Nova live de argentino desinforma sobre votos em branco e ‘fantasmas’


Em vídeo viral nas redes, apoiador de Bolsonaro levanta suspeitas sobre resultado da eleição sem apontar qualquer falha nas urnas

Por Samuel Lima, Gabriel Belic e Clarissa Pacheco
Atualização:

Não é verdade que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha vencido as eleições contra Jair Bolsonaro (PL) por meio de “votos fantasmas” e “roubo de votos em branco” nas urnas eletrônicas. A alegação se baseia em uma nova live de um canal argentino nas redes sociais que especula sobre números divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sem apontar qualquer tipo de inconsistência nos equipamentos.

Especialistas consultados pelo Estadão Verifica destacam que a metodologia utilizada nos cálculos é pouco confiável e que o autor chega a conclusões insustentáveis, como a de que modelos mais antigos das urnas favoreceriam determinado candidato. Na realidade, os equipamentos não foram distribuídos igualmente em todo o território brasileiro. Nesse caso, uma hipótese razoável é a de que a diferença entre os resultados se deve às características da população daquelas localidades em conjunto.

'Live' nas redes sociais especula sobre resultados da eleição de 2022 sem apresentar qualquer prova de fraude nas urnas. Foto: Reprodução/Facebook Foto: Reprodução
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Vale lembrar que, embora tenham sido fabricados em anos diferentes, todos os modelos de urna rodam o mesmo programa. O código-fonte é inspecionado por especialistas e fica disponível a partidos políticos, órgãos públicos e organizações da sociedade civil meses antes do pleito. Confira a seguir a checagem das principais alegações do vídeo.

Teoria do ‘voto fantasma’ ignora erro de mesários

Na gravação que circula nas redes sociais, o homem alega que foram encontrados supostos “votos fantasmas” nas urnas eletrônicas. Esse termo se refere a um tipo de crime em que um eleitor apresenta documento falso para se identificar na seção eleitoral, com o objetivo de votar no lugar de outra pessoa.

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Essa é uma das razões pela qual a Justiça Eleitoral está aderindo gradualmente à biometria. Ao identificar os eleitores por meio da impressão digital, o processo passa a depender menos da intervenção humana e o risco de fraude é reduzido. Nas eleições de 2022, pessoas sem biometria cadastrada ainda estavam aptas a votar, mas a expectativa é de que praticamente toda a população seja registrada e a identificação eletrônica passe a ser obrigatória nos próximos anos.

Diferentemente do que sugere no vídeo, o responsável não identificou “votos fantasmas” nas eleições de 2022. Ele apenas levanta dúvidas sobre um registro encontrado em logs de urnas — espécie de “diário” que descreve todo o funcionamento dos aparelhos. Ao informar em uma das linhas que “O eleitor identificado já votou”, a urna eletrônica sinaliza que o número digitado pelo mesário se refere a um título de um eleitor que já foi habilitado para votar naquele turno da eleição.

TSE adotou biometria para aumentar segurança na identificação de eleitores.  Foto: NILTON FUKUDA/ ESTADÃO
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O professor Jéferson Campos Nobre, do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que participou da inspeção do código-fonte em 2022, explica que, nesses casos, o mesário somente digitou o número errado. Contribui para isso o fato de que, na hora de identificar o eleitor, não é raro que um dos voluntários tenha de ditar o número do título para outro a partir do caderno que lista os nomes de todos aptos a votar naquela seção. “O percentual, o número de vezes que isso acontece nos logs, é irrisório frente ao tamanho da votação, do número de votos da eleição”, acrescenta o especialista.

Na live analisada pelo Verifica, o responsável pelo vídeo menciona apenas os resultados totais das urnas que registraram esse tipo de ocorrência. Isso é enganoso, pois mascara a baixa incidência desses eventos em relação ao total de urnas.

Em uma análise preliminar de um grupo de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), a mensagem de que o eleitor já havia votado apareceu em cerca de 13% das urnas — 4.893 de 36.983 arquivos logs. Dentre esses casos, 76% registraram o evento uma única vez e 95% tiveram três registros ou menos. Portanto, é improvável que nesses casos tenha existido algum tipo de má-fé.

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De acordo com o professor da Escola Politécnica da USP Marcos Simplicio, houve de fato uma incidência incomum desse tipo de mensagem em uma minoria de seções eleitorais, o que pode sinalizar mau uso do terminal pelo mesário e justificar a abertura de uma investigação do TSE. Nas três seções eleitorais em que esse erro mais ocorreu, uma urna registrou ampla vitória de Lula, outra de Bolsonaro e a terceira, uma disputa mais próxima entre os dois candidatos. Ou seja, os casos de identificação errada de eleitores são isolados.

Procurado pelo Estadão, o TSE afirmou que o registro não indica nenhuma irregularidade no sistema. “É apenas um aviso de que houve uma tentativa duplicada de habilitar uma pessoa autorizada a votar em momento anterior”, explicou a Corte eleitoral em nota.

