É falso que remédios suramin e ivermectina eliminem vacina contra covid do corpo


Em vídeo de 2021 que voltou a circular nas redes, médico incentiva pais a não vacinarem crianças e espalha informações falsas sobre imunidade natural; procurado, ele defendeu novamente o uso de medicamentos após vacinação

Por Luciana Marschall
Atualização:

O que estão compartilhando: vídeo de uma palestra em que um médico afirma que as substâncias suramin e ivermectina eliminam a proteína S (spike) do corpo e podem ser usadas também para eliminar a vacina contra a covid-19. Ele diz ainda que a proteína é capaz de impedir a reparação do DNA.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Bayer — que produz o remédio antiparasitário suramin — e especialistas ouvidos pelo Verifica descartam o uso dos dois remédios em qualquer cenário associado à covid-19.

A Anvisa diz não haver “qualquer sentido lógico” ou evidência científica sobre necessidade de “limpeza” do corpo após a vacinação. Segundo a agência, a proteína S produzida em decorrência da imunização é deteriorada e eliminada. Vale reforçar que nem a covid, nem a vacina são capazes de alterar o DNA humano.

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Leitores solicitaram essa checagem ao Estadão Verifica pelo número de WhatsApp (11) 97683-7490.

Procurado pelo Verifica, Nasser afirmou não ter sido o responsável por ter republicado o vídeo e defendeu novamente o uso de suramin e ivermectina, além de chamar a vacina de “terapia genética”, outra afirmação falsa.

Não há necessidade de 'limpar' o organismo após vacinação. Foto: Reprodução/WhatsApp
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Saiba mais: No vídeo, o médico José Nasser afirma que o remédio suramin, fabricado pelo laboratório alemão Bayer, é capaz de restaurar uma mitocôndria (uma parte das células) destruída pela proteína S. Na realidade, essa proteína é uma estrutura existente no SARS-CoV-2, vírus que causa a covid, e é responsável por ligar o vírus à célula humana. Os imunizantes induzem a fabricação dessa proteína no corpo para o desenvolvimento de anticorpos (defesas) contra a doença. Como dito anteriormente, a proteína produzida a partir da vacina não permanece no corpo, sendo desintegrada e eliminada em pouco tempo.

O médico na palestra diz ainda que a ivermectina pode ser utilizada como uma espécie de antídoto à vacina. Segundo ele, o remédio antiparasitário quebra em três partes “toda proteína que você tiver jogado no teu sangue”. Isso também é falso (leia a explicação abaixo). Sobre as imagens há a legenda “saiba como eliminar a vacina do seu organismo”.

A gravação foi realizada em 14 de novembro de 2021, durante o 2º Congresso Conservador Liberdade e Democracia, em Santa Catarina, evento organizado pelo movimento “Vem Pra Direita Floripa”. A transmissão ao vivo da palestra ainda está disponível para consulta na página no Facebook do organizador. O médico José Nassar não respondeu à reportagem.

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Proteína S não altera o DNA

Como explica o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, nem a covid nem a vacina são capazes de destruir mitocôndrias ou alterar o DNA de uma pessoa. Ele acrescenta que não há nenhuma substância capaz de reconstruir uma mitocôndria ou outras organelas (estruturas) celulares. “Não existe isso. Quanto mais em alimentos ou substâncias como suramin e ivermectina, que sequer têm ação antiviral ou capacidade de reverter resultados de vacina ou de lesão celular”, afirmou.

Tanto especialistas quanto a Pfizer, que produz vacinas com tecnologia de RNA mensageiro, já explicaram anteriormente ao Estadão Verifica não haver alteração no DNA a partir da imunização.

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O RNA é uma molécula que atua na síntese de proteínas. Os imunizantes com a tecnologia de RNA mensageiro usam essas moléculas para levar às células humanas informações para que elas produzam a proteína S, que em seguida vai estimular a produção de anticorpos. Após completar a sua missão, a molécula de RNA existente na vacina se degrada e é expulsa do corpo.

Essa molécula introduzida pela vacina é baseada no código genético do coronavírus e não tem nenhuma interferência no código genético da pessoa imunizada. O nosso DNA está no núcleo das nossas células. Para que o RNA mensageiro se ligasse a ele, teria que passar pela membrana nuclear e, em seguida, atravessar um sistema de “chave e fechadura” para conseguir acessar o núcleo. Isso não seria possível, porque o RNA mensageiro existente na vacina não tem toda a informação genética viral.

O médico infectologista Celso Granato explica que não há integração da vacina com o DNA dos pacientes. “Nem o RNA se integra à proteína S. Quem poderia se integrar é o DNA, mas para isso o RNA da vacina teria que ter um processo de retroversão, passar de RNA para DNA, o que nunca se demonstrou que acontecesse”.

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Suramin não tem indicação contra covid

O suramin, citado no vídeo, é um composto criado em 1916 pela Bayer. Foi o primeiro medicamento eficaz para o tratamento de Tripanossomíase Humana Africana, conhecida como doença do sono, que ocorre na África equatorial. O remédio é um derivado da ureia incolor e inodoro. Desde 1979, consta na Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde (OMS).

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A Bayer informa que o antiparasitário também é utilizado para tratar outras doenças tropicais, como a doença de Chagas, a teníase e a oncocercose, mas não há qualquer indicação em bula para uso relacionado à covid-19. O medicamento sequer é comercializado pela empresa no Brasil, o que foi confirmado pela Anvisa.

A alegação de que o suramin pode ser adotado para eliminação da proteína S já foi desmentida por outras agências de checagem dentro e fora do País (LeadStories, USA Today, Observador e Lupa).

