Na esteira do caso das Americanas, um texto contendo erros a respeito da situação financeira do Itaú se espalhou na internet e no WhatsApp e fez com que muitos pensassem que a empresa está sob risco de falência. A alegação de que o banco teria “mais dívidas do que patrimônio”, no entanto, é enganosa, e documentos divulgados aos acionistas desmentem a tese de que o Itaú estaria sem “dinheiro em caixa” ou “ações em estoque”.
De acordo com os resultados mais recentes divulgados pelo Itaú, relativos ao 3º trimestre do ano passado, a empresa contava com cerca de R$ 157 bilhões de patrimônio líquido. Esse indicador representa a diferença entre o ativo e o passivo da companhia.
O balanço ainda informa que há cerca de R$ 35 bilhões a título de disponibilidades de caixa, além de R$ 316 bilhões em aplicações financeiras com liquidez. Em tese, esses valores poderiam ser manejados rapidamente para o caso de necessidades urgentes.
Segundo o Itaú, 3,3 milhões de ações estavam em tesouraria em setembro passado. São ações emitidas pelo banco no passado e depois recompradas pela empresa. Ainda que a quantia represente apenas 0,03% do total de papéis em circulação, o montante era precificado em R$ 71 milhões na época.
O Estadão Verifica analisou esse conteúdo depois de receber diversos pedidos de leitores pelo WhatsApp (11) 97683-7490. No Google Trends, plataforma que mostra as pesquisas mais frequentes do Google, houve um crescimento repentino no interesse do termo “falência” relacionado ao Itaú nos últimos dias. Confira a checagem completa abaixo.
Dinheiro em caixa
Ao alegar que o Itaú supostamente não teria dinheiro em caixa, o texto menciona uma ordem de bloqueio judicial que não teria encontrado nada nos CNPJs da empresa em 2020, mas a história não é bem assim. Em 18 de setembro daquele ano, a juíza Rosana Lúcia de Canelas Bastos, da 1ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Belém, no Pará, determinou o bloqueio de R$ 2,09 bilhões da instituição financeira em uma ação indenizatória, que corre em segredo de Justiça.
Em resposta ao Estadão Verifica, o Itaú afirmou que o bloqueio foi efetuado, mas não houve notificação ao juízo porque o Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (SISBAJUD), operado pelo Banco Central junto às entidades financeiras, apresentou instabilidade no período. A magistrada chegou a escrever em uma manifestação que o bloqueio teria resultado em “zero reais”, mas ela não foi localizada para esclarecer se isso ocorreu por erro no sistema ou por outro motivo. O Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) não retornou aos pedidos de informação da reportagem.
Itaú
De qualquer forma, o episódio é insuficiente para alegar que o Itaú estaria com os cofres vazios. A alegação difere dos informes mais recentes divulgados aos acionistas, como mencionado anteriormente. Ao Estadão, o Itaú declarou que “possui confortavelmente recursos estáveis disponíveis suficientes para suportar as perdas mesmo em um cenário de estresse” e que prováveis perdas com processos judiciais passam por provisionamento de recursos e não afetam mais os resultados das operações.
Ação judicial
O processo a que responde o Itaú citado no texto tramita no TJ-PA desde 2002. O banco é acusado de vender ações de um investidor e de sua empresa, adquiridas na década de 1970, sem autorização. O homem pede indenização na Justiça com base na evolução acionária, ou seja, na quantidade de ações a que teria direito hoje.
Em um informe ao mercado, o Itaú reconhece que foi condenado “definitivamente” a pagar a indenização, mas o montante ainda é colocado como incerto. Enquanto um perito avaliou que esse repasse deveria ser de R$ 4 bilhões, a companhia entende que deve R$ 895 mil, valor que foi depositado judicialmente.
Além disso, o Itaú provisionou R$ 1,06 milhão para arcar com o referido processo judicial em seus demonstrativos contábeis, segundo o documento, divulgado em abril do ano passado. A medida passa a ser tomada quando a perda na Justiça é dada como “provável” pelos gestores. No cenário mais extremo calculado pelo banco, o pagamento seria de R$ 7,1 bilhões.
A diferença nos valores resulta de um impasse referente a um suposto grupamento de ações em 1987, alegado pelo Itaú, o que modifica o cálculo. Porém, em decisão de 1º grau que é contestada pelo banco, a Justiça do Pará entendeu que não existem elementos suficientes comprovando essa teoria. Por conta disso, a juíza homologou o laudo pericial e determinou o bloqueio de valores nas contas do banco. Esse bloqueio depois acabou suspenso.
Reclamações
Após a ordem de bloqueio, o Itaú entrou com uma reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e na Corregedoria de Justiça do Pará, além de recurso no TJ. O banco acusa a magistrada de agir de forma parcial e contesta a validade da decisão, enquanto a juíza diz que agiu conforme a lei, e o escritório que representa o investidor reclama de o Itaú estar usando de artifícios para protelar o cumprimento da sentença.
Em uma decisão polêmica, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, então presidente do CNJ, concedeu liminar determinando que o valor bloqueado não fosse movimentado até a decisão de segundo grau da Justiça do Pará. A decisão gerou debates no meio jurídico porque havia o entendimento antes de que não cabe ao órgão suspender decisões judiciais, apenas atuar no âmbito disciplinar e administrativo.
O caso chegou a ser levado ao plenário do CNJ, mas o julgamento foi paralisado por um pedido de vista. Posteriormente, a desembargadora Eva do Amaral Coelho atendeu a recurso do Itaú e suspendeu o bloqueio, em caráter liminar. O caso depende da análise definitiva desse recurso para seguir adiante.