Não há evidência de ‘roubo de votos em branco’

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Assim como na primeira live desmentida pelo Estadão Verifica, o autor do vídeo apresenta um comparativo de resultados entre os modelos de urnas eletrônicas de 2020 e os demais utilizados (2009, 2010, 2011, 2013 e 2015) para sugerir que os equipamentos antigos teriam favorecido Lula nas eleições (veja aqui porque essa afirmação é enganosa). Dessa vez, um novo argumento gira em torno dos votos em branco.

Modelo UE 2020, o mais recente da urna eletrônica, esteve presente em 224.999 seções eleitorais dos 26 estados e do Distrito Federal. Do total de equipamentos utilizados no pleito (577.125), o UE 2020 correspondeu a aproximadamente 39% do total. Foto: Antonio Augusto/TSE

Na live, o responsável pelo conteúdo sugere, sem apresentar provas, que parte desses votos em branco foram “roubados” para o candidato do PT. Ele se baseia em um comparativo entre a quantidade de urnas que não registraram nenhum voto em branco no primeiro e no segundo turno. Nos modelos 2020, o número de seções com nenhum voto em branco teria reduzido; nos modelos mais antigos, essa quantidade teria aumentado.

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O cálculo, no entanto, ignora outras duas formas de o eleitor não votar em nenhum candidato: nulos (ao votar em um número de um partido que não está disputando aquele cargo público) e abstenções (ao não comparecer ao local de votação). É possível que um eleitor que votou em branco no primeiro turno deixe de votar no segundo turno, por exemplo, ou mesmo decida por escolher algum candidato ou anular o voto.

O autor do vídeo também não explica na prática como teria ocorrido essa suposta fraude nos votos em branco entre os dois turnos. Para fazer algum sentido, as urnas eletrônicas teriam que se comportar de maneira diferente na primeira e na segunda etapa de votação, mas não houve nenhuma alteração de códigos nesse período.

“Não tem nenhum sentido a alegação porque não é possível reprogramar os votos para eles serem de um determinado candidato pra branco ou para nulo, ou vice-versa. Esse aspecto consta no código-fonte, que é verificado nos testes de integridade”, explica Jéferson Nobre, da UFRGS.

Depois de inspecionado, o código-fonte das urnas é lacrado e assinado digitalmente justamente para impedir qualquer tentativa de adulteração dos programas que rodam nos equipamentos de votação. No final das contas, o vídeo apenas especula em cima de estatísticas, sem mostrar evidências concretas que validem o seu argumento, uma tática comum ao se alimentar teorias da conspiração.

Além da ausência de justificativa para duvidar da confiabilidade dos modelos antigos de urna, o autor do vídeo omite que houve uma distribuição desigual dos equipamentos no território nacional. Pesquisadores da USP analisaram esse aspecto a partir do Portal de Dados Abertos do TSE e descobriram que a taxa de utilização dos modelos anteriores a 2020 variou de 35,9%, em Alagoas, até 81,3%, em Roraima.

Discrepâncias podem ainda ser encontradas dentro de cada unidade federativa. Na maioria dos casos, as urnas mais novas ficaram concentradas nas capitais ou em grandes centros urbanos, com exceção de três estados: São Paulo, Distrito Federal e Roraima. No Rio de Janeiro, por exemplo, apenas a capital e as cidades de Mesquita, Nilópolis e Nova Iguaçu usaram exclusivamente o modelo UE2020, enquanto nos demais 88 municípios a votação ocorreu em equipamentos anteriores (O mapa pode ser consultado na pág. 31 do relatório).

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu representantes das Forças Armadas que vieram fazer a inspeção dos códigos-fonte da urna eletrônica, na sede do tribunal em Brasília-DF.  Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Essa distribuição dos equipamentos faz com que a análise apresentada na live esconda um viés regional. A diferença dos resultados pode estar ligada, portanto, a fatores sociais diversos, e não ao modelo de urna. Assim como determinados locais votam mais em um candidato do que outro, pode-se supor que a quantidade de votos em branco também varia de acordo com as características de cada região.

Tiago Batalhão, doutor em Física pela Universidade Federal do ABC (UFABC), ressaltou ao Estadão que a abstenção também varia nas cidades onde foram disponibilizadas urnas antigas e novas. A taxa foi de 21,5% em cidades com modelos anteriores e 18,8% em municípios com apenas urnas novas. No primeiro turno, essas taxas foram de 21,8% e 19,3%. O pesquisador aponta que essa variação dificilmente se explica pelo modelo de urna utilizado e reforça a influência de outros fatores no comportamento do eleitorado.

O TSE afirmou ao Estadão Verifica que cada urna eletrônica é atribuída a uma seção eleitoral específica durante a preparação e que o mesmo equipamento, em situações normais, tende a ser utilizado pelos eleitores em ambos os turnos. “A forma como as urnas serão distribuídas entre os locais de votação é definida pelas cortes regionais. Não há nenhuma orientação do Tribunal Superior Eleitoral neste sentido”, comunicou.

