É falso que houvesse uma pessoa com um fuzil real na quadra da escola de samba Imperatriz Leopoldinense durante as comemorações pelo título do carnaval do Rio de Janeiro de 2023. A alegação ganhou as redes após uma pessoa filmar a tela da TV no momento que em que a Rede Globo fazia uma transmissão ao vivo da quadra da escola, no bairro de Ramos. O objeto, no entanto, era um adereço de uma das fantasias usadas no desfile, segundo informou a Imperatriz Leopoldinense. A Polícia Militar foi ao local e confirmou que os objetos eram rifles cenográficos. Este ano, a escola campeã do Carnaval do Rio homenageou Lampião, o rei do cangaço, e várias alas usaram em suas fantasias acessórios que imitavam as armas empunhadas pelos cangaceiros.
No vídeo que viralizou no Twitter, Facebook e Instagram, alguns dos compartilhamentos enganam ao acusar a Rede Globo de ser “conivente com o crime” por supostamente agir com naturalidade diante de uma arma de fogo. Também questionam o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, ironicamente, se o rapaz que aparece no vídeo tem registro de CAC (Colecionador, Atirador Desportivo e Colecionador).
O Estadão Verifica entrou em contato com a Imperatriz, que disse ter se tornado alvo de desinformação nas redes pela aproximação com o presidente Lula. A primeira-dama, Janja da Silva, é madrinha da velha guarda da Imperatriz. Durante a campanha eleitoral, no ano passado, Luiz Inácio Lula da Silva esteve no Complexo do Alemão e recebeu de moradores a bandeira da Imperatriz e um boné do CPX, sigla que significa Complexo, mas que foi alvo de desinformação ao ser falsamente associada ao tráfico de drogas, como mostrou o Verifica. “É fake que componentes ostentaram fuzis na quadra da Imperatriz após o campeonato”, disse a agremiação em nota.
O vídeo com a acusação sobre o suposto fuzil logo ganhou as redes sociais e, de acordo com o site Enfoco Notícias, o 22º Batalhão da Polícia Militar (BPM/Maré), que atua nas imediações, foi chamado ao local. Lá, foi informado pela diretoria da escola que as armas eram adereços de fantasias. Na verdade, a Polícia Militar já estava no local: às 19h20 da quarta-feira, 22, a Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) publicou no Twitter que policiais do 22º BPM e da UPP dos morros do Adeus e Baiana estavam reforçando o policiamento no entorno da quara da escola campeã.
Não há qualquer menção a apreensão de armas no local. Por e-mail, a PMERJ confirmou ao Estadão Verifica que não havia armas de verdade no local. “Eram rifles cenográficos, utilizados por uma ala que representava cangaceiros. A própria direção da escola pediu que os objetos fossem guardados.”
Segundo a Imperatriz, havia uma patrulha da PM na porta da escola e, após alguém fazer uma denúncia, os policiais pediram que a diretoria falasse com os componentes para que não usassem os adereços. Um vídeo feito no local mostra que a diretoria realmente pediu para que as pessoas não usassem os acessórios: “Para que a gente não tenha problema, vamos pegar quem está com as armas, que são um adereço de fantasia, deixando muito claro, e não vamos expor, não. Coloca aí pra baixo, que isso pode dar problema pra gente, tá bom? E vamos de samba!”.
Homenagem a Lampião e à literatura de cordel
O tema do carnaval de 2023 da Imperatriz Leopoldinense foi “O aperreio do cabra que o Excomungado tratou com má-querença e o Santíssimo não deu guarida”, uma homenagem a Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, inspirada na literatura do cordel sobre o cangaço. Rifles eram armas comumente usadas pelo cangaceiros, e eles aparecem diversas vezes no desfile da Imperatriz, nas fantasias de diferentes alas. Uma delas, toda preta, se assemelha à que aparece vídeo, como mostra esta foto do desfile disponibilizada no site oficial da Imperatriz:
Outras alas também tinham objetos imitando armas nas fantasias, como a ala das baianas, chamada “Leopoldinense e cangaceira”. A ala mostrava baianas vestidas de cangaceiras e homenageando Dada, a primeira mulher a usar um fuzil no grupo de Lampião e Maria Bonita. O adereço tinha enfeites coloridos, assim como outra ala, que levava rifles decorados de dourado.
Apesar de usar o trecho de uma transmissão para acusar a escola de samba de ter integrantes com armas de fogo dentro da quadra, o vídeo aqui investigado omitiu outro trecho da mesma matéria da TV Globo em que fica claro que as supostas armas eram acessórios de fantasias.
Alguns segundos depois, na mesma entrada ao vivo, a jornalista Lilia Teles entrevistou Raul Marinho, diretor da ala das baianas da Imperatriz há 40 anos. Ele leva nos ombros uma espécie de rifle usado pelas baianas, que é exibido por Lilia Teles ao final da entrevista, quando ela afirma: “E aqui com ele, olha só, esse aqui era um dos acessórios daquele bando de Maria Bonita que foi pra avenida, as baianas saíram lindas”.