A liminar de Fux depois foi extinta, sem análise do mérito, pela primeira turma do STF, ao entender que a medida havia perdido o objeto com a decisão da desembargadora do TJ-PA. As reclamações disciplinares contra a juíza de Belém foram arquivadas.
Ministros do STF
A partir desses fatos, o texto sugere que os ministros do STF Luís Roberto Barroso e Luiz Fux teriam favorecido o Itaú. O motivo seria que a defesa do banco é de responsabilidade da Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados, que sucedeu um escritório de advocacia de Barroso.
O nome de Rafael Barroso Fontelles, sobrinho do magistrado e um dos sócios do BFBM, realmente aparece no processo — o que, por outro lado, não é capaz de provar uma suposta atuação dos ministros em favor do banco e do escritório de advocacia.
Procurada pela reportagem, a assessoria de Barroso declarou em nota que o escritório foi criado por seus antigos sócios e que “não mantém qualquer vínculo” com a empresa. A assessoria de Fux disse que o ministro “considerou que havia elementos de conduta irregular da magistrada” ao tomar a decisão no CNJ.
Paralelo com o caso Americanas?
O material checado cita o caso recente das Americanas para tratar das finanças do Itaú, o que suscitou dúvidas a respeito da possibilidade de o caso se repetir com o banco, ou mesmo de a instituição declarar falência. Dois especialistas em mercado financeiro consultados pelo Estadão, porém, avaliam que as duas companhias passam por cenários muito distintos.
No caso das Americanas, a varejista entrou com um pedido de recuperação judicial em janeiro após constatar um rombo de R$ 43 bilhões em suas contas. A empresa pagava fornecedores por meio de uma triangulação com bancos, mas os pagamentos não foram devidamente dimensionados e realizados, gerando a dívida. O próprio Itaú está na lista de credores, no valor de R$ 2,7 bilhões.
O Itaú, por outro lado, é uma empresa do setor financeiro, que trabalha com uma outra lógica de operação. Segundo Carlos Macedo, analista de setor financeiro da Ohmresearch, comparar o passivo das duas empresas não é um método confiável de análise. “O banco, por definição, alavanca o patrimônio diversas vezes ao emprestar dinheiro que não lhe pertence, os depósitos”, explica.
“Assim como todos os outros bancos, o principal passivo do Itaú é o capital dos seus credores. O banco compra dinheiro e vende a preços maiores. Nesse movimento, acaba utilizando bastante recursos de terceiros para financiar a sua principal atividade”, aponta Caique Soares, gestor da mesa de renda variável da Ápice Investimentos. “É um nível de alavancagem extremo quando coloca na mesma régua uma empresa não bancária.”
A métrica mais adequada para conferir a saúde financeira do banco, segundo os dois especialistas, é o Índice de Basileia, que compara a proporção do capital próprio com o de terceiros nas operações e fornece uma ideia da capacidade da empresa de resolver pendências. O Itaú estava com 14,7% no 3º trimestre do ano passado, acima do mínimo exigido pelo Banco Central, de 11%.
Para Soares, ainda que parte dos processos judiciais mostrados no texto possa afetar as contas do Itaú, eles têm baixa probabilidade de penalizar o banco de forma expressiva, diferentemente do que ocorreu com o rombo das Americanas.
Outros pontos levantados
O conteúdo checado menciona outros dois fatos ao final do texto. O primeiro é que o Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) teria “perdoado” uma dívida do Itaú de “R$ 30 bilhões” em impostos.
Como mostra reportagem do jornal O Globo, o Itaú venceu um processo em que o Estado cobrava R$ 25 bilhões em Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) na fusão com o Unibanco, em 2008. Os conselheiros entenderam que não houve ganho de capital na operação e, portanto, não há razões para que a Receita cobre esses tributos.
Outra notícia, do Poder360, mostra que o Itaú foi absolvido em um processo no Carf que cobrava uma dívida fiscal de R$ 775,8 milhões no mesmo ano, por conta de supostas irregularidades na distribuição de Juros sobre o Capital Próprio (JCP). O caso ainda está pendente de análise de instância superior.
O segundo episódio mencionado é que a Prefeitura de São Paulo teria multado o Itaú em “R$ 6 bilhões”. O município cobrou R$ 3,8 bilhões por suposta fraude fiscal, em 2019, acusando a empresa de simular a transferência de sedes administrativas para Poá e Barueri, cidades próximas da capital paulista, a fim de pagar menos impostos. Corrigindo pela inflação, o valor equivale hoje a cerca de R$ 4,7 bilhões.
Sobre esse assunto, o Itaú comunicou que a cobrança “foi alvo de ação anulatória por parte do banco e que ainda não há qualquer decisão de mérito reconhecendo a exigibilidade da multa”. De acordo com o banco, “a exigibilidade da multa foi suspensa no processo”.
O que diz o site
Em resposta ao Estadão Verifica, o editor do site Painel Político, Alan Alex, reconheceu que houve erro na questão do “dever mais que o patrimônio” e argumentou que o material foi “corrigido imediatamente”. Justificou ainda que o banco não tem ações em estoque para repassar ao acionista prejudicado e que, ao afirmar que não haveria dinheiro em caixa, baseou-se em despacho da juíza Rosana Lúcia de Canelas Bastos, afirmando ter encontrado “zero reais” ao bloquear valores nas contas do Itaú.