Segundo dados do TSE, a quantidade de votos em branco reduziu entre os dois turnos da eleição presidencial — passou de 1.964.779 (1,59%) para 1.769.678 (1,43%). A abstenção também caiu de 32.770.982 eleitores (20,95%) para 32.200.558 (20,59%). A quantidade de votos nulos, por outro lado, subiu de 3.487.874 (2,82%) para 3.930.765 (3,16%).

Aplicativo não quebrou o sigilo do voto

Em uma das supostas anomalias encontradas, o vídeo alega que os nomes dos eleitores se encontram visíveis dentro das máquinas de votação e que essa situação comprometeria o sigilo do voto. A alegação é falsa. Como explicado em nota do TSE, nomes podem aparecer nos logs das urnas, mas não revelam o voto do indivíduo.

O log é um processo de registro de eventos relevantes em um sistema computacional e, para proteção do sistema, a urna eletrônica registra todas as ações de funcionamento e eventuais falhas nesses arquivos, que são disponibilizados publicamente depois do pleito.

É verdade que nomes de eleitores podem aparecer nos logs das urnas, mas em situações muito específicas. Isso acontece quando o mesário tem algum problema para digitar o título do eleitor no terminal. Se houver falha nesse processo, então é registrado no log as informações que constavam no display do terminal, o que pode incluir o nome do eleitor, que é dito em voz alta pelo presidente da mesa antes de habilitar o cidadão para votar.

“É importante reforçar que isso não produz qualquer impacto no sigilo ou destinação do voto digitado pela eleitora ou eleitor, pois os votos são gravados de forma embaralhada no arquivo do Registro Digital do Voto (RDV). Ou seja, não é possível obter nenhum resultado por meio do cruzamento das informações disponibilizadas no log com o RDV”, declarou o TSE.

O Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc), vinculado ao Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), produziu um relatório detalhado a partir dos questionamentos feitos pelo PL, partido de Jair Bolsonaro. O grupo firmou um convênio com o TSE a fim de testar a segurança das urnas eletrônicas brasileiras.

Divulgado em 15 de novembro, o material desmente esse mesmo boato de quebra de sigilo a partir dos logs das urnas. A única informação que pode ser extraída nesse caso é o horário de votação do cidadão, o que é insuficiente para descobrir em quem o eleitor votou no pleito. Não é possível cruzar esse horário com o RDV, pois os votos são armazenados de forma embaralhada.

“O que é possível descobrir com isso é a informação temporal de quando o voto estava sendo realizado pelo eleitor, e nada mais do que isso. Em particular, não é possível, de forma alguma, identificar em quem o eleitor votou, ou mesmo se ele anulou o voto – apenas sabe-se que ele votou e em qual horário”, aponta o relatório.

Marcos Simplicio, da USP, lembra que pesquisadores conseguiram desembaralhar o RDV em um teste público de segurança realizado em parceria com o TSE, em 2012. O problema, no entanto, foi corrigido naquele mesmo ano e nunca mais apareceu nos testes. “Até poderia haver o risco naquela época, mas já faz 10 anos que essa falha não existe mais”, destacou.

Teste público de segurança de 2019. Foto: Abdias Pinheiro/TSE

Ainda para colocar em dúvida o sigilo do voto, o vídeo apresenta a empresa estrangeira Oracle como argumento de uma suposta violação do direito assegurado pela Justiça Eleitoral. Em 2020, o TSE informou que contratou o serviço Cloud at Customer, fornecido pela Oracle. A contratação foi alvo de notícias falsas na época.

Em nota, a Corte explicou que a contratação consiste na cessão, por quatro anos, de dois computadores, sendo um principal e um redundante, para ser utilizado em caso de falhas. Segundo o TSE, os sistemas e os bancos de dados são geridos pela Justiça Eleitoral e não há envolvimento de empresas estrangeiras no processo.

O TSE e os TREs utilizam os serviços da Oracle desde 1996, quando o sistema de votação eletrônica começou a ser utilizado. Em resposta ao Estadão Verifica, a Corte reforçou que a Oracle é responsável apenas pela manutenção, que consiste em um eventual conserto ou troca de peças do aparelho, por exemplo. Já a totalização dos votos de todo o País é processada no Data Center instalado na sede do tribunal.

Outras alegações falsas e enganosas

O Verifica identificou, ao longo da apresentação, outras falsidades desmentidas anteriormente.

Dono do canal tem relação com a família Bolsonaro

No dia 4 de novembro, o canal argentino La Derecha Diário fez uma live apresentando um dossiê apócrifo sobre supostas fraudes nas eleições brasileiras. O canal é controlado por Fernando Cerimedo, abertamente apoiador do presidente Jair Bolsonaro. No dia 13 de outubro, Cerimedo recebeu o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em Buenos Aires. Ele também já afirmou em uma entrevista que mantém amizade com o filho do presidente desde 2010, quando se conheceram nos Estados Unidos. Depois de espalhar as suspeitas, negou ter relação com o governo.

