122 de Moçambique e 572 da Venezuela.  Até dezembro de 2021, havia 12 prestações em atraso de Cuba e 25 da Venezuela aguardando indenização pelo FGE.

Veja abaixo a checagem sobre cada uma das obras citadas no post viral e saiba quais realmente receberam financiamento do BNDES.

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Porto de Mariel, em Cuba

É verdade que o BNDES financiou a modernização do Porto de Mariel, em Cuba, com empréstimo de US$ 682 milhões entre 2009 e 2013. A obra foi feita pela Odebrecht e o prazo total de pagamento é de 300 meses, com juros entre 4,44% e 6,91% ao ano.

Do valor total financiado em obras em Cuba, o BNDES informou, em dezembro de 2021, que havia US$ 427 milhões a receber. Contudo, Cuba já deixou pelo menos 190 parcelas vencerem sem que fosse feito pagamento. Até dezembro do ano passado, 178 parcelas não pagas tinham sido indenizadas ao BNDES pelo FGE. Outras 12, também atrasadas, aguardavam indenização pelo Fundo. O Estadão Verifica perguntou ao BNDES o status atual de todos os financiamentos, mas não recebeu resposta.

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Hidrelétrica no Equador

É enganoso. O post viral cita duas hidrelétricas no Equador, sem especificar o nome de nenhuma delas. A primeira imagem, contudo, não mostra uma estrutura em território equatoriano, e sim no interior de São Paulo, a UHE José Ermínio de Moraes, que fica no Rio Grande, em Ouroeste, e é administrada pela AES Brasil.

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UHE José Ermínio de Moraes fica em Ouroeste (SP). Foto: AES Brasil

Não foi possível identificar a segunda hidrelétrica que, segundo o post, foi construída no Equador, mas a empresa brasileira Odebrecht recebeu financiamento do BNDES para executar duas obras em hidrelétricas no país. Foram US$ 241,5 milhões para obras de aproveitamento hidrelétrico na usina de San Francisco em 2000. O prazo para pagamento era de 174 meses, com juros a 7,75% ao ano. Já em 2012 o banco desembolsou US$ 90,2 milhões para a construção da Usina Hidrelétrica de Manduriacu, com prazo de pagamento em 120 meses e juros a 3,273% ao ano. Até dezembro de 2021, o BNDES ainda tinha US$ 49 milhões a receber e não havia parcelas atrasadas.

Hidrelétrica e Projeto Bayovar no Peru

Realmente houve investimento do BNDES. A Odebrecht recebeu financiamento de US$ 340,4 milhões para construir a Central Hidrelétrica de Chaglla, em 2013, no Peru. O prazo para pagamento é de 217 meses, com juros de 4,28% ao ano.

Outra obra financiada no Peru foi o chamado Projeto Bayovar, de dessalinização de água. A Andrade Gutierrez recebeu US$ 58,2 milhões em 2010, com prazo de 180 meses para pagar e juros a 3,36% ao ano. Segundo o BNDES, não há saldo devedor do Peru.

Metrô e autopista no Panamá

É falso. O Panamá não é um dos países que receberam obras de empresas brasileiras financiadas pelo BNDES. Portanto, nenhum dos dois itens que aparecem na lista - o metrô da Cidade do Panamá, capital do país, e a autopista de Madén-Colón, que liga a capital à cidade de Colón - figuram entre as obras financiadas.

O metrô da Cidade do Panamá foi construído por um consórcio formado pela Odebrecht e a construtora espanhola FCC Construcción, mas sem desembolsos do BNDES. Já a autopista Madén-Colón chegou a ter o financiamento aprovado pelo BNDES em 2006, mas o desembolso não ocorreu e o banco nega ter financiado a obra.

Aqueduto, soterramento e aviões para a Argentina

É enganoso. A obra para construção de um aqueduto na província do Chaco, na Argentina, chegou a ter o financiamento aprovado pelo BNDES, mas ele foi suspenso em 2015, quando o banco cancelou os desembolsos para exportação de bens e serviços de engenharia para empreiteiras envolvidas em corrupção. O valor aprovado em 2011 era de US$ 165 milhões para a Odebrecht. O pagamento seria feito em 144 meses, com juros de 3,83% ao ano.

O Soterramento Ferrocarril Sarmento, na Argentina, é uma obra da Odebrecht, mas o empreendimento não recebeu financiamento do BNDES. O projeto, inclusive, não está concluído e costuma ser chamado de "obra maldita" entre os argentinos. A obra deveria ter 18 quilômetros de túneis, mas apenas sete foram construídos em 13 anos. Agora, o governo diz que precisa de 9,1 milhões de pesos argentinos para reiniciar a construção. O Boatos.org também desmentiu a relação entre o empreendimento e o BNDES.

Já a compra de 20 aviões pela Argentina, citada no post viral, não se enquadra no quesito "obras", mas foi realmente financiada pelo BNDES. As 20 aeronaves foram compradas pela empresa Aerolíneas Argentinas em 2009. Os aviões foram fabricados no Brasil pela Embraer e o financiamento foi para a exportação. A operação pelo BNDES recebeu aval da Câmara de Comércio Exterior (Camex) em 24 de março de 2009. Na época, não foi exigido que a Embraer contratasse a mão de obra no país, mas o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ivan Ramalho, disse que essa era a expectativa, diante do volume de desembolso - US$ 595 milhões.

Em nota, o BNDES informou que o financiamento das aeronaves foi contratado em 2010, em modalidade direta, por meio a Linha Pós Embarque. "Não há registro de inadimplências, com as últimas parcelas do financiamento previstas para 2023", diz a nota. Embora o valor do financiamento tenha sido divulgado na época, o BNDES não forneceu detalhes sobre os valores atualizados. "Cumpre esclarecer que nas operações que envolvem o financiamento à comercialização de bens singulares, tais como aeronaves e ônibus, os valores dos contratos não são publicizados pelo BNDES por se tratarem de elemento da estratégia comercial dos exportadores".

Metrô e ponte na Venezuela

É enganoso. O metrô de Caracas, capital da Venezuela, realmente recebeu financiamento do BNDES para que fosse construído pela empreiteira brasileira Odebrecht. O primeiro crédito, de US$ 107,5 milhões, foi concedido em 2001, com prazo de 150 meses para pagar e juros de 5,56% ao ano. Depois, em 2004, a Odebrecht recebeu outro desembolso, de US$ 78 milhões, para a construção da linha 3 do metrô de Caracas. O prazo era de 102 meses para pagar, com juros de 6% ao ano. Os desembolsos mais recentes, no entanto, foram suspensos em 2015. Eles foram feitos entre 2009 e 2015, também para a Odebrecht, para que fosse construída a linha 5 do metrô.

A Venezuela, no entanto, não pagou as prestações que devia ao BNDES e elas acabaram sendo cobertas pelo Fundo de Garantia à Exportação. Segundo dados do BNDES, ainda havia US$ 199 milhões a receber da Venezuela até dezembro de 2021, com 25 parcelas já em atraso.

A outra obra na Venezuela que o post atribui ao PT é a ponte sobre o Rio Orinoco, embora a fotografia mostre, na verdade, a ponte sobre o Rio Negro, em Manaus (AM), inaugurada em 2011. Em 2006, quando a ponte sobre o Rio Orinoco foi inaugurada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve na Venezuela para participar do ato ao lado do então presidente do país, Hugo Chávez, e disse que o BNDES financiou a construção da ponte. O banco, contudo, nega que tenha financiado a obra.

Por e-mail, a Odebrecht disse ao Estadão Verifica que executou serviços na segunda e na terceira ponte sobre o Rio Orinoco. Para a segunda ponte, a empreiteira diz ter havido financiamento concedido pelo Banco do Brasil ao governo da Venezuela, já quitado. Já para a terceira ponte, cujas obras começaram em 2006, não houve financiamento de nenhum banco brasileiro, segundo a Odebrecht. O governo da Venezuela rescindiu o contrato com a empresa brasileira em 2019, antes da conclusão da obra.

Gasoduto no Uruguai

É enganoso. A construtora OAS recebeu US$ 7 milhões entre 2007 e 2009 para a renovação da rede de gás de Montevidéu, capital do Uruguai. O prazo para pagamento era de 96 meses, com juros entre 2,95% e 4,55% ao ano. Segundo dados do BNDES Aberto, não há mais nada a receber dos uruguaios pelas obras, nem há parcelas em atraso.

A foto usada no post, no entanto, não é da obra no Uruguai, e sim da construção de um gasoduto pela Odebrecht em Córdoba, na Argentina.

Rodovia em Angola

É verdade que o BNDES financiou a construção da Via Expressa Luanda-Kifangondo, em Angola, feita pela Odebrecht e pela Queiroz Galvão. O desembolso total foi de US$ 198,8 milhões entre os anos de 2007 e 2011. O prazo era de 120 meses para pagar, com juros entre 3,258% e 7,171% ao ano. Não há mais parcelas a vencer e todo o financiamento feito para obras em Angola já foi pago pelo país africano ao BNDES.

Rodovia na Bolívia

É falso. O post viral usa uma foto do ex-presidente Lula ao lado do ex-presidente boliviano Evo Morales para afirmar que houve financiamento de uma rodovia para a Bolívia, o que não é verdade. O BNDES nega ter financiado a Estrada Hacia El Norte e o país sequer está entre os 15 que receberam financiamento para obras pelo banco brasileiro.

BRT, barragem e aeroporto em Moçambique

É enganoso. O BNDES não financiou a construção do BRT de Maputo, capital de Moçambique. A construção da Barragem de Moamba Major, no Rio Incomati, pela Andrade Gutierrez, chegou a receber US$ 320 milhões do BNDES em 2014, mas o valor foi suspenso em 2015 porque a construtora estava envolvida em casos de corrupção. A foto que aparece no post, contudo, não é de Moamba Major, em Moçambique, e sim da Barragem da Aguieira, em Portugal.