Ivermectina não tem ação contra coronavírus

O uso da ivermectina em qualquer contexto relacionado à covid-19 foi amplamente descartado. A substância não está entre os medicamentos listados pela Anvisa para tratamento da doença.

De acordo com o órgão, a ivermectina só tem indicação aprovada para o tratamento de condições causadas por vermes ou parasitas, como elefantíase, lombriga e sarna. “Não há qualquer indicação aprovada pela Anvisa para uso da ivermectina em quadros diferentes”, afirma a agência.

A recomendação original de uso da ivermectina presente em bula é voltada para tratamento de infecções causadas por parasitas Foto: Prefeitura de Itajaí

Pesquisa citada por médico teve erro que tornou os resultados comprometidos

Na palestra, Nasser cita um trabalho sueco recente que demonstraria que a proteína S se integra ao DNA e bloqueia sua reparação. O médico diz que isso indicaria que os imunizantes têm genotoxicidade e carcinogenicidade, ou seja, uma capacidade de induzirem alterações no material genético e de causar câncer. “Esse artigo mostra detalhadamente como a proteína S é capaz de impedir a reparação do DNA, que precisa ser feita o tempo todo porque, senão, nós temos infelizmente o câncer”. declara.

A reportagem perguntou a qual estudo Nasser se referia, mas ele não respondeu. As referências dadas por ele durante o discurso levam à uma pesquisa publicada na revista Viruses em outubro de 2021, pouco antes da palestra, por pesquisadores da Universidade de Estocolmo e da Universidade de Umeå, da Suécia.

Ocorre que o artigo foi removido da revista em 2022 porque um dos autores constatou que ele possuía um desenho experimental impróprio. Ou seja, a estrutura que guiou a coleta de dados e a análise estatística estava errada. Portanto, as conclusões da pesquisa não são válidas.

Crianças devem ser vacinadas

Durante a palestra, o médico pede que as pessoas “não injetem os seus filhos por nada”, mas a recomendação dos órgãos de saúde continua sendo a vacinação desta faixa etária, como demonstrou recentemente o Verifica (aqui e aqui). De acordo com a Anvisa, todas as vacinas autorizadas para uso no Brasil cumpriram com todos os requisitos de comprovação científica de sua segurança e eficácia, inclusive para este público.

A covid-19 em crianças e adolescentes é caracterizada pelo desenvolvimento de quadros clínicos mais leves quando comparada aos adultos, mas essa população não está isenta de apresentar formas graves e letais da doença. Conforme o governo federal, o benefício da vacinação contra a covid-19 em crianças foi avaliado em estudos que demonstraram que os imunizantes tiveram o seu papel protetor na redução de desfechos graves entre os vacinados.

Kfouri lembra que atualmente as crianças são o segundo grupo que mais se hospitaliza por covid-19, atrás apenas dos idosos. “Crianças nos primeiros dois anos de vida, em especial, são hospitalizadas, faltam escola, usam antibiótico por conta da covid, têm covid longa, tem síndrome inflamatória como complicação de covid, então temos razões de sobra para recomendar a vacinação de criança e, consequentemente, introduzir os imunizantes no calendário de vacinação”, disse.

Anvisa destaca que todas as vacinas autorizadas para uso no Brasil cumpriram com todos os requisitos de comprovação científica. Foto: Tiago Queiroz

Imunidade natural não é eterna

Outra alegação falsa feita pelo médico no vídeo é de que as pessoas já infectadas pelo vírus estão imunes para toda a vida. De acordo com a Anvisa, não é possível fazer essa afirmação, tendo em vista que o vírus possui variantes e mutações capazes de provocar novas infecções, em um processo semelhante ao que ocorre com o vírus da influenza.

“Essa é uma das lições aprendidas com a covid, especialmente depois da Ômicron, que mudou esse paradigma de que reinfecções eram possíveis, mas raras. O que a gente aprendeu é que a grande maioria das pessoas se reinfectam ao longo da vida, a exemplo da gripe”, disse Kfouri.

Ele destaca que um ponto considerado positivo é que as vacinas e as infecções naturais também promovem um acúmulo da resposta imune, construída ao longo de várias doses de imunizante e de exposição ao vírus. Essa resposta é chamada de imunidade híbrida. “É uma resposta celular duradoura que faz com que mesmo que você não tenha anticorpos suficientes para te prevenir da infecção, essas células de memória te protegem da evolução para os desfechos mais graves”, explicou.

Granato destaca que o vírus ainda está em processo de adaptação à espécie humana. Por isso, cada vez que sofre uma mutação a infecção que alguém teve anteriormente não a protege mais. “Existem algumas doenças que se você pegar você não pega de novo, ou porque você foi vacinado, ou porque você já teve a doença, mas são vírus estáveis do ponto de vista genético. Isso não é o que acontece com a covid. Ele é um vírus que sofre muitas mutações e, infelizmente, a gente vai ter que vacinar contra cada uma dessas mutações, ou então você pode pegar de novo”, afirmou.

Vacinas são seguras e eficazes

A Anvisa destaca que todos os dados do uso das vacinas contra covid-19 no Brasil disponíveis até o momento apontam para benefícios superiores aos riscos. O monitoramento da agência demonstra que a maioria dos eventos identificados são não graves. Normalmente estão relacionados a efeitos no local da aplicação, como dor e inchaço, ou eventos de curta duração, como ocorrência de febre e indisposição.

Os dados das pesquisas clínicas, bem como os dados da doença, demonstram uma correlação clara entre a introdução da vacinação contra covid e a redução dos casos graves e óbitos provocados pelo coronavírus.