O Estadão e o Projeto Comprova já desmentiram alegações falsas presentes em live de Fernando Cerimedo. Na época, a transmissão ao vivo chegou a ter mais de 415 mil visualizações simultâneas. Relatório usado pelo PL para pedir a anulação do pleito na Justiça guardou semelhanças com a apresentação do argentino. O TSE rejeitou a ação e multou o partido por “litigância de má-fé”.

Em resposta ao Estadão, Cerimedo insistiu na tese de que os logs das urnas mostrariam “milhares de votos fantasmas” e que a “anomalia dos votos em branco não é normal”. Na sua opinião, “sobram” provas de fraude eleitoral no pleito deste ano.

Não é verdade que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha vencido as eleições contra Jair Bolsonaro (PL) por meio de “votos fantasmas” e “roubo de votos em branco” nas urnas eletrônicas. A alegação se baseia em uma nova live de um canal argentino nas redes sociais que especula sobre números divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sem apontar qualquer tipo de inconsistência nos equipamentos.

Especialistas consultados pelo Estadão Verifica destacam que a metodologia utilizada nos cálculos é pouco confiável e que o autor chega a conclusões insustentáveis, como a de que modelos mais antigos das urnas favoreceriam determinado candidato. Na realidade, os equipamentos não foram distribuídos igualmente em todo o território brasileiro. Nesse caso, uma hipótese razoável é a de que a diferença entre os resultados se deve às características da população daquelas localidades em conjunto.

'Live' nas redes sociais especula sobre resultados da eleição de 2022 sem apresentar qualquer prova de fraude nas urnas. Foto: Reprodução/Facebook Foto: Reprodução

Vale lembrar que, embora tenham sido fabricados em anos diferentes, todos os modelos de urna rodam o mesmo programa. O código-fonte é inspecionado por especialistas e fica disponível a partidos políticos, órgãos públicos e organizações da sociedade civil meses antes do pleito. Confira a seguir a checagem das principais alegações do vídeo.

Teoria do ‘voto fantasma’ ignora erro de mesários

Na gravação que circula nas redes sociais, o homem alega que foram encontrados supostos “votos fantasmas” nas urnas eletrônicas. Esse termo se refere a um tipo de crime em que um eleitor apresenta documento falso para se identificar na seção eleitoral, com o objetivo de votar no lugar de outra pessoa.

Essa é uma das razões pela qual a Justiça Eleitoral está aderindo gradualmente à biometria. Ao identificar os eleitores por meio da impressão digital, o processo passa a depender menos da intervenção humana e o risco de fraude é reduzido. Nas eleições de 2022, pessoas sem biometria cadastrada ainda estavam aptas a votar, mas a expectativa é de que praticamente toda a população seja registrada e a identificação eletrônica passe a ser obrigatória nos próximos anos.

Diferentemente do que sugere no vídeo, o responsável não identificou “votos fantasmas” nas eleições de 2022. Ele apenas levanta dúvidas sobre um registro encontrado em logs de urnas — espécie de “diário” que descreve todo o funcionamento dos aparelhos. Ao informar em uma das linhas que “O eleitor identificado já votou”, a urna eletrônica sinaliza que o número digitado pelo mesário se refere a um título de um eleitor que já foi habilitado para votar naquele turno da eleição.

TSE adotou biometria para aumentar segurança na identificação de eleitores.  Foto: NILTON FUKUDA/ ESTADÃO

O professor Jéferson Campos Nobre, do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que participou da inspeção do código-fonte em 2022, explica que, nesses casos, o mesário somente digitou o número errado. Contribui para isso o fato de que, na hora de identificar o eleitor, não é raro que um dos voluntários tenha de ditar o número do título para outro a partir do caderno que lista os nomes de todos aptos a votar naquela seção. “O percentual, o número de vezes que isso acontece nos logs, é irrisório frente ao tamanho da votação, do número de votos da eleição”, acrescenta o especialista.

Na live analisada pelo Verifica, o responsável pelo vídeo menciona apenas os resultados totais das urnas que registraram esse tipo de ocorrência. Isso é enganoso, pois mascara a baixa incidência desses eventos em relação ao total de urnas.

Em uma análise preliminar de um grupo de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), a mensagem de que o eleitor já havia votado apareceu em cerca de 13% das urnas — 4.893 de 36.983 arquivos logs. Dentre esses casos, 76% registraram o evento uma única vez e 95% tiveram três registros ou menos. Portanto, é improvável que nesses casos tenha existido algum tipo de má-fé.