Barragem da Aguieira começou a operar em 1981 em Portugal. Foto: EDP

A única obra realmente concluída no país com financiamento do BNDES foi a construção do Aeroporto de Nacala, pela Odebrecht, para o qual o banco desembolsou US$ 125 milhões entre 2011 e 2013, com prazo de 152 a 180 meses para pagar e juros de 3,897% a 4,26% ao ano. Moçambique é um dos países que não pagou pela dívida: 122 parcelas não pagas foram cobertas pelo FGE. Em dezembro de 2021 ainda havia US$ 53 milhões a pagar.

Hidrelétrica em Nicarágua

É falso. O BNDES nega que tenha financiado a construção da Hidrelétrica de Tumarín, em Nicarágua, e o país não está entre os 15 onde obras foram feitas com financiamento do banco. O financiamento chegou a ser aprovado em 2011. Só em 2016, a Eletrobrás aprovou o projeto para construir a hidrelétrica junto com a Queiroz Galvão, mas o financiamento foi suspenso no mesmo ano pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

127 ônibus para a Colômbia

É verdade, embora a exportação de ônibus não seja uma "obra". O que o BNDES fez foi financiar a exportação de ao menos 454 ônibus da Scania, fabricados no Brasil, que foram comprados pela Colômbia. O valor total do financiamento, aprovado em 2011, foi de US$ 90 milhões.

Na época, o BNDES disse que o financiamento trazia vantagens como "a oportunidade de os fabricantes brasileiros de chassis e carrocerias de ônibus consolidarem posição no mercado sul-americano", além de possibilitar "maior exportação de serviços de manutenção, criação direta e indireta e empregos".

Em nota, o banco informou que o financiamento dos ônibus está totalmente liquidado.

12 estádios para a Copa do Mundo de 2014

É enganoso. O BNDES emprestou R$ 3,815 bilhões para financiar a construção e/ou reforma de 11 dos 12 estádios brasileiros para a Copa do Mundo de 2014, que aconteceu no Brasil. O valor total das construções e reformas foi de R$ 8,333 bilhões, segundo informou em 2015 o Ministério dos Esportes.

De todos os estádios da Copa de 2014, o único que não usou o ProCopa, linha de financiamento do BNDES para os estádios, foi o Mané Garrincha, em Brasília, o mais caro de todos e que custou R$ 1,4 bilhão ao governo do Distrito Federal.

O BNDES desembolsou R$ 337,9 milhões para a Arena Pantanal, em Cuiabá (57,9% do custo total), R$ 396,6 milhões para a Arena das Dunas, em Natal (99,15%), R$ 400 milhões para a Arena Amazônia, em Manaus (60,5%), R$ 275,1 milhões para o Beira-Rio, em Porto Alegre (83,3%), R$ 351,5 milhões para o Castelão, em Fortaleza (67,7%), R$ 323,6 milhões para a Arena Fonte Nova, em Salvador (47,2%), R$ 131,16 para a Arena da Baixada, em Curitiba (33,5%), R$ 400 para a Arena Pernambuco, em Recife (75,1%), R$ 400 milhões para o Maracanã, no Rio de Janeiro (38%), R$ 400 milhões para o Mineirão, em Belo Horizonte (57,5%) e R$ 400 milhões para a Arena Corinthians, em São Paulo (37%).

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

Obras de infraestrutura feitas no exterior por empresas brasileiras com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) continuam a ser alvo de desinformação nas redes. O caso mais recente é um post no Facebook que lista 21 itens e os classifica como "obras que o PT concluiu". As informações são enganosas, já que não é correto afirmar que o partido concluiu as obras, mesmo as que contaram com financiamento do banco brasileiro -- além disso, menos da metade dos projetos citados realmente obtiveram recursos do BNDES.

Nessa modalidade de empréstimo, empreiteiras nacionais recebiam financiamento para executar obras ou exportar serviços para o exterior. Quem paga é o governo estrangeiro. Dos 15 países que receberam empreenimentos desde 1998, três deram "calote" no BNDES: Cuba, Moçambique e Venezuela.

 Foto: Estadão

Embora a publicação no Facebook não mencione diretamente o BNDES, os projetos retratados já apareceram em outras peças de desinformação sobre o banco.  Dos 21 itens listados na postagem, dois não são "obras" e sim exportações de equipamentos fabricados no Brasil, como ônibus e aviões. Outros três mostram fotografias em locais diferentes dos mencionados. Nove não receberam recursos do BNDES. Há ainda obras que tiveram o financiamento suspenso pelo banco.

O Projeto Comprova já verificou parte deste conteúdo em 2018 e o próprio BNDES já havia">?t=2GjMqApIcTq0CerPeQtnPg&s=19">negado ter financiado alguns dos projetos citados no post.

 Foto: Estadão

De acordo com o BNDES, ao longo de 20 anos, o banco financiou a comercialização de bens e serviços de empresas brasileiras para a execução de obras em 15 países: Angola, Argentina, Costa Rica, Cuba, Equador, Gana, Guatemala, Honduras, México, Moçambique, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Todas as obras que receberam financiamento estão detalhadas no site do banco. Em 2019, o Estadão montou um dossiê com as obras que foram financiadas pelo BNDES fora do Brasil.

Nos casos listados, os recursos disponibilizados pelo banco -- em reais e no Brasil -- eram destinados às empresas nacionais responsáveis pelas obras, enquanto a dívida era paga pelo país que contratou o serviço - em dólares ou euros e com juros. O valor não cobria bens e serviços contratados no exterior, apenas no Brasil.

Segundo o banco, "a exportação de serviços, quando bem aplicada, com neutralidade, é reconhecida mundialmente como importante instrumento de um país para estímulo à geração de empregos, ao aumento da atividade industrial e à obtenção de saldos positivos em balança comercial". Por outro lado, os investimentos foram criticados pela falta de transparência e por "excepcionalidades" em contratos.

Embora boa parte dos desembolsos tenham ocorrido durante governos do PT (88%), não é correto afirmar que apenas estes governos financiaram obras no exterior através do BNDES. Isso porque o programa de financiamento à exportação de serviços de engenharia foi criado em 1998, no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O programa foi suspenso em 2017, o que não impede o recebimento das parcelas ainda em débito pelos países contratantes.

De acordo com o BNDES, entre 1998 e 2017, o banco desembolsou US$ 10,499 bilhões para empreendimentos de infraestrutura nos 15 países da América Latina e da África listados. O valor recebido, incluindo juros, é superior ao desembolsado, mesmo com as parcelas em atraso e as não pagas: US$ 12,568 bilhões.

Dos 15 países que receberam obras financiadas pelo programa, três deixaram de pagar as parcelas: Cuba, Moçambique e Venezuela. "Em caso de inadimplência do devedor, a estrutura de garantias é acionada e o BNDES é ressarcido como, por exemplo, pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE)", explica o banco, em sua página sobre transparência. O FGE já indenizou o BNDES por 178 prestações não pagas de Cuba, 122 de Moçambique e 572 da Venezuela.  Até dezembro de 2021, havia 12 prestações em atraso de Cuba e 25 da Venezuela aguardando indenização pelo FGE.

Veja abaixo a checagem sobre cada uma das obras citadas no post viral e saiba quais realmente receberam financiamento do BNDES.

Porto de Mariel, em Cuba

É verdade que o BNDES financiou a modernização do Porto de Mariel, em Cuba, com empréstimo de US$ 682 milhões entre 2009 e 2013. A obra foi feita pela Odebrecht e o prazo total de pagamento é de 300 meses, com juros entre 4,44% e 6,91% ao ano.

Do valor total financiado em obras em Cuba, o BNDES informou, em dezembro de 2021, que havia US$ 427 milhões a receber. Contudo, Cuba já deixou pelo menos 190 parcelas vencerem sem que fosse feito pagamento. Até dezembro do ano passado, 178 parcelas não pagas tinham sido indenizadas ao BNDES pelo FGE. Outras 12, também atrasadas, aguardavam indenização pelo Fundo. O Estadão Verifica perguntou ao BNDES o status atual de todos os financiamentos, mas não recebeu resposta.

Hidrelétrica no Equador

É enganoso. O post viral cita duas hidrelétricas no Equador, sem especificar o nome de nenhuma delas. A primeira imagem, contudo, não mostra uma estrutura em território equatoriano, e sim no interior de São Paulo, a UHE José Ermínio de Moraes, que fica no Rio Grande, em Ouroeste, e é administrada pela AES Brasil.

UHE José Ermínio de Moraes fica em Ouroeste (SP). Foto: AES Brasil

Não foi possível identificar a segunda hidrelétrica que, segundo o post, foi construída no Equador, mas a empresa brasileira Odebrecht recebeu financiamento do BNDES para executar duas obras em hidrelétricas no país. Foram US$ 241,5 milhões para obras de aproveitamento hidrelétrico na usina de San Francisco em 2000. O prazo para pagamento era de 174 meses, com juros a 7,75% ao ano. Já em 2012 o banco desembolsou US$ 90,2 milhões para a construção da Usina Hidrelétrica de Manduriacu, com prazo de pagamento em 120 meses e juros a 3,273% ao ano. Até dezembro de 2021, o BNDES ainda tinha US$ 49 milhões a receber e não havia parcelas atrasadas.

Hidrelétrica e Projeto Bayovar no Peru

Realmente houve investimento do BNDES. A Odebrecht recebeu financiamento de US$ 340,4 milhões para construir a Central Hidrelétrica de Chaglla, em 2013, no Peru. O prazo para pagamento é de 217 meses, com juros de 4,28% ao ano.

Outra obra financiada no Peru foi o chamado Projeto Bayovar, de dessalinização de água. A Andrade Gutierrez recebeu US$ 58,2 milhões em 2010, com prazo de 180 meses para pagar e juros a 3,36% ao ano. Segundo o BNDES, não há saldo devedor do Peru.

Metrô e autopista no Panamá

É falso. O Panamá não é um dos países que receberam obras de empresas brasileiras financiadas pelo BNDES. Portanto, nenhum dos dois itens que aparecem na lista - o metrô da Cidade do Panamá, capital do país, e a autopista de Madén-Colón, que liga a capital à cidade de Colón - figuram entre as obras financiadas.

