O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, repetiu informações enganosas sobre a pandemia de covid-19 e a integridade do processo eleitoral na entrevista exibida pelo Jornal Nacional. Errou ao citar dados de desemprego da época da ex-presidente Dilma Rousseff e distorceu informações sobre a situação e preservação do meio ambiente sob seu governo.
Durante 40 minutos de entrevista com os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcelos, o presidente apresentou ao menos 13 informações falsas ou enganosas. Não foi possível checar todas as alegações feitas por ele. Confira a seguir a checagem do Estadão Verifica.
Ataques contra ministros do STF
O que Bolsonaro disse: que nunca xingou ministros do Supremo Tribunal Federal.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Em mais de uma situação, o presidente insultou os ministros Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral até o primeiro semestre deste ano, e Alexandre de Moraes, responsável por inquéritos que envolvem o presidente e seus aliados.
Em uma manifestação no dia 7 de Setembro na Avenida Paulista, em São Paulo, Bolsonaro ameaçou não mais respeitar decisões do STF. Ele chamou Alexandre de Moraes de "canalha" e pediu que ele deixasse o cargo. Dois dias depois, criticou o inquérito dos atos antidemocráticos, comandado por Moraes, e xingou o ministro de "otário".
Diante de apoiadores, na mesma data, Bolsonaro declarou que Luís Roberto Barroso era um "imbecil" por defender o sistema eleitoral eletrônico do País. "Resposta de um imbecil, lamento falar isso de uma autoridade do STF, só um idiota para fazer isso."
Em 6 de agosto de 2021, Bolsonaro foi além e chamou Barroso de "aquele filho da puta" diante de apoiadores em Santa Catarina. Sua declaração foi transmitida ao vivo por sua conta no Facebook por volta das 14h50. Às 15h19, o vídeo havia sido apagado.
Inquérito de ataque hacker ao TSE
O que Bolsonaro disse: que a ministra Rosa Weber, então presidente do TSE, enviou em 2018 uma denúncia de fraude à Polícia Federal para abertura de um inquérito, que continua em apuração.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. Em 2018, a Polícia Federal instaurou um inquérito, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para apurar uma invasão a sistemas da Justiça Eleitoral. Técnicos da corte alegaram em relatório que um hacker chegou a ter acesso a senhas, mas, segundo o tribunal, o acesso indevido não comprometeu a integridade do processo de votação. Até o momento, não há indícios públicos de que houve fraude nas urnas eletrônicas.
O que Bolsonaro disse: Imediatamente a PF pediu os logs do que ocorreu em 2018. O TSE poderia ter respondido no mesmo dia, mas depois de 7 meses o TSE disse que os logs foram apagados.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: falta contexto. Bolsonaro cita um trecho do inquérito da Polícia Federal sobre invasão hacker aos sistemas do TSE em 2018. Os autos do relatório vazado pelo presidente em suas redes sociais mostram que, em 10 de junho de 2019, um técnico da corte respondeu para a PF que "o servidor de build dos códigos fonte da urna eletrônica não possuía qualquer tipo de log habilitado".
O servidor também informou que não poderia repassar dados adicionais porque essas informações haviam sido perdidas por conta de uma manutenção e do armazenamento limitado do sistema. O pedido da PF não consta nos arquivos, o que impossibilita saber exatamente do que se tratava.
Isso não quer dizer que os dados foram apagados propositalmente pelo TSE, nem que isso impossibilite saber qual foi a extensão do ataque. Em resposta ao Estadão Verifica, a Justiça Eleitoral esclareceu que todas as versões do código-fonte ficam armazenadas no servidor e que nenhuma alteração foi detectada. Além disso, a alteração do código-fonte não é permitida em ambiente externo -- o hacker só conseguiu visualizar e fazer o download do arquivo, não modificá-lo.
Ao dizer que o servidor de build não possuía log habilitado, o servidor do TSE informa que não tinha como verificar quais microcomputadores dentro da rede interna do TSE realizaram acessos ao servidor Jenkins, que elabora programas de computador. Ele também menciona uma manutenção no sistema realizada em agosto, antes do incidente ser notado e da abertura do inquérito, que ocasionou perda de informações específicas, além de uma limitação de armazenamento que fazia com que os dados fossem sobrescritos automaticamente com o passar do tempo.
Bolsonaro omite ainda que o TSE colaborou, sim, com o envio de máquinas e dados desde o começo do inquérito -- cujo pedido partiu do próprio tribunal, em ofício assinado pela ministra Rosa Weber, que o presidia na época. A partir dessas informações, a PF refez a linha do tempo da invasão e deu encaminhamento ao inquérito a fim de identificar o hacker.