De acordo com o professor da Escola Politécnica da USP Marcos Simplicio, houve de fato uma incidência incomum desse tipo de mensagem em uma minoria de seções eleitorais, o que pode sinalizar mau uso do terminal pelo mesário e justificar a abertura de uma investigação do TSE. Nas três seções eleitorais em que esse erro mais ocorreu, uma urna registrou ampla vitória de Lula, outra de Bolsonaro e a terceira, uma disputa mais próxima entre os dois candidatos. Ou seja, os casos de identificação errada de eleitores são isolados.

Procurado pelo Estadão, o TSE afirmou que o registro não indica nenhuma irregularidade no sistema. “É apenas um aviso de que houve uma tentativa duplicada de habilitar uma pessoa autorizada a votar em momento anterior”, explicou a Corte eleitoral em nota.

Não há evidência de ‘roubo de votos em branco’

Assim como na primeira live desmentida pelo Estadão Verifica, o autor do vídeo apresenta um comparativo de resultados entre os modelos de urnas eletrônicas de 2020 e os demais utilizados (2009, 2010, 2011, 2013 e 2015) para sugerir que os equipamentos antigos teriam favorecido Lula nas eleições (veja aqui porque essa afirmação é enganosa). Dessa vez, um novo argumento gira em torno dos votos em branco.

Modelo UE 2020, o mais recente da urna eletrônica, esteve presente em 224.999 seções eleitorais dos 26 estados e do Distrito Federal. Do total de equipamentos utilizados no pleito (577.125), o UE 2020 correspondeu a aproximadamente 39% do total. Foto: Antonio Augusto/TSE

Na live, o responsável pelo conteúdo sugere, sem apresentar provas, que parte desses votos em branco foram “roubados” para o candidato do PT. Ele se baseia em um comparativo entre a quantidade de urnas que não registraram nenhum voto em branco no primeiro e no segundo turno. Nos modelos 2020, o número de seções com nenhum voto em branco teria reduzido; nos modelos mais antigos, essa quantidade teria aumentado.

O cálculo, no entanto, ignora outras duas formas de o eleitor não votar em nenhum candidato: nulos (ao votar em um número de um partido que não está disputando aquele cargo público) e abstenções (ao não comparecer ao local de votação). É possível que um eleitor que votou em branco no primeiro turno deixe de votar no segundo turno, por exemplo, ou mesmo decida por escolher algum candidato ou anular o voto.

O autor do vídeo também não explica na prática como teria ocorrido essa suposta fraude nos votos em branco entre os dois turnos. Para fazer algum sentido, as urnas eletrônicas teriam que se comportar de maneira diferente na primeira e na segunda etapa de votação, mas não houve nenhuma alteração de códigos nesse período.

“Não tem nenhum sentido a alegação porque não é possível reprogramar os votos para eles serem de um determinado candidato pra branco ou para nulo, ou vice-versa. Esse aspecto consta no código-fonte, que é verificado nos testes de integridade”, explica Jéferson Nobre, da UFRGS.

Depois de inspecionado, o código-fonte das urnas é lacrado e assinado digitalmente justamente para impedir qualquer tentativa de adulteração dos programas que rodam nos equipamentos de votação. No final das contas, o vídeo apenas especula em cima de estatísticas, sem mostrar evidências concretas que validem o seu argumento, uma tática comum ao se alimentar teorias da conspiração.

Além da ausência de justificativa para duvidar da confiabilidade dos modelos antigos de urna, o autor do vídeo omite que houve uma distribuição desigual dos equipamentos no território nacional. Pesquisadores da USP analisaram esse aspecto a partir do Portal de Dados Abertos do TSE e descobriram que a taxa de utilização dos modelos anteriores a 2020 variou de 35,9%, em Alagoas, até 81,3%, em Roraima.

Discrepâncias podem ainda ser encontradas dentro de cada unidade federativa. Na maioria dos casos, as urnas mais novas ficaram concentradas nas capitais ou em grandes centros urbanos, com exceção de três estados: São Paulo, Distrito Federal e Roraima. No Rio de Janeiro, por exemplo, apenas a capital e as cidades de Mesquita, Nilópolis e Nova Iguaçu usaram exclusivamente o modelo UE2020, enquanto nos demais 88 municípios a votação ocorreu em equipamentos anteriores (O mapa pode ser consultado na pág. 31 do relatório).

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu representantes das Forças Armadas que vieram fazer a inspeção dos códigos-fonte da urna eletrônica, na sede do tribunal em Brasília-DF.  Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Essa distribuição dos equipamentos faz com que a análise apresentada na live esconda um viés regional. A diferença dos resultados pode estar ligada, portanto, a fatores sociais diversos, e não ao modelo de urna. Assim como determinados locais votam mais em um candidato do que outro, pode-se supor que a quantidade de votos em branco também varia de acordo com as características de cada região.