O metrô da Cidade do Panamá foi construído por um consórcio formado pela Odebrecht e a construtora espanhola FCC Construcción, mas sem desembolsos do BNDES. Já a autopista Madén-Colón chegou a ter o financiamento aprovado pelo BNDES em 2006, mas o desembolso não ocorreu e o banco nega ter financiado a obra.

Aqueduto, soterramento e aviões para a Argentina

É enganoso. A obra para construção de um aqueduto na província do Chaco, na Argentina, chegou a ter o financiamento aprovado pelo BNDES, mas ele foi suspenso em 2015, quando o banco cancelou os desembolsos para exportação de bens e serviços de engenharia para empreiteiras envolvidas em corrupção. O valor aprovado em 2011 era de US$ 165 milhões para a Odebrecht. O pagamento seria feito em 144 meses, com juros de 3,83% ao ano.

O Soterramento Ferrocarril Sarmento, na Argentina, é uma obra da Odebrecht, mas o empreendimento não recebeu financiamento do BNDES. O projeto, inclusive, não está concluído e costuma ser chamado de "obra maldita" entre os argentinos. A obra deveria ter 18 quilômetros de túneis, mas apenas sete foram construídos em 13 anos. Agora, o governo diz que precisa de 9,1 milhões de pesos argentinos para reiniciar a construção. O Boatos.org também desmentiu a relação entre o empreendimento e o BNDES.

Já a compra de 20 aviões pela Argentina, citada no post viral, não se enquadra no quesito "obras", mas foi realmente financiada pelo BNDES. As 20 aeronaves foram compradas pela empresa Aerolíneas Argentinas em 2009. Os aviões foram fabricados no Brasil pela Embraer e o financiamento foi para a exportação. A operação pelo BNDES recebeu aval da Câmara de Comércio Exterior (Camex) em 24 de março de 2009. Na época, não foi exigido que a Embraer contratasse a mão de obra no país, mas o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ivan Ramalho, disse que essa era a expectativa, diante do volume de desembolso - US$ 595 milhões.

Em nota, o BNDES informou que o financiamento das aeronaves foi contratado em 2010, em modalidade direta, por meio a Linha Pós Embarque. "Não há registro de inadimplências, com as últimas parcelas do financiamento previstas para 2023", diz a nota. Embora o valor do financiamento tenha sido divulgado na época, o BNDES não forneceu detalhes sobre os valores atualizados. "Cumpre esclarecer que nas operações que envolvem o financiamento à comercialização de bens singulares, tais como aeronaves e ônibus, os valores dos contratos não são publicizados pelo BNDES por se tratarem de elemento da estratégia comercial dos exportadores".

Metrô e ponte na Venezuela

É enganoso. O metrô de Caracas, capital da Venezuela, realmente recebeu financiamento do BNDES para que fosse construído pela empreiteira brasileira Odebrecht. O primeiro crédito, de US$ 107,5 milhões, foi concedido em 2001, com prazo de 150 meses para pagar e juros de 5,56% ao ano. Depois, em 2004, a Odebrecht recebeu outro desembolso, de US$ 78 milhões, para a construção da linha 3 do metrô de Caracas. O prazo era de 102 meses para pagar, com juros de 6% ao ano. Os desembolsos mais recentes, no entanto, foram suspensos em 2015. Eles foram feitos entre 2009 e 2015, também para a Odebrecht, para que fosse construída a linha 5 do metrô.

A Venezuela, no entanto, não pagou as prestações que devia ao BNDES e elas acabaram sendo cobertas pelo Fundo de Garantia à Exportação. Segundo dados do BNDES, ainda havia US$ 199 milhões a receber da Venezuela até dezembro de 2021, com 25 parcelas já em atraso.

A outra obra na Venezuela que o post atribui ao PT é a ponte sobre o Rio Orinoco, embora a fotografia mostre, na verdade, a ponte sobre o Rio Negro, em Manaus (AM), inaugurada em 2011. Em 2006, quando a ponte sobre o Rio Orinoco foi inaugurada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve na Venezuela para participar do ato ao lado do então presidente do país, Hugo Chávez, e disse que o BNDES financiou a construção da ponte. O banco, contudo, nega que tenha financiado a obra.

Por e-mail, a Odebrecht disse ao Estadão Verifica que executou serviços na segunda e na terceira ponte sobre o Rio Orinoco. Para a segunda ponte, a empreiteira diz ter havido financiamento concedido pelo Banco do Brasil ao governo da Venezuela, já quitado. Já para a terceira ponte, cujas obras começaram em 2006, não houve financiamento de nenhum banco brasileiro, segundo a Odebrecht. O governo da Venezuela rescindiu o contrato com a empresa brasileira em 2019, antes da conclusão da obra.

Gasoduto no Uruguai

É enganoso. A construtora OAS recebeu US$ 7 milhões entre 2007 e 2009 para a renovação da rede de gás de Montevidéu, capital do Uruguai. O prazo para pagamento era de 96 meses, com juros entre 2,95% e 4,55% ao ano. Segundo dados do BNDES Aberto, não há mais nada a receber dos uruguaios pelas obras, nem há parcelas em atraso.

A foto usada no post, no entanto, não é da obra no Uruguai, e sim da construção de um gasoduto pela Odebrecht em Córdoba, na Argentina.

Rodovia em Angola

É verdade que o BNDES financiou a construção da Via Expressa Luanda-Kifangondo, em Angola, feita pela Odebrecht e pela Queiroz Galvão. O desembolso total foi de US$ 198,8 milhões entre os anos de 2007 e 2011. O prazo era de 120 meses para pagar, com juros entre 3,258% e 7,171% ao ano. Não há mais parcelas a vencer e todo o financiamento feito para obras em Angola já foi pago pelo país africano ao BNDES.

Rodovia na Bolívia

É falso. O post viral usa uma foto do ex-presidente Lula ao lado do ex-presidente boliviano Evo Morales para afirmar que houve financiamento de uma rodovia para a Bolívia, o que não é verdade. O BNDES nega ter financiado a Estrada Hacia El Norte e o país sequer está entre os 15 que receberam financiamento para obras pelo banco brasileiro.

BRT, barragem e aeroporto em Moçambique

É enganoso. O BNDES não financiou a construção do BRT de Maputo, capital de Moçambique. A construção da Barragem de Moamba Major, no Rio Incomati, pela Andrade Gutierrez, chegou a receber US$ 320 milhões do BNDES em 2014, mas o valor foi suspenso em 2015 porque a construtora estava envolvida em casos de corrupção. A foto que aparece no post, contudo, não é de Moamba Major, em Moçambique, e sim da Barragem da Aguieira, em Portugal.

Barragem da Aguieira começou a operar em 1981 em Portugal. Foto: EDP

A única obra realmente concluída no país com financiamento do BNDES foi a construção do Aeroporto de Nacala, pela Odebrecht, para o qual o banco desembolsou US$ 125 milhões entre 2011 e 2013, com prazo de 152 a 180 meses para pagar e juros de 3,897% a 4,26% ao ano. Moçambique é um dos países que não pagou pela dívida: 122 parcelas não pagas foram cobertas pelo FGE. Em dezembro de 2021 ainda havia US$ 53 milhões a pagar.

Hidrelétrica em Nicarágua

É falso. O BNDES nega que tenha financiado a construção da Hidrelétrica de Tumarín, em Nicarágua, e o país não está entre os 15 onde obras foram feitas com financiamento do banco. O financiamento chegou a ser aprovado em 2011. Só em 2016, a Eletrobrás aprovou o projeto para construir a hidrelétrica junto com a Queiroz Galvão, mas o financiamento foi suspenso no mesmo ano pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

127 ônibus para a Colômbia

É verdade, embora a exportação de ônibus não seja uma "obra". O que o BNDES fez foi financiar a exportação de ao menos 454 ônibus da Scania, fabricados no Brasil, que foram comprados pela Colômbia. O valor total do financiamento, aprovado em 2011, foi de US$ 90 milhões.

Na época, o BNDES disse que o financiamento trazia vantagens como "a oportunidade de os fabricantes brasileiros de chassis e carrocerias de ônibus consolidarem posição no mercado sul-americano", além de possibilitar "maior exportação de serviços de manutenção, criação direta e indireta e empregos".

Em nota, o banco informou que o financiamento dos ônibus está totalmente liquidado.

12 estádios para a Copa do Mundo de 2014

É enganoso. O BNDES emprestou R$ 3,815 bilhões para financiar a construção e/ou reforma de 11 dos 12 estádios brasileiros para a Copa do Mundo de 2014, que aconteceu no Brasil. O valor total das construções e reformas foi de R$ 8,333 bilhões, segundo informou em 2015 o Ministério dos Esportes.

De todos os estádios da Copa de 2014, o único que não usou o ProCopa, linha de financiamento do BNDES para os estádios, foi o Mané Garrincha, em Brasília, o mais caro de todos e que custou R$ 1,4 bilhão ao governo do Distrito Federal.

O BNDES desembolsou R$ 337,9 milhões para a Arena Pantanal, em Cuiabá (57,9% do custo total), R$ 396,6 milhões para a Arena das Dunas, em Natal (99,15%), R$ 400 milhões para a Arena Amazônia, em Manaus (60,5%), R$ 275,1 milhões para o Beira-Rio, em Porto Alegre (83,3%), R$ 351,5 milhões para o Castelão, em Fortaleza (67,7%), R$ 323,6 milhões para a Arena Fonte Nova, em Salvador (47,2%), R$ 131,16 para a Arena da Baixada, em Curitiba (33,5%), R$ 400 para a Arena Pernambuco, em Recife (75,1%), R$ 400 milhões para o Maracanã, no Rio de Janeiro (38%), R$ 400 milhões para o Mineirão, em Belo Horizonte (57,5%) e R$ 400 milhões para a Arena Corinthians, em São Paulo (37%).

