Estudo do médico Vladimir Zelenko com hidroxicloroquina não tem comprovação científica


Pesquisa do médico de Nova York que alega ter 'resultados positivos tremendos' contra a covid-19 não foi publicado em nenhum periódico de saúde

Por Projeto Comprova

Atenção: este texto foi atualizado com novas informações no dia 25/03/2021. Leia o adendo no final do texto.

É enganosa uma postagem no YouTube que destaca "100% de sucesso" em um tratamento contra a covid-19 realizado por Vladimir Zelenko, um médico de Nova York, nos Estados Unidos, com drogas como a hidroxicloroquina, o zinco e a azitromicina. A postagem acompanha trechos editados de uma entrevista concedida por Zelenko a Rudolph Giuliani, importante apoiador do presidente dos EUA, Donald Trump. O estudo feito por Zelenko não tem comprovação científica, não foi publicado em nenhum periódico médico e a única evidência de sua existência são as declarações do próprio autor da suposta pesquisa. 

A cloroquina e sua versão menos tóxica, a hidroxicloroquina, são indicadas no Brasil para tratar doenças como malária, reumatismo, inflamação nas articulações, lúpus, entre outras. A azitromicina, por sua vez, é um antibiótico. O zinco é um suplemento nutricional. Testes com esses medicamentos estão, de fato, sendo realizados em pacientes com graus diferentes de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, mas ainda não há comprovação científica de sua eficácia e a automedicação com essas substâncias é contra-indicada pela Anvisa, pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde

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Enganoso para o Comprova é o que confunde ou que seja divulgado para confundir, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos

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Para esta verificação, buscamos as orientações do Ministério da Saúde, da Anvisa e da Organização Mundial da Saúde para o tratamento da covid-19, bem como os estudos recentes envolvendo o tratamento da doença com hidroxicloroquina e azitromicina.

Também buscamos o vídeo original da entrevista com Zelenko, publicado no canal Rudolph Giuliani no YouTube.

Cloroquina ainda está sendo testada para covid-19

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A postagem verificada pelo Comprova foi feita em 2 de abril no canal "Embaixada da Resistência" no YouTube, uma página dedicada a traduzir para o português vídeos de apoiadores do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.  

O vídeo publicado pelo canal mostra trechos editados de uma entrevista feita por Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado de Trump, com Vladimir Zelenko, um médico que atua em Kiryas Joel, comunidade de 35 mil habitantes no Estado de Nova York. A entrevista foi publicada no dia 28 de março deste ano. O texto que acompanha o vídeo diz que Zelenko teve "100% sucesso até agora" usando zinco e as drogas hidroxicloroquina e azitromicina, numa "abordagem pronta e rápida que não deixa a doença evoluir para um quadro de internamento, de onde é difícil recuperar ileso" (sic). 

De fato, Zelenko alega ter obtido 100% de sucesso em tratamento realizado com 700 pacientes. Em uma entrevista para o canal no YouTube de um investidor do mercado financeiro, publicada em 1º de abril, o médico disse que apenas seis deles precisaram ser hospitalizados, sendo que dois tiveram pneumonia, mas se recuperaram; dois foram entubados e um faleceu. Este último teria, segundo Zelenko, abandonado o protocolo de tratamento. 

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Não há evidências de que essa pesquisa tenha realmente sido realizada a não ser a palavra do próprio médico. Em uma carta aberta publicada após o sucesso instantâneo do médico, líderes comunitários de Kiryas Joel acusaram Zelenko de exagerar a extensão da infecção pelo novo coronavírus na comunidade. Os resultados alardeados por Zelenko também não foram divulgados em nenhum periódico acadêmico. Estudos feitos em diversos países têm tentado verificar a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina, mas seus resultados são, por enquanto, inconclusivos (leia mais abaixo).

No Brasil, o Ministério da Saúde decidiu, em março, distribuir essas drogas em determinados hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) como tratamento auxiliar a pacientes que estejam internados e em estado grave. Como mostra essa nota informativa da pasta, a automedicação com cloroquina é contra-indicada e, no caso da covid-19, ficará a critério dos médicos responsáveis fazer uso, ou não, do medicamento.

Nota informativa

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Apesar da recomendação do Ministério de Saúde de tratar casos graves e críticos, a operadora de planos de saúde Prevent Senior orientou, segundo reportagem do portal G1, orientou os médicos da rede a prescrever cloroquina em tratamento para pacientes que relatam sintomas respiratórios e febre, mas sem confirmação de coronavírus. 

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a liberação das substâncias para pacientes em estado grave a partir de dados preliminares ocorreu devido à situação emergencial causada pela pandemia. De acordo com a agência, "esse é o chamado uso compassivo (por compaixão), já que não há alternativa terapêutica específica para esses pacientes." 

Também em março, a Anvisa autorizou a primeira pesquisa com a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina no Brasil, a ser realizada pelo hospital Albert Einstein, em São Paulo. 

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A OMS afirma que está acompanhando os estudos clínicos com o uso da cloroquina e derivados, mas até o momento os dados são insuficientes para estabelecer a eficácia desses medicamentos para o tratamento ou prevenção da infecção pelo novo coronavírus. Por enquanto, o órgão só recomenda o uso da cloroquina para o tratamento da malária e alerta para o risco de superdosagem.

