Não é verdade que o general da reserva Sérgio Etchegoyen tenha evitado uma "fraude total" nas eleições gerais de 2018, como alega um boato na internet de grande alcance nos últimos dias. Tanto o militar como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negaram a ocorrência de qualquer tipo de fraude. A postagem circula entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no Facebook, com o objetivo de colocar em dúvida a segurança do processo eleitoral no Brasil e questionar o voto eletrônico.
"Ninguém fala do general que evitou a fraude total nas eleições que elegeram o Bolsonaro", alega o conteúdo falso. "Sérgio Etchegoyen estava dentro do TSE no dia e na hora das apurações com toda a sua equipe técnica. Se não fosse o general Sérgio, Hadad (sic) já teria feito do Brasil uma Cuba ou Venezuela". A peça de desinformação contém erros de português e não cita nenhuma fonte, além de grafar errado o nome do adversário de Bolsonaro no segundo turno em 2018, Fernando Haddad (PT).
O general Etchegoyen foi ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, no governo de Michel Temer (MDB), entre 2016 e 2018, segundo arquivos do CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ele estava no cargo, portanto, na época das eleições que alçaram Jair Bolsonaro ao cargo de presidente da República.
Porém, não existe qualquer indício de que tenha evitado algum tipo de fraude na apuração dos votos. A informação foi negada tanto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quanto pelo próprio militar da reserva, em resposta ao Estadão Verifica. Notícias da época e documentos oficiais também desmentem a teoria.
De acordo com o TSE, em 25 anos de utilização da urna eletrônica no Brasil, não existe um caso sequer de fraude comprovada, em nenhuma etapa do processo eleitoral. Sobre o conteúdo em questão, o órgão máximo da Justiça Eleitoral afirma que é mais um exemplo de desinformação que circula nas redes.
Segundo o TSE, o general Sérgio Etchegoyen participou de reuniões e eventos do órgão e acompanhou a contabilização dos resultados das eleições de 2018. Mas ele descartou publicamente qualquer risco de fraude no sistema e chegou a participar de uma coletiva de imprensa e de um seminário internacional que abordaram a necessidade do combate às fake news sobre esse mesmo assunto.
Documentos da época corroboram esse posicionamento, entre eles uma nota publicada pela Agência Brasil, serviço de notícias vinculado ao governo federal, em 23 de outubro de 2018, cinco dias antes do segundo turno. Na ocasião, Etchegoyen declarou a jornalistas que confiava nas urnas eletrônicas e descartou qualquer risco de que os resultados fossem manipulados. "Não há nenhum elemento de urnas fraudadas", disse.
Um documento oficial do TSE, publicado no ano passado, mostra ainda que Etchegoyen fez parte de um "gabinete estratégico", convocado pelo Judiciário durante as eleições de 2018. O grupo era formado por integrantes da Justiça Eleitoral, do Supremo Tribunal Federal, da Procuradoria-Geral da República e da Ordem dos Advogados do Brasil, assim como ministros de Estado, assessores da Presidência e membros da Polícia Federal.
O grupo foi criado entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2018 e atuava contra a disseminação de notícias falsas sobre o processo eleitoral no Brasil, principalmente quanto à segurança das urnas eletrônicas. As reuniões foram realizadas entre os dias 15 e 29 de outubro daquele ano, no gabinete da ministra Rosa Weber, então presidente do TSE, em Brasília.
Em artigo publicado na coletânea "TSE nas eleições 2018: um registro da atuação do gabinete estratégico pelo olhar de seus integrantes", o ex-ministro Sérgio Etchegoyen afirma que existia uma "percepção equivocada e injusta" na sociedade de que o pleito estaria sob risco de fraude. Segundo o relato, tanto o primeiro quanto o segundo turno das eleições transcorreram "sem o registro de qualquer incidente" e "na mais absoluta tranquilidade".
Procurado pelo Estadão por e-mail, Etchegoyen disse que já se manifestou a respeito da questão em uma coluna da jornalista do UOL Carla Araújo e que "considera esclarecido" o assunto. Nesse artigo, publicado em 20 de maio, o ex-ministro "lamenta o fato de algumas montagens falsas com a foto dele e frases de que teria ajudado a evitar a volta do PT ao poder em 2018 estarem circulando nas redes". A descrição bate com o conteúdo aqui verificado.
Ele classifica a peça como uma informação falsa e reclama da atuação de uma "guerrilha digital", que estaria cometendo uma injustiça com a atuação da Corte, dos técnicos do TSE e da sua própria equipe "ao insinuar que todos se disporiam a uma conspiração que fosse além de cooperar para um processo eleitoral justo e confiável".
Jair Bolsonaro foi eleito presidente no segundo turno das eleições de 2018. A apuração dos votos ocorreu no mesmo dia da votação, em 28 de outubro, e o resultado já era matematicamente conhecido perto das 19h, com a contabilização de 100% das urnas às 23h. O candidato do PSL recebeu 55,13% dos votos válidos, contra 44,87% do petista Fernando Haddad.
Bolsonaro costuma dizer que teria provas de que venceu em primeiro turno, mas nunca as apresentou nas diversas vezes em que foi cobrado por jornalistas e mesmo publicamente pelo atual presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso. A Advocacia-Geral da União (AGU) também não mostrou as supostas evidências de fraude no pleito em duas ações movidas nas Justiças Estaduais de São Paulo e do Ceará.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.