Uma postagem antiga sugerindo que o PT "doou" R$ 14 bilhões a Angola por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltou a circular no Facebook. O conteúdo distorce os mecanismos de crédito para exportação de bens e serviços operados pelo banco de fomento. O dinheiro público não é doado, mas emprestado para que empresas brasileiras realizem obras no exterior. No caso de Angola, a dívida foi quitada integralmente em dezembro de 2019.
Procurado pelo Estadão Verifica, o BNDES afirmou que "nunca houve doação a Angola ou a qualquer país" e que os detalhes desse tipo de operação podem ser consultados em uma página criada pela instituição financeira para explicar como funcionam os contratos de exportação firmados a partir de 1998. A maior parte dos empréstimos foi concedida entre 2007 e 2015, durante os governos Lula (2003-2011) e Dilma Rousseff (2012-2016).
O texto mostra que, nesse tipo de financiamento, o BNDES desembolsa os recursos exclusivamente para a empresa brasileira que vende ou presta o serviço no exterior. Esse dinheiro serve para viabilizar obras de engenharia como a construção de estradas, usinas hidrelétricas e casas populares, por exemplo -- mas não cobre todo o empreendimento, apenas os bens e serviços brasileiros exportados para uso naquela obra. Depois, fica sob responsabilidade dos países estrangeiros fazer o pagamento da dívida com o banco. Essa devolução é feita com juros, em prazo determinado nos contratos. A União é quem estabelece as operações, países de destino, principais condições contratuais e mitigadores de risco, cabendo ao banco a análise e a execução delas.
O BNDES informa que, entre 1998 e 2017, emprestou US$ 10,5 bilhões nesse modelo de crédito para exportação (veja a lista de países e obras nesta reportagem do Estadão de outubro de 2019). Angola foi o principal destino dos financiamentos, que somaram US$ 3,2 bilhões. Segundo o Ministério da Economia, o país africano quitou as parcelas integralmente, de forma antecipada, em dezembro de 2019. Um painel de monitoramento do BNDES, atualizado em setembro de 2020, mostra que, entre todos os empréstimos, o banco já havia recebido US$ 12,2 bilhões em pagamentos e ainda tinha US$ 1,5 bilhão em aberto. US$ 57 milhões estavam atrasados naquele momento.
Portanto, a afirmação de que o Brasil teria "dado" ou "doado" dinheiro público para Angola na postagem analisada pelo Estadão Verifica não procede, assim como o valor indicado, de R$ 14 bilhões. A dívida foi contraída e paga em dólares, com desembolso de US$ 3,2 bilhões pelo BNDES. A taxa de câmbio variou ao longo do período de empréstimo. A imagem usada no post cita ainda que Angola tem o mesmo presidente há 37 anos. A informação está desatualizada: depois de 38 anos no poder, José Eduardo dos Santos abriu mão de tentar a reeleição em 2017. João Lourenço é o atual presidente.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.