Esta verificação foi publicada em parceria com o Comprova. Leia mais sobre a coalizão.
Conteúdo investigado: Advogado lista em vídeo uma série de casos de pessoas famosas que foram diagnosticadas recentemente com pneumonia e questiona se a covid virou pneumonia. Ele afirma ainda que “na época do Bolsonaro, tudo era covid.”
Onde foi publicado: Instagram.
Conclusão do Comprova: Vídeo publicado no Instagram que cita casos de pneumonia entre pessoas públicas desinforma ao insinuar que a doença está sendo utilizada para mascarar casos de covid-19. Nenhum dos casos de pneumonia citados no vídeo tem relação comprovada com a covid-19. A pneumonia é uma inflamação no pulmão que costuma ser provocada por infecções causadas por bactérias ou vírus. De acordo com especialistas ouvidos pelo Comprova, a covid-19 pode levar a uma série de complicações respiratórias, incluindo a pneumonia, mas são doenças diferentes.
O autor do vídeo fundamenta sua argumentação no diagnóstico de pneumonia do ex-ministro José Dirceu (PT), da cantora Ivete Sangalo, do empresário Abilio Diniz e da vereadora de Goiânia Luciula do Recanto (PSD). Ivete teve pneumonia após pegar virose; Diniz foi diagnosticado com pneumonite, não pneumonia; Luciula teve pneumonia bacteriana, causada por leptospirose. Dirceu não divulgou a causa da pneumonia, mas reportagens sobre seu quadro de saúde não citam covid.
O autor do vídeo associa erroneamente esses casos com um suposto artigo do Hospital Oswaldo Cruz. Contudo, esse texto não é um artigo científico, mas a reprodução de uma reportagem de maio de 2020 do portal R7, que abordava a possibilidade de pacientes com covid-19 desenvolverem pneumonia.
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O pneumologista Elie Fiss, citado na reportagem, destacou ao Comprova que o contexto de 2020 era diferente da situação atual. Ele afirma que os casos do novo coronavírus tratados recentemente não têm evoluído com a mesma gravidade observada no início da pandemia, por causa da vacinação.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 13 de março, o vídeo tinha mais de 1 milhão de visualizações no Instagram.
Como verificamos: Inicialmente, buscamos informações no Google sobre o suposto artigo do Hospital Oswaldo Cruz e, usando palavras-chaves, encontramos a reportagem do R7 que foi reproduzida pelo hospital. Entramos em contato com a unidade de saúde, que confirmou não ter sido a autora do texto. Procuramos também especialistas e o Ministério da Saúde, que forneceu informações atualizadas sobre a covid-19 e a relação da doença com a pneumonia. Por fim, procuramos as assessorias das pessoas públicas citadas no texto.
Casos de famosos citados não tem relação comprovada com a covid-19
Na postagem aqui investigada, um homem utiliza notícias de famosos diagnosticados recentemente com pneumonia para sugerir que a doença está sendo utilizada para mascarar casos de covid-19. Nos comentários do vídeo, usuários alegam que os dados do novo coronavírus foram supernotificados no governo Bolsonaro e estão sendo escondidos no governo Lula. “COVID só existiu no governo do Bolsonaro!!! Do Lula não tem. Este desgoverno já esta levando o Brasil para o buraco”, escreveu um seguidor.
Outra pessoa disse que, antes, “morte por bala perdida era COVID, morte em acidente de trânsito, era COVID, morte por infarto era COVID, morte por dengue era COVID”. O vídeo também faz uma afirmação parecida e diz que, na época do governo Bolsonaro, ficou provado que havia pessoas que morriam por causas não relacionadas à covid e que traziam essa causa de morte no atestado de óbito. “Na época de Bolsonaro, gripe era covid. Tudo era diagnóstico de covid”, afirmou. Mas nada disso é verdade.
O Comprova já fez diferentes checagens que desmentem a alegação de que mortes por outras causas estavam sendo notificadas como covid. Na realidade, o cenário durante a pandemia era outro: estudos demonstraram que havia subnotificação de mortes pela doença causada pelo coronavírus. Por exemplo, em 2022 pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) calcularam que o número de óbitos por covid-19 no Brasil em 2020 era 18% maior do que dizem as estatísticas oficiais.
