O que estão compartilhando: vídeos afirmam que 120 mil militares da ativa do Exército Brasileiro foram autorizados pelo chefe do Estado-Maior da força terrestre, general Fernando Sant’Ana, a prender o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O ministro, assim como o comandante do Exército, general Thomás Ribeiro Paiva, e o chefe do Comando Militar do Nordeste, Kleber Nunes de Vasconcellos, teriam sido apontados como chefes de um esquema de recebimento de propinas para cooptar militares e colocá-los à disposição do STF. Além disso, os dois generais teriam sido condenados no Superior Tribunal Militar (STM) por crime de traição ao liderarem um esquema de desvio de orçamento do Exército, mas, mesmo assim, estariam sob a proteção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Não há qualquer manifestação do chefe do Estado-Maior do Exército sobre autorizar militares a prenderem Alexandre de Moraes. Além disso, não há qualquer ordem de prisão para o ministro do STF, o que tornaria qualquer ação de militares ilegal. Também é falso que o chefe do Serviço de Inteligência (SI) do Exército tenha descoberto um esquema de propinas e desvios de verbas da força envolvendo generais, ou que eles tenham sido condenados à prisão. O homem citado como chefe do SI nunca chefiou esse serviço, nem está mais na ativa. Também não há nenhum processo ou condenação envolvendo os dois generais citados nos vídeos.
Saiba mais: Esta checagem investiga o conteúdo de dois vídeos, publicados por uma mesma conta no Facebook, que somam mais de 42 mil interações na rede social. O primeiro vídeo, com quase 35 minutos de duração, foi publicado no dia 16 de julho de 2023, e o segundo, com 11 minutos, foi postado no dia 19.
Apesar da diferença de duração, eles tratam do mesmo assunto: o anúncio que 120 mil militares da ativa do Exército Brasileiro estariam prontos para prender o ministro do STF Alexandre de Moraes, além de uma suposta investigação conduzida pelo general Décio Luís Schons que teria revelado um esquema de propinas, em que os generais Thomás Paiva e Kleber Nunes de Vasconcellos recebiam dinheiro vivo para deixar militares à disposição para cumprir ordens de ministros do STF, sobretudo de Moraes.
Veja a seguir a checagem das principais alegações:
Não, não há 120 mil militares da ativa autorizados a prender Alexandre de Moraes
O chefe do Estado-Maior do Exército é mesmo o general Fernando Sant’Ana, como citado no video, mas e falso que ele tenha autorizado que 120 mil militares prendam o ministro Alexandre de Moraes a qualquer momento. Procurado pelo Estadão Verifica, o Exército Brasileiro disse, em nota, que “o fato não ocorreu e que essas mensagens apenas contribuem para a desinformação da nossa sociedade”.
Também não é factível o número de militares da ativa do Exército apontado nos vídeos. O conteúdo da a entender que existem hoje 120 mil soldados na ativa no Exército brasileiro e que eles decidiram ignorar os comandantes empossados por Lula para seguir uma ordem do chefe do Estado-Maior do Exército, Fernando Sant’Ana, e prender Moraes. O número de militares da ativa no Exército, contudo, é bem maior do que os 120 mil – são 219.339. Além disso, o general Fernando Sant’Ana também assumiu o posto de chefe do Estado-Maior do Exercito no governo Lula, no dia 4 de abril de 2023.
General Décio Schons não descobriu esquema de propina, nem mandou afastar militares
Uma das figuras centrais dos vídeos é o general do Exército Décio Luís Schons, apresentado nas duas publicações como o chefe do setor de Inteligência do Exército, responsável por descobrir inúmeros casos de corrupção no Brasil nos sete meses de governo Lula e suposto autor de um pedido de afastamento de outros generais envolvidos em um esquema de recebimento de propinas. A alegação não faz o menor sentido, inclusive porque o general Décio não é da ativa, tampouco chefia o setor de Inteligência do Exército.
Décio Luís Schons foi cotado para assumir o comando do Exército em 2021, mas acabou preterido pelo então ministro da Defesa, Walter Braga Netto, que escolheu, no dia 31 de março daquele ano, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira para ocupar o posto. Como Paulo Sérgio Nogueira era mais novo do que Schons, este passou oficialmente à reserva.
Em sua conta no LinkedIn, Schons registra que foi general do Exército até maio de 2021. Em dezembro do ano passado, a Escola Preparatória de Cadetes do Exército o homenageou por sua despedida da ativa do Exército Brasileiro.
Mesmo quando esteve na ativa, Décio Luís Schons não chefiou o setor de Inteligência do Exército, diferentemente do que alegam os dois vídeos investigados, e não denunciou colegas militares ao Superior Tribunal Militar por recebimento de propina ou por desvio de recursos do orçamento da força. Ele foi chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) do Exército de 2017 até 2021, quando passou à reserva. Também integrou o Alto Comando do Exército e presidiu o Conselho de Administração da Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel).