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

Obras de infraestrutura feitas no exterior por empresas brasileiras com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) continuam a ser alvo de desinformação nas redes. O caso mais recente é um post no Facebook que lista 21 itens e os classifica como "obras que o PT concluiu". As informações são enganosas, já que não é correto afirmar que o partido concluiu as obras, mesmo as que contaram com financiamento do banco brasileiro -- além disso, menos da metade dos projetos citados realmente obtiveram recursos do BNDES.

Nessa modalidade de empréstimo, empreiteiras nacionais recebiam financiamento para executar obras ou exportar serviços para o exterior. Quem paga é o governo estrangeiro. Dos 15 países que receberam empreenimentos desde 1998, três deram "calote" no BNDES: Cuba, Moçambique e Venezuela.

 Foto: Estadão

Embora a publicação no Facebook não mencione diretamente o BNDES, os projetos retratados já apareceram em outras peças de desinformação sobre o banco.  Dos 21 itens listados na postagem, dois não são "obras" e sim exportações de equipamentos fabricados no Brasil, como ônibus e aviões. Outros três mostram fotografias em locais diferentes dos mencionados. Nove não receberam recursos do BNDES. Há ainda obras que tiveram o financiamento suspenso pelo banco.

O Projeto Comprova já verificou parte deste conteúdo em 2018 e o próprio BNDES já havia">?t=2GjMqApIcTq0CerPeQtnPg&s=19">negado ter financiado alguns dos projetos citados no post.

 Foto: Estadão

De acordo com o BNDES, ao longo de 20 anos, o banco financiou a comercialização de bens e serviços de empresas brasileiras para a execução de obras em 15 países: Angola, Argentina, Costa Rica, Cuba, Equador, Gana, Guatemala, Honduras, México, Moçambique, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Todas as obras que receberam financiamento estão detalhadas no site do banco. Em 2019, o Estadão montou um dossiê com as obras que foram financiadas pelo BNDES fora do Brasil.

Nos casos listados, os recursos disponibilizados pelo banco -- em reais e no Brasil -- eram destinados às empresas nacionais responsáveis pelas obras, enquanto a dívida era paga pelo país que contratou o serviço - em dólares ou euros e com juros. O valor não cobria bens e serviços contratados no exterior, apenas no Brasil.

Segundo o banco, "a exportação de serviços, quando bem aplicada, com neutralidade, é reconhecida mundialmente como importante instrumento de um país para estímulo à geração de empregos, ao aumento da atividade industrial e à obtenção de saldos positivos em balança comercial". Por outro lado, os investimentos foram criticados pela falta de transparência e por "excepcionalidades" em contratos.

Embora boa parte dos desembolsos tenham ocorrido durante governos do PT (88%), não é correto afirmar que apenas estes governos financiaram obras no exterior através do BNDES. Isso porque o programa de financiamento à exportação de serviços de engenharia foi criado em 1998, no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O programa foi suspenso em 2017, o que não impede o recebimento das parcelas ainda em débito pelos países contratantes.

De acordo com o BNDES, entre 1998 e 2017, o banco desembolsou US$ 10,499 bilhões para empreendimentos de infraestrutura nos 15 países da América Latina e da África listados. O valor recebido, incluindo juros, é superior ao desembolsado, mesmo com as parcelas em atraso e as não pagas: US$ 12,568 bilhões.

Dos 15 países que receberam obras financiadas pelo programa, três deixaram de pagar as parcelas: Cuba, Moçambique e Venezuela. "Em caso de inadimplência do devedor, a estrutura de garantias é acionada e o BNDES é ressarcido como, por exemplo, pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE)", explica o banco, em sua página sobre transparência. O FGE já indenizou o BNDES por 178 prestações não pagas de Cuba, 122 de Moçambique e 572 da Venezuela.  Até dezembro de 2021, havia 12 prestações em atraso de Cuba e 25 da Venezuela aguardando indenização pelo FGE.

Veja abaixo a checagem sobre cada uma das obras citadas no post viral e saiba quais realmente receberam financiamento do BNDES.

Porto de Mariel, em Cuba

É verdade que o BNDES financiou a modernização do Porto de Mariel, em Cuba, com empréstimo de US$ 682 milhões entre 2009 e 2013. A obra foi feita pela Odebrecht e o prazo total de pagamento é de 300 meses, com juros entre 4,44% e 6,91% ao ano.

Do valor total financiado em obras em Cuba, o BNDES informou, em dezembro de 2021, que havia US$ 427 milhões a receber. Contudo, Cuba já deixou pelo menos 190 parcelas vencerem sem que fosse feito pagamento. Até dezembro do ano passado, 178 parcelas não pagas tinham sido indenizadas ao BNDES pelo FGE. Outras 12, também atrasadas, aguardavam indenização pelo Fundo. O Estadão Verifica perguntou ao BNDES o status atual de todos os financiamentos, mas não recebeu resposta.

Hidrelétrica no Equador

É enganoso. O post viral cita duas hidrelétricas no Equador, sem especificar o nome de nenhuma delas. A primeira imagem, contudo, não mostra uma estrutura em território equatoriano, e sim no interior de São Paulo, a UHE José Ermínio de Moraes, que fica no Rio Grande, em Ouroeste, e é administrada pela AES Brasil.

UHE José Ermínio de Moraes fica em Ouroeste (SP). Foto: AES Brasil

Não foi possível identificar a segunda hidrelétrica que, segundo o post, foi construída no Equador, mas a empresa brasileira Odebrecht recebeu financiamento do BNDES para executar duas obras em hidrelétricas no país. Foram US$ 241,5 milhões para obras de aproveitamento hidrelétrico na usina de San Francisco em 2000. O prazo para pagamento era de 174 meses, com juros a 7,75% ao ano. Já em 2012 o banco desembolsou US$ 90,2 milhões para a construção da Usina Hidrelétrica de Manduriacu, com prazo de pagamento em 120 meses e juros a 3,273% ao ano. Até dezembro de 2021, o BNDES ainda tinha US$ 49 milhões a receber e não havia parcelas atrasadas.

Hidrelétrica e Projeto Bayovar no Peru

Realmente houve investimento do BNDES. A Odebrecht recebeu financiamento de US$ 340,4 milhões para construir a Central Hidrelétrica de Chaglla, em 2013, no Peru. O prazo para pagamento é de 217 meses, com juros de 4,28% ao ano.

Outra obra financiada no Peru foi o chamado Projeto Bayovar, de dessalinização de água. A Andrade Gutierrez recebeu US$ 58,2 milhões em 2010, com prazo de 180 meses para pagar e juros a 3,36% ao ano. Segundo o BNDES, não há saldo devedor do Peru.

Metrô e autopista no Panamá

É falso. O Panamá não é um dos países que receberam obras de empresas brasileiras financiadas pelo BNDES. Portanto, nenhum dos dois itens que aparecem na lista - o metrô da Cidade do Panamá, capital do país, e a autopista de Madén-Colón, que liga a capital à cidade de Colón - figuram entre as obras financiadas.

O metrô da Cidade do Panamá foi construído por um consórcio formado pela Odebrecht e a construtora espanhola FCC Construcción, mas sem desembolsos do BNDES. Já a autopista Madén-Colón chegou a ter o financiamento aprovado pelo BNDES em 2006, mas o desembolso não ocorreu e o banco nega ter financiado a obra.

Aqueduto, soterramento e aviões para a Argentina

É enganoso. A obra para construção de um aqueduto na província do Chaco, na Argentina, chegou a ter o financiamento aprovado pelo BNDES, mas ele foi suspenso em 2015, quando o banco cancelou os desembolsos para exportação de bens e serviços de engenharia para empreiteiras envolvidas em corrupção. O valor aprovado em 2011 era de US$ 165 milhões para a Odebrecht. O pagamento seria feito em 144 meses, com juros de 3,83% ao ano.

O Soterramento Ferrocarril Sarmento, na Argentina, é uma obra da Odebrecht, mas o empreendimento não recebeu financiamento do BNDES. O projeto, inclusive, não está concluído e costuma ser chamado de "obra maldita" entre os argentinos. A obra deveria ter 18 quilômetros de túneis, mas apenas sete foram construídos em 13 anos. Agora, o governo diz que precisa de 9,1 milhões de pesos argentinos para reiniciar a construção. O Boatos.org também desmentiu a relação entre o empreendimento e o BNDES.

Já a compra de 20 aviões pela Argentina, citada no post viral, não se enquadra no quesito "obras", mas foi realmente financiada pelo BNDES. As 20 aeronaves foram compradas pela empresa Aerolíneas Argentinas em 2009. Os aviões foram fabricados no Brasil pela Embraer e o financiamento foi para a exportação. A operação pelo BNDES recebeu aval da Câmara de Comércio Exterior (Camex) em 24 de março de 2009. Na época, não foi exigido que a Embraer contratasse a mão de obra no país, mas o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ivan Ramalho, disse que essa era a expectativa, diante do volume de desembolso - US$ 595 milhões.

Em nota, o BNDES informou que o financiamento das aeronaves foi contratado em 2010, em modalidade direta, por meio a Linha Pós Embarque. "Não há registro de inadimplências, com as últimas parcelas do financiamento previstas para 2023", diz a nota. Embora o valor do financiamento tenha sido divulgado na época, o BNDES não forneceu detalhes sobre os valores atualizados. "Cumpre esclarecer que nas operações que envolvem o financiamento à comercialização de bens singulares, tais como aeronaves e ônibus, os valores dos contratos não são publicizados pelo BNDES por se tratarem de elemento da estratégia comercial dos exportadores".

Metrô e ponte na Venezuela

É enganoso. O metrô de Caracas, capital da Venezuela, realmente recebeu financiamento do BNDES para que fosse construído pela empreiteira brasileira Odebrecht. O primeiro crédito, de US$ 107,5 milhões, foi concedido em 2001, com prazo de 150 meses para pagar e juros de 5,56% ao ano. Depois, em 2004, a Odebrecht recebeu outro desembolso, de US$ 78 milhões, para a construção da linha 3 do metrô de Caracas. O prazo era de 102 meses para pagar, com juros de 6% ao ano. Os desembolsos mais recentes, no entanto, foram suspensos em 2015. Eles foram feitos entre 2009 e 2015, também para a Odebrecht, para que fosse construída a linha 5 do metrô.