Médico já teve outras alegações sobre a vacina desmentidas

O Estadão Verifica e o Projeto Comprova, do qual o Estadão faz parte, desmentiram outros conteúdos de Nasser. Por exemplo, ele usou um argumento enganoso ao fazer campanha contra vacinação de crianças, afirmou falsamente que um estudo comprova que vacinados contra a covid contraíram Aids e usou dados deturpados para dizer que vacina causou abortos.

O que estão compartilhando: vídeo de uma palestra em que um médico afirma que as substâncias suramin e ivermectina eliminam a proteína S (spike) do corpo e podem ser usadas também para eliminar a vacina contra a covid-19. Ele diz ainda que a proteína é capaz de impedir a reparação do DNA.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Bayer — que produz o remédio antiparasitário suramin — e especialistas ouvidos pelo Verifica descartam o uso dos dois remédios em qualquer cenário associado à covid-19.

A Anvisa diz não haver “qualquer sentido lógico” ou evidência científica sobre necessidade de “limpeza” do corpo após a vacinação. Segundo a agência, a proteína S produzida em decorrência da imunização é deteriorada e eliminada. Vale reforçar que nem a covid, nem a vacina são capazes de alterar o DNA humano.

Leitores solicitaram essa checagem ao Estadão Verifica pelo número de WhatsApp (11) 97683-7490.

Procurado pelo Verifica, Nasser afirmou não ter sido o responsável por ter republicado o vídeo e defendeu novamente o uso de suramin e ivermectina, além de chamar a vacina de “terapia genética”, outra afirmação falsa.

Não há necessidade de 'limpar' o organismo após vacinação. Foto: Reprodução/WhatsApp

Saiba mais: No vídeo, o médico José Nasser afirma que o remédio suramin, fabricado pelo laboratório alemão Bayer, é capaz de restaurar uma mitocôndria (uma parte das células) destruída pela proteína S. Na realidade, essa proteína é uma estrutura existente no SARS-CoV-2, vírus que causa a covid, e é responsável por ligar o vírus à célula humana. Os imunizantes induzem a fabricação dessa proteína no corpo para o desenvolvimento de anticorpos (defesas) contra a doença. Como dito anteriormente, a proteína produzida a partir da vacina não permanece no corpo, sendo desintegrada e eliminada em pouco tempo.

O médico na palestra diz ainda que a ivermectina pode ser utilizada como uma espécie de antídoto à vacina. Segundo ele, o remédio antiparasitário quebra em três partes “toda proteína que você tiver jogado no teu sangue”. Isso também é falso (leia a explicação abaixo). Sobre as imagens há a legenda “saiba como eliminar a vacina do seu organismo”.

A gravação foi realizada em 14 de novembro de 2021, durante o 2º Congresso Conservador Liberdade e Democracia, em Santa Catarina, evento organizado pelo movimento “Vem Pra Direita Floripa”. A transmissão ao vivo da palestra ainda está disponível para consulta na página no Facebook do organizador. O médico José Nassar não respondeu à reportagem.

Proteína S não altera o DNA

Como explica o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, nem a covid nem a vacina são capazes de destruir mitocôndrias ou alterar o DNA de uma pessoa. Ele acrescenta que não há nenhuma substância capaz de reconstruir uma mitocôndria ou outras organelas (estruturas) celulares. “Não existe isso. Quanto mais em alimentos ou substâncias como suramin e ivermectina, que sequer têm ação antiviral ou capacidade de reverter resultados de vacina ou de lesão celular”, afirmou.

Tanto especialistas quanto a Pfizer, que produz vacinas com tecnologia de RNA mensageiro, já explicaram anteriormente ao Estadão Verifica não haver alteração no DNA a partir da imunização.

O RNA é uma molécula que atua na síntese de proteínas. Os imunizantes com a tecnologia de RNA mensageiro usam essas moléculas para levar às células humanas informações para que elas produzam a proteína S, que em seguida vai estimular a produção de anticorpos. Após completar a sua missão, a molécula de RNA existente na vacina se degrada e é expulsa do corpo.

Essa molécula introduzida pela vacina é baseada no código genético do coronavírus e não tem nenhuma interferência no código genético da pessoa imunizada. O nosso DNA está no núcleo das nossas células. Para que o RNA mensageiro se ligasse a ele, teria que passar pela membrana nuclear e, em seguida, atravessar um sistema de “chave e fechadura” para conseguir acessar o núcleo. Isso não seria possível, porque o RNA mensageiro existente na vacina não tem toda a informação genética viral.

O médico infectologista Celso Granato explica que não há integração da vacina com o DNA dos pacientes. “Nem o RNA se integra à proteína S. Quem poderia se integrar é o DNA, mas para isso o RNA da vacina teria que ter um processo de retroversão, passar de RNA para DNA, o que nunca se demonstrou que acontecesse”.

Suramin não tem indicação contra covid

O suramin, citado no vídeo, é um composto criado em 1916 pela Bayer. Foi o primeiro medicamento eficaz para o tratamento de Tripanossomíase Humana Africana, conhecida como doença do sono, que ocorre na África equatorial. O remédio é um derivado da ureia incolor e inodoro. Desde 1979, consta na Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A Bayer informa que o antiparasitário também é utilizado para tratar outras doenças tropicais, como a doença de Chagas, a teníase e a oncocercose, mas não há qualquer indicação em bula para uso relacionado à covid-19. O medicamento sequer é comercializado pela empresa no Brasil, o que foi confirmado pela Anvisa.

A alegação de que o suramin pode ser adotado para eliminação da proteína S já foi desmentida por outras agências de checagem dentro e fora do País (LeadStories, USA Today, Observador e Lupa).

Ivermectina não tem ação contra coronavírus

O uso da ivermectina em qualquer contexto relacionado à covid-19 foi amplamente descartado. A substância não está entre os medicamentos listados pela Anvisa para tratamento da doença.

