O que estão compartilhando: que o governo federal, por meio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), está cobrando imposto sindical de aposentados.
O Estadão Verifica checou e concluiu que: é enganoso. Postagens nas redes sociais distorcem o teor de uma denúncia verdadeira feita em um vídeo publicado nas redes sociais, de modo a tentar culpar o governo e o INSS por uma cobrança indevida feita por uma entidade de classe.
No vídeo original, um homem afirma que R$ 33 foram descontados de forma não autorizada da aposentadoria de seu tio, identificado como Osvaldo Sartori. O valor foi revertido para a Confederação Brasileira dos Trabalhadores de Pesca e Aquicultura (CBPA).
O vídeo acabou compartilhado com uma legenda enganosa, atribuindo ao governo federal e o INSS pela cobrança de “imposto sindical”. Essa interpretação equivocada é reforçada nos comentários (aqui, aqui).
Além de não se tratar de um tributo, o desconto não é do INSS, e sim de entidades de classe. Descontos como esse, direto no valor do benefício de aposentadoria, são feitos por meio de um acordo de cooperação técnica entre o INSS e confederações, federações ou associações de aposentados e pensionistas. Para tanto, é necessário autorização expressa do aposentado. A CBPA admitiu que o desconto foi feito de forma indevida e disse ter devolvido os valores a Osvaldo Sartori.
Saiba mais: apesar de o valor mencionado no vídeo ter ido parar na conta de uma confederação de trabalhadores, a CBPA, ele não corresponde a um imposto ou contribuição sindical, como afirmam os posts que viralizaram. Em nota, o INSS informou que “mantém acordos de cooperação técnica com entidades de classe para desconto de mensalidade associativa com algumas instituições, tal como a Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura”.
Esse desconto é autorizado, segundo o INSS, pelos artigos 115 da Lei 8.213/1991 e 154 do Decreto 3.048/1999. Para que o desconto seja feito, contudo, é preciso que o filiado à entidade de classe o autorize expressamente – o que não foi o caso do aposentado cuja situação foi denunciada no vídeo. O Estadão Verifica não conseguiu localizá-lo.
Cadastro feito por outra entidade
Procurada, a CBPA disse em nota que as contribuições de aposentados são voluntárias e “não tem rigorosamente nada a ver com imposto sindical”. A Confederação disse que os seus cadastros são feitos por entidades de pesca e disse que o que ocorreu com Osvaldo Sartori foi uma “falha de registro”. A reportagem questionou qual entidade fez o cadastro, e em que Estado, mas não obteve resposta.
Ainda em nota, a CBPA informou que, eventualmente, existem falhas nesses registros, mas disse que não é comum que isso aconteça. Quando isso ocorre, os valores são devolvidos em uma conta bancária indicada pelo aposentado. A devolução dos valores para Osvaldo Sartori teria ocorrido no dia 14 de setembro de 2023. Ele reclamou a cobrança indevida de R$ 66, ou seja, duas mensalidades.
“O caso do senhor Osvaldo Sartori chegou ao conhecimento da CBPA por intermédio de uma mensagem mandada por ele no canal de atendimento no WhatsApp às 12h29 do dia 30 de agosto. Lá, o erro foi informado e corrigido na própria troca de mensagens, concluída às 13h18. O valor de R$ 66 reclamado foi integralmente reembolsado por intermédio de uma transferência eletrônica feita às 16h14 do dia 14 de setembro”, diz a nota.
Mensalidade precisa oferecer benefício aos aposentados
De acordo com o advogado Bruno Minoru Okajima, sócio do escritório Autuori Burmann Sociedade de Advogados e pós-graduando em Direito do Trabalho na Fundação Getúlio Vargas (FGV), o desconto feito por entidades de classe precisa ser revertido em algum benefício para o aposentado. “Primeiro, essa entidade tem que firmar um acordo de cooperação técnica com o INSS para definir como vai ser esse desconto, porque ele é basicamente para ser revertido em prol do aposentado ou pensionista. É como se ele fosse associado para receber benefícios.”
No site oficial da CBPA há uma aba reservada a aposentados com informações sobre os benefícios que eles têm direito. Há, por exemplo, descontos em farmácias, cinemas, delivery, produtos automotivos, educação e eletrônicos.
Também há um formulário que precisa ser preenchido pelo aposentado, caso ele autorize que o desconto seja feito. “Existe um modelo de autorização, então ele próprio tem que autorizar”, alerta Okajima.
Para o especialista, contudo, têm sido recorrentes os casos de descontos indevidos. O INSS não respondeu à reportagem se o caso relatado no vídeo é isolado ou se situações assim têm sido recorrentes. O órgão indicou uma página com instruções para aqueles que tiveram o desconto feito indevidamente.
“O beneficiário que for descontado indevidamente deve entrar em contato com a entidade por meio do SAC que consta na própria rubrica de desconto no extrato de pagamento ou pode pedir o serviço de excluir mensalidade associativa pelo Meu INSS ou Central 135.
Desconto é diferente de imposto sindical e de contribuição assistencial
O video com as informações distorcidas começou a viralizar poucos dias após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar constitucional a instituição de uma contribuição assistencial a todos os trabalhadores de uma categoria, mesmo que não sejam sindicalizados. O desconto feito na aposentadoria, contudo, não tem qualquer relação com a decisão do STF – nem com o imposto sindical, que também voltou a ser tema de debate após o julgamento da Suprema Corte.
O advogado Bruno Minoru Okajima explica que o desconto feito diretamente na aposentadoria funciona como uma espécie de mensalidade para entidades de classe ou de aposentados e pensionistas. Já a cobrança autorizada pelo STF precisa ser acordada em uma convenção coletiva de trabalho, desde que os trabalhadores possam se opor a ela.
A cobrança autorizada pelo STF também não é o mesmo que o imposto sindical, nem significa a volta dele, como já mostrou o Projeto Comprova, do qual o Estadão Verifica faz parte. O imposto sindical correspondia ao pagamento anual obrigatório do equivalente a um dia de trabalho do funcionário ativo. O valor era destinado ao sindicato da categoria, mas ele foi extinto em 2017 com a reforma trabalhista.
Já a contribuição assistencial autorizada pelo STF não é compulsória. Ou seja, mesmo que ela seja acordada em uma convenção coletiva, o funcionário tem direito a se opor ao pagamento dentro de um prazo estabelecido.