O que estão compartilhando: mensagem no WhatsApp que diz que a borra de café impede o desenvolvimento de larvas do mosquito aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue. O texto ainda acusa as prefeituras de não divulgarem a informação para não frear a disseminação da doença e obter recursos do governo federal.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. As evidências de que a borra do café podem bloquear o crescimento de larvas do Aedes aegypti são preliminares e foram obtidas em laboratório. Não é possível dizer que a eficácia da medida tenha sido comprovada porque as condições de experimentos em laboratório divergem das condições na vida real. Mais estudos são necessários.
O Ministério da Saúde informou que o controle do agente transmissor da dengue com borra de café não é uma recomendação oficial. Foi consenso entre as fontes ouvidas pelo Estadão Verifica que a melhor forma de prevenção contra a dengue é eliminar os focos de proliferação dos mosquitos.
Saiba mais: Circula no WhatsApp uma mensagem de texto que anuncia a borra do café como “a nova arma” contra o Aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue. A pessoa que escreveu o texto sugere que as prefeituras não divulgam essa informação porque não teriam interesse real em eliminar o agente transmissor da doença. O texto alega que a descoberta partiu da bióloga Alessandra Laranja. Ela teria observado que a borra de café produz um efeito que bloqueia a postura e o desenvolvimento dos ovos do Aedes aegypti.
A professora do Departamento de Medicina e coordenadora do Núcleo de Pesquisa Biomédica da Universidade Federal de Lavras (NUPEB-UFL), Joziana Barçante, alerta que a mensagem de WhatsApp não informa que a pesquisa da bióloga mostrou também que a depender da quantidade de pó de café o efeito pode ser contrário.
“[Alessandra Laranja] fez avaliação de duas concentrações: uma com 25 miligramas da borra e a outra com 50 miligramas. Quando ela usou 50 miligramas da borra, houve uma redução na quantidade de larvas e de insetos adultos. A parte que não está na mensagem é que quando ela usa 25 miligramas, teve estimulação do desenvolvimento da larva”, explica a professora.
Joziana avalia que os resultados obtidos pela bióloga são importantes e servem como ponto de partida para mais pesquisas sobre o tema. No momento não há consenso científico sobre a eficácia da medida e outros trabalhos científicos feitos com borra de café chegaram a resultados diferentes.
A professora enfatiza que a melhor forma de combater o mosquito da dengue é acabar com os seus focos de reprodução. E avalia que a mensagem que viralizou atrapalha os esforços de combate à dengue. “Algumas pessoas vão ler aquela informação como verdadeira e ao invés de tirar um pratinho de planta, elas vão colocar a borra de café ali e irão se sentir seguras, mas não estarão”, diz.
Tamara Lima Camara, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), concorda que a mensagem pode atrapalhar o combate ao mosquito. “A solução que o Ministério da Saúde dá é a mais simples que a gente pode ter, que é eliminar água parada, não precisa complicar. Com o simples de fazer a gente já consegue ajudar bastante.”
Ela disse ser lamentável a suspeita que a mensagem de WhatsApp levantou sobre a idoneidade das prefeituras na divulgação de informações importante para a população com objetivos financeiros. Ela explica que o fato de um estudo científico ter encontrado uma concentração de borra de café que pode ajudar no controle das larvas do mosquito não significa que os resultados sejam evidência suficiente.
“O que é feito em laboratório, em um ambiente controlado, com um determinado ser vivo, no caso é o Aedes aegypti, não significa que possa ser extrapolado para a natureza. Não significa que pode aplicar na natureza como se fosse a solução”, explica ela.
O Estadão Verifica não conseguiu o contato de Alessandra Laranja, autora da dissertação citada na mensagem de WhatsApp. A orientadora dela, a professora emérita do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (IBILCE-UNESP) e autora do livro “Aedes aegypti: a odisseia de um matador”, Hermione Bicudo, confirmou que a mensagem de WhatsApp cita informações de um trabalho que ela orientou e que foi publicado em 2003, na revista Genetics and Molecular Biology. Ela falou que trata-se de dados antigos e não uma “nova arma” de controle do mosquito, como divulgado na mensagem checada.
Ela diz que pelo fato de a borra ser escura e gordurosa, o seu laboratório recomendava a utilização dela apenas em jardins. “Tantos anos se passaram, não sei se os cafés de hoje são puros em muitas regiões. Há muita mistura e também muitos tipos de café gourmet. Seria necessário saber quanto dos componentes tóxicos, como a cafeína e outros ainda restam em suas borras”, explica ela.
Assim como as demais especialistas ouvidas pelo Estadão Verifica, Hermione disse que nada suplanta em preço baixo e eficiência o método de eliminar os criadouros. “Eliminar as vasilhas de qualquer tamanho, existentes dentro e no entorno de nossas casas, que possam reter água parada, onde as fêmeas botam seus ovos e eles se desenvolvem. Caso não seja possível desfazer-se delas, manter constante vigilância quanto a presença de ovos ou larvas, em intervalos de cinco dias para segurança”, orienta.
Em resposta enviada ao Estadão Verifica por e-mail, o Ministério da Saúde disse que o controle do mosquito transmissor da dengue não deve ser feito com borra de café. O ministério listou quais seriam as recomendações oficiais:
- Tampar caixas d´água, ralos e pias;
- Higienizar bebedouros de animais de estimação;
- Descartar pneus velhos junto ao serviço de limpeza urbana. Caso precisar guardá-los, mantê-los em local coberto protegidos de contato com a água;
- Retirar a água acumulada da bandeja externa da geladeira e bebedouros e lavá-los com água e sabão;
- Limpar calhas e a laje de casa e colocar areia nos cacos de vidro de muros que possam acumular água;
- Colocar areia nos vasos de plantas;
- Amarrar bem os sacos de lixo e não descartar resíduos sólidos em terrenos abandonados ou na rua;
- Fazer uma inspeção em casa pelo menos uma vez por semana para encontrar possíveis focos de larvas;
- Sempre que possível, fazer uso de repelentes e instalar telas, especialmente nas regiões com maior registro de casos;
- Receber bem os agentes Comunitários de Saúde e de Controle de Endemias que trabalham em sua cidade.