Esta checagem foi produzida por jornalistas da coalizão do Comprova. Leia mais sobre nossa parceria aqui.
Conteúdo analisado: Publicações no Instagram, TikTok e YouTube que associam um documento no site oficial do Partido dos Trabalhadores (PT) intitulado "Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT" ao plano de governo do candidato petista ao Palácio do Planalto nas eleições deste ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Comprova Explica: Diversas postagens no Instagram e no TikTok, assim como um vídeo no YouTube publicado pelo deputado federal eleito Gustavo Gayer (PL-GO), têm confundido usuários sobre um documento de resoluções internas do PT que discute políticas voltadas aos direitos humanos. Esses conteúdos indicam que se trataria de parte do plano de governo de Lula -- o que não é verdade. O tema chegou a ser abordado pelo candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), na sexta-feira, 28 de outubro, no terceiro bloco do debate presidencial na TV Globo. O debate foi o último antes do segundo turno das Eleições de 2022, cuja votação acontece no domingo (30).
O documento em questão trata das "Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT", que inclui 20 pontos. O debate sobre esse tema se concentra em algumas dessas propostas, que envolvem "reorganização" das forças policiais, desarmamento civil, "reparação e punição" por irregularidades na gestão da pandemia, políticas de combate às drogas e ao encarceramento em massa.
Independente da análise do mérito dessas propostas, elas são apenas diretrizes internas aprovadas em encontro da "setorial" [subdivisão] do PT especializada em direitos humanos em dezembro de 2021. Essas propostas não compõem o plano de governo de Lula, que pode ser acessado na página de perfil dele no site do TSE para divulgar as candidaturas das eleições deste ano.
Com a repercussão do caso, o Comprova decidiu explicar a diferença entre as "Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT" e o plano de governo de Lula.
Como verificamos: Procuramos pelo termo-chave "Encontro nacional de direitos humanos do PT" no Google. Obtivemos como resposta um artigo do serviço de checagem de fatos da agência de notícias Reuters sobre o tema, além da página no site oficial do PT sobre as "Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT" - ao clicar nessa, porém, o link redireciona para página no site oficial de Lula sobre fake news.
Buscamos, então, pela URL da página no site do PT com as supostas resoluções, (pt.org.br/blog-secretarias/resolucoes-do-encontro-nacional-de-direitos-humanos-do-pt/), no Archive Today, ferramenta que salva páginas de internet, deixando o conteúdo acessível na rede. Nele, descobrimos que o conteúdo existiu e esteve no ar, sem interrupções, até pelo menos quarta-feira (26).
Entramos também em contato com a assessoria de imprensa do PT e de Lula pelo WhatsApp e por e-mail.
Resolução não é plano de governo
As "Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT" são diretrizes internas do partido, aprovadas em 12 de dezembro de 2021 por delegados no Encontro Nacional de Direitos Humanos promovido pelo partido. Em fevereiro do ano seguinte, elas foram validadas pelo Coletivo Nacional do PT, outra estrutura interna do partido que organiza as setoriais. Essas informações constam na página do documento no site oficial do PT.
No terceiro bloco do debate do segundo turno promovido pela TV Globo, em 28 de outubro, Bolsonaro citou o documento. Entretanto, assim como em conteúdos que circulam nas redes sociais, incluindo vídeo do deputado bolsonarista eleito Gustavo Gayer, a menção foi feita de forma descontextualizada.
"Criar um tribunal de Manaus para julgar Bolsonaro e seus cúmplices, desmilitarizar as polícias pelo Brasil, cessar a guerra às drogas, desencarcerar milhares de presos provisórios e, último, vou deixar para você explicar, Lula", disse o presidente.
Em resposta, o petista negou que os temas citados pelo adversário integrassem seu plano de governo. "Esse documento só você sabe o que é, porque deve ser um documento de um setorial do PT. Como você não tem partido político, toda eleição você aluga um partido, você não criou partido, não tem programa, não tem manifesto, então, você não sabe que o PT é o partido que mais funciona nesse país democraticamente", disse Lula.
"O partido tem setorial de tudo, setorial de mulher, de direitos humanos, de LGBT, de negros, de estudante. Possivelmente, (esse) seja um documento de um setorial que foi colocado, mas isso nunca fez parte de nenhum programa do PT. Leia todo o meu programa para saber se tem", acrescentou.
Essa fala pode ser acessada no vídeo do terceiro bloco do debate a partir de 14 minutos e 57 segundos.
Contactada antes do debate presidencial, a assessoria do PT explicou ao Comprova a diferença entre essas resoluções e o plano de governo.
"São apenas resoluções que foram apresentadas, discutidas e aprovadas que, a exemplo de todos os demais setoriais nacionais do partido, ao todo são 16, servem como diretrizes para ampliar o debate político interno. Portanto, não se trata de maneira alguma de conteúdo do plano de governo de Lula", afirmou a assessoria em nota enviada pelo WhatsApp.
Remoção das "Resoluções" do site do PT
Desde quarta-feira, a URL do documento (https://pt.org.br/blog-secretarias/resolucoes-do-encontro-nacional-de-direitos-humanos-do-pt/) não funciona. Neste sábado (29), dia de publicação desta checagem, o link redireciona para página no site oficial de Lula sobre fake news.
Perguntamos à assessoria do PT, por WhatsApp, o porquê do conteúdo ter sido retirado do ar, mas não obtivemos resposta sobre essa questão. O que dizem as diretrizes do "Encontro nacional de direitos humanos do PT"
O debate sobre essas resoluções se concentra em cerca de cinco de 20 pontos, nas palavras do documento, "esboçando plataforma mínima de direitos humanos para contribuir no desenho do que será a campanha Lula-2022".