Tiago Batalhão, doutor em Física pela Universidade Federal do ABC (UFABC), ressaltou ao Estadão que a abstenção também varia nas cidades onde foram disponibilizadas urnas antigas e novas. A taxa foi de 21,5% em cidades com modelos anteriores e 18,8% em municípios com apenas urnas novas. No primeiro turno, essas taxas foram de 21,8% e 19,3%. O pesquisador aponta que essa variação dificilmente se explica pelo modelo de urna utilizado e reforça a influência de outros fatores no comportamento do eleitorado.

O TSE afirmou ao Estadão Verifica que cada urna eletrônica é atribuída a uma seção eleitoral específica durante a preparação e que o mesmo equipamento, em situações normais, tende a ser utilizado pelos eleitores em ambos os turnos. “A forma como as urnas serão distribuídas entre os locais de votação é definida pelas cortes regionais. Não há nenhuma orientação do Tribunal Superior Eleitoral neste sentido”, comunicou.

Segundo dados do TSE, a quantidade de votos em branco reduziu entre os dois turnos da eleição presidencial — passou de 1.964.779 (1,59%) para 1.769.678 (1,43%). A abstenção também caiu de 32.770.982 eleitores (20,95%) para 32.200.558 (20,59%). A quantidade de votos nulos, por outro lado, subiu de 3.487.874 (2,82%) para 3.930.765 (3,16%).

Aplicativo não quebrou o sigilo do voto

Em uma das supostas anomalias encontradas, o vídeo alega que os nomes dos eleitores se encontram visíveis dentro das máquinas de votação e que essa situação comprometeria o sigilo do voto. A alegação é falsa. Como explicado em nota do TSE, nomes podem aparecer nos logs das urnas, mas não revelam o voto do indivíduo.

O log é um processo de registro de eventos relevantes em um sistema computacional e, para proteção do sistema, a urna eletrônica registra todas as ações de funcionamento e eventuais falhas nesses arquivos, que são disponibilizados publicamente depois do pleito.

É verdade que nomes de eleitores podem aparecer nos logs das urnas, mas em situações muito específicas. Isso acontece quando o mesário tem algum problema para digitar o título do eleitor no terminal. Se houver falha nesse processo, então é registrado no log as informações que constavam no display do terminal, o que pode incluir o nome do eleitor, que é dito em voz alta pelo presidente da mesa antes de habilitar o cidadão para votar.

“É importante reforçar que isso não produz qualquer impacto no sigilo ou destinação do voto digitado pela eleitora ou eleitor, pois os votos são gravados de forma embaralhada no arquivo do Registro Digital do Voto (RDV). Ou seja, não é possível obter nenhum resultado por meio do cruzamento das informações disponibilizadas no log com o RDV”, declarou o TSE.

O Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc), vinculado ao Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), produziu um relatório detalhado a partir dos questionamentos feitos pelo PL, partido de Jair Bolsonaro. O grupo firmou um convênio com o TSE a fim de testar a segurança das urnas eletrônicas brasileiras.

Divulgado em 15 de novembro, o material desmente esse mesmo boato de quebra de sigilo a partir dos logs das urnas. A única informação que pode ser extraída nesse caso é o horário de votação do cidadão, o que é insuficiente para descobrir em quem o eleitor votou no pleito. Não é possível cruzar esse horário com o RDV, pois os votos são armazenados de forma embaralhada.

“O que é possível descobrir com isso é a informação temporal de quando o voto estava sendo realizado pelo eleitor, e nada mais do que isso. Em particular, não é possível, de forma alguma, identificar em quem o eleitor votou, ou mesmo se ele anulou o voto – apenas sabe-se que ele votou e em qual horário”, aponta o relatório.

Marcos Simplicio, da USP, lembra que pesquisadores conseguiram desembaralhar o RDV em um teste público de segurança realizado em parceria com o TSE, em 2012. O problema, no entanto, foi corrigido naquele mesmo ano e nunca mais apareceu nos testes. “Até poderia haver o risco naquela época, mas já faz 10 anos que essa falha não existe mais”, destacou.

Teste público de segurança de 2019. Foto: Abdias Pinheiro/TSE

Ainda para colocar em dúvida o sigilo do voto, o vídeo apresenta a empresa estrangeira Oracle como argumento de uma suposta violação do direito assegurado pela Justiça Eleitoral. Em 2020, o TSE informou que contratou o serviço Cloud at Customer, fornecido pela Oracle. A contratação foi alvo de notícias falsas na época.

Em nota, a Corte explicou que a contratação consiste na cessão, por quatro anos, de dois computadores, sendo um principal e um redundante, para ser utilizado em caso de falhas. Segundo o TSE, os sistemas e os bancos de dados são geridos pela Justiça Eleitoral e não há envolvimento de empresas estrangeiras no processo.

O TSE e os TREs utilizam os serviços da Oracle desde 1996, quando o sistema de votação eletrônica começou a ser utilizado. Em resposta ao Estadão Verifica, a Corte reforçou que a Oracle é responsável apenas pela manutenção, que consiste em um eventual conserto ou troca de peças do aparelho, por exemplo. Já a totalização dos votos de todo o País é processada no Data Center instalado na sede do tribunal.

