O que estão compartilhando: que o governo federal, através do Banco do Brasil, irá criar uma linha de financiamento para que produtores argentinos vendam seus produtos ao Brasil. Dos cerca de US$ 600 milhões da linha de crédito, US$ 100 milhões seriam destinados a laticínios, o que causaria um “massacre” na indústria láctea brasileira, sobretudo no Rio Grande do Sul.
O Estadão Verifica checou e concluiu que: não é bem assim. A alegação foi publicada no Instagram do deputado estadual do Rio Grande do Sul Gustavo Victorino (Republicanos) e viralizou em outras redes, mas há equívocos na colocação do parlamentar. O governo federal trabalha sim em uma linha de crédito para a Argentina, mas o objetivo é financiar a exportação, ou seja, a venda de produtos brasileiros ao país vizinho, e não o contrário.
Apesar de ter sido mencionada no dia 23 de agosto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a linha de financiamento ainda não está fechada. O Brasil propôs financiar exportações brasileiras à Argentina em R$ 700 milhões (cerca de US$ 140 milhões) e, se a proposta se efetivar, a Argentina terá que oferecer garantias ao Brasil no mesmo valor, de acordo com o Ministério da Fazenda.
No vídeo, o deputado afirma que a linha de financiamento tem um percentual voltado para produtos lácteos e que isso irá destruir a indústria de laticínios do Rio Grande do Sul. Segundo o Ministério da Fazenda, contudo, “na proposta não houve qualquer destinação específica de recursos ao financiamento de importações brasileiras de produtos lácteos vindos da Argentina”.
Saiba mais: A proposta de financiamento de exportações de produtos brasileiros à Argentina foi citada pelo ministro Fernando Haddad no dia 23 de agosto durante entrevista coletiva em Joanesburgo, na África do Sul, durante a Cúpula dos Brics, mas ela já vinha sentido ventilada antes. Segundo ele, o Brasil propôs à Argentina que, num primeiro momento, o Programa de Financiamento às Exportações (Proex) financiasse a compra de produtos brasileiros por parte de importadores argentinos. O crédito seria de R$ 700 milhões. Num segundo momento, a Argentina teria que pagar as exportações ao Brasil, mas em dólar. Para Haddad, não há riscos ao Brasil porque a Argentina teria que oferecer o mesmo valor do crédito em garantias.
Ao Verifica, a Fazenda explicou que, diferentemente do que diz o vídeo analisado aqui, a linha não seria ofertada pelo Banco do Brasil, mas sim pelo Proex, que existe desde 1991. Apesar de não ser o responsável direito pela oferta da linha de crédito, o Banco do Brasil informou, também em nota, que “tem atuado em trabalho conduzido pelo Ministério da Fazenda, envolvendo diversos Ministérios, no sentido de construir alternativa de financiamento às exportações brasileiras para a Argentina. Cabe ressaltar que se alguma solução técnica for viabilizada, é condição indispensável que ela não traga qualquer tipo de risco ou impacto em balanço tanto do BB quanto da União”.
Interpretação equivocada
De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite), o vídeo gravado pelo deputado viralizou no setor leiteiro, “causando apreensão e revolta”. Por isso, o presidente da associação, Geraldo Borges, entrou em contato com o Banco do Brasil, que explicou o caso.
Em nota publicada em seu site, a Abraleite informou que o vice-presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, Luiz Gustavo Braz Lage, telefonou para Geraldo Borges e afirmou que o banco atua pra construir uma alternativa de financiamento às exportações brasileiras para a Argentina. “Entende-se que houve alguma possível confusão por parte do deputado em sua fala no vídeo”, diz texto da Abraleite.
Peças de carro
Ao Verifica, o deputado Gustavo Victorino disse que o vídeo que viralizou foi editado, mas admitiu que “faltou uma frase sobre o dinheiro ser dado a eles (argentinos)”. Ele diz, no entanto, que sua manifestação ocorreu no sentido de que, em termos práticos, a Argentina irá importar insumos e, depois, usá-los para exportar produtos ao Brasil.
O parlamentar disse que não há como produtos brasileiros competirem com os argentinos, já que a moeda deles “é fraca” e os produtos são muito baratos. Mesmo ciente de que a linha não é destinada a laticínios, o deputado declarou que o financiamento pode abarcar outros produtos.
“A lógica da minha manifestação é essa: nós estamos financiando insumos para a Argentina exportar para o Brasil. Nós estamos oferecendo dinheiro brasileiro para produtos argentinos e nós não temos produtos competitivos para entrar na Argentina porque a moeda deles é muito fraca. O governo fala de um fundo garantidor, mas isso é uma lenda. Dificilmente o país vai pagar, porque hoje ele é insolvente”, disse.
No dia 28 de agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu o ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa. Se a linha de crédito for efetivada, o objetivo do governo argentino é usá-la para pagar a importação de peças de carro que, depois, serviriam à exportação para o mercado brasileiro.