De acordo com o órgão, a ivermectina só tem indicação aprovada para o tratamento de condições causadas por vermes ou parasitas, como elefantíase, lombriga e sarna. “Não há qualquer indicação aprovada pela Anvisa para uso da ivermectina em quadros diferentes”, afirma a agência.

A recomendação original de uso da ivermectina presente em bula é voltada para tratamento de infecções causadas por parasitas Foto: Prefeitura de Itajaí

Pesquisa citada por médico teve erro que tornou os resultados comprometidos

Na palestra, Nasser cita um trabalho sueco recente que demonstraria que a proteína S se integra ao DNA e bloqueia sua reparação. O médico diz que isso indicaria que os imunizantes têm genotoxicidade e carcinogenicidade, ou seja, uma capacidade de induzirem alterações no material genético e de causar câncer. “Esse artigo mostra detalhadamente como a proteína S é capaz de impedir a reparação do DNA, que precisa ser feita o tempo todo porque, senão, nós temos infelizmente o câncer”. declara.

A reportagem perguntou a qual estudo Nasser se referia, mas ele não respondeu. As referências dadas por ele durante o discurso levam à uma pesquisa publicada na revista Viruses em outubro de 2021, pouco antes da palestra, por pesquisadores da Universidade de Estocolmo e da Universidade de Umeå, da Suécia.

Ocorre que o artigo foi removido da revista em 2022 porque um dos autores constatou que ele possuía um desenho experimental impróprio. Ou seja, a estrutura que guiou a coleta de dados e a análise estatística estava errada. Portanto, as conclusões da pesquisa não são válidas.

Crianças devem ser vacinadas

Durante a palestra, o médico pede que as pessoas “não injetem os seus filhos por nada”, mas a recomendação dos órgãos de saúde continua sendo a vacinação desta faixa etária, como demonstrou recentemente o Verifica (aqui e aqui). De acordo com a Anvisa, todas as vacinas autorizadas para uso no Brasil cumpriram com todos os requisitos de comprovação científica de sua segurança e eficácia, inclusive para este público.

A covid-19 em crianças e adolescentes é caracterizada pelo desenvolvimento de quadros clínicos mais leves quando comparada aos adultos, mas essa população não está isenta de apresentar formas graves e letais da doença. Conforme o governo federal, o benefício da vacinação contra a covid-19 em crianças foi avaliado em estudos que demonstraram que os imunizantes tiveram o seu papel protetor na redução de desfechos graves entre os vacinados.

Kfouri lembra que atualmente as crianças são o segundo grupo que mais se hospitaliza por covid-19, atrás apenas dos idosos. “Crianças nos primeiros dois anos de vida, em especial, são hospitalizadas, faltam escola, usam antibiótico por conta da covid, têm covid longa, tem síndrome inflamatória como complicação de covid, então temos razões de sobra para recomendar a vacinação de criança e, consequentemente, introduzir os imunizantes no calendário de vacinação”, disse.

Anvisa destaca que todas as vacinas autorizadas para uso no Brasil cumpriram com todos os requisitos de comprovação científica. Foto: Tiago Queiroz

Imunidade natural não é eterna

Outra alegação falsa feita pelo médico no vídeo é de que as pessoas já infectadas pelo vírus estão imunes para toda a vida. De acordo com a Anvisa, não é possível fazer essa afirmação, tendo em vista que o vírus possui variantes e mutações capazes de provocar novas infecções, em um processo semelhante ao que ocorre com o vírus da influenza.

“Essa é uma das lições aprendidas com a covid, especialmente depois da Ômicron, que mudou esse paradigma de que reinfecções eram possíveis, mas raras. O que a gente aprendeu é que a grande maioria das pessoas se reinfectam ao longo da vida, a exemplo da gripe”, disse Kfouri.

Ele destaca que um ponto considerado positivo é que as vacinas e as infecções naturais também promovem um acúmulo da resposta imune, construída ao longo de várias doses de imunizante e de exposição ao vírus. Essa resposta é chamada de imunidade híbrida. “É uma resposta celular duradoura que faz com que mesmo que você não tenha anticorpos suficientes para te prevenir da infecção, essas células de memória te protegem da evolução para os desfechos mais graves”, explicou.

Granato destaca que o vírus ainda está em processo de adaptação à espécie humana. Por isso, cada vez que sofre uma mutação a infecção que alguém teve anteriormente não a protege mais. “Existem algumas doenças que se você pegar você não pega de novo, ou porque você foi vacinado, ou porque você já teve a doença, mas são vírus estáveis do ponto de vista genético. Isso não é o que acontece com a covid. Ele é um vírus que sofre muitas mutações e, infelizmente, a gente vai ter que vacinar contra cada uma dessas mutações, ou então você pode pegar de novo”, afirmou.

Vacinas são seguras e eficazes

A Anvisa destaca que todos os dados do uso das vacinas contra covid-19 no Brasil disponíveis até o momento apontam para benefícios superiores aos riscos. O monitoramento da agência demonstra que a maioria dos eventos identificados são não graves. Normalmente estão relacionados a efeitos no local da aplicação, como dor e inchaço, ou eventos de curta duração, como ocorrência de febre e indisposição.

Os dados das pesquisas clínicas, bem como os dados da doença, demonstram uma correlação clara entre a introdução da vacinação contra covid e a redução dos casos graves e óbitos provocados pelo coronavírus.

Médico já teve outras alegações sobre a vacina desmentidas

O Estadão Verifica e o Projeto Comprova, do qual o Estadão faz parte, desmentiram outros conteúdos de Nasser. Por exemplo, ele usou um argumento enganoso ao fazer campanha contra vacinação de crianças, afirmou falsamente que um estudo comprova que vacinados contra a covid contraíram Aids e usou dados deturpados para dizer que vacina causou abortos.