A Venezuela, no entanto, não pagou as prestações que devia ao BNDES e elas acabaram sendo cobertas pelo Fundo de Garantia à Exportação. Segundo dados do BNDES, ainda havia US$ 199 milhões a receber da Venezuela até dezembro de 2021, com 25 parcelas já em atraso.

A outra obra na Venezuela que o post atribui ao PT é a ponte sobre o Rio Orinoco, embora a fotografia mostre, na verdade, a ponte sobre o Rio Negro, em Manaus (AM), inaugurada em 2011. Em 2006, quando a ponte sobre o Rio Orinoco foi inaugurada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve na Venezuela para participar do ato ao lado do então presidente do país, Hugo Chávez, e disse que o BNDES financiou a construção da ponte. O banco, contudo, nega que tenha financiado a obra.

Por e-mail, a Odebrecht disse ao Estadão Verifica que executou serviços na segunda e na terceira ponte sobre o Rio Orinoco. Para a segunda ponte, a empreiteira diz ter havido financiamento concedido pelo Banco do Brasil ao governo da Venezuela, já quitado. Já para a terceira ponte, cujas obras começaram em 2006, não houve financiamento de nenhum banco brasileiro, segundo a Odebrecht. O governo da Venezuela rescindiu o contrato com a empresa brasileira em 2019, antes da conclusão da obra.

Gasoduto no Uruguai

É enganoso. A construtora OAS recebeu US$ 7 milhões entre 2007 e 2009 para a renovação da rede de gás de Montevidéu, capital do Uruguai. O prazo para pagamento era de 96 meses, com juros entre 2,95% e 4,55% ao ano. Segundo dados do BNDES Aberto, não há mais nada a receber dos uruguaios pelas obras, nem há parcelas em atraso.

A foto usada no post, no entanto, não é da obra no Uruguai, e sim da construção de um gasoduto pela Odebrecht em Córdoba, na Argentina.

Rodovia em Angola

É verdade que o BNDES financiou a construção da Via Expressa Luanda-Kifangondo, em Angola, feita pela Odebrecht e pela Queiroz Galvão. O desembolso total foi de US$ 198,8 milhões entre os anos de 2007 e 2011. O prazo era de 120 meses para pagar, com juros entre 3,258% e 7,171% ao ano. Não há mais parcelas a vencer e todo o financiamento feito para obras em Angola já foi pago pelo país africano ao BNDES.

Rodovia na Bolívia

É falso. O post viral usa uma foto do ex-presidente Lula ao lado do ex-presidente boliviano Evo Morales para afirmar que houve financiamento de uma rodovia para a Bolívia, o que não é verdade. O BNDES nega ter financiado a Estrada Hacia El Norte e o país sequer está entre os 15 que receberam financiamento para obras pelo banco brasileiro.

BRT, barragem e aeroporto em Moçambique

É enganoso. O BNDES não financiou a construção do BRT de Maputo, capital de Moçambique. A construção da Barragem de Moamba Major, no Rio Incomati, pela Andrade Gutierrez, chegou a receber US$ 320 milhões do BNDES em 2014, mas o valor foi suspenso em 2015 porque a construtora estava envolvida em casos de corrupção. A foto que aparece no post, contudo, não é de Moamba Major, em Moçambique, e sim da Barragem da Aguieira, em Portugal.

Barragem da Aguieira começou a operar em 1981 em Portugal. Foto: EDP

A única obra realmente concluída no país com financiamento do BNDES foi a construção do Aeroporto de Nacala, pela Odebrecht, para o qual o banco desembolsou US$ 125 milhões entre 2011 e 2013, com prazo de 152 a 180 meses para pagar e juros de 3,897% a 4,26% ao ano. Moçambique é um dos países que não pagou pela dívida: 122 parcelas não pagas foram cobertas pelo FGE. Em dezembro de 2021 ainda havia US$ 53 milhões a pagar.

Hidrelétrica em Nicarágua

É falso. O BNDES nega que tenha financiado a construção da Hidrelétrica de Tumarín, em Nicarágua, e o país não está entre os 15 onde obras foram feitas com financiamento do banco. O financiamento chegou a ser aprovado em 2011. Só em 2016, a Eletrobrás aprovou o projeto para construir a hidrelétrica junto com a Queiroz Galvão, mas o financiamento foi suspenso no mesmo ano pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

127 ônibus para a Colômbia

É verdade, embora a exportação de ônibus não seja uma "obra". O que o BNDES fez foi financiar a exportação de ao menos 454 ônibus da Scania, fabricados no Brasil, que foram comprados pela Colômbia. O valor total do financiamento, aprovado em 2011, foi de US$ 90 milhões.

Na época, o BNDES disse que o financiamento trazia vantagens como "a oportunidade de os fabricantes brasileiros de chassis e carrocerias de ônibus consolidarem posição no mercado sul-americano", além de possibilitar "maior exportação de serviços de manutenção, criação direta e indireta e empregos".

Em nota, o banco informou que o financiamento dos ônibus está totalmente liquidado.

12 estádios para a Copa do Mundo de 2014

É enganoso. O BNDES emprestou R$ 3,815 bilhões para financiar a construção e/ou reforma de 11 dos 12 estádios brasileiros para a Copa do Mundo de 2014, que aconteceu no Brasil. O valor total das construções e reformas foi de R$ 8,333 bilhões, segundo informou em 2015 o Ministério dos Esportes.

De todos os estádios da Copa de 2014, o único que não usou o ProCopa, linha de financiamento do BNDES para os estádios, foi o Mané Garrincha, em Brasília, o mais caro de todos e que custou R$ 1,4 bilhão ao governo do Distrito Federal.

O BNDES desembolsou R$ 337,9 milhões para a Arena Pantanal, em Cuiabá (57,9% do custo total), R$ 396,6 milhões para a Arena das Dunas, em Natal (99,15%), R$ 400 milhões para a Arena Amazônia, em Manaus (60,5%), R$ 275,1 milhões para o Beira-Rio, em Porto Alegre (83,3%), R$ 351,5 milhões para o Castelão, em Fortaleza (67,7%), R$ 323,6 milhões para a Arena Fonte Nova, em Salvador (47,2%), R$ 131,16 para a Arena da Baixada, em Curitiba (33,5%), R$ 400 para a Arena Pernambuco, em Recife (75,1%), R$ 400 milhões para o Maracanã, no Rio de Janeiro (38%), R$ 400 milhões para o Mineirão, em Belo Horizonte (57,5%) e R$ 400 milhões para a Arena Corinthians, em São Paulo (37%).

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

Obras de infraestrutura feitas no exterior por empresas brasileiras com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) continuam a ser alvo de desinformação nas redes. O caso mais recente é um post no Facebook que lista 21 itens e os classifica como "obras que o PT concluiu". As informações são enganosas, já que não é correto afirmar que o partido concluiu as obras, mesmo as que contaram com financiamento do banco brasileiro -- além disso, menos da metade dos projetos citados realmente obtiveram recursos do BNDES.

Nessa modalidade de empréstimo, empreiteiras nacionais recebiam financiamento para executar obras ou exportar serviços para o exterior. Quem paga é o governo estrangeiro. Dos 15 países que receberam empreenimentos desde 1998, três deram "calote" no BNDES: Cuba, Moçambique e Venezuela.

 Foto: Estadão

Embora a publicação no Facebook não mencione diretamente o BNDES, os projetos retratados já apareceram em outras peças de desinformação sobre o banco.  Dos 21 itens listados na postagem, dois não são "obras" e sim exportações de equipamentos fabricados no Brasil, como ônibus e aviões. Outros três mostram fotografias em locais diferentes dos mencionados. Nove não receberam recursos do BNDES. Há ainda obras que tiveram o financiamento suspenso pelo banco.

O Projeto Comprova já verificou parte deste conteúdo em 2018 e o próprio BNDES já havia">?t=2GjMqApIcTq0CerPeQtnPg&s=19">negado ter financiado alguns dos projetos citados no post.

 Foto: Estadão

De acordo com o BNDES, ao longo de 20 anos, o banco financiou a comercialização de bens e serviços de empresas brasileiras para a execução de obras em 15 países: Angola, Argentina, Costa Rica, Cuba, Equador, Gana, Guatemala, Honduras, México, Moçambique, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Todas as obras que receberam financiamento estão detalhadas no site do banco. Em 2019, o Estadão montou um dossiê com as obras que foram financiadas pelo BNDES fora do Brasil.

Nos casos listados, os recursos disponibilizados pelo banco -- em reais e no Brasil -- eram destinados às empresas nacionais responsáveis pelas obras, enquanto a dívida era paga pelo país que contratou o serviço - em dólares ou euros e com juros. O valor não cobria bens e serviços contratados no exterior, apenas no Brasil.

Segundo o banco, "a exportação de serviços, quando bem aplicada, com neutralidade, é reconhecida mundialmente como importante instrumento de um país para estímulo à geração de empregos, ao aumento da atividade industrial e à obtenção de saldos positivos em balança comercial". Por outro lado, os investimentos foram criticados pela falta de transparência e por "excepcionalidades" em contratos.

Embora boa parte dos desembolsos tenham ocorrido durante governos do PT (88%), não é correto afirmar que apenas estes governos financiaram obras no exterior através do BNDES. Isso porque o programa de financiamento à exportação de serviços de engenharia foi criado em 1998, no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O programa foi suspenso em 2017, o que não impede o recebimento das parcelas ainda em débito pelos países contratantes.

De acordo com o BNDES, entre 1998 e 2017, o banco desembolsou US$ 10,499 bilhões para empreendimentos de infraestrutura nos 15 países da América Latina e da África listados. O valor recebido, incluindo juros, é superior ao desembolsado, mesmo com as parcelas em atraso e as não pagas: US$ 12,568 bilhões.