O caminho de Vladimir Zelenko para a fama

Zelenko, de 46 anos, é, segundo a revista norte-americana Forward, um imigrante russo. Ele é médico nas cercanias de uma comunidade judaica ortodoxa, chamada Kiryas Joel, que fica a uma hora da cidade de Nova York. 

Antes da entrevista com Giuliani, um vídeo transformou Zelenko em celebridade nos Estados Unidos. Publicado no YouTube em 21 de março, era endereçado a Trump. Desde então, as imagens foram removidas pelo site de vídeos por "violar os Termos de Serviço" da plataforma. O Comprova acessou o canal do médico no YouTube e constatou que ele foi criado em 15 de março deste ano. De fato, o vídeo em questão não consta mais na lista de publicações de Zelenko. Apesar disso, o vídeo continua circulando na internet, como o Comprova pode constatar em dois sites que publicam notícias das comunidades judaicas dos Estados Unidos.

No vídeo direcionado a Trump, de 3 minutos e 6 segundos, Zelenko se apresenta, detalha a experiência que tem realizado em Kiryas Joel e sugere que a combinação de hidroxicloroquina, azitromicina e zinco deve ser usada em pacientes do grupo de risco da covid-19 nos estágios iniciais da infecção ou mesmo como "profilaxia" - antes da infecção, portanto - em pacientes de alto risco. Trata-se de uma recomendação que difere do chamado "uso por compaixão" autorizado pelo Ministério da Saúde no Brasil.

"Eu estou vendo resultados positivos tremendos", diz Zelenko no vídeo. O médico encerra o vídeo desejando sorte a Trump. "Minha sincera bênção para você, senhor presidente. Eu pessoalmente te amo. Espero que Deus proteja você e sua família e abençoe tudo o que você faz, que é salvar esta nação de um desastre", diz.

Além de postar o vídeo no YouTube, Zelenko fez o mesmo no Facebook e publicou uma carta aberta no Google Docs divulgando seus resultados, segundo relatou o jornal The Washington Post. Quem colocou os holofotes sobre a experiência do médico de Nova York foi a Fox News, canal de televisão próximo a Trump. 

Na noite de 23 de março, Sean Hannity, um dos principais apresentadores da emissora e conselheiro informal de Trump, leu trechos da carta de Zelenko ao vivo, durante uma conversa com o vice-presidente dos EUA, Mike Pence.  

Ainda segundo o The Washigton Post, Zelenko foi contactado pelo novo chefe de gabinete de Trump, Mark Meadows, e, na manhã de terça-feira 24, o ex-prefeito de Nova York e advogado de Trump, Rudolph Giuliani, elogiou seu trabalho no Twitter. 

Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, aceitou atuar como advogado do presidente Trump Foto: AP/Carolyn Kaster

No último dia 28, Giuliani publicou uma entrevista de 41 minutos e 36 segundos com Zelenko em seu canal no YouTube. Nela, o médico afirmou que prescreveu hidroxicloroquina, zinco e azitromicina para cerca de 450 pacientes que apresentavam os primeiros sintomas da covid-19. Ele acredita que os medicamentos devem ser usados por pacientes que estão em casa, para diminuir o risco de serem internados. Mas faz uma ressalva: só receita o "coquetel" para pessoas com mais de 60 anos ou com doenças crônicas, alegando receio por causa dos efeitos colaterais das drogas. "É a arte da medicina, você quer o máximo de benefícios com o mínimo de efeitos colaterais", disse. 

Zelenko também especifica as dosagens de cada medicamento e quantas vezes por dia as prescreve para cada paciente. Dessa entrevista que foram retirados os trechos que estão no vídeo de  7 minutos e 53 segundos publicado no canal Embaixada da Resistência. 

Ao divulgar a conversa no Twitter, Giuliani disse haver provas de que

"a cloroquina é 100% eficiente contra a covid-19". Como não há evidência científica disso, o tweet de Giuliani foi apagado pelo Twitter por violar as regras de uso da plataforma durante a pandemia da doença. Outros">">tweets de Giuliani nos quais ele não garante a cura da covid-19 continuam disponíveis em seu perfil na rede social.

Trump apoia a cloroquina, apesar da controvérsia

Há semanas, Trump tem apoiado o uso de cloroquina e hidroxicloroquina contra a covid-19, mesmo na ausência de evidências científicas sobre sua eficácia. Em 21 de março (mesma data em que Zelenko postou seu vídeo para Trump), o presidente dos Estados Unidos afirmou no Twitter que "

">hidroxicloroquina e azitromicina, tomadas em conjunto, têm uma chance real de ser um dos maiores fatores de mudança na história da medicina". 

Desde então, Trump vem incentivando com frequência o uso dessas substâncias. Diante da comoção provocada por seus discursos, pelo menos 20 estados tiveram, segundo levantamento do Wall Street Journal, de emitir diretrizes limitando a prescrição da hidroxicloroquina. A intenção é garantir que o medicamento continue disponível para os pacientes de doenças como o lúpus, por exemplo, que dependem da substância.