Em 9 de novembro de 2018, por exemplo, o delegado Victor Neves Feitosa Campos solicitou a Giuseppe Dutra Janino, secretário de tecnologia da informação do TSE, as imagens das máquinas invadidas, relatório do incidente e informações de logs e IPs suspeitos (registros de acesso ao sistema e endereço dos dispositivos conectados). A solicitação foi respondida dentro de uma semana, segundo consta nos autos.
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Compra das vacinas contra a covid-19
O que Bolsonaro disse: que o governo federal comprou mais de 500 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 mais rápido do que outros países.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Até o final de 2020, mais de 50 países já tinham iniciado a vacinação, enquanto o Brasil só aplicou a primeira dose em 17 de janeiro de 2021.
O Reino Unido foi o primeiro a iniciar a vacinação da população contra a covid-19, em 8 de dezembro de 2020. Enquanto isso, ao longo de 2020, pelo menos 53 e-mails da farmacêutica Pfizer com ofertas de vacinas ficaram sem resposta por parte do governo brasileiro.
Em maio do ano passado, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse à CPI da Covid que o Brasil tinha contratado 562 milhões de doses de vacina, mas admitiu ter inflado os números. O Estadão mostrou, na época, que o número era de cerca de 280 milhões de doses contratadas, ou seja, a metade. A marca de 500 milhões de doses aplicadas da vacina contra a covid-19 foi alcançada em meados de junho de 2022.
O que Bolsonaro disse: que a Pfizer não garantia a entrega da vacina.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Documentos entregues à CPI da Covid, do Senado, provam o compromisso assumido pela farmacêutica Pfizer de reembolsar o valor pago pelo Brasil por doses de vacina se o prazo de entrega fosse descumprido. Essa premissa consta de telegrama diplomático enviado em 27 de agosto de 2020 pela embaixada do Brasil em Washington ao Itamaraty.
O documento diz que a empresa "se comprometeria a devolver ao governo brasileiro todo e qualquer pagamento antecipado, na hipótese em que a empresa não consiga honrar a obrigação de entregar a quantidade acordada da vacina". Na época, a farmacêutica oferecia 30 milhões de doses de vacina contra a Covid ao governo brasileiro.
A Pfizer fez exigências no contrato de venda de vacinas. Entre elas, a assinatura, pelo governo brasileiro, de um termo de responsabilidade sobre possíveis efeitos colaterais.
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Inquérito das fake news contra ministros do STF
O que Bolsonaro disse: que a procuradora-geral da República Raquel Dodge deu parecer para arquivar inquérito sobre ofensas e fake news contra o STF.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdade, mas o inquérito não foi arquivado. Em 16 de abril de 2019, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal determinando o arquivamento do inquérito aberto na Corte pelo ministro Dias Toffoli para apurar ataques a ministros do STF. Segundo Dodge, o inquérito era inconstitucional porque Toffoli não poderia agir de ofício para abrir a investigação, nem poderia nomear um relator - o ministro Alexandre de Moraes.
No mesmo dia, contudo, o relator indeferiu o pedido de arquivamento alegando que o pedido não era constitucional, nem lícito. O inquérito seguiu, apesar da manifestação de Raquel Dodge.
Vagas de empregos em 2014 e 2015
O que Bolsonaro disse: que em 2014 e 2015, tivemos uma perda de quase 3 milhões de empregos no Brasil.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), publicados pelo Ministério do Trabalho em 2015, apontam que o Brasil perdeu 1,5 milhão de vagas de emprego formal naquele ano, mas registrou um saldo positivo de 623 mil em 2014. O déficit entre os dois anos citados por Bolsonaro, portanto, foi de cerca de 877 mil empregos.
Além disso, informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) publicadas pelo Estadão na época apontam uma perda de postos de trabalho distante da quantidade mencionada pelo presidente. Em 2014, o Brasil registrou um saldo positivo de 420 mil empregos, seguido por um fechamento de 1,54 milhão de vagas.
Casos de corrupção no governo federal
O que Bolsonaro disse: que o governo não tem escândalos de corrupção.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Em março, o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, deixou o cargo após uma série de acusações de corrupção. O Estadão revelou um suposto esquema de pastores que cobravam propinas de prefeitos para intermediar encontros com Ribeiro. Ele chegou a ser preso pela Polícia Federal, mas foi solto logo depois por decisão judicial.
O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles também foi alvo de investigação da Polícia Federal por suspeita de corrupção. Para a PF, ele estaria envolvido em venda ilegal de madeira.
Transposição do Rio São Francisco
O que Bolsonaro disse: que concluiu as obras de Transposição do Rio São Francisco que estavam paradas desde 2012.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Conforme já verificado por agências de checagem, notícias e documentos oficiais indicam que ao menos 92,5% da execução física dos dois eixos estruturantes do projeto estavam prontos quando o atual presidente assumiu. Um deles, inclusive, foi inaugurado no governo de Michel Temer.