Outras alegações falsas e enganosas

O Verifica identificou, ao longo da apresentação, outras falsidades desmentidas anteriormente.

Dono do canal tem relação com a família Bolsonaro

No dia 4 de novembro, o canal argentino La Derecha Diário fez uma live apresentando um dossiê apócrifo sobre supostas fraudes nas eleições brasileiras. O canal é controlado por Fernando Cerimedo, abertamente apoiador do presidente Jair Bolsonaro. No dia 13 de outubro, Cerimedo recebeu o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em Buenos Aires. Ele também já afirmou em uma entrevista que mantém amizade com o filho do presidente desde 2010, quando se conheceram nos Estados Unidos. Depois de espalhar as suspeitas, negou ter relação com o governo.

O Estadão e o Projeto Comprova já desmentiram alegações falsas presentes em live de Fernando Cerimedo. Na época, a transmissão ao vivo chegou a ter mais de 415 mil visualizações simultâneas. Relatório usado pelo PL para pedir a anulação do pleito na Justiça guardou semelhanças com a apresentação do argentino. O TSE rejeitou a ação e multou o partido por “litigância de má-fé”.

Em resposta ao Estadão, Cerimedo insistiu na tese de que os logs das urnas mostrariam “milhares de votos fantasmas” e que a “anomalia dos votos em branco não é normal”. Na sua opinião, “sobram” provas de fraude eleitoral no pleito deste ano.

Não é verdade que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha vencido as eleições contra Jair Bolsonaro (PL) por meio de “votos fantasmas” e “roubo de votos em branco” nas urnas eletrônicas. A alegação se baseia em uma nova live de um canal argentino nas redes sociais que especula sobre números divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sem apontar qualquer tipo de inconsistência nos equipamentos.

Especialistas consultados pelo Estadão Verifica destacam que a metodologia utilizada nos cálculos é pouco confiável e que o autor chega a conclusões insustentáveis, como a de que modelos mais antigos das urnas favoreceriam determinado candidato. Na realidade, os equipamentos não foram distribuídos igualmente em todo o território brasileiro. Nesse caso, uma hipótese razoável é a de que a diferença entre os resultados se deve às características da população daquelas localidades em conjunto.

'Live' nas redes sociais especula sobre resultados da eleição de 2022 sem apresentar qualquer prova de fraude nas urnas. Foto: Reprodução/Facebook Foto: Reprodução

Vale lembrar que, embora tenham sido fabricados em anos diferentes, todos os modelos de urna rodam o mesmo programa. O código-fonte é inspecionado por especialistas e fica disponível a partidos políticos, órgãos públicos e organizações da sociedade civil meses antes do pleito. Confira a seguir a checagem das principais alegações do vídeo.

Teoria do ‘voto fantasma’ ignora erro de mesários

Na gravação que circula nas redes sociais, o homem alega que foram encontrados supostos “votos fantasmas” nas urnas eletrônicas. Esse termo se refere a um tipo de crime em que um eleitor apresenta documento falso para se identificar na seção eleitoral, com o objetivo de votar no lugar de outra pessoa.

Essa é uma das razões pela qual a Justiça Eleitoral está aderindo gradualmente à biometria. Ao identificar os eleitores por meio da impressão digital, o processo passa a depender menos da intervenção humana e o risco de fraude é reduzido. Nas eleições de 2022, pessoas sem biometria cadastrada ainda estavam aptas a votar, mas a expectativa é de que praticamente toda a população seja registrada e a identificação eletrônica passe a ser obrigatória nos próximos anos.

Diferentemente do que sugere no vídeo, o responsável não identificou “votos fantasmas” nas eleições de 2022. Ele apenas levanta dúvidas sobre um registro encontrado em logs de urnas — espécie de “diário” que descreve todo o funcionamento dos aparelhos. Ao informar em uma das linhas que “O eleitor identificado já votou”, a urna eletrônica sinaliza que o número digitado pelo mesário se refere a um título de um eleitor que já foi habilitado para votar naquele turno da eleição.

TSE adotou biometria para aumentar segurança na identificação de eleitores.  Foto: NILTON FUKUDA/ ESTADÃO

O professor Jéferson Campos Nobre, do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que participou da inspeção do código-fonte em 2022, explica que, nesses casos, o mesário somente digitou o número errado. Contribui para isso o fato de que, na hora de identificar o eleitor, não é raro que um dos voluntários tenha de ditar o número do título para outro a partir do caderno que lista os nomes de todos aptos a votar naquela seção. “O percentual, o número de vezes que isso acontece nos logs, é irrisório frente ao tamanho da votação, do número de votos da eleição”, acrescenta o especialista.