O que estão compartilhando: vídeo de uma palestra em que um médico afirma que as substâncias suramin e ivermectina eliminam a proteína S (spike) do corpo e podem ser usadas também para eliminar a vacina contra a covid-19. Ele diz ainda que a proteína é capaz de impedir a reparação do DNA.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Bayer — que produz o remédio antiparasitário suramin — e especialistas ouvidos pelo Verifica descartam o uso dos dois remédios em qualquer cenário associado à covid-19.

A Anvisa diz não haver “qualquer sentido lógico” ou evidência científica sobre necessidade de “limpeza” do corpo após a vacinação. Segundo a agência, a proteína S produzida em decorrência da imunização é deteriorada e eliminada. Vale reforçar que nem a covid, nem a vacina são capazes de alterar o DNA humano.

Leitores solicitaram essa checagem ao Estadão Verifica pelo número de WhatsApp (11) 97683-7490.

Procurado pelo Verifica, Nasser afirmou não ter sido o responsável por ter republicado o vídeo e defendeu novamente o uso de suramin e ivermectina, além de chamar a vacina de “terapia genética”, outra afirmação falsa.

Não há necessidade de 'limpar' o organismo após vacinação. Foto: Reprodução/WhatsApp

Saiba mais: No vídeo, o médico José Nasser afirma que o remédio suramin, fabricado pelo laboratório alemão Bayer, é capaz de restaurar uma mitocôndria (uma parte das células) destruída pela proteína S. Na realidade, essa proteína é uma estrutura existente no SARS-CoV-2, vírus que causa a covid, e é responsável por ligar o vírus à célula humana. Os imunizantes induzem a fabricação dessa proteína no corpo para o desenvolvimento de anticorpos (defesas) contra a doença. Como dito anteriormente, a proteína produzida a partir da vacina não permanece no corpo, sendo desintegrada e eliminada em pouco tempo.

O médico na palestra diz ainda que a ivermectina pode ser utilizada como uma espécie de antídoto à vacina. Segundo ele, o remédio antiparasitário quebra em três partes “toda proteína que você tiver jogado no teu sangue”. Isso também é falso (leia a explicação abaixo). Sobre as imagens há a legenda “saiba como eliminar a vacina do seu organismo”.

A gravação foi realizada em 14 de novembro de 2021, durante o 2º Congresso Conservador Liberdade e Democracia, em Santa Catarina, evento organizado pelo movimento “Vem Pra Direita Floripa”. A transmissão ao vivo da palestra ainda está disponível para consulta na página no Facebook do organizador. O médico José Nassar não respondeu à reportagem.

Proteína S não altera o DNA

Como explica o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, nem a covid nem a vacina são capazes de destruir mitocôndrias ou alterar o DNA de uma pessoa. Ele acrescenta que não há nenhuma substância capaz de reconstruir uma mitocôndria ou outras organelas (estruturas) celulares. “Não existe isso. Quanto mais em alimentos ou substâncias como suramin e ivermectina, que sequer têm ação antiviral ou capacidade de reverter resultados de vacina ou de lesão celular”, afirmou.

Tanto especialistas quanto a Pfizer, que produz vacinas com tecnologia de RNA mensageiro, já explicaram anteriormente ao Estadão Verifica não haver alteração no DNA a partir da imunização.

O RNA é uma molécula que atua na síntese de proteínas. Os imunizantes com a tecnologia de RNA mensageiro usam essas moléculas para levar às células humanas informações para que elas produzam a proteína S, que em seguida vai estimular a produção de anticorpos. Após completar a sua missão, a molécula de RNA existente na vacina se degrada e é expulsa do corpo.

Essa molécula introduzida pela vacina é baseada no código genético do coronavírus e não tem nenhuma interferência no código genético da pessoa imunizada. O nosso DNA está no núcleo das nossas células. Para que o RNA mensageiro se ligasse a ele, teria que passar pela membrana nuclear e, em seguida, atravessar um sistema de “chave e fechadura” para conseguir acessar o núcleo. Isso não seria possível, porque o RNA mensageiro existente na vacina não tem toda a informação genética viral.

O médico infectologista Celso Granato explica que não há integração da vacina com o DNA dos pacientes. “Nem o RNA se integra à proteína S. Quem poderia se integrar é o DNA, mas para isso o RNA da vacina teria que ter um processo de retroversão, passar de RNA para DNA, o que nunca se demonstrou que acontecesse”.

Suramin não tem indicação contra covid

O suramin, citado no vídeo, é um composto criado em 1916 pela Bayer. Foi o primeiro medicamento eficaz para o tratamento de Tripanossomíase Humana Africana, conhecida como doença do sono, que ocorre na África equatorial. O remédio é um derivado da ureia incolor e inodoro. Desde 1979, consta na Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A Bayer informa que o antiparasitário também é utilizado para tratar outras doenças tropicais, como a doença de Chagas, a teníase e a oncocercose, mas não há qualquer indicação em bula para uso relacionado à covid-19. O medicamento sequer é comercializado pela empresa no Brasil, o que foi confirmado pela Anvisa.

A alegação de que o suramin pode ser adotado para eliminação da proteína S já foi desmentida por outras agências de checagem dentro e fora do País (LeadStories, USA Today, Observador e Lupa).

Ivermectina não tem ação contra coronavírus

O uso da ivermectina em qualquer contexto relacionado à covid-19 foi amplamente descartado. A substância não está entre os medicamentos listados pela Anvisa para tratamento da doença.