No sábado, 4, a agência de notícias Reuters publicou uma reportagem segundo a qual Trump e a Casa Branca pressionaram as autoridades sanitárias dos EUA para acelerar a permissão de uso da hidroxicloroquina contra a covid-19. Em um comunicado enviado à Reuters, a Food and Drug Administration (FDA), órgão equivalente à Anvisa, afirmou que "foi determinado, com base nas evidências científicas disponíveis, que é razoável acreditar que os medicamentos específicos podem ser eficazes no tratamento da covid-19 e que, dado que não existem tratamentos alternativos adequados, aprovados ou disponíveis, os conhecidos e os potenciais benefícios do tratamento desse vírus superam os riscos conhecidos e potenciais".

No domingo, 5, Trump voltou a incentivar o uso da hidroxicloroquina em uma entrevista coletiva. Na conversa com os jornalistas, o presidente dos EUA impediu, no entanto, que seu principal conselheiro científico com relação à covid-19 respondesse sobre a hidroxicloroquina. Anthony S. Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, enfatizou em diversas outras oportunidades que não há comprovação científica da eficácia da hidroxicloroquina contra a covid-19.

Não há provas de eficácia da cloroquina

No tweet de 21 de março em que alardeou o uso da hidroxicloroquina, Trump citou um estudo realizado em Marselha, na França, por um grupo liderado pelo médico Didier Raoult. Segundo o estudo, a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina teria curado alguns pacientes de covid-19. Com um passado controverso, Raoult foi duramente criticado por conta do estudo, apontado como falho do ponto de vista científico e pouco transparente, uma vez que os dados brutos não foram compartilhados.

Desde então, outros estudos se debruçaram sobre essa questão. Um deles, realizado no hospital Renmin, da Universidade de Wuhan, na China, encontrou indícios de que a hidroxicloroquina ajudou a acelerar a recuperação de um pequeno número de pacientes que tinham sintomas leves da covid-19. Vale salientar que, segundo a OMS, entre os sintomas leves da doença está a pneumonia.

Outro pequeno estudo realizado na China, e publicado em um periódico da Universidade Zhejiang, não detectou benefícios com o uso de hidroxicloroquina e concluiu que mais pesquisas são necessárias. 

Um quarto estudo, coordenado por Jean-Michel Molina, professor do Departamento de Doenças Infecciosas da Universidade de Paris, publicado no periódico Médecine et Maladies Infectieuses, não encontrou nenhuma evidência de redução da carga viral ou benefício clínico com a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina em pacientes com infecção grave por covid-19.

Viralização

A postagem do canal Embaixada da Resistência registrou, até esta segunda-feira 6, 47 mil visualizações. 

ADENDO: Esta checagem foi feita com informações disponíveis sobre a covid-19 até o dia 6 de abril de 2020. O estudo do médico Vladimir Zelenko acabou sendo publicado oito meses depois, em dezembro daquele ano, no International Journal of Antimicrobial Agents. A pesquisa não obedece ao padrão ouro de pesquisas científicas. Não foi definido um grupo de controle, que recebe uma substância inativa para fins de comparação (placebo). Zelenko recuperou registros médicos de 141 pacientes que supostamente teriam tomado o tratamento com hidroxicloroquina, azitromicina e zinco, e comparou com o registro dos dados de 377 pacientes que não teriam sido submetidos aos medicamentos.

Este tipo de estudo não é considerado de alto nível, tendo em vista que a seleção dos casos a serem incluídos pode ocorrer de forma enviesada para confirmar o resultado desejado. Além disso, por não se tratar de um protocolo de estudo controlado, há fatores externos que podem influenciar de forma desigual a evolução do quadro de saúde dos pacientes. Estas ressalvas estão escritas no próprio estudo publicado por Zelenko.

Em março de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou "fortemente" que a hidroxicloroquina não seja utilizada como prevenção contra a covid-19 e deixe de ser prioridade em pesquisas científicas. A decisão foi tomada após seis estudos com 6 mil pacientes mostrarem que a droga não teve efeito significativo na redução de casos e "provavelmente" aumenta o risco de efeitos adversos.

Atenção: este texto foi atualizado com novas informações no dia 25/03/2021. Leia o adendo no final do texto.

É enganosa uma postagem no YouTube que destaca "100% de sucesso" em um tratamento contra a covid-19 realizado por Vladimir Zelenko, um médico de Nova York, nos Estados Unidos, com drogas como a hidroxicloroquina, o zinco e a azitromicina. A postagem acompanha trechos editados de uma entrevista concedida por Zelenko a Rudolph Giuliani, importante apoiador do presidente dos EUA, Donald Trump. O estudo feito por Zelenko não tem comprovação científica, não foi publicado em nenhum periódico médico e a única evidência de sua existência são as declarações do próprio autor da suposta pesquisa. 

A cloroquina e sua versão menos tóxica, a hidroxicloroquina, são indicadas no Brasil para tratar doenças como malária, reumatismo, inflamação nas articulações, lúpus, entre outras. A azitromicina, por sua vez, é um antibiótico. O zinco é um suplemento nutricional. Testes com esses medicamentos estão, de fato, sendo realizados em pacientes com graus diferentes de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, mas ainda não há comprovação científica de sua eficácia e a automedicação com essas substâncias é contra-indicada pela Anvisa, pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde

 

Enganoso para o Comprova é o que confunde ou que seja divulgado para confundir, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos

Para esta verificação, buscamos as orientações do Ministério da Saúde, da Anvisa e da Organização Mundial da Saúde para o tratamento da covid-19, bem como os estudos recentes envolvendo o tratamento da doença com hidroxicloroquina e azitromicina.