O Aos Fatos também checou um conteúdo parecido.
Que esquema seria esse?
Parte dos vídeos parecem ser narradas usando aplicativos, e a argumentação é frequentemente confusa. Mas, em linhas gerais, o que o conteúdo tenta dizer é que generais do Exército Brasileiro integram um esquema de recebimento de milhões de reais em propina para que obriguem outros militares a cumprir ordens de ministros do STF, sobretudo de Moraes. Um os líderes do esquema – que, segundo os vídeos, chegou a receber malas com dinheiro vivo – seria o atual comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva.
Por cooptar militares a servirem e seguirem ordens do STF, o general teria sido condenado no STM a 30 anos de prisão pelo crime de traição. Não há qualquer registro dessa condenação. Em um dos vídeos, a narração chega a dizer que esse crime é punido com a morte pelo Código Penal Militar, o que é enganoso. De fato, o artigo 265 fala em pena de morte para os casos mais graves de traição, mas isso é válido para tempos de guerra. E, neste caso, seria considerado traição se um brasileiro pegasse em armas contra o Brasil ou Estado aliado, ou prestasse serviço nas forças armadas de uma nação em guerra contra o Brasil.
Em um trecho do video, o narrador chega a dizer que há acusações que deveriam ter sido investigadas pela Polícia Federal, mas que foram arquivadas pelo governo Lula. As investigações teriam sido conduzidas pelo ex-superintendente da PF de São Paulo, delegado Rodrigo Bartolomei, que teria acusado um ministro de desvio de verbas junto com Lula. A afirmação é vaga e não encontra base na realidade.
Rodrigo Bartolomei não fez acusações contra Lula. Ao pesquisar pelo nome dele associado ao de ministros, os resultados indicam reportagens citando dois ministros do governo de Jair Bolsonaro. Um deles é André Mendonça, dono de um celular que Bartolomei ajudou a recuperar em operação em uma favela no Rio de Janeiro. O outro é Milton Ribeiro, alvo de investigação da PF no âmbito do escândalo do MEC. Neste caso, Bartolomei não era o responsável pelo inquérito, e sim um dos delegados intimados a prestar depoimento na investigação que apurava suposta interferência da PF na operação contra Milton Ribeiro. O delegado que intimou os demais acabou afastado do caso.
Generais não foram condenados pelo STM, nem expulsos do Exército
Assim como a suposta investigação sobre pagamento de propinas é falsa, também não é verdade que o general Ribeiro Paiva e um de seus aliados, o general Kleber Nunes de Vasconcellos, do Comando Militar do Nordeste, tenham sido condenados pelo STM. O STM não respondeu aos pedidos de informação da reportagem, mas o Estadão Verifica buscou por processos envolvendo os dois generais na Justiça Militar: nenhum processo foi localizado mencionando o general Kleber Nunes de Vasconcellos, o que desmente a tese de que ele teria sido condenado a 15 anos de reclusão em uma prisão militar por desviar recursos do orçamento do Exército.
O nome do general Ribeiro Paiva também não aparece em nenhum processo sobre propina ou desvio de recursos públicos. Há apenas um resultado na Justiça Militar, de 25 de janeiro de 2023, com o nome dele. Na época, o advogado Carlos Alexandre Klomfahs entrou com uma petição junto ao STM solicitando que o Tribunal expedisse uma ordem para intervenção militar e determinasse que esta fosse cumprida pelos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica – daí porque Ribeiro Paiva, qu tinha acabado de ser nomeado comandante de Exercito, é citado no documento.
O advogado argumentava que o STM tinha legitimidade e competência para, diante de um “quadro fático que permitiria ‘inferir da imprescindibilidade de intervenção militar’, à luz do art. 142 da Constituição Federal de 1988″, conceder uma liminar para busca e apreensão/exibição do código fonte [das urnas] na Sede do Tribunal Superior Eleitoral”. O ministro do STM general Lúcio Mário de Barros Góes negou o pedido e afirmou que, além de o STM não ter competência para o caso, não vislumbrava “plausibilidade jurídica dos argumentos expostos” pelo autor da petição.
Ministro Lourival Carvalho não é relator de processos contra Moraes
Diferentemente do que dizem os vídeos, o ministro do STM Lourival Carvalho não é o relator de processos na Corte militar envolvendo Alexandre de Moraes. Uma busca pelo nome do ministro do STF entre processos no Superior Tribunal Militar retorna 17 resultados, entre pedidos de prisão, de impeachment e de suspensão de decisões tomadas por Moraes.
Nenhum deles tem o ministro Lourival Carvalho como relator – a maioria parte, dez deles, esteve sob a relatoria do ministro Artur Vidigal de Oliveira. Nenhum dos pedidos avançou no STM – todos foram negados, principalmente pelo fato de o STM não ter competência para julgar as ações.
Procurado, o STF informou nao ter nenhuma informação sobre investigações como as citadas nos vídeos, muito menos de pedidos de prisão.