Aviso: o texto tem descrição de uma cena perturbadora.
O que estão compartilhando: que o lago Guaíba “está cheio de corpos e restos cadavéricos”. Por isso, a população deve evitar tomar água por até 20 dias quando o serviço de abastecimento for restabelecido, pois há risco de contaminação.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Não há evidências de que existam vários “corpos e restos cadavéricos” boiando no lago Guaíba ou em algum dos rios relacionados às enchentes do maior desastre ambiental do Rio Grande do Sul. Por sua vez, a companhia responsável pelo fornecimento de água para Porto Alegre afirma seguir procedimentos que garantem segurança para o consumo da população.
Saiba mais: em meio à tragédia que assola os gaúchos, começaram a circular nas redes sociais, a partir do final de semana passado, uma série de informações falsas. Algumas delas têm o intuito de provocar desconfiança nas informações oficiais das autoridades e nas apurações da imprensa para gerar pânico em pessoas já abaladas pela tragédia. A alegação deste conteúdo traz dois temas distintos associados com fins sensacionalistas.
O primeiro deles, relacionado a cadáveres boiando nas águas, surgiu ligado a uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre. O Estadão Verifica classificou como falso o relato sobre o corpo de um bebê flutuando em Canoas. A mentira foi em seguida ampliada para “centenas de corpos boiando em Canoas”, também desmentida pelo Verifica.
Como destacaram as checagens dos casos de Canoas, a Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP-RS) informou não ter registrado qualquer ocorrência do corpo de uma criança boiando. Já o Corpo de Bombeiros do Estado (CBMRS) comunicou não ter encontrado corpos flutuando na cidade. O Departamento Médico Legal (DML) gaúcho confirmou não ter registro da morte de um recém-nascido até a terça-feira, 7.
À GaúchaZH, o prefeito de Canoas, Jairo Jorge (PSD), afirmou que as equipes de salvamento não viram “centenas de corpos boiando”, como dizem as postagens falsas. “Conversamos com o pessoal que está nos barcos, e essa informação não foi vista. Nenhuma das pessoas que estão fazendo o salvamento, que nós contatamos, confirma essas informações”, afirmou.
Não existem evidências que o Guaíba esteja ‘cheio de corpos’
Profissionais da Defesa Civil, dos bombeiros, das forças de segurança pública e das Forças Armadas, além de um número expressivo de voluntários participam diariamente do resgate e do suporte às vítimas das enchentes. As operações em grandes municípios atingidos, a exemplo de Porto Alegre e Canoas, assim como nas ilhas próximas à Capital também banhadas pelo Guaíba, recebem ampla cobertura da imprensa, inclusive com rádios e TVs em transmissão ao vivo das áreas alagadas.
Socorristas percorrem essas regiões em barcos, lanchas, botes e jetskis. A movimentação envolve ainda sobrevoos com helicópteros, drones e aviões. Até o momento, não houve relatos comprovados ou registros em fotografias ou vídeos associados a centenas de cadáveres boiando.
De acordo com o balanço da Defesa Civil do RS divulgado às 12h desta quarta-feira, 8, as cheias provocaram mais de 100 mortes e 372 feridos. O número de desaparecidos é de 128. São ainda 163.720 desalojados e 66.761 pessoas em abrigos.
Companhia de água nega risco de contaminação
Um novo ingrediente nesta cadeia de desinformação para impactar o público investe na morbidez. A mentira sobre a existência de vários corpos boiando passou a ser impulsionada nas redes sociais associada a um possível risco que este material orgânico em decomposição representaria para a população. A água, segundo o boato, não estaria apta para consumo por um período de 15 a 20 dias, apesar do tratamento pela companhia responsável pelo abastecimento.
Porto Alegre é atendida pelo Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), responsável pela captação, tratamento e distribuição. A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) responde por municípios do interior gaúcho. O Dmae informa em seu site que a Capital conta com seis estações de tratamento de água, seis de bombeamento de água bruta, 88 estações de bombeamento de água tratada e 104 reservatórios. Cerca de 88% da água é destinada ao uso residencial. Em Porto Alegre, a água bruta é captada no lago Guaíba. A captação no rio Jacuí é destinada apenas para as ilhas da região.
O fornecimento de água de Porto Alegre entrou em colapso com alagamentos nas estações de tratamento. No auge da crise, apenas uma estação ficou operante. Os serviços estão sendo retomados progressivamente. Na tarde de quarta-feira, quatro das seis estações de tratamento estavam em operação. Ao participar de entrevista coletiva ao lado do prefeito Sebastião Melo (MDB), o diretor do Dmae, Maurício Loss, explicou que a água pode voltar apresentando sinais de turbidez e alterações do gosto, resultantes de eventuais sedimentos provenientes das canalizações paralisadas.
O consumo desta água é seguro, garantiu Loss, posicionamento confirmado em nota publicada pela empresa: “O Dmae informa que a água que está sendo distribuída nas nossas redes está dentro dos parâmetros de potabilidade, estabelecidos pelo Ministério da Saúde e não possui riscos à população”. O comunicado reitera que " a água que está saindo pelas torneiras já passou pelo tratamento e está própria para consumo.
Diante dos novos boatos, o Estadão Verifica consultou Joicinele Becker, diretora de Tratamento de Água e Esgotos do Dmae, sobre procedimentos adotados em caso de eventos climáticos severos como os que provocaram a enchente do Guaíba, lançando no lago detritos diversos e até mesmo material orgânico em decomposição: “A Portaria de Potabilidade que todos as companhias de saneamento devem seguir prevê estas situações. Assim, os processos de desinfecção removem contaminantes físicos, químicos e biológicos, garantindo a segurança para consumo humano, explicou Joicinele, assegurando que a água do Dmae “segue dentro do padrão de potabilidade e segurança”.
Surgiu ainda outra desinformação relacionada a água para consumo. Ao jornal gaúcho Zero Hora, Joicinele classificou como fake news um áudio alegando que há urina na água entregue a hospitais. Diante da levas de desinformações, a empresa publicou em seus perfis nas redes sociais uma nova comunicação: “O Dmae esclarece que os boatos que circulam sobre a qualidade da água distribuída, seja por pipas ou nas torneiras residenciais, não procedem. Todos os controles e garantias de potabilidade estão mantidos, mesmo no evento climático extremo”.
Como lidar com postagens do tipo: eventos com grande impacto na sociedade, como a tragédia que assola o Rio Grande do Sul, costumam ser acompanhados por conteúdos desinformativos. Este tipo de material, sobretudo quando investe no sensacionalismo, busca engajamento nas redes sociais promovendo o medo na população e a desconfiança nas autoridades públicas. São conteúdos para consumo rápido e que pedem compartilhamento “urgente”, usualmente em áudios ou textos breves. Não apresentam imagens que comprovem a alegação, tampouco fornecem informações como fonte, data e contexto,do “fato” destacado.
As cheias no Rio Grande do Sul estão sendo acompanhadas em tempo real por diferentes veículos nacionais e internacionais. Ao deparar com chamadas de grande impacto emocional, antes de compartilhar nas redes sociais, procure a confirmação nos sites da imprensa profissional e nas ferramentas de busca.
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