Também buscamos o vídeo original da entrevista com Zelenko, publicado no canal Rudolph Giuliani no YouTube.

Cloroquina ainda está sendo testada para covid-19

A postagem verificada pelo Comprova foi feita em 2 de abril no canal "Embaixada da Resistência" no YouTube, uma página dedicada a traduzir para o português vídeos de apoiadores do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.  

O vídeo publicado pelo canal mostra trechos editados de uma entrevista feita por Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado de Trump, com Vladimir Zelenko, um médico que atua em Kiryas Joel, comunidade de 35 mil habitantes no Estado de Nova York. A entrevista foi publicada no dia 28 de março deste ano. O texto que acompanha o vídeo diz que Zelenko teve "100% sucesso até agora" usando zinco e as drogas hidroxicloroquina e azitromicina, numa "abordagem pronta e rápida que não deixa a doença evoluir para um quadro de internamento, de onde é difícil recuperar ileso" (sic). 

De fato, Zelenko alega ter obtido 100% de sucesso em tratamento realizado com 700 pacientes. Em uma entrevista para o canal no YouTube de um investidor do mercado financeiro, publicada em 1º de abril, o médico disse que apenas seis deles precisaram ser hospitalizados, sendo que dois tiveram pneumonia, mas se recuperaram; dois foram entubados e um faleceu. Este último teria, segundo Zelenko, abandonado o protocolo de tratamento. 

Não há evidências de que essa pesquisa tenha realmente sido realizada a não ser a palavra do próprio médico. Em uma carta aberta publicada após o sucesso instantâneo do médico, líderes comunitários de Kiryas Joel acusaram Zelenko de exagerar a extensão da infecção pelo novo coronavírus na comunidade. Os resultados alardeados por Zelenko também não foram divulgados em nenhum periódico acadêmico. Estudos feitos em diversos países têm tentado verificar a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina, mas seus resultados são, por enquanto, inconclusivos (leia mais abaixo).

No Brasil, o Ministério da Saúde decidiu, em março, distribuir essas drogas em determinados hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) como tratamento auxiliar a pacientes que estejam internados e em estado grave. Como mostra essa nota informativa da pasta, a automedicação com cloroquina é contra-indicada e, no caso da covid-19, ficará a critério dos médicos responsáveis fazer uso, ou não, do medicamento.

Nota informativa

Apesar da recomendação do Ministério de Saúde de tratar casos graves e críticos, a operadora de planos de saúde Prevent Senior orientou, segundo reportagem do portal G1, orientou os médicos da rede a prescrever cloroquina em tratamento para pacientes que relatam sintomas respiratórios e febre, mas sem confirmação de coronavírus. 

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a liberação das substâncias para pacientes em estado grave a partir de dados preliminares ocorreu devido à situação emergencial causada pela pandemia. De acordo com a agência, "esse é o chamado uso compassivo (por compaixão), já que não há alternativa terapêutica específica para esses pacientes." 

Também em março, a Anvisa autorizou a primeira pesquisa com a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina no Brasil, a ser realizada pelo hospital Albert Einstein, em São Paulo. 

A OMS afirma que está acompanhando os estudos clínicos com o uso da cloroquina e derivados, mas até o momento os dados são insuficientes para estabelecer a eficácia desses medicamentos para o tratamento ou prevenção da infecção pelo novo coronavírus. Por enquanto, o órgão só recomenda o uso da cloroquina para o tratamento da malária e alerta para o risco de superdosagem.

O caminho de Vladimir Zelenko para a fama

Zelenko, de 46 anos, é, segundo a revista norte-americana Forward, um imigrante russo. Ele é médico nas cercanias de uma comunidade judaica ortodoxa, chamada Kiryas Joel, que fica a uma hora da cidade de Nova York. 

Antes da entrevista com Giuliani, um vídeo transformou Zelenko em celebridade nos Estados Unidos. Publicado no YouTube em 21 de março, era endereçado a Trump. Desde então, as imagens foram removidas pelo site de vídeos por "violar os Termos de Serviço" da plataforma. O Comprova acessou o canal do médico no YouTube e constatou que ele foi criado em 15 de março deste ano. De fato, o vídeo em questão não consta mais na lista de publicações de Zelenko. Apesar disso, o vídeo continua circulando na internet, como o Comprova pode constatar em dois sites que publicam notícias das comunidades judaicas dos Estados Unidos.

No vídeo direcionado a Trump, de 3 minutos e 6 segundos, Zelenko se apresenta, detalha a experiência que tem realizado em Kiryas Joel e sugere que a combinação de hidroxicloroquina, azitromicina e zinco deve ser usada em pacientes do grupo de risco da covid-19 nos estágios iniciais da infecção ou mesmo como "profilaxia" - antes da infecção, portanto - em pacientes de alto risco. Trata-se de uma recomendação que difere do chamado "uso por compaixão" autorizado pelo Ministério da Saúde no Brasil.

"Eu estou vendo resultados positivos tremendos", diz Zelenko no vídeo. O médico encerra o vídeo desejando sorte a Trump. "Minha sincera bênção para você, senhor presidente. Eu pessoalmente te amo. Espero que Deus proteja você e sua família e abençoe tudo o que você faz, que é salvar esta nação de um desastre", diz.