Dos 15 países que receberam obras financiadas pelo programa, três deixaram de pagar as parcelas: Cuba, Moçambique e Venezuela. "Em caso de inadimplência do devedor, a estrutura de garantias é acionada e o BNDES é ressarcido como, por exemplo, pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE)", explica o banco, em sua página sobre transparência. O FGE já indenizou o BNDES por 178 prestações não pagas de Cuba, 122 de Moçambique e 572 da Venezuela.  Até dezembro de 2021, havia 12 prestações em atraso de Cuba e 25 da Venezuela aguardando indenização pelo FGE.

Veja abaixo a checagem sobre cada uma das obras citadas no post viral e saiba quais realmente receberam financiamento do BNDES.

Porto de Mariel, em Cuba

É verdade que o BNDES financiou a modernização do Porto de Mariel, em Cuba, com empréstimo de US$ 682 milhões entre 2009 e 2013. A obra foi feita pela Odebrecht e o prazo total de pagamento é de 300 meses, com juros entre 4,44% e 6,91% ao ano.

Do valor total financiado em obras em Cuba, o BNDES informou, em dezembro de 2021, que havia US$ 427 milhões a receber. Contudo, Cuba já deixou pelo menos 190 parcelas vencerem sem que fosse feito pagamento. Até dezembro do ano passado, 178 parcelas não pagas tinham sido indenizadas ao BNDES pelo FGE. Outras 12, também atrasadas, aguardavam indenização pelo Fundo. O Estadão Verifica perguntou ao BNDES o status atual de todos os financiamentos, mas não recebeu resposta.

Hidrelétrica no Equador

É enganoso. O post viral cita duas hidrelétricas no Equador, sem especificar o nome de nenhuma delas. A primeira imagem, contudo, não mostra uma estrutura em território equatoriano, e sim no interior de São Paulo, a UHE José Ermínio de Moraes, que fica no Rio Grande, em Ouroeste, e é administrada pela AES Brasil.

UHE José Ermínio de Moraes fica em Ouroeste (SP). Foto: AES Brasil

Não foi possível identificar a segunda hidrelétrica que, segundo o post, foi construída no Equador, mas a empresa brasileira Odebrecht recebeu financiamento do BNDES para executar duas obras em hidrelétricas no país. Foram US$ 241,5 milhões para obras de aproveitamento hidrelétrico na usina de San Francisco em 2000. O prazo para pagamento era de 174 meses, com juros a 7,75% ao ano. Já em 2012 o banco desembolsou US$ 90,2 milhões para a construção da Usina Hidrelétrica de Manduriacu, com prazo de pagamento em 120 meses e juros a 3,273% ao ano. Até dezembro de 2021, o BNDES ainda tinha US$ 49 milhões a receber e não havia parcelas atrasadas.

Hidrelétrica e Projeto Bayovar no Peru

Realmente houve investimento do BNDES. A Odebrecht recebeu financiamento de US$ 340,4 milhões para construir a Central Hidrelétrica de Chaglla, em 2013, no Peru. O prazo para pagamento é de 217 meses, com juros de 4,28% ao ano.

Outra obra financiada no Peru foi o chamado Projeto Bayovar, de dessalinização de água. A Andrade Gutierrez recebeu US$ 58,2 milhões em 2010, com prazo de 180 meses para pagar e juros a 3,36% ao ano. Segundo o BNDES, não há saldo devedor do Peru.

Metrô e autopista no Panamá

É falso. O Panamá não é um dos países que receberam obras de empresas brasileiras financiadas pelo BNDES. Portanto, nenhum dos dois itens que aparecem na lista - o metrô da Cidade do Panamá, capital do país, e a autopista de Madén-Colón, que liga a capital à cidade de Colón - figuram entre as obras financiadas.

O metrô da Cidade do Panamá foi construído por um consórcio formado pela Odebrecht e a construtora espanhola FCC Construcción, mas sem desembolsos do BNDES. Já a autopista Madén-Colón chegou a ter o financiamento aprovado pelo BNDES em 2006, mas o desembolso não ocorreu e o banco nega ter financiado a obra.

Aqueduto, soterramento e aviões para a Argentina

É enganoso. A obra para construção de um aqueduto na província do Chaco, na Argentina, chegou a ter o financiamento aprovado pelo BNDES, mas ele foi suspenso em 2015, quando o banco cancelou os desembolsos para exportação de bens e serviços de engenharia para empreiteiras envolvidas em corrupção. O valor aprovado em 2011 era de US$ 165 milhões para a Odebrecht. O pagamento seria feito em 144 meses, com juros de 3,83% ao ano.

O Soterramento Ferrocarril Sarmento, na Argentina, é uma obra da Odebrecht, mas o empreendimento não recebeu financiamento do BNDES. O projeto, inclusive, não está concluído e costuma ser chamado de "obra maldita" entre os argentinos. A obra deveria ter 18 quilômetros de túneis, mas apenas sete foram construídos em 13 anos. Agora, o governo diz que precisa de 9,1 milhões de pesos argentinos para reiniciar a construção. O Boatos.org também desmentiu a relação entre o empreendimento e o BNDES.

Já a compra de 20 aviões pela Argentina, citada no post viral, não se enquadra no quesito "obras", mas foi realmente financiada pelo BNDES. As 20 aeronaves foram compradas pela empresa Aerolíneas Argentinas em 2009. Os aviões foram fabricados no Brasil pela Embraer e o financiamento foi para a exportação. A operação pelo BNDES recebeu aval da Câmara de Comércio Exterior (Camex) em 24 de março de 2009. Na época, não foi exigido que a Embraer contratasse a mão de obra no país, mas o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ivan Ramalho, disse que essa era a expectativa, diante do volume de desembolso - US$ 595 milhões.

Em nota, o BNDES informou que o financiamento das aeronaves foi contratado em 2010, em modalidade direta, por meio a Linha Pós Embarque. "Não há registro de inadimplências, com as últimas parcelas do financiamento previstas para 2023", diz a nota. Embora o valor do financiamento tenha sido divulgado na época, o BNDES não forneceu detalhes sobre os valores atualizados. "Cumpre esclarecer que nas operações que envolvem o financiamento à comercialização de bens singulares, tais como aeronaves e ônibus, os valores dos contratos não são publicizados pelo BNDES por se tratarem de elemento da estratégia comercial dos exportadores".

Metrô e ponte na Venezuela

É enganoso. O metrô de Caracas, capital da Venezuela, realmente recebeu financiamento do BNDES para que fosse construído pela empreiteira brasileira Odebrecht. O primeiro crédito, de US$ 107,5 milhões, foi concedido em 2001, com prazo de 150 meses para pagar e juros de 5,56% ao ano. Depois, em 2004, a Odebrecht recebeu outro desembolso, de US$ 78 milhões, para a construção da linha 3 do metrô de Caracas. O prazo era de 102 meses para pagar, com juros de 6% ao ano. Os desembolsos mais recentes, no entanto, foram suspensos em 2015. Eles foram feitos entre 2009 e 2015, também para a Odebrecht, para que fosse construída a linha 5 do metrô.

A Venezuela, no entanto, não pagou as prestações que devia ao BNDES e elas acabaram sendo cobertas pelo Fundo de Garantia à Exportação. Segundo dados do BNDES, ainda havia US$ 199 milhões a receber da Venezuela até dezembro de 2021, com 25 parcelas já em atraso.

A outra obra na Venezuela que o post atribui ao PT é a ponte sobre o Rio Orinoco, embora a fotografia mostre, na verdade, a ponte sobre o Rio Negro, em Manaus (AM), inaugurada em 2011. Em 2006, quando a ponte sobre o Rio Orinoco foi inaugurada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve na Venezuela para participar do ato ao lado do então presidente do país, Hugo Chávez, e disse que o BNDES financiou a construção da ponte. O banco, contudo, nega que tenha financiado a obra.

Por e-mail, a Odebrecht disse ao Estadão Verifica que executou serviços na segunda e na terceira ponte sobre o Rio Orinoco. Para a segunda ponte, a empreiteira diz ter havido financiamento concedido pelo Banco do Brasil ao governo da Venezuela, já quitado. Já para a terceira ponte, cujas obras começaram em 2006, não houve financiamento de nenhum banco brasileiro, segundo a Odebrecht. O governo da Venezuela rescindiu o contrato com a empresa brasileira em 2019, antes da conclusão da obra.

Gasoduto no Uruguai

É enganoso. A construtora OAS recebeu US$ 7 milhões entre 2007 e 2009 para a renovação da rede de gás de Montevidéu, capital do Uruguai. O prazo para pagamento era de 96 meses, com juros entre 2,95% e 4,55% ao ano. Segundo dados do BNDES Aberto, não há mais nada a receber dos uruguaios pelas obras, nem há parcelas em atraso.

A foto usada no post, no entanto, não é da obra no Uruguai, e sim da construção de um gasoduto pela Odebrecht em Córdoba, na Argentina.

Rodovia em Angola

É verdade que o BNDES financiou a construção da Via Expressa Luanda-Kifangondo, em Angola, feita pela Odebrecht e pela Queiroz Galvão. O desembolso total foi de US$ 198,8 milhões entre os anos de 2007 e 2011. O prazo era de 120 meses para pagar, com juros entre 3,258% e 7,171% ao ano. Não há mais parcelas a vencer e todo o financiamento feito para obras em Angola já foi pago pelo país africano ao BNDES.

Rodovia na Bolívia

É falso. O post viral usa uma foto do ex-presidente Lula ao lado do ex-presidente boliviano Evo Morales para afirmar que houve financiamento de uma rodovia para a Bolívia, o que não é verdade. O BNDES nega ter financiado a Estrada Hacia El Norte e o país sequer está entre os 15 que receberam financiamento para obras pelo banco brasileiro.

BRT, barragem e aeroporto em Moçambique

É enganoso. O BNDES não financiou a construção do BRT de Maputo, capital de Moçambique. A construção da Barragem de Moamba Major, no Rio Incomati, pela Andrade Gutierrez, chegou a receber US$ 320 milhões do BNDES em 2014, mas o valor foi suspenso em 2015 porque a construtora estava envolvida em casos de corrupção. A foto que aparece no post, contudo, não é de Moamba Major, em Moçambique, e sim da Barragem da Aguieira, em Portugal.