Vale ressaltar que uma reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que o problema de subnotificação persiste, mas por razões diferentes das do início da pandemia. Em 2020, faltavam testes e a prioridade era diagnosticar casos mais graves. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, hoje a postura da população em relação à covid-19 mudou, e menos testes são feitos. Além disso, ainda há uma falta de política pública clara de testagem para a doença.
Os famosos citados foram José Dirceu; Ivete Sangalo; Abilio Diniz e Luciula do Recanto. Nenhum desses casos tem relação comprovada com a covid-19. Diniz, no caso, não teve pneumonia, ao contrário do que foi noticiado inicialmente na imprensa, e sim pneumonite. Ele morreu no dia 18 de fevereiro, aos 87 anos, por uma insuficiência respiratória em função da doença. Enquanto a pneumonia é uma inflamação no pulmão que costuma ser provocada por infecções causadas por bactérias ou vírus, as causas de pneumonite são fungos, penas de aves, agentes orgânicos ou químicos inalados, doenças autoimunes, como lúpus ou artrite reumatoide, e até medicamentos.
Já a vereadora Luciula do Recanto disse que “teve derrame nos dois pulmões decorrente de uma pneumonia bacteriana, mas devido a leptospirose e não covid”. A assessoria de Ivete Sangalo informou que não vai passar mais detalhes sobre a doença da artista além do que já foi divulgado inicialmente. Em fevereiro, logo após o carnaval, Ivete postou numa rede social que pegou uma virose. “A partir de aconselhamento médico, vim ao hospital e, então, veio a internação. Diagnóstico: Pneumonia. Estou assistida e já me sentindo melhor.” Por fim, o advogado de José Dirceu não retornou os nossos contatos até o fechamento do texto.
Hospital Oswaldo Cruz não fez estudo sobre o tema
O autor do vídeo associa os casos desses famosos com um suposto artigo do Hospital Oswaldo Cruz intitulado “Pneumonia causada pela covid-19 pode ser silenciosa. Entenda”. O texto, no entanto, não é um artigo ou pesquisa científica e sim a reprodução na íntegra de uma reportagem do portal R7 de maio de 2020, ou seja, início da pandemia. Em nota, o hospital desmentiu a autoria da reportagem. “Ela foi produzida em 2020 pelo portal R7 com entrevista do Dr. Elie Fiss, pneumologista do Hospital.”
A reportagem publicada fala sobre a possibilidade de infectados pela covid-19 terem um quadro que evolui para pneumonia. “Em pacientes com covid-19, ela [pneumonia] é uma consequência da lesão gerada pelo novo coronavírus nos pulmões ou da resposta exagerada do sistema imune do organismo ao vírus”, informou trecho da reportagem.
Ao Comprova, o pneumologista Elie Fiss explicou que o contexto em que a reportagem foi feita, em 2020, é diferente do atual momento. “Naquela época, nós começamos a ter a experiência tanto de pneumonia causada pelo vírus, a pneumonia viral, como a pneumonia bacteriana por infecção secundária e de tromboses”, afirmou.
É errado dizer que a covid virou pneumonia
Ainda segundo o especialista, é errado afirmar que a covid-19 se transformou em pneumonia. Os casos de covid que ele tem tratado recentemente não apresentaram a mesma gravidade observada no início da pandemia. “Dos casos diagnosticados nesta temporada, nenhum evoluiu como pneumonia complicada, nenhum evoluiu com um quadro de pneumonia viral causado pelo covid”, disse.
Fiss acredita que a vacinação foi responsável por evitar os quadros graves de saúde. “Sem dúvida nenhuma, toda a vacinação que foi feita faz com que os quadros de covid sejam quadros de infecções respiratórias leves”, completou.
Outro especialista consultado, o coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Naime, explica que ainda que a pneumonia possa ser causada por vários microorganismos, como vírus, bactérias, fungos e protozoários. Os casos mais comuns são causados por vírus. “O cenário de predominância de vírus respiratórios é muito dinâmico, por isso o monitoramento é fundamental. Isso ajuda a avaliar situações em que seja necessário antecipar a vacina para Influenza ou atualizar a vacina para a covid, por exemplo”, disse.