Além de postar o vídeo no YouTube, Zelenko fez o mesmo no Facebook e publicou uma carta aberta no Google Docs divulgando seus resultados, segundo relatou o jornal The Washington Post. Quem colocou os holofotes sobre a experiência do médico de Nova York foi a Fox News, canal de televisão próximo a Trump. 

Na noite de 23 de março, Sean Hannity, um dos principais apresentadores da emissora e conselheiro informal de Trump, leu trechos da carta de Zelenko ao vivo, durante uma conversa com o vice-presidente dos EUA, Mike Pence.  

Ainda segundo o The Washigton Post, Zelenko foi contactado pelo novo chefe de gabinete de Trump, Mark Meadows, e, na manhã de terça-feira 24, o ex-prefeito de Nova York e advogado de Trump, Rudolph Giuliani, elogiou seu trabalho no Twitter. 

Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, aceitou atuar como advogado do presidente Trump Foto: AP/Carolyn Kaster

No último dia 28, Giuliani publicou uma entrevista de 41 minutos e 36 segundos com Zelenko em seu canal no YouTube. Nela, o médico afirmou que prescreveu hidroxicloroquina, zinco e azitromicina para cerca de 450 pacientes que apresentavam os primeiros sintomas da covid-19. Ele acredita que os medicamentos devem ser usados por pacientes que estão em casa, para diminuir o risco de serem internados. Mas faz uma ressalva: só receita o "coquetel" para pessoas com mais de 60 anos ou com doenças crônicas, alegando receio por causa dos efeitos colaterais das drogas. "É a arte da medicina, você quer o máximo de benefícios com o mínimo de efeitos colaterais", disse. 

Zelenko também especifica as dosagens de cada medicamento e quantas vezes por dia as prescreve para cada paciente. Dessa entrevista que foram retirados os trechos que estão no vídeo de  7 minutos e 53 segundos publicado no canal Embaixada da Resistência. 

Ao divulgar a conversa no Twitter, Giuliani disse haver provas de que

"a cloroquina é 100% eficiente contra a covid-19". Como não há evidência científica disso, o tweet de Giuliani foi apagado pelo Twitter por violar as regras de uso da plataforma durante a pandemia da doença. Outros">">tweets de Giuliani nos quais ele não garante a cura da covid-19 continuam disponíveis em seu perfil na rede social.

Trump apoia a cloroquina, apesar da controvérsia

Há semanas, Trump tem apoiado o uso de cloroquina e hidroxicloroquina contra a covid-19, mesmo na ausência de evidências científicas sobre sua eficácia. Em 21 de março (mesma data em que Zelenko postou seu vídeo para Trump), o presidente dos Estados Unidos afirmou no Twitter que "

">hidroxicloroquina e azitromicina, tomadas em conjunto, têm uma chance real de ser um dos maiores fatores de mudança na história da medicina". 

Desde então, Trump vem incentivando com frequência o uso dessas substâncias. Diante da comoção provocada por seus discursos, pelo menos 20 estados tiveram, segundo levantamento do Wall Street Journal, de emitir diretrizes limitando a prescrição da hidroxicloroquina. A intenção é garantir que o medicamento continue disponível para os pacientes de doenças como o lúpus, por exemplo, que dependem da substância.

No sábado, 4, a agência de notícias Reuters publicou uma reportagem segundo a qual Trump e a Casa Branca pressionaram as autoridades sanitárias dos EUA para acelerar a permissão de uso da hidroxicloroquina contra a covid-19. Em um comunicado enviado à Reuters, a Food and Drug Administration (FDA), órgão equivalente à Anvisa, afirmou que "foi determinado, com base nas evidências científicas disponíveis, que é razoável acreditar que os medicamentos específicos podem ser eficazes no tratamento da covid-19 e que, dado que não existem tratamentos alternativos adequados, aprovados ou disponíveis, os conhecidos e os potenciais benefícios do tratamento desse vírus superam os riscos conhecidos e potenciais".

No domingo, 5, Trump voltou a incentivar o uso da hidroxicloroquina em uma entrevista coletiva. Na conversa com os jornalistas, o presidente dos EUA impediu, no entanto, que seu principal conselheiro científico com relação à covid-19 respondesse sobre a hidroxicloroquina. Anthony S. Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, enfatizou em diversas outras oportunidades que não há comprovação científica da eficácia da hidroxicloroquina contra a covid-19.

Não há provas de eficácia da cloroquina

No tweet de 21 de março em que alardeou o uso da hidroxicloroquina, Trump citou um estudo realizado em Marselha, na França, por um grupo liderado pelo médico Didier Raoult. Segundo o estudo, a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina teria curado alguns pacientes de covid-19. Com um passado controverso, Raoult foi duramente criticado por conta do estudo, apontado como falho do ponto de vista científico e pouco transparente, uma vez que os dados brutos não foram compartilhados.

Desde então, outros estudos se debruçaram sobre essa questão. Um deles, realizado no hospital Renmin, da Universidade de Wuhan, na China, encontrou indícios de que a hidroxicloroquina ajudou a acelerar a recuperação de um pequeno número de pacientes que tinham sintomas leves da covid-19. Vale salientar que, segundo a OMS, entre os sintomas leves da doença está a pneumonia.

Outro pequeno estudo realizado na China, e publicado em um periódico da Universidade Zhejiang, não detectou benefícios com o uso de hidroxicloroquina e concluiu que mais pesquisas são necessárias. 