Agravamento da pandemia em Manaus
O que Bolsonaro disse: cilindros de oxigênio chegaram a Manaus em menos de 48 horas após colapso.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O governo federal foi informado de que uma crise de oxigênio estava para eclodir em Manaus ainda no início de janeiro de 2021, mas minimizou os alertas. Nos dias 11 e 12, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, esteve na capital do Amazonas para promover o tratamento precoce e confirmou que havia uma crise de oxigênio.
No dia 13 de janeiro, quando o sistema entrou efetivamente em colapso e pacientes começaram a morrer por falta de oxigênio, Bolsonaro começou a ser cobrado e respondeu, pelas redes sociais, que havia mandado oxigênio para Manaus em maio de 2020. No dia 17 de janeiro de 2021, 96 horas após o colapso, o governo anunciou que balsas tinham atracado em Manaus com 70 mil metros cúbicos de oxigênio, mas a remessa era suficiente para apenas um dia de demanda na cidade.
No dia 18 de janeiro, um carregamento com 107 mil metros cúbicos de oxigênio doados pela Venezuela chegou ao Brasil. No final de janeiro, um comboio com 160 mil metros cúbicos de oxigênio atrasou a chegada a Manaus por causa das más condições da BR-319.
Proteção de vegetação nativa
O que Bolsonaro disse: que o Brasil preserva 66% da sua área verde.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O presidente refere-se ao fato de que 66,5% do território brasileiro é coberto por vegetação nativa, como mostra levantamento do MapBiomas. O Projeto Comprova já mostrou ser enganoso que essa cobertura vegetal esteja intacta.
Somos o país com a maior área absoluta de florestas tropicais e os que mais desmatam este tipo de bioma. Segundo a iniciativa Global Forest Watch, que monitora os índices de perda de cobertura florestal no mundo, o Brasil perdeu 1,361 milhão de hectares de florestas tropicais úmidas primárias em 2019. Isto equivalia a mais de um terço do observado em todo o mundo (3,8 milhões de hectares). O país liderou o ranking de perda de florestas primárias naquele ano.
Lockdown e distanciamento social
O que Bolsonaro disse: Estudo de Nova York aponta que as pessoas se contaminam mais dentro do que fora de casa.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. O Projeto Comprova demonstrou ser verdadeira uma pesquisa apontando que, de cada três novos pacientes de covid-19 no Estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos, dois estavam em casa. Mas isso não quer dizer que o distanciamento social determinado pelo estado norte-americano tenha falhado, e sim que essas pessoas tiveram contato com infectados. Em 6 de maio de 2020, o governador Andrew Cuomo falou em entrevista coletiva sobre os dados coletados pelo Departamento Estadual de Saúde que apontaram a contaminação domiciliar, mas ressaltou que a amostragem da pesquisa foi relativamente pequena e afirmou que o número de casos começou a cair no Estado depois das medidas de isolamento social, colocadas em vigor no dia 22 de março.
Auditoria do PSDB em 2014
O que Bolsonaro disse: Em 2014, no segundo turno, o PSDB duvidou da lisura e contratou uma auditoria. Conclui que as urnas são inauditáveis.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. Depois do pleito de 2014, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aceitou um pedido do PSDB para auditar as urnas eletrônicas e concedeu acesso a dados, arquivos e parte dos programas usados nos equipamentos naquela eleição para uma auditoria externa. O relatório da investigação concluiu que não foi possível identificar fraudes na votação de 2014 e, de fato, destacou que o sistema não permitia uma auditoria externa independente e efetiva.
Apesar disso, o TSE sustenta que há diversas formas de auditar e recontar os votos, definidas na legislação eleitoral. Como explicado diversas vezes por agências de checagem e imprensa profissional, é possível auditar votações. No dia da eleição, cada urna eletrônica emite um comprovante com os votos recebidos, chamado de Boletim de Urna (BU). Esse documento é impresso pelos mesários e se torna público logo após o fim da votação - qualquer pessoa pode comparar os números impressos com o resultado divulgado pelo TSE.
No dia da eleição o TSE promove um sorteio de urnas eletrônicas que serão fiscalizadas. A ação é para verificar a autenticidade e demonstrar a integridade do processo eleitoral "para eleitores sem conhecimentos específicos em tecnologia", como afirma o site do órgão. As urnas sorteadas são encaminhadas para os tribunais regionais eleitorais, onde é feita uma simulação de voto. "Cédulas em papel são preenchidas e depositadas em uma urna de lona, para que os participantes digitem esses votos tanto na urna eletrônica quanto em um sistema específico que computará os votos consignados em paralelo", explica o TSE. Se houvesse fraude, apareceria uma divergência entre os números da urna de lona e os da urna eletrônica. Nunca foi constatada irregularidade.