Os variados tipos de pneumonia costumam se enquadrar no que o Ministério da Saúde define como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). No último boletim com informe de vigilância das síndromes gripais, o Ministério da Saúde informa que em 2024, até o dia 2 de março, foram notificados 4.280 casos de SRAG, com predomínio de identificação do vírus causador da covid-19, o SARS-CoV-2 (63%). Em relação à SRAG por covid-19, é observado vínculo com o atual cenário de alta de SRAG nos estados do centro-sul. Parte dos estados das regiões Sudeste e Sul apresentam aumento também para o vírus Influenza. Nos estados do Norte e Nordeste que demonstram sinal de crescimento de SRAG, há associação com o incremento nos casos positivos para Influenza.
Em nota, o Ministério da Saúde (MS) afirmou que a covid-19 pode levar a uma série de complicações respiratórias, incluindo a pneumonia. “De fato, muitos casos graves de covid-19 podem resultar em pneumonia, o que pode ser uma das principais causas de hospitalização e mortalidade associada à doença. Em alguns casos, pacientes com covid-19 podem desenvolver pneumonia como uma complicação subsequente à infecção viral inicial. Portanto, é possível que casos de covid-19 evoluam para pneumonia, embora nem todos os casos de pneumonia sejam necessariamente causados pela covid-19″, informou.
O MS disse ainda que a sua Coordenação Geral de Doenças Imunopreveniveis (CGVDI/MS) não realiza monitoramento/vigilância de casos de pneumonia e, por isso, não tem dados sobre a doença. Para Fiss, não é possível afirmar que estamos em surto de pneumonia sem uma análise dos dados. No entanto, ele afirma verificar aumento de casos da pneumonia por Mycoplasma pneumoniae, uma bactéria. Já o SARS-CoV-2, que causa a covid-19, é um vírus. “São mais casos de infecções bacterianas, só que o predomínio é muito mais de mycoplasma do que de outras bactérias”, disse.
Ao redor do mundo, casos de pneumonia bacteriana causada pela Mycoplasma foram diagnosticados. Em novembro de 2023, a Sociedade Internacional de Doenças Infecciosas informou que hospitais chineses estavam sobrecarregados com a doença. Logo mais, países como Holanda, Dinamarca, Reino Unido e Estados Unidos também registraram aumento de casos.
Embora pareça preocupante, a Organização Mundial da Saúde declarou que o aumento de casos já era esperado. Isso ocorre pois, com o isolamento social na pandemia, as pessoas passaram um tempo sem exposição à bactéria. Ao Jornal da USP, Alberto Cukier, diretor de Serviço da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, disse que “o risco de uma nova pandemia é zero”, pois o Mycoplasma é uma infecção bacteriana conhecida e já existe antibiótico eficiente contra o micro-organismo.
O que diz o responsável pela publicação: O autor do vídeo se apresenta como “doutor Amarildo Filho” e como advogado. Em 2020, Filho foi candidato a vereador em Goiânia pelo então Partido Social Liberal (PSL) e foi derrotado, recebendo apenas 1.116 votos. Em 2022, ele foi candidato a deputado estadual de Goiás pelo Agir e foi novamente derrotado, desta vez com 2.909 votos. Amarildo Filho foi procurado por mensagem do Instagram, mas não respondeu.
O que podemos aprender com esta verificação: A postagem analisada associa informações verdadeiras (famosos diagnosticados com pneumonias) com um conteúdo retirado do contexto original para sugerir uma afirmação falsa, que a covid-19 tenha “virado” pneumonia, criando uma confusão entre os significados das doenças, uma vez que a pneumonia pode ser uma das consequências da covid-19, mas também pode ser provocada por outros agentes, de vírus a bactérias. Ao nos depararmos com esse tipo de conteúdo, é importante verificar se todas as fontes usadas para embasar a tese estão corretas ou não.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Comprova realizou outras checagens sobre a relação da covid-19 e outras doenças. Neste mês de março, mostramos que é falso o estudo de Cambridge que comprova infecção de Aids em pessoas vacinadas contra o novo coronavírus. No ano passado, apontamos que uma médica enganou ao dizer que vacinas contra a covid-19 causam infarto e morte súbita em crianças e que não há relação entre vacinação por covid-19 e aumento de mortes por câncer na Inglaterra.