Um quarto estudo, coordenado por Jean-Michel Molina, professor do Departamento de Doenças Infecciosas da Universidade de Paris, publicado no periódico Médecine et Maladies Infectieuses, não encontrou nenhuma evidência de redução da carga viral ou benefício clínico com a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina em pacientes com infecção grave por covid-19.

Viralização

A postagem do canal Embaixada da Resistência registrou, até esta segunda-feira 6, 47 mil visualizações. 

ADENDO: Esta checagem foi feita com informações disponíveis sobre a covid-19 até o dia 6 de abril de 2020. O estudo do médico Vladimir Zelenko acabou sendo publicado oito meses depois, em dezembro daquele ano, no International Journal of Antimicrobial Agents. A pesquisa não obedece ao padrão ouro de pesquisas científicas. Não foi definido um grupo de controle, que recebe uma substância inativa para fins de comparação (placebo). Zelenko recuperou registros médicos de 141 pacientes que supostamente teriam tomado o tratamento com hidroxicloroquina, azitromicina e zinco, e comparou com o registro dos dados de 377 pacientes que não teriam sido submetidos aos medicamentos.

Este tipo de estudo não é considerado de alto nível, tendo em vista que a seleção dos casos a serem incluídos pode ocorrer de forma enviesada para confirmar o resultado desejado. Além disso, por não se tratar de um protocolo de estudo controlado, há fatores externos que podem influenciar de forma desigual a evolução do quadro de saúde dos pacientes. Estas ressalvas estão escritas no próprio estudo publicado por Zelenko.

Em março de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou "fortemente" que a hidroxicloroquina não seja utilizada como prevenção contra a covid-19 e deixe de ser prioridade em pesquisas científicas. A decisão foi tomada após seis estudos com 6 mil pacientes mostrarem que a droga não teve efeito significativo na redução de casos e "provavelmente" aumenta o risco de efeitos adversos.

Atenção: este texto foi atualizado com novas informações no dia 25/03/2021. Leia o adendo no final do texto.

É enganosa uma postagem no YouTube que destaca "100% de sucesso" em um tratamento contra a covid-19 realizado por Vladimir Zelenko, um médico de Nova York, nos Estados Unidos, com drogas como a hidroxicloroquina, o zinco e a azitromicina. A postagem acompanha trechos editados de uma entrevista concedida por Zelenko a Rudolph Giuliani, importante apoiador do presidente dos EUA, Donald Trump. O estudo feito por Zelenko não tem comprovação científica, não foi publicado em nenhum periódico médico e a única evidência de sua existência são as declarações do próprio autor da suposta pesquisa. 

A cloroquina e sua versão menos tóxica, a hidroxicloroquina, são indicadas no Brasil para tratar doenças como malária, reumatismo, inflamação nas articulações, lúpus, entre outras. A azitromicina, por sua vez, é um antibiótico. O zinco é um suplemento nutricional. Testes com esses medicamentos estão, de fato, sendo realizados em pacientes com graus diferentes de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, mas ainda não há comprovação científica de sua eficácia e a automedicação com essas substâncias é contra-indicada pela Anvisa, pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde

 

Enganoso para o Comprova é o que confunde ou que seja divulgado para confundir, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos

Para esta verificação, buscamos as orientações do Ministério da Saúde, da Anvisa e da Organização Mundial da Saúde para o tratamento da covid-19, bem como os estudos recentes envolvendo o tratamento da doença com hidroxicloroquina e azitromicina.

Também buscamos o vídeo original da entrevista com Zelenko, publicado no canal Rudolph Giuliani no YouTube.

Cloroquina ainda está sendo testada para covid-19

A postagem verificada pelo Comprova foi feita em 2 de abril no canal "Embaixada da Resistência" no YouTube, uma página dedicada a traduzir para o português vídeos de apoiadores do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.  

O vídeo publicado pelo canal mostra trechos editados de uma entrevista feita por Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado de Trump, com Vladimir Zelenko, um médico que atua em Kiryas Joel, comunidade de 35 mil habitantes no Estado de Nova York. A entrevista foi publicada no dia 28 de março deste ano. O texto que acompanha o vídeo diz que Zelenko teve "100% sucesso até agora" usando zinco e as drogas hidroxicloroquina e azitromicina, numa "abordagem pronta e rápida que não deixa a doença evoluir para um quadro de internamento, de onde é difícil recuperar ileso" (sic). 

De fato, Zelenko alega ter obtido 100% de sucesso em tratamento realizado com 700 pacientes. Em uma entrevista para o canal no YouTube de um investidor do mercado financeiro, publicada em 1º de abril, o médico disse que apenas seis deles precisaram ser hospitalizados, sendo que dois tiveram pneumonia, mas se recuperaram; dois foram entubados e um faleceu. Este último teria, segundo Zelenko, abandonado o protocolo de tratamento. 

Não há evidências de que essa pesquisa tenha realmente sido realizada a não ser a palavra do próprio médico. Em uma carta aberta publicada após o sucesso instantâneo do médico, líderes comunitários de Kiryas Joel acusaram Zelenko de exagerar a extensão da infecção pelo novo coronavírus na comunidade. Os resultados alardeados por Zelenko também não foram divulgados em nenhum periódico acadêmico. Estudos feitos em diversos países têm tentado verificar a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina, mas seus resultados são, por enquanto, inconclusivos (leia mais abaixo).