De acordo com o órgão, a ivermectina só tem indicação aprovada para o tratamento de condições causadas por vermes ou parasitas, como elefantíase, lombriga e sarna. “Não há qualquer indicação aprovada pela Anvisa para uso da ivermectina em quadros diferentes”, afirma a agência.

A recomendação original de uso da ivermectina presente em bula é voltada para tratamento de infecções causadas por parasitas Foto: Prefeitura de Itajaí

Pesquisa citada por médico teve erro que tornou os resultados comprometidos

Na palestra, Nasser cita um trabalho sueco recente que demonstraria que a proteína S se integra ao DNA e bloqueia sua reparação. O médico diz que isso indicaria que os imunizantes têm genotoxicidade e carcinogenicidade, ou seja, uma capacidade de induzirem alterações no material genético e de causar câncer. “Esse artigo mostra detalhadamente como a proteína S é capaz de impedir a reparação do DNA, que precisa ser feita o tempo todo porque, senão, nós temos infelizmente o câncer”. declara.

A reportagem perguntou a qual estudo Nasser se referia, mas ele não respondeu. As referências dadas por ele durante o discurso levam à uma pesquisa publicada na revista Viruses em outubro de 2021, pouco antes da palestra, por pesquisadores da Universidade de Estocolmo e da Universidade de Umeå, da Suécia.

Ocorre que o artigo foi removido da revista em 2022 porque um dos autores constatou que ele possuía um desenho experimental impróprio. Ou seja, a estrutura que guiou a coleta de dados e a análise estatística estava errada. Portanto, as conclusões da pesquisa não são válidas.

Crianças devem ser vacinadas

Durante a palestra, o médico pede que as pessoas “não injetem os seus filhos por nada”, mas a recomendação dos órgãos de saúde continua sendo a vacinação desta faixa etária, como demonstrou recentemente o Verifica (aqui e aqui). De acordo com a Anvisa, todas as vacinas autorizadas para uso no Brasil cumpriram com todos os requisitos de comprovação científica de sua segurança e eficácia, inclusive para este público.

A covid-19 em crianças e adolescentes é caracterizada pelo desenvolvimento de quadros clínicos mais leves quando comparada aos adultos, mas essa população não está isenta de apresentar formas graves e letais da doença. Conforme o governo federal, o benefício da vacinação contra a covid-19 em crianças foi avaliado em estudos que demonstraram que os imunizantes tiveram o seu papel protetor na redução de desfechos graves entre os vacinados.

Kfouri lembra que atualmente as crianças são o segundo grupo que mais se hospitaliza por covid-19, atrás apenas dos idosos. “Crianças nos primeiros dois anos de vida, em especial, são hospitalizadas, faltam escola, usam antibiótico por conta da covid, têm covid longa, tem síndrome inflamatória como complicação de covid, então temos razões de sobra para recomendar a vacinação de criança e, consequentemente, introduzir os imunizantes no calendário de vacinação”, disse.

Anvisa destaca que todas as vacinas autorizadas para uso no Brasil cumpriram com todos os requisitos de comprovação científica. Foto: Tiago Queiroz

Imunidade natural não é eterna

Outra alegação falsa feita pelo médico no vídeo é de que as pessoas já infectadas pelo vírus estão imunes para toda a vida. De acordo com a Anvisa, não é possível fazer essa afirmação, tendo em vista que o vírus possui variantes e mutações capazes de provocar novas infecções, em um processo semelhante ao que ocorre com o vírus da influenza.

“Essa é uma das lições aprendidas com a covid, especialmente depois da Ômicron, que mudou esse paradigma de que reinfecções eram possíveis, mas raras. O que a gente aprendeu é que a grande maioria das pessoas se reinfectam ao longo da vida, a exemplo da gripe”, disse Kfouri.

Ele destaca que um ponto considerado positivo é que as vacinas e as infecções naturais também promovem um acúmulo da resposta imune, construída ao longo de várias doses de imunizante e de exposição ao vírus. Essa resposta é chamada de imunidade híbrida. “É uma resposta celular duradoura que faz com que mesmo que você não tenha anticorpos suficientes para te prevenir da infecção, essas células de memória te protegem da evolução para os desfechos mais graves”, explicou.

Granato destaca que o vírus ainda está em processo de adaptação à espécie humana. Por isso, cada vez que sofre uma mutação a infecção que alguém teve anteriormente não a protege mais. “Existem algumas doenças que se você pegar você não pega de novo, ou porque você foi vacinado, ou porque você já teve a doença, mas são vírus estáveis do ponto de vista genético. Isso não é o que acontece com a covid. Ele é um vírus que sofre muitas mutações e, infelizmente, a gente vai ter que vacinar contra cada uma dessas mutações, ou então você pode pegar de novo”, afirmou.

Vacinas são seguras e eficazes

A Anvisa destaca que todos os dados do uso das vacinas contra covid-19 no Brasil disponíveis até o momento apontam para benefícios superiores aos riscos. O monitoramento da agência demonstra que a maioria dos eventos identificados são não graves. Normalmente estão relacionados a efeitos no local da aplicação, como dor e inchaço, ou eventos de curta duração, como ocorrência de febre e indisposição.

Os dados das pesquisas clínicas, bem como os dados da doença, demonstram uma correlação clara entre a introdução da vacinação contra covid e a redução dos casos graves e óbitos provocados pelo coronavírus.

Médico já teve outras alegações sobre a vacina desmentidas

O Estadão Verifica e o Projeto Comprova, do qual o Estadão faz parte, desmentiram outros conteúdos de Nasser. Por exemplo, ele usou um argumento enganoso ao fazer campanha contra vacinação de crianças, afirmou falsamente que um estudo comprova que vacinados contra a covid contraíram Aids e usou dados deturpados para dizer que vacina causou abortos.