Barragem da Aguieira começou a operar em 1981 em Portugal. Foto: EDP

A única obra realmente concluída no país com financiamento do BNDES foi a construção do Aeroporto de Nacala, pela Odebrecht, para o qual o banco desembolsou US$ 125 milhões entre 2011 e 2013, com prazo de 152 a 180 meses para pagar e juros de 3,897% a 4,26% ao ano. Moçambique é um dos países que não pagou pela dívida: 122 parcelas não pagas foram cobertas pelo FGE. Em dezembro de 2021 ainda havia US$ 53 milhões a pagar.

Hidrelétrica em Nicarágua

É falso. O BNDES nega que tenha financiado a construção da Hidrelétrica de Tumarín, em Nicarágua, e o país não está entre os 15 onde obras foram feitas com financiamento do banco. O financiamento chegou a ser aprovado em 2011. Só em 2016, a Eletrobrás aprovou o projeto para construir a hidrelétrica junto com a Queiroz Galvão, mas o financiamento foi suspenso no mesmo ano pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

127 ônibus para a Colômbia

É verdade, embora a exportação de ônibus não seja uma "obra". O que o BNDES fez foi financiar a exportação de ao menos 454 ônibus da Scania, fabricados no Brasil, que foram comprados pela Colômbia. O valor total do financiamento, aprovado em 2011, foi de US$ 90 milhões.

Na época, o BNDES disse que o financiamento trazia vantagens como "a oportunidade de os fabricantes brasileiros de chassis e carrocerias de ônibus consolidarem posição no mercado sul-americano", além de possibilitar "maior exportação de serviços de manutenção, criação direta e indireta e empregos".

Em nota, o banco informou que o financiamento dos ônibus está totalmente liquidado.

12 estádios para a Copa do Mundo de 2014

É enganoso. O BNDES emprestou R$ 3,815 bilhões para financiar a construção e/ou reforma de 11 dos 12 estádios brasileiros para a Copa do Mundo de 2014, que aconteceu no Brasil. O valor total das construções e reformas foi de R$ 8,333 bilhões, segundo informou em 2015 o Ministério dos Esportes.

De todos os estádios da Copa de 2014, o único que não usou o ProCopa, linha de financiamento do BNDES para os estádios, foi o Mané Garrincha, em Brasília, o mais caro de todos e que custou R$ 1,4 bilhão ao governo do Distrito Federal.

O BNDES desembolsou R$ 337,9 milhões para a Arena Pantanal, em Cuiabá (57,9% do custo total), R$ 396,6 milhões para a Arena das Dunas, em Natal (99,15%), R$ 400 milhões para a Arena Amazônia, em Manaus (60,5%), R$ 275,1 milhões para o Beira-Rio, em Porto Alegre (83,3%), R$ 351,5 milhões para o Castelão, em Fortaleza (67,7%), R$ 323,6 milhões para a Arena Fonte Nova, em Salvador (47,2%), R$ 131,16 para a Arena da Baixada, em Curitiba (33,5%), R$ 400 para a Arena Pernambuco, em Recife (75,1%), R$ 400 milhões para o Maracanã, no Rio de Janeiro (38%), R$ 400 milhões para o Mineirão, em Belo Horizonte (57,5%) e R$ 400 milhões para a Arena Corinthians, em São Paulo (37%).

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

Obras de infraestrutura feitas no exterior por empresas brasileiras com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) continuam a ser alvo de desinformação nas redes. O caso mais recente é um post no Facebook que lista 21 itens e os classifica como "obras que o PT concluiu". As informações são enganosas, já que não é correto afirmar que o partido concluiu as obras, mesmo as que contaram com financiamento do banco brasileiro -- além disso, menos da metade dos projetos citados realmente obtiveram recursos do BNDES.

Nessa modalidade de empréstimo, empreiteiras nacionais recebiam financiamento para executar obras ou exportar serviços para o exterior. Quem paga é o governo estrangeiro. Dos 15 países que receberam empreenimentos desde 1998, três deram "calote" no BNDES: Cuba, Moçambique e Venezuela.

 Foto: Estadão

Embora a publicação no Facebook não mencione diretamente o BNDES, os projetos retratados já apareceram em outras peças de desinformação sobre o banco.  Dos 21 itens listados na postagem, dois não são "obras" e sim exportações de equipamentos fabricados no Brasil, como ônibus e aviões. Outros três mostram fotografias em locais diferentes dos mencionados. Nove não receberam recursos do BNDES. Há ainda obras que tiveram o financiamento suspenso pelo banco.

O Projeto Comprova já verificou parte deste conteúdo em 2018 e o próprio BNDES já havia">?t=2GjMqApIcTq0CerPeQtnPg&s=19">negado ter financiado alguns dos projetos citados no post.

 Foto: Estadão

De acordo com o BNDES, ao longo de 20 anos, o banco financiou a comercialização de bens e serviços de empresas brasileiras para a execução de obras em 15 países: Angola, Argentina, Costa Rica, Cuba, Equador, Gana, Guatemala, Honduras, México, Moçambique, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Todas as obras que receberam financiamento estão detalhadas no site do banco. Em 2019, o Estadão montou um dossiê com as obras que foram financiadas pelo BNDES fora do Brasil.

Nos casos listados, os recursos disponibilizados pelo banco -- em reais e no Brasil -- eram destinados às empresas nacionais responsáveis pelas obras, enquanto a dívida era paga pelo país que contratou o serviço - em dólares ou euros e com juros. O valor não cobria bens e serviços contratados no exterior, apenas no Brasil.

Segundo o banco, "a exportação de serviços, quando bem aplicada, com neutralidade, é reconhecida mundialmente como importante instrumento de um país para estímulo à geração de empregos, ao aumento da atividade industrial e à obtenção de saldos positivos em balança comercial". Por outro lado, os investimentos foram criticados pela falta de transparência e por "excepcionalidades" em contratos.

Embora boa parte dos desembolsos tenham ocorrido durante governos do PT (88%), não é correto afirmar que apenas estes governos financiaram obras no exterior através do BNDES. Isso porque o programa de financiamento à exportação de serviços de engenharia foi criado em 1998, no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O programa foi suspenso em 2017, o que não impede o recebimento das parcelas ainda em débito pelos países contratantes.

De acordo com o BNDES, entre 1998 e 2017, o banco desembolsou US$ 10,499 bilhões para empreendimentos de infraestrutura nos 15 países da América Latina e da África listados. O valor recebido, incluindo juros, é superior ao desembolsado, mesmo com as parcelas em atraso e as não pagas: US$ 12,568 bilhões.

Dos 15 países que receberam obras financiadas pelo programa, três deixaram de pagar as parcelas: Cuba, Moçambique e Venezuela. "Em caso de inadimplência do devedor, a estrutura de garantias é acionada e o BNDES é ressarcido como, por exemplo, pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE)", explica o banco, em sua página sobre transparência. O FGE já indenizou o BNDES por 178 prestações não pagas de Cuba, 122 de Moçambique e 572 da Venezuela.  Até dezembro de 2021, havia 12 prestações em atraso de Cuba e 25 da Venezuela aguardando indenização pelo FGE.

Veja abaixo a checagem sobre cada uma das obras citadas no post viral e saiba quais realmente receberam financiamento do BNDES.

Porto de Mariel, em Cuba

É verdade que o BNDES financiou a modernização do Porto de Mariel, em Cuba, com empréstimo de US$ 682 milhões entre 2009 e 2013. A obra foi feita pela Odebrecht e o prazo total de pagamento é de 300 meses, com juros entre 4,44% e 6,91% ao ano.

Do valor total financiado em obras em Cuba, o BNDES informou, em dezembro de 2021, que havia US$ 427 milhões a receber. Contudo, Cuba já deixou pelo menos 190 parcelas vencerem sem que fosse feito pagamento. Até dezembro do ano passado, 178 parcelas não pagas tinham sido indenizadas ao BNDES pelo FGE. Outras 12, também atrasadas, aguardavam indenização pelo Fundo. O Estadão Verifica perguntou ao BNDES o status atual de todos os financiamentos, mas não recebeu resposta.

Hidrelétrica no Equador

É enganoso. O post viral cita duas hidrelétricas no Equador, sem especificar o nome de nenhuma delas. A primeira imagem, contudo, não mostra uma estrutura em território equatoriano, e sim no interior de São Paulo, a UHE José Ermínio de Moraes, que fica no Rio Grande, em Ouroeste, e é administrada pela AES Brasil.

UHE José Ermínio de Moraes fica em Ouroeste (SP). Foto: AES Brasil

Não foi possível identificar a segunda hidrelétrica que, segundo o post, foi construída no Equador, mas a empresa brasileira Odebrecht recebeu financiamento do BNDES para executar duas obras em hidrelétricas no país. Foram US$ 241,5 milhões para obras de aproveitamento hidrelétrico na usina de San Francisco em 2000. O prazo para pagamento era de 174 meses, com juros a 7,75% ao ano. Já em 2012 o banco desembolsou US$ 90,2 milhões para a construção da Usina Hidrelétrica de Manduriacu, com prazo de pagamento em 120 meses e juros a 3,273% ao ano. Até dezembro de 2021, o BNDES ainda tinha US$ 49 milhões a receber e não havia parcelas atrasadas.

Hidrelétrica e Projeto Bayovar no Peru

Realmente houve investimento do BNDES. A Odebrecht recebeu financiamento de US$ 340,4 milhões para construir a Central Hidrelétrica de Chaglla, em 2013, no Peru. O prazo para pagamento é de 217 meses, com juros de 4,28% ao ano.

Outra obra financiada no Peru foi o chamado Projeto Bayovar, de dessalinização de água. A Andrade Gutierrez recebeu US$ 58,2 milhões em 2010, com prazo de 180 meses para pagar e juros a 3,36% ao ano. Segundo o BNDES, não há saldo devedor do Peru.