Como consta no documento, esses pontos são:
- Instituir uma política de reparação e punição. Memória, Verdade e Justiça. Processar e punir os responsáveis pelo genocídio (Covid), criar uma política de promoção da memória, da verdade, com a criação de uma justiça de transição. Tribunal de Manaus para julgar Bolsonaro e seus cúmplices.
- Rever toda arquitetura da Segurança Pública. Reorganizar e desmilitarizar as polícias. Retomar e ampliar as diretrizes do Pronasci, colocar a pauta da segurança cidadã como prioridade de todo governo Lula.
- Cessar a guerra às drogas: regular, descriminalizar, redução de danos, educação e saúde.
- Reverter o encarceramento em massa de pretos e pobres, a começar por desencarcerar milhares de presos provisórios.
- Desarmar o país, campanha massiva anti-armas, rever toda legislação bolsonarista, política radical de redução do número de armas circulando no país, retomar Estatuto do Desarmamento.
Independentemente da análise dos méritos dessas propostas, elas são apenas diretrizes internas aprovadas no encontro da setorial petista de direitos humanos, não compondo o plano de governo de Lula.
O que diz o plano de governo de Lula
A proposta de governo de Lula, registrada no TSE, tem 21 páginas e 121 compromissos ao todo. O documento não contempla as resoluções da setorial do PT de direitos humanos, mas aborda o assunto tratado em algumas de outra forma.
Nenhum dos compromissos assumidos pela chapa de Lula e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), fala em criação de um tribunal ou de acerto de contas em relação à gestão da covid-19 no país. Sobre esse tema, o programa prevê em seu item 23 o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e, no item 44, o acolhimento e acompanhamento de famílias e pacientes vítimas da pandemia.
Sobre a suposta "desmilitarização" das polícias, também não há nenhuma menção, embora as forças de segurança sejam contempladas no documento nas propostas de número 32, 33 e 35:
32. O governo federal vai implementar e aprimorar o Sistema Único de Segurança Pública, modernizando estratégias, instrumentos e mecanismos de governança e gestão. Serão realizadas reformas para ampliar a eficiência do Sistema de Segurança por meio da modernização das instituições de segurança, das carreiras policiais, dos mecanismos de fiscalização e supervisão da atividade policial e do aprimoramento das suas relações com o Sistema de Justiça Criminal.
33. A valorização do profissional de segurança pública será um princípio orientador de todas as políticas públicas da área. Serão implementados canais de escuta e diálogo com os profissionais, programas de atenção biopsicossocial, e ações de promoção e garantia do respeito das suas identidades e diversidades.
35. A melhoria da qualificação técnica dos policiais será uma busca permanente a ser alcançada, dentre outras estratégias, pela reformulação dos processos de seleção, formação e capacitação continuada, pela atualização de doutrinas e pela padronização de procedimentos operacionais. Será aberto diálogo sobre a modernização das carreiras, a qualificação e a autonomia dos peritos, a padronização de escalas e jornadas de trabalho e outras estratégias de implementação das diretrizes nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos dos policiais".
Em relação ao combate às drogas, o documento apenas afirma, no tópico 34: "O país precisa de uma nova política sobre drogas, intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário. O atual modelo bélico de combate ao tráfico será substituído por estratégias de enfrentamento e desarticulação das organizações criminosas, baseadas em conhecimento e informação, com o fortalecimento da investigação e da inteligência."
A proposta do candidato petista também não fala nada em reverter encarceramento nem em liberação em massa de presos. A única menção ao termo encarceramento, bem como a genocídio, é feita no item 38, em tópico sobre combate ao racismo: "É imprescindível a implementação de um amplo conjunto de políticas públicas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo estrutural, indissociáveis do enfrentamento da pobreza, da fome e das desigualdades, que garantam ações afirmativas para a população negra e o seu desenvolvimento integral nas mais diversas áreas. Construiremos políticas que combatam e revertam a política atual de genocídio e a perseguição à juventude negra, com o superencarceramento, e que combatam a violência policial contra as mulheres negras, contra a juventude negra e contra os povos e comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro".
As palavras "arma(s)", "armamento", "armamentismo" e "desarmamento" não constam no documento. Durante parte do debate da Rede Globo desta sexta-feira, o ex-presidente se posicionou contra a "facilitação de armas" e disse que seu governo vai "distribuir livros" em vez de "coisas que matam".
Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. A ferramenta Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão. No contexto das eleições no Brasil, muitos conteúdos estão sendo divulgados com o objetivo de tumultuar o processo, pois podem influenciar na decisão de eleitores brasileiros. A população deve escolher seus candidatos com base em informações verdadeiras e confiáveis.
Outras checagens sobre o tema: A agência de checagem Aos Fatos e o serviço de verificação da agência de notícias Reuters publicaram artigos nesta semana explicando a diferença entre as "Resoluções do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT" e o plano de governo de Lula. Sobre publicações atribuindo ou descontextualizando propostas de candidatos à Presidência da República, o Comprova já mostrou que é falso que Lula e presidente eleito da Colômbia queiram obrigar pessoas a dividir casa com outras famílias; que é falsa imagem de notícia que atrela apoio de banqueiros a Lula em troca da revogação do Pix; que é enganoso que Paulo Guedes tenha anunciado redução em aposentadorias e outros benefícios do INSS; e que edição de vídeo distorce declaração de Bolsonaro sobre ministério para Collor e confisco de aposentadoria.
Neste final de semana, a equipe do Comprova se uniu a outras 6 iniciativas de checagem de fatos no Brasil para verificar conjuntamente a desinformação sobre as eleições. A parceria reúne AFP, Aos Fatos, Boatos.org, Comprova, E-Farsas, Fato ou Fake e Lupa.