O que estão compartilhando: vídeo de uma palestra em que um médico afirma que as substâncias suramin e ivermectina eliminam a proteína S (spike) do corpo e podem ser usadas também para eliminar a vacina contra a covid-19. Ele diz ainda que a proteína é capaz de impedir a reparação do DNA.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Bayer — que produz o remédio antiparasitário suramin — e especialistas ouvidos pelo Verifica descartam o uso dos dois remédios em qualquer cenário associado à covid-19.

A Anvisa diz não haver “qualquer sentido lógico” ou evidência científica sobre necessidade de “limpeza” do corpo após a vacinação. Segundo a agência, a proteína S produzida em decorrência da imunização é deteriorada e eliminada. Vale reforçar que nem a covid, nem a vacina são capazes de alterar o DNA humano.

Leitores solicitaram essa checagem ao Estadão Verifica pelo número de WhatsApp (11) 97683-7490.

Procurado pelo Verifica, Nasser afirmou não ter sido o responsável por ter republicado o vídeo e defendeu novamente o uso de suramin e ivermectina, além de chamar a vacina de “terapia genética”, outra afirmação falsa.

Não há necessidade de 'limpar' o organismo após vacinação. Foto: Reprodução/WhatsApp

Saiba mais: No vídeo, o médico José Nasser afirma que o remédio suramin, fabricado pelo laboratório alemão Bayer, é capaz de restaurar uma mitocôndria (uma parte das células) destruída pela proteína S. Na realidade, essa proteína é uma estrutura existente no SARS-CoV-2, vírus que causa a covid, e é responsável por ligar o vírus à célula humana. Os imunizantes induzem a fabricação dessa proteína no corpo para o desenvolvimento de anticorpos (defesas) contra a doença. Como dito anteriormente, a proteína produzida a partir da vacina não permanece no corpo, sendo desintegrada e eliminada em pouco tempo.

O médico na palestra diz ainda que a ivermectina pode ser utilizada como uma espécie de antídoto à vacina. Segundo ele, o remédio antiparasitário quebra em três partes “toda proteína que você tiver jogado no teu sangue”. Isso também é falso (leia a explicação abaixo). Sobre as imagens há a legenda “saiba como eliminar a vacina do seu organismo”.

A gravação foi realizada em 14 de novembro de 2021, durante o 2º Congresso Conservador Liberdade e Democracia, em Santa Catarina, evento organizado pelo movimento “Vem Pra Direita Floripa”. A transmissão ao vivo da palestra ainda está disponível para consulta na página no Facebook do organizador. O médico José Nassar não respondeu à reportagem.

Proteína S não altera o DNA

Como explica o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, nem a covid nem a vacina são capazes de destruir mitocôndrias ou alterar o DNA de uma pessoa. Ele acrescenta que não há nenhuma substância capaz de reconstruir uma mitocôndria ou outras organelas (estruturas) celulares. “Não existe isso. Quanto mais em alimentos ou substâncias como suramin e ivermectina, que sequer têm ação antiviral ou capacidade de reverter resultados de vacina ou de lesão celular”, afirmou.

Tanto especialistas quanto a Pfizer, que produz vacinas com tecnologia de RNA mensageiro, já explicaram anteriormente ao Estadão Verifica não haver alteração no DNA a partir da imunização.

O RNA é uma molécula que atua na síntese de proteínas. Os imunizantes com a tecnologia de RNA mensageiro usam essas moléculas para levar às células humanas informações para que elas produzam a proteína S, que em seguida vai estimular a produção de anticorpos. Após completar a sua missão, a molécula de RNA existente na vacina se degrada e é expulsa do corpo.

Essa molécula introduzida pela vacina é baseada no código genético do coronavírus e não tem nenhuma interferência no código genético da pessoa imunizada. O nosso DNA está no núcleo das nossas células. Para que o RNA mensageiro se ligasse a ele, teria que passar pela membrana nuclear e, em seguida, atravessar um sistema de “chave e fechadura” para conseguir acessar o núcleo. Isso não seria possível, porque o RNA mensageiro existente na vacina não tem toda a informação genética viral.

O médico infectologista Celso Granato explica que não há integração da vacina com o DNA dos pacientes. “Nem o RNA se integra à proteína S. Quem poderia se integrar é o DNA, mas para isso o RNA da vacina teria que ter um processo de retroversão, passar de RNA para DNA, o que nunca se demonstrou que acontecesse”.

Suramin não tem indicação contra covid

O suramin, citado no vídeo, é um composto criado em 1916 pela Bayer. Foi o primeiro medicamento eficaz para o tratamento de Tripanossomíase Humana Africana, conhecida como doença do sono, que ocorre na África equatorial. O remédio é um derivado da ureia incolor e inodoro. Desde 1979, consta na Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A Bayer informa que o antiparasitário também é utilizado para tratar outras doenças tropicais, como a doença de Chagas, a teníase e a oncocercose, mas não há qualquer indicação em bula para uso relacionado à covid-19. O medicamento sequer é comercializado pela empresa no Brasil, o que foi confirmado pela Anvisa.

A alegação de que o suramin pode ser adotado para eliminação da proteína S já foi desmentida por outras agências de checagem dentro e fora do País (LeadStories, USA Today, Observador e Lupa).

Ivermectina não tem ação contra coronavírus

O uso da ivermectina em qualquer contexto relacionado à covid-19 foi amplamente descartado. A substância não está entre os medicamentos listados pela Anvisa para tratamento da doença.

