O que estão compartilhando: que votos de três pessoas já falecidas foram computados para Lula nas eleições de 2022 em urnas de Camaçari (BA).
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. A mulher que aparece no vídeo afirma que a sogra (morta em 2011), o sogro (morto em 2016) e a mãe (morta em 2020) têm comprovantes de votação “no 13″ no segundo turno das eleições de 2022. O que ela exibe, contudo, não são comprovantes de votação, e sim páginas impressas a partir de um site chamado “Veja Seu Voto”, que não mostra em quem os eleitores votaram, como já publicou o Estadão Verifica no ano passado.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os títulos eleitorais de todas as pessoas já falecidas citadas no vídeo estão cancelados. Eles não votaram em 2022, nem nas eleições anteriores. “Os nomes delas também não constam no caderno de votação e nas urnas eletrônicas”, afirma o Tribunal.
Saiba mais: O site usado pela mulher que pede esclarecimentos no vídeo viral foi amplamente divulgado nas redes sociais no ano passado, após o segundo turno das eleições, e usado para tentar provar que eleitores que tinham votado em Jair Bolsonaro (PL), na verdade, estavam tendo seus votos computados a favor de Luiz Inácio Lula da Silva.
A ferramenta apenas pedia que a pessoa inserisse o número do CPF do eleitor em um campo de busca. O resultado seria uma espécie de comprovante de votação, indicando em quem o eleitor votou para Presidente da República, “segundo a base de dados do próprio TSE”, o que é falso. Agora, a mesma ferramenta é usada pela mulher que narra o vídeo investigado e que acumula mais de 8 mil interações no Facebook.
Títulos de eleitores falecidos foram cancelados
A mulher que aparece no vídeo não mostra o rosto, mas se identifica como Marlene. Ela diz morar em Camaçari (BA), afirma ter votado em Jair Bolsonaro (PL) e denuncia que seus sogros e sua mãe “ressuscitaram” para votar em Lula no segundo turno das eleições de 2022. Alguns pontos do vídeo já indicam que o material é uma fraude. O primeiro deles é o fato de o site “Veja seu Voto” prometer indicar em quem alguém votou – isso não é possível e já foi desmentido pelo Verifica no ano passado (leia mais abaixo).
O segundo ponto está no suposto local de votação da sogra de Marlene: ela mostra o que seria o “comprovante de votação” de Cleonice Evangelista Silva, que morreu em 1º de abril de 2011, e a cidade de votação: Barra do Jacuípe. Não existe, contudo, uma cidade com este nome na Bahia. Barra do Jacuípe é uma localidade que pertence a Camaçari e fica na costa do município baiano.
De acordo com o TSE, o título eleitoral de Cleonice está cancelado e, por isso mesmo, o nome dela não aparece nos cadernos de votação do TSE, nem na urna eletrônica. O mesmo acontece com Raimundo Garcez Silva, sogro de Marlene que morreu em 22 de maio de 2016, e Josefa Francisca de Oliveira, mãe de Marlene, que morreu em 22 de setembro de 2020.
No vídeo, Marlene também afirma que o voto dela “no 22″, ou seja, em Jair Bolsonaro, não foi computado. A prova seria o fato de aparecer a mensagem “não registrado” no site utilizado por ela. Não é possível dizer em quem Marlene votou, mas o TSE assegura que ela compareceu à votação e que não tem pendências.
“É falsa a informação de que a autora da gravação não teve o voto computado no segundo turno das Eleições 2022. Muito pelo contrário: ela compareceu aos dois turnos das Eleições 2022, está com título de eleitor regular e não possui nenhuma pendência com a Justiça Eleitoral”, diz nota do TSE.
O Estadão Verifica tentou localizar a autora do vídeo através do nome completo nas redes sociais, mas ela não foi encontrada.
Site usado no vídeo não revela voto e pode oferecer risco
No ano passado, sobretudo após o segundo turno das eleições, o site “Veja seu Voto” foi disseminado nas redes sociais como uma ferramenta que prometia revelar em quem uma pessoa tinha votado a partir do CPF. Isso é falso. Na época, o Estadão Verifica conversou com especialistas que explicaram que os dados que aparecem no site – nome, CPF e suposto local de votação – provavelmente vieram de grandes vazamentos de dados de brasileiros que aconteceram nos últimos anos, mas não de urnas eletrônicas, nem do portal de Dados Abertos do TSE.
Marcos Simplício, professor de Engenharia da Computação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador das áreas de cibersegurança e criptografia, não recomendou, inclusive, que as pessoas colocassem seu CPF no site, por questões de segurança.
O Verifica tentou acessar o site na tarde desta quinta-feira, 30, mas a página não estava mais disponível. Quando funcionava, havia uma abada chamada “Saiba mais” em que os criadores alegavam que os dados disponibilizados tinham sido extraídos das próprias urnas eletrônicas a partir da quebra de uma criptografia que protegia as informações, o que também é falso.
Urna eletrônica preserva o sigilo do voto
De acordo com Marcos Simplício, não havia sequer uma criptografia a ser quebrada para mostrar os dados de votação, porque eles são sigilosos e protegidos pela própria urna. Na prática, a urna não registra o voto diretamente vinculado ao nome do eleitor, de modo que nem mesmo a Justiça Eleitoral conseguiria refazer o caminho para apontar as escolhas do cidadão.
“Como os votos são gravados de forma embaralhada em um arquivo chamado Registro Digital do Voto (RDV), nem a própria Justiça Eleitoral detém essa informação porque não há como associar o nome da pessoa ao número digitado ou à candidatura escolhida pelo eleitorado”, explica o TSE.
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É possível, sim, auditar e realizar recontagem dos votos, ao contrário do que afirma vídeo