No Brasil, o Ministério da Saúde decidiu, em março, distribuir essas drogas em determinados hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) como tratamento auxiliar a pacientes que estejam internados e em estado grave. Como mostra essa nota informativa da pasta, a automedicação com cloroquina é contra-indicada e, no caso da covid-19, ficará a critério dos médicos responsáveis fazer uso, ou não, do medicamento.

Nota informativa

Apesar da recomendação do Ministério de Saúde de tratar casos graves e críticos, a operadora de planos de saúde Prevent Senior orientou, segundo reportagem do portal G1, orientou os médicos da rede a prescrever cloroquina em tratamento para pacientes que relatam sintomas respiratórios e febre, mas sem confirmação de coronavírus. 

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a liberação das substâncias para pacientes em estado grave a partir de dados preliminares ocorreu devido à situação emergencial causada pela pandemia. De acordo com a agência, "esse é o chamado uso compassivo (por compaixão), já que não há alternativa terapêutica específica para esses pacientes." 

Também em março, a Anvisa autorizou a primeira pesquisa com a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina no Brasil, a ser realizada pelo hospital Albert Einstein, em São Paulo. 

A OMS afirma que está acompanhando os estudos clínicos com o uso da cloroquina e derivados, mas até o momento os dados são insuficientes para estabelecer a eficácia desses medicamentos para o tratamento ou prevenção da infecção pelo novo coronavírus. Por enquanto, o órgão só recomenda o uso da cloroquina para o tratamento da malária e alerta para o risco de superdosagem.

O caminho de Vladimir Zelenko para a fama

Zelenko, de 46 anos, é, segundo a revista norte-americana Forward, um imigrante russo. Ele é médico nas cercanias de uma comunidade judaica ortodoxa, chamada Kiryas Joel, que fica a uma hora da cidade de Nova York. 

Antes da entrevista com Giuliani, um vídeo transformou Zelenko em celebridade nos Estados Unidos. Publicado no YouTube em 21 de março, era endereçado a Trump. Desde então, as imagens foram removidas pelo site de vídeos por "violar os Termos de Serviço" da plataforma. O Comprova acessou o canal do médico no YouTube e constatou que ele foi criado em 15 de março deste ano. De fato, o vídeo em questão não consta mais na lista de publicações de Zelenko. Apesar disso, o vídeo continua circulando na internet, como o Comprova pode constatar em dois sites que publicam notícias das comunidades judaicas dos Estados Unidos.

No vídeo direcionado a Trump, de 3 minutos e 6 segundos, Zelenko se apresenta, detalha a experiência que tem realizado em Kiryas Joel e sugere que a combinação de hidroxicloroquina, azitromicina e zinco deve ser usada em pacientes do grupo de risco da covid-19 nos estágios iniciais da infecção ou mesmo como "profilaxia" - antes da infecção, portanto - em pacientes de alto risco. Trata-se de uma recomendação que difere do chamado "uso por compaixão" autorizado pelo Ministério da Saúde no Brasil.

"Eu estou vendo resultados positivos tremendos", diz Zelenko no vídeo. O médico encerra o vídeo desejando sorte a Trump. "Minha sincera bênção para você, senhor presidente. Eu pessoalmente te amo. Espero que Deus proteja você e sua família e abençoe tudo o que você faz, que é salvar esta nação de um desastre", diz.

Além de postar o vídeo no YouTube, Zelenko fez o mesmo no Facebook e publicou uma carta aberta no Google Docs divulgando seus resultados, segundo relatou o jornal The Washington Post. Quem colocou os holofotes sobre a experiência do médico de Nova York foi a Fox News, canal de televisão próximo a Trump. 

Na noite de 23 de março, Sean Hannity, um dos principais apresentadores da emissora e conselheiro informal de Trump, leu trechos da carta de Zelenko ao vivo, durante uma conversa com o vice-presidente dos EUA, Mike Pence.  

Ainda segundo o The Washigton Post, Zelenko foi contactado pelo novo chefe de gabinete de Trump, Mark Meadows, e, na manhã de terça-feira 24, o ex-prefeito de Nova York e advogado de Trump, Rudolph Giuliani, elogiou seu trabalho no Twitter. 

Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, aceitou atuar como advogado do presidente Trump Foto: AP/Carolyn Kaster

No último dia 28, Giuliani publicou uma entrevista de 41 minutos e 36 segundos com Zelenko em seu canal no YouTube. Nela, o médico afirmou que prescreveu hidroxicloroquina, zinco e azitromicina para cerca de 450 pacientes que apresentavam os primeiros sintomas da covid-19. Ele acredita que os medicamentos devem ser usados por pacientes que estão em casa, para diminuir o risco de serem internados. Mas faz uma ressalva: só receita o "coquetel" para pessoas com mais de 60 anos ou com doenças crônicas, alegando receio por causa dos efeitos colaterais das drogas. "É a arte da medicina, você quer o máximo de benefícios com o mínimo de efeitos colaterais", disse. 

Zelenko também especifica as dosagens de cada medicamento e quantas vezes por dia as prescreve para cada paciente. Dessa entrevista que foram retirados os trechos que estão no vídeo de  7 minutos e 53 segundos publicado no canal Embaixada da Resistência. 