De acordo com o órgão, a ivermectina só tem indicação aprovada para o tratamento de condições causadas por vermes ou parasitas, como elefantíase, lombriga e sarna. “Não há qualquer indicação aprovada pela Anvisa para uso da ivermectina em quadros diferentes”, afirma a agência.

A recomendação original de uso da ivermectina presente em bula é voltada para tratamento de infecções causadas por parasitas Foto: Prefeitura de Itajaí

Pesquisa citada por médico teve erro que tornou os resultados comprometidos

Na palestra, Nasser cita um trabalho sueco recente que demonstraria que a proteína S se integra ao DNA e bloqueia sua reparação. O médico diz que isso indicaria que os imunizantes têm genotoxicidade e carcinogenicidade, ou seja, uma capacidade de induzirem alterações no material genético e de causar câncer. “Esse artigo mostra detalhadamente como a proteína S é capaz de impedir a reparação do DNA, que precisa ser feita o tempo todo porque, senão, nós temos infelizmente o câncer”. declara.

A reportagem perguntou a qual estudo Nasser se referia, mas ele não respondeu. As referências dadas por ele durante o discurso levam à uma pesquisa publicada na revista Viruses em outubro de 2021, pouco antes da palestra, por pesquisadores da Universidade de Estocolmo e da Universidade de Umeå, da Suécia.

Ocorre que o artigo foi removido da revista em 2022 porque um dos autores constatou que ele possuía um desenho experimental impróprio. Ou seja, a estrutura que guiou a coleta de dados e a análise estatística estava errada. Portanto, as conclusões da pesquisa não são válidas.

Crianças devem ser vacinadas

Durante a palestra, o médico pede que as pessoas “não injetem os seus filhos por nada”, mas a recomendação dos órgãos de saúde continua sendo a vacinação desta faixa etária, como demonstrou recentemente o Verifica (aqui e aqui). De acordo com a Anvisa, todas as vacinas autorizadas para uso no Brasil cumpriram com todos os requisitos de comprovação científica de sua segurança e eficácia, inclusive para este público.

A covid-19 em crianças e adolescentes é caracterizada pelo desenvolvimento de quadros clínicos mais leves quando comparada aos adultos, mas essa população não está isenta de apresentar formas graves e letais da doença. Conforme o governo federal, o benefício da vacinação contra a covid-19 em crianças foi avaliado em estudos que demonstraram que os imunizantes tiveram o seu papel protetor na redução de desfechos graves entre os vacinados.

Kfouri lembra que atualmente as crianças são o segundo grupo que mais se hospitaliza por covid-19, atrás apenas dos idosos. “Crianças nos primeiros dois anos de vida, em especial, são hospitalizadas, faltam escola, usam antibiótico por conta da covid, têm covid longa, tem síndrome inflamatória como complicação de covid, então temos razões de sobra para recomendar a vacinação de criança e, consequentemente, introduzir os imunizantes no calendário de vacinação”, disse.

Anvisa destaca que todas as vacinas autorizadas para uso no Brasil cumpriram com todos os requisitos de comprovação científica. Foto: Tiago Queiroz

Imunidade natural não é eterna

Outra alegação falsa feita pelo médico no vídeo é de que as pessoas já infectadas pelo vírus estão imunes para toda a vida. De acordo com a Anvisa, não é possível fazer essa afirmação, tendo em vista que o vírus possui variantes e mutações capazes de provocar novas infecções, em um processo semelhante ao que ocorre com o vírus da influenza.

“Essa é uma das lições aprendidas com a covid, especialmente depois da Ômicron, que mudou esse paradigma de que reinfecções eram possíveis, mas raras. O que a gente aprendeu é que a grande maioria das pessoas se reinfectam ao longo da vida, a exemplo da gripe”, disse Kfouri.

Ele destaca que um ponto considerado positivo é que as vacinas e as infecções naturais também promovem um acúmulo da resposta imune, construída ao longo de várias doses de imunizante e de exposição ao vírus. Essa resposta é chamada de imunidade híbrida. “É uma resposta celular duradoura que faz com que mesmo que você não tenha anticorpos suficientes para te prevenir da infecção, essas células de memória te protegem da evolução para os desfechos mais graves”, explicou.

Granato destaca que o vírus ainda está em processo de adaptação à espécie humana. Por isso, cada vez que sofre uma mutação a infecção que alguém teve anteriormente não a protege mais. “Existem algumas doenças que se você pegar você não pega de novo, ou porque você foi vacinado, ou porque você já teve a doença, mas são vírus estáveis do ponto de vista genético. Isso não é o que acontece com a covid. Ele é um vírus que sofre muitas mutações e, infelizmente, a gente vai ter que vacinar contra cada uma dessas mutações, ou então você pode pegar de novo”, afirmou.

Vacinas são seguras e eficazes

A Anvisa destaca que todos os dados do uso das vacinas contra covid-19 no Brasil disponíveis até o momento apontam para benefícios superiores aos riscos. O monitoramento da agência demonstra que a maioria dos eventos identificados são não graves. Normalmente estão relacionados a efeitos no local da aplicação, como dor e inchaço, ou eventos de curta duração, como ocorrência de febre e indisposição.

Os dados das pesquisas clínicas, bem como os dados da doença, demonstram uma correlação clara entre a introdução da vacinação contra covid e a redução dos casos graves e óbitos provocados pelo coronavírus.

Médico já teve outras alegações sobre a vacina desmentidas

O Estadão Verifica e o Projeto Comprova, do qual o Estadão faz parte, desmentiram outros conteúdos de Nasser. Por exemplo, ele usou um argumento enganoso ao fazer campanha contra vacinação de crianças, afirmou falsamente que um estudo comprova que vacinados contra a covid contraíram Aids e usou dados deturpados para dizer que vacina causou abortos.

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