O que estão compartilhando: que um grupo de pesquisadores da universidade Vrije Universiteis Amsterdam, na Holanda, sugeriu que o aumento no número de mortes dos últimos anos está diretamente relacionado com as vacinas contra a covid-19.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A postagem distorce um artigo publicado neste mês de junho na revista internacional de saúde pública BMJ Public Health. Foram analisadas tendências de excesso de mortalidade durante a pandemia de covid-19, mas os autores do estudo não se debruçaram sobre as causas desse excesso. A editora que publica a revista afirmou que o estudo foi mal interpretado. “Vários meios de comunicação afirmaram que essa pesquisa implica uma ligação causal direta entre a vacinação contra a covid-19 e a mortalidade. Esse estudo não estabelece nenhuma ligação desse tipo”, esclareceu. Na realidade, a vacinação contribuiu para a diminuição do número de mortes causadas pelo coronavírus.
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Em resumo, o artigo avaliou dados de “mortalidade por todas as causas” levantados pela plataforma Our World in Data entre 2020 e 2022 (durante a pandemia), para identificar países do Ocidente que tiveram um excesso de mortes significativo. O termo “excesso de mortes”, segundo o próprio estudo, é a diferença entre o número relatado de mortes em um país durante certo tempo e o número esperado de mortes em condições normais, considerando o mesmo local e período.
- Mortes em excesso = Mortes registradas - Mortes esperadas
A pesquisa calculou cerca de 3 milhões de mortes a mais do que o esperado em 47 países. Logo na introdução do estudo, os pesquisadores afirmam: “Desde a eclosão da pandemia de covid-19, o excesso de mortalidade inclui não apenas as mortes causadas pela infecção pelo SARS-CoV-2 (vírus que causa a covid), mas também as mortes relacionadas aos efeitos indiretos das estratégias de saúde para lidar com a disseminação e a infecção pelo vírus”.
A eficácia das vacinas é reconhecida pelo estudo, mas os autores também mencionam consequências dos efeitos adversos reportados em vacinados. Eles afirmam que “o excesso de mortalidade permaneceu alto no mundo ocidental por três anos consecutivos, apesar da implementação de medidas de contenção e das vacinas contra a covid-19″. Os cientistas propõem que lideranças governamentais investiguem as causas dessa tendência, mas não afirmam quais são as causas.
Segundo a revista BMJ, os estudiosos analisaram somente as tendências do excesso de mortalidade ao longo do tempo, e não as causas. “Embora os pesquisadores reconheçam que efeitos colaterais são relatados após a vacinação, a pesquisa não alega que as vacinas são o principal fator contribuinte para o excesso de mortes desde o início da pandemia”, afirmou a editora. “As vacinas, de fato, foram fundamentais para reduzir quadros graves e mortes associadas à infecção por covid-19″.
A revista científica declarou ainda que “a mensagem da pesquisa é que a compreensão do excesso de mortalidade geral desde a pandemia de covid-19 é crucial para futuras políticas de saúde, mas que a identificação de causas específicas é complexa, devido à variação da qualidade dos dados nacionais e dos métodos de notificação”.
O artigo foi publicado na revista BMJ Public Health no dia 3 deste mês. No dia 5, o jornal britânico The Telegraph divulgou a pesquisa com o título “Vacinas contra a covid podem ter ajudado a aumentar o número de mortes em excesso”. Nas redes sociais, várias publicações desinformam ao citar a manchete para alimentar um discurso antivacina.
Mortes causadas pela própria covid-19 têm relação com excesso de óbitos
Na análise do epidemiologista Isaac Schrarstzhaupt, doutorando pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Rede Análise, um dos problemas do estudo tem a ver com o excesso de óbitos causados pela própria covid. Segundo ele, quando são comparados dados de óbitos por covid e dados de excesso de óbitos, é possível observar tendências muito similares.
De acordo com o especialista, a semelhança fica clara em um gráfico do The World Mortality Dataset (Conjunto de dados de mortalidade mundial), citado pela plataforma Our World in Data, que foi a base da pesquisa. Na imagem abaixo, a linha vermelha representa os óbitos em excesso por semana; a linha preta, os óbitos oficiais por semana registrados por covid-19. O gráfico mostra dados de Áustria, Bélgica, Colômbia, França, Alemanha, Itália, México, Holanda, Peru, Eslovênia, África do Sul, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos, nessa ordem.
Segundo Schrarstzhaupt, a análise do gráfico permite concluir que “muito provavelmente esses óbitos em excesso foram por covid-19″. O especialista lembra que, no caso do Brasil, a semelhança entre dados de óbitos em excesso e de óbitos registrados por covid-19 foi observada ano passado pelos pesquisadores Bruno Paim e Marilyn Agranonik, do Departamento de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul. Analisando números do SUS até dezembro de 2021, eles observaram 619.573 óbitos em excesso. O número de mortes registradas pela covid no mesmo período foi de 619.056, uma diferença de apenas 1%.
Mortes foram evitadas graças à vacinação
Para a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, pesquisadora e professora da escola de saúde da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), a pesquisa analisada aqui tem limitações importantes e deixa de lado a quantidade de mortes que foram evitadas graças à vacinação.
Ela detalhou que o excesso de óbitos pode ter questões multifatoriais, determinadas pelas características da população analisada. Como exemplo, em cada país é diferente o número de indivíduos com doenças pré-existentes, que podem complicar o desenvolvimento da covid. Além disso, cada governo adotou medidas diferentes de combate ao vírus, com diferentes graus de adesão.
Outro fator citado por Mellanie como importante no cálculo de excesso de mortes é que “a situação pandêmica traz impactos diretos e indiretos para os sistemas de saúde e o acesso à saúde, o que pode complicar o manejo de doenças pré-existentes”.
“Dessa forma, atribuir o excesso de óbitos a uma única causa pode estar excluindo outros fatores importantes”, concluiu.
Como lidar com postagens desse tipo: Suspeite de postagens nas redes sociais que trazem informações incompletas e sem comprovação sobre a vacinação contra covid-19. Complete sua pesquisa com análises de especialistas na área e lembre que há dados sólidos comprovando que a vacinação salvou milhares de vidas.