Ao divulgar a conversa no Twitter, Giuliani disse haver provas de que

"a cloroquina é 100% eficiente contra a covid-19". Como não há evidência científica disso, o tweet de Giuliani foi apagado pelo Twitter por violar as regras de uso da plataforma durante a pandemia da doença. Outros">">tweets de Giuliani nos quais ele não garante a cura da covid-19 continuam disponíveis em seu perfil na rede social.

Trump apoia a cloroquina, apesar da controvérsia

Há semanas, Trump tem apoiado o uso de cloroquina e hidroxicloroquina contra a covid-19, mesmo na ausência de evidências científicas sobre sua eficácia. Em 21 de março (mesma data em que Zelenko postou seu vídeo para Trump), o presidente dos Estados Unidos afirmou no Twitter que "

">hidroxicloroquina e azitromicina, tomadas em conjunto, têm uma chance real de ser um dos maiores fatores de mudança na história da medicina". 

Desde então, Trump vem incentivando com frequência o uso dessas substâncias. Diante da comoção provocada por seus discursos, pelo menos 20 estados tiveram, segundo levantamento do Wall Street Journal, de emitir diretrizes limitando a prescrição da hidroxicloroquina. A intenção é garantir que o medicamento continue disponível para os pacientes de doenças como o lúpus, por exemplo, que dependem da substância.

No sábado, 4, a agência de notícias Reuters publicou uma reportagem segundo a qual Trump e a Casa Branca pressionaram as autoridades sanitárias dos EUA para acelerar a permissão de uso da hidroxicloroquina contra a covid-19. Em um comunicado enviado à Reuters, a Food and Drug Administration (FDA), órgão equivalente à Anvisa, afirmou que "foi determinado, com base nas evidências científicas disponíveis, que é razoável acreditar que os medicamentos específicos podem ser eficazes no tratamento da covid-19 e que, dado que não existem tratamentos alternativos adequados, aprovados ou disponíveis, os conhecidos e os potenciais benefícios do tratamento desse vírus superam os riscos conhecidos e potenciais".

No domingo, 5, Trump voltou a incentivar o uso da hidroxicloroquina em uma entrevista coletiva. Na conversa com os jornalistas, o presidente dos EUA impediu, no entanto, que seu principal conselheiro científico com relação à covid-19 respondesse sobre a hidroxicloroquina. Anthony S. Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, enfatizou em diversas outras oportunidades que não há comprovação científica da eficácia da hidroxicloroquina contra a covid-19.

Não há provas de eficácia da cloroquina

No tweet de 21 de março em que alardeou o uso da hidroxicloroquina, Trump citou um estudo realizado em Marselha, na França, por um grupo liderado pelo médico Didier Raoult. Segundo o estudo, a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina teria curado alguns pacientes de covid-19. Com um passado controverso, Raoult foi duramente criticado por conta do estudo, apontado como falho do ponto de vista científico e pouco transparente, uma vez que os dados brutos não foram compartilhados.

Desde então, outros estudos se debruçaram sobre essa questão. Um deles, realizado no hospital Renmin, da Universidade de Wuhan, na China, encontrou indícios de que a hidroxicloroquina ajudou a acelerar a recuperação de um pequeno número de pacientes que tinham sintomas leves da covid-19. Vale salientar que, segundo a OMS, entre os sintomas leves da doença está a pneumonia.

Outro pequeno estudo realizado na China, e publicado em um periódico da Universidade Zhejiang, não detectou benefícios com o uso de hidroxicloroquina e concluiu que mais pesquisas são necessárias. 

Um quarto estudo, coordenado por Jean-Michel Molina, professor do Departamento de Doenças Infecciosas da Universidade de Paris, publicado no periódico Médecine et Maladies Infectieuses, não encontrou nenhuma evidência de redução da carga viral ou benefício clínico com a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina em pacientes com infecção grave por covid-19.

Viralização

A postagem do canal Embaixada da Resistência registrou, até esta segunda-feira 6, 47 mil visualizações. 

ADENDO: Esta checagem foi feita com informações disponíveis sobre a covid-19 até o dia 6 de abril de 2020. O estudo do médico Vladimir Zelenko acabou sendo publicado oito meses depois, em dezembro daquele ano, no International Journal of Antimicrobial Agents. A pesquisa não obedece ao padrão ouro de pesquisas científicas. Não foi definido um grupo de controle, que recebe uma substância inativa para fins de comparação (placebo). Zelenko recuperou registros médicos de 141 pacientes que supostamente teriam tomado o tratamento com hidroxicloroquina, azitromicina e zinco, e comparou com o registro dos dados de 377 pacientes que não teriam sido submetidos aos medicamentos.

Este tipo de estudo não é considerado de alto nível, tendo em vista que a seleção dos casos a serem incluídos pode ocorrer de forma enviesada para confirmar o resultado desejado. Além disso, por não se tratar de um protocolo de estudo controlado, há fatores externos que podem influenciar de forma desigual a evolução do quadro de saúde dos pacientes. Estas ressalvas estão escritas no próprio estudo publicado por Zelenko.

Em março de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou "fortemente" que a hidroxicloroquina não seja utilizada como prevenção contra a covid-19 e deixe de ser prioridade em pesquisas científicas. A decisão foi tomada após seis estudos com 6 mil pacientes mostrarem que a droga não teve efeito significativo na redução de casos e "provavelmente" aumenta o risco de efeitos adversos.

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