Imagine receber um conteúdo pelas redes sociais de uma fonte aparentemente confiável – um tio, um primo, o pai ou a mãe, até um amigo – e, com base nessas informações, escolher em qual candidato votar para as eleições municipais deste ano. Agora, imagine descobrir, depois de ter votado, que a informação que serviu de base para o voto era falsa. Para brasileiros ouvidos em uma pesquisa conduzida pelo Instituto Locomotiva, a eleição de maus políticos é o principal risco da disseminação de desinformação na internet. E a maioria dos entrevistados admite que já acreditou em fakes sobre campanhas eleitorais.
Para 26% das pessoas ouvidas, eleger maus políticos é o principal risco associado à desinformação, mas não é o único. Aqueles que responderam à pesquisa também se preocupam que notícias falsas possam ferir a reputação de alguém (22%), causar medo na população sobre segurança (16%), prejudicar a forma como as pessoas cuidam de sua própria saúde e de sua família (12%), causar brigas entre familiares e amigos (12%). Outros 11% temem ter a liberdade de expressão reduzida.
O Instituto Locomotiva recolheu por meio de formulário na internet respostas de 1.032 brasileiros maiores de 18 anos em todas as regiões do País, levando em conta região, gênero, faixa etária, escolaridade e classe conforme parâmetros da Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílios (PNAD) 2022. As respostas foram recolhidas em fevereiro deste ano.
A percepção do risco da desinformação vem de brasileiros comuns, que já tiveram contato com informações enganosas online e que admitem já ter acreditado em conteúdos inverídicos. Segundo a pesquisa, 88% dos brasileiros admitiram que já acreditaram em uma informação que, depois, descobriram ser falsa. Destes, 63% relataram ter acreditado em desinformação sobre propostas de campanhas políticas e eleitorais – número bem próximo dos 64% que já caíram em golpes envolvendo vendas de produtos, por exemplo.
É um cenário de “epidemia”, aponta o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles. “O grosso das fake news está relacionado ao noticiário político, mas a gente viu que elas também estão presentes em golpes na internet, e parte das pessoas que admitem que acreditaram nelas, admitem por causa de golpes”, disse.
Impacto em ano eleitoral
Para Renato Meirelles, os temas alvo de desinformação estão mais diversificados, e a disseminação deles, mais acentuada. Isso é um problema sobretudo em ano eleitoral. Para ele, ao mesmo tempo em que há um universo de pessoas que reconhece que acreditou em uma informação falsa, há outro número imenso de pessoas que não admitem isso – ou que admitem apenas em casos específicos. “Fake news virou quase um sinônimo daquilo que a pessoa não concorda, e isso tem que ser trabalhado da mesma forma que se contém uma epidemia”, afirmou. “É um risco gigantesco para a democracia”.
Para Samuel Barros, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), a democracia está sob ameaça sempre que não se tem fontes confiáveis de informação. “Não acho que o problema seja tanto a existência de fake news, mas o fato de uma grande parcela dos cidadãos terem as fontes de fake news como parte principal de seu cardápio informativo”, explicou.
Mudança de comportamento
Enquanto os conteúdos desinformativos se multiplicam, a pesquisa aponta, também, um crescimento no incômodo das pessoas com o fenômeno. “A gente tentou identificar os propagadores de um lado e as pessoas que produzem as fake news de outro, e saber se existe esse entendimento na sociedade de que são grupos distintos”, disse Meirelles.
A pesquisa indicou que sim. “A gente percebeu que, de todas as pessoas que reconheceram terem caído em fake news, que sentiram vergonha, a sensação delas foi de perceber que foram vítimas”, afirmou. Os sentimentos mais comuns, aponta o levantamento, são de ignorância, ingenuidade e raiva.
Para Samuel Barros, do INCT.DD, é possível concluir que muita gente já teve contato com conteúdos que classificou como desinformação, o que não significa que esse conteúdo gerou impacto, ou que as pessoas foram, de fato, influenciadas por eles.
“Acho que as pessoas, aos poucos, começam a ter uma compreensão mais complexa do fenômeno”, afirmou. “Deixamos de acreditar que as fake news são apenas um problema moral para entendê-las como um problema social e político. Se a imagem na cabeça das pessoas corresponde aos fatos não sabemos, mas as pessoas começam a ter um mapa mental mais complexo”.
Quem cria e quem espalha a desinformação?
Entre os brasileiros que responderam à pesquisa, 80% concordam que existem grupos especializados na produção de desinformação no Brasil, mesmo percentual de pessoas que acredita que há sites, blogs e fóruns onde esse conteúdo é publicado. Os mesmos 80% concordam que há grupos e pessoas que investem dinheiro para que fake news sejam produzidas e distribuídas, percentual que sobe para 85% entre pessoas com mais de 50 anos e com nível superior completo.
A pesquisa também sinaliza que a maioria dos brasileiros reconhece a existência do uso de robôs de inteligência artificial para produzir desinformação, e a maior parte das pessoas também diz ser capaz de diferenciar notícias falsas de verdadeiras. Apesar disso, eles acreditam mais em seus próprios julgamentos (62%) do que na capacidade de outros brasileiros de fazer essa diferenciação (19%). Outros 25% afirmaram já terem sido acusados de espalhar desinformação – principalmente por alguém que discordava de sua visão política.