Metrô e autopista no Panamá

É falso. O Panamá não é um dos países que receberam obras de empresas brasileiras financiadas pelo BNDES. Portanto, nenhum dos dois itens que aparecem na lista - o metrô da Cidade do Panamá, capital do país, e a autopista de Madén-Colón, que liga a capital à cidade de Colón - figuram entre as obras financiadas.

O metrô da Cidade do Panamá foi construído por um consórcio formado pela Odebrecht e a construtora espanhola FCC Construcción, mas sem desembolsos do BNDES. Já a autopista Madén-Colón chegou a ter o financiamento aprovado pelo BNDES em 2006, mas o desembolso não ocorreu e o banco nega ter financiado a obra.

Aqueduto, soterramento e aviões para a Argentina

É enganoso. A obra para construção de um aqueduto na província do Chaco, na Argentina, chegou a ter o financiamento aprovado pelo BNDES, mas ele foi suspenso em 2015, quando o banco cancelou os desembolsos para exportação de bens e serviços de engenharia para empreiteiras envolvidas em corrupção. O valor aprovado em 2011 era de US$ 165 milhões para a Odebrecht. O pagamento seria feito em 144 meses, com juros de 3,83% ao ano.

O Soterramento Ferrocarril Sarmento, na Argentina, é uma obra da Odebrecht, mas o empreendimento não recebeu financiamento do BNDES. O projeto, inclusive, não está concluído e costuma ser chamado de "obra maldita" entre os argentinos. A obra deveria ter 18 quilômetros de túneis, mas apenas sete foram construídos em 13 anos. Agora, o governo diz que precisa de 9,1 milhões de pesos argentinos para reiniciar a construção. O Boatos.org também desmentiu a relação entre o empreendimento e o BNDES.

Já a compra de 20 aviões pela Argentina, citada no post viral, não se enquadra no quesito "obras", mas foi realmente financiada pelo BNDES. As 20 aeronaves foram compradas pela empresa Aerolíneas Argentinas em 2009. Os aviões foram fabricados no Brasil pela Embraer e o financiamento foi para a exportação. A operação pelo BNDES recebeu aval da Câmara de Comércio Exterior (Camex) em 24 de março de 2009. Na época, não foi exigido que a Embraer contratasse a mão de obra no país, mas o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ivan Ramalho, disse que essa era a expectativa, diante do volume de desembolso - US$ 595 milhões.

Em nota, o BNDES informou que o financiamento das aeronaves foi contratado em 2010, em modalidade direta, por meio a Linha Pós Embarque. "Não há registro de inadimplências, com as últimas parcelas do financiamento previstas para 2023", diz a nota. Embora o valor do financiamento tenha sido divulgado na época, o BNDES não forneceu detalhes sobre os valores atualizados. "Cumpre esclarecer que nas operações que envolvem o financiamento à comercialização de bens singulares, tais como aeronaves e ônibus, os valores dos contratos não são publicizados pelo BNDES por se tratarem de elemento da estratégia comercial dos exportadores".

Metrô e ponte na Venezuela

É enganoso. O metrô de Caracas, capital da Venezuela, realmente recebeu financiamento do BNDES para que fosse construído pela empreiteira brasileira Odebrecht. O primeiro crédito, de US$ 107,5 milhões, foi concedido em 2001, com prazo de 150 meses para pagar e juros de 5,56% ao ano. Depois, em 2004, a Odebrecht recebeu outro desembolso, de US$ 78 milhões, para a construção da linha 3 do metrô de Caracas. O prazo era de 102 meses para pagar, com juros de 6% ao ano. Os desembolsos mais recentes, no entanto, foram suspensos em 2015. Eles foram feitos entre 2009 e 2015, também para a Odebrecht, para que fosse construída a linha 5 do metrô.

A Venezuela, no entanto, não pagou as prestações que devia ao BNDES e elas acabaram sendo cobertas pelo Fundo de Garantia à Exportação. Segundo dados do BNDES, ainda havia US$ 199 milhões a receber da Venezuela até dezembro de 2021, com 25 parcelas já em atraso.

A outra obra na Venezuela que o post atribui ao PT é a ponte sobre o Rio Orinoco, embora a fotografia mostre, na verdade, a ponte sobre o Rio Negro, em Manaus (AM), inaugurada em 2011. Em 2006, quando a ponte sobre o Rio Orinoco foi inaugurada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve na Venezuela para participar do ato ao lado do então presidente do país, Hugo Chávez, e disse que o BNDES financiou a construção da ponte. O banco, contudo, nega que tenha financiado a obra.

Por e-mail, a Odebrecht disse ao Estadão Verifica que executou serviços na segunda e na terceira ponte sobre o Rio Orinoco. Para a segunda ponte, a empreiteira diz ter havido financiamento concedido pelo Banco do Brasil ao governo da Venezuela, já quitado. Já para a terceira ponte, cujas obras começaram em 2006, não houve financiamento de nenhum banco brasileiro, segundo a Odebrecht. O governo da Venezuela rescindiu o contrato com a empresa brasileira em 2019, antes da conclusão da obra.

Gasoduto no Uruguai

É enganoso. A construtora OAS recebeu US$ 7 milhões entre 2007 e 2009 para a renovação da rede de gás de Montevidéu, capital do Uruguai. O prazo para pagamento era de 96 meses, com juros entre 2,95% e 4,55% ao ano. Segundo dados do BNDES Aberto, não há mais nada a receber dos uruguaios pelas obras, nem há parcelas em atraso.

A foto usada no post, no entanto, não é da obra no Uruguai, e sim da construção de um gasoduto pela Odebrecht em Córdoba, na Argentina.

Rodovia em Angola

É verdade que o BNDES financiou a construção da Via Expressa Luanda-Kifangondo, em Angola, feita pela Odebrecht e pela Queiroz Galvão. O desembolso total foi de US$ 198,8 milhões entre os anos de 2007 e 2011. O prazo era de 120 meses para pagar, com juros entre 3,258% e 7,171% ao ano. Não há mais parcelas a vencer e todo o financiamento feito para obras em Angola já foi pago pelo país africano ao BNDES.

Rodovia na Bolívia

É falso. O post viral usa uma foto do ex-presidente Lula ao lado do ex-presidente boliviano Evo Morales para afirmar que houve financiamento de uma rodovia para a Bolívia, o que não é verdade. O BNDES nega ter financiado a Estrada Hacia El Norte e o país sequer está entre os 15 que receberam financiamento para obras pelo banco brasileiro.

BRT, barragem e aeroporto em Moçambique

É enganoso. O BNDES não financiou a construção do BRT de Maputo, capital de Moçambique. A construção da Barragem de Moamba Major, no Rio Incomati, pela Andrade Gutierrez, chegou a receber US$ 320 milhões do BNDES em 2014, mas o valor foi suspenso em 2015 porque a construtora estava envolvida em casos de corrupção. A foto que aparece no post, contudo, não é de Moamba Major, em Moçambique, e sim da Barragem da Aguieira, em Portugal.

Barragem da Aguieira começou a operar em 1981 em Portugal. Foto: EDP

A única obra realmente concluída no país com financiamento do BNDES foi a construção do Aeroporto de Nacala, pela Odebrecht, para o qual o banco desembolsou US$ 125 milhões entre 2011 e 2013, com prazo de 152 a 180 meses para pagar e juros de 3,897% a 4,26% ao ano. Moçambique é um dos países que não pagou pela dívida: 122 parcelas não pagas foram cobertas pelo FGE. Em dezembro de 2021 ainda havia US$ 53 milhões a pagar.

Hidrelétrica em Nicarágua

É falso. O BNDES nega que tenha financiado a construção da Hidrelétrica de Tumarín, em Nicarágua, e o país não está entre os 15 onde obras foram feitas com financiamento do banco. O financiamento chegou a ser aprovado em 2011. Só em 2016, a Eletrobrás aprovou o projeto para construir a hidrelétrica junto com a Queiroz Galvão, mas o financiamento foi suspenso no mesmo ano pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

127 ônibus para a Colômbia

É verdade, embora a exportação de ônibus não seja uma "obra". O que o BNDES fez foi financiar a exportação de ao menos 454 ônibus da Scania, fabricados no Brasil, que foram comprados pela Colômbia. O valor total do financiamento, aprovado em 2011, foi de US$ 90 milhões.

Na época, o BNDES disse que o financiamento trazia vantagens como "a oportunidade de os fabricantes brasileiros de chassis e carrocerias de ônibus consolidarem posição no mercado sul-americano", além de possibilitar "maior exportação de serviços de manutenção, criação direta e indireta e empregos".

Em nota, o banco informou que o financiamento dos ônibus está totalmente liquidado.

12 estádios para a Copa do Mundo de 2014

É enganoso. O BNDES emprestou R$ 3,815 bilhões para financiar a construção e/ou reforma de 11 dos 12 estádios brasileiros para a Copa do Mundo de 2014, que aconteceu no Brasil. O valor total das construções e reformas foi de R$ 8,333 bilhões, segundo informou em 2015 o Ministério dos Esportes.

De todos os estádios da Copa de 2014, o único que não usou o ProCopa, linha de financiamento do BNDES para os estádios, foi o Mané Garrincha, em Brasília, o mais caro de todos e que custou R$ 1,4 bilhão ao governo do Distrito Federal.

O BNDES desembolsou R$ 337,9 milhões para a Arena Pantanal, em Cuiabá (57,9% do custo total), R$ 396,6 milhões para a Arena das Dunas, em Natal (99,15%), R$ 400 milhões para a Arena Amazônia, em Manaus (60,5%), R$ 275,1 milhões para o Beira-Rio, em Porto Alegre (83,3%), R$ 351,5 milhões para o Castelão, em Fortaleza (67,7%), R$ 323,6 milhões para a Arena Fonte Nova, em Salvador (47,2%), R$ 131,16 para a Arena da Baixada, em Curitiba (33,5%), R$ 400 para a Arena Pernambuco, em Recife (75,1%), R$ 400 milhões para o Maracanã, no Rio de Janeiro (38%), R$ 400 milhões para o Mineirão, em Belo Horizonte (57,5%) e R$ 400 milhões para a Arena Corinthians, em São Paulo (37%).

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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