O que estão compartilhando: vídeo em que uma mulher diz que a direção da Escola Jussara Maria Polidoro, em Guajuviras, na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul, está guardando doações de comida e roupas ao invés de distribui-las a quem vinha pedir. Ela afirma que comidas que foram estocadas acabaram estragando e tiveram que ser jogadas fora. Na postagem, consta a seguinte legenda, com indicação de que o texto foi editado posteriormente à publicação: “Deu certo, a polícia foi até o local e liberou as doações para o povo. E destrancou as salas”.
O Estadão Verifica apurou e concluiu que: é enganoso. O Colégio Estadual Jussara Maria Polidoro se tornou abrigo no dia 4 e chegou a receber, num primeiro momento, cerca de 400 pessoas. Desde o início, segundo a direção, a orientação foi distribuir alimentos e roupas prioritariamente para os abrigados. Tanto a direção da escola quanto voluntários negam que comidas estragaram por estarem sendo estocadas. De acordo com eles, marmitas e sacos de pães foram postos fora por já terem chegado estragados ao colégio. A Brigada Militar afirmou que não tomou conhecimento da denúncia feita no conteúdo enganoso.
Procurada, a autora do vídeo reafirmou as alegações feitas na postagem, mas não apresentou provas do que disse.
Saiba mais: A mulher gravou o vídeo de dentro de um carro, à noite, aparentemente enquanto dirigia. Ela afirma que entrou na cozinha da escola e viu 300 marmitas e sacos de pães sendo jogados fora porque a direção não deixou o pessoal que estava vindo da rua comer. A postagem foi feita originalmente no Instagram, no dia 6 de maio, e viralizou no X (antigo Twitter), onde foi compartilhada milhares de vezes. A postagem mais recente identificada é do dia 23.
O bairro de Guajuviras foi uma das áreas de Canoas que não alagaram. O Colégio Estadual Jussara Maria Polidoro foi transformado em abrigo, no dia 4, para as vítimas de outras regiões da cidade, uma das mais afetadas pelas enchentes do início do mês. Segundo a prefeitura, 80 mil casas foram atingidas e milhares de moradores dos bairros Mathias Velho, Fátima, Rio Branco e Harmonia tiveram de ser resgatados dentro da água. Segundo o diretor da escola, Giovani Ivankio, a orientação desde o início foi privilegiar a distribuição de comida e roupas para as pessoas que estavam abrigadas no colégio, entregando à comunidade local apenas o excedente.
Inicialmente, a comida oferecida foi a que já constava na unidade para atender os alunos. No dia 6, segundo a direção, havia cerca de 300 pessoas abrigadas no local. “Na hora eu precisava dar comida para os abrigados”, disse o diretor da escola. “Se eu distribuísse para a população, em cinco minutos levariam tudo. Eu não poderia abrir as portas para que as pessoas fossem lá e pegassem as comidas. Da mesma forma com as roupas. Era necessário atender os abrigados naquele momento, que chegaram sem nada, molhados, depois de terem perdido tudo”.
Voluntária na escola, Juliana Coelho também relatou a mesma situação: “Todos nós estávamos aprendendo a lidar com a situação naquele momento”, afirmou. “Nos dois primeiros dias, recebemos aproximadamente 400 pessoas, chegando molhadas, todas nervosas porque ficaram horas em cima de um telhado. Esse pessoal pode ficar lá mais de um mês. Imagina dizermos a eles que não temos mais o que dar? Vira guerra”.
Consultada, a Prefeitura de Canoas confirmou uma reunião com todos os abrigos, incluindo o da escola, no dia 6, em que foi passada a orientação de que os abrigos têm como prioridade atender os abrigados. “Caso esses abrigos tenham o suficiente para atender também a comunidade, devem fazer”, disse a assessoria da prefeitura.
O diretor da escola confirmou que seguiu a orientação. “Pessoas entraram e comeram no nosso refeitório quando havia sobrado almoço”, explicou. “Também houve momentos em que voluntários entregaram cestas básicas a pessoas do Guajuviras que estavam abrigando gente em casa. Acabamos doando para fora, mas precisávamos ter sempre um prazo de sete a 10 dias de comida armazenada para atender os abrigados”.
No momento, segundo ele, há 246 pessoas abrigadas na unidade.
Alimento jogado fora chegou estragado à escola
A partir do momento em que a escola se tornou abrigo, doações de comida e roupa começaram a chegar. Houve um episódio em que marmitas e sacos de pães foram jogados fora, porém o alimento já chegou estragado à escola, segundo as pessoas que atuam no local ouvidas pelo Verifica.
“Fui eu que recebi as marmitas e elas estavam estragadas, estavam azedas”, disse Deise Morais, cozinheira da escola que atuou como voluntária no abrigo. “Os sacos de pães também, as salsichas estavam verdes, a maionese, estragada. A gente abria e sentia um cheiro horrível. Como poderíamos dar comida estragada às pessoas?”.
Ela explicou que fez a triagem dos alimentos doados: “A gente ia abrindo e cheirando uma a uma. As que estavam estragadas, a gente colocava fora. Mas foram muito poucas, de 10 a 15″.
O relato de Deise foi confirmado pela direção da escola e por Juliana.
Brigada Militar diz não ter conhecimento da denúncia
A legenda da postagem original, alegando que a polícia foi ao local e liberou as doações ao povo, destrancando salas, não foi confirmada pela corporação. Segundo a Brigada Militar, a polícia não tomou conhecimento das alegações feitas no vídeo.