Na live analisada pelo Verifica, o responsável pelo vídeo menciona apenas os resultados totais das urnas que registraram esse tipo de ocorrência. Isso é enganoso, pois mascara a baixa incidência desses eventos em relação ao total de urnas.

Em uma análise preliminar de um grupo de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), a mensagem de que o eleitor já havia votado apareceu em cerca de 13% das urnas — 4.893 de 36.983 arquivos logs. Dentre esses casos, 76% registraram o evento uma única vez e 95% tiveram três registros ou menos. Portanto, é improvável que nesses casos tenha existido algum tipo de má-fé.

De acordo com o professor da Escola Politécnica da USP Marcos Simplicio, houve de fato uma incidência incomum desse tipo de mensagem em uma minoria de seções eleitorais, o que pode sinalizar mau uso do terminal pelo mesário e justificar a abertura de uma investigação do TSE. Nas três seções eleitorais em que esse erro mais ocorreu, uma urna registrou ampla vitória de Lula, outra de Bolsonaro e a terceira, uma disputa mais próxima entre os dois candidatos. Ou seja, os casos de identificação errada de eleitores são isolados.

Procurado pelo Estadão, o TSE afirmou que o registro não indica nenhuma irregularidade no sistema. “É apenas um aviso de que houve uma tentativa duplicada de habilitar uma pessoa autorizada a votar em momento anterior”, explicou a Corte eleitoral em nota.

Não há evidência de ‘roubo de votos em branco’

Assim como na primeira live desmentida pelo Estadão Verifica, o autor do vídeo apresenta um comparativo de resultados entre os modelos de urnas eletrônicas de 2020 e os demais utilizados (2009, 2010, 2011, 2013 e 2015) para sugerir que os equipamentos antigos teriam favorecido Lula nas eleições (veja aqui porque essa afirmação é enganosa). Dessa vez, um novo argumento gira em torno dos votos em branco.

Modelo UE 2020, o mais recente da urna eletrônica, esteve presente em 224.999 seções eleitorais dos 26 estados e do Distrito Federal. Do total de equipamentos utilizados no pleito (577.125), o UE 2020 correspondeu a aproximadamente 39% do total. Foto: Antonio Augusto/TSE

Na live, o responsável pelo conteúdo sugere, sem apresentar provas, que parte desses votos em branco foram “roubados” para o candidato do PT. Ele se baseia em um comparativo entre a quantidade de urnas que não registraram nenhum voto em branco no primeiro e no segundo turno. Nos modelos 2020, o número de seções com nenhum voto em branco teria reduzido; nos modelos mais antigos, essa quantidade teria aumentado.

O cálculo, no entanto, ignora outras duas formas de o eleitor não votar em nenhum candidato: nulos (ao votar em um número de um partido que não está disputando aquele cargo público) e abstenções (ao não comparecer ao local de votação). É possível que um eleitor que votou em branco no primeiro turno deixe de votar no segundo turno, por exemplo, ou mesmo decida por escolher algum candidato ou anular o voto.

O autor do vídeo também não explica na prática como teria ocorrido essa suposta fraude nos votos em branco entre os dois turnos. Para fazer algum sentido, as urnas eletrônicas teriam que se comportar de maneira diferente na primeira e na segunda etapa de votação, mas não houve nenhuma alteração de códigos nesse período.

“Não tem nenhum sentido a alegação porque não é possível reprogramar os votos para eles serem de um determinado candidato pra branco ou para nulo, ou vice-versa. Esse aspecto consta no código-fonte, que é verificado nos testes de integridade”, explica Jéferson Nobre, da UFRGS.

Depois de inspecionado, o código-fonte das urnas é lacrado e assinado digitalmente justamente para impedir qualquer tentativa de adulteração dos programas que rodam nos equipamentos de votação. No final das contas, o vídeo apenas especula em cima de estatísticas, sem mostrar evidências concretas que validem o seu argumento, uma tática comum ao se alimentar teorias da conspiração.

Além da ausência de justificativa para duvidar da confiabilidade dos modelos antigos de urna, o autor do vídeo omite que houve uma distribuição desigual dos equipamentos no território nacional. Pesquisadores da USP analisaram esse aspecto a partir do Portal de Dados Abertos do TSE e descobriram que a taxa de utilização dos modelos anteriores a 2020 variou de 35,9%, em Alagoas, até 81,3%, em Roraima.

Discrepâncias podem ainda ser encontradas dentro de cada unidade federativa. Na maioria dos casos, as urnas mais novas ficaram concentradas nas capitais ou em grandes centros urbanos, com exceção de três estados: São Paulo, Distrito Federal e Roraima. No Rio de Janeiro, por exemplo, apenas a capital e as cidades de Mesquita, Nilópolis e Nova Iguaçu usaram exclusivamente o modelo UE2020, enquanto nos demais 88 municípios a votação ocorreu em equipamentos anteriores (O mapa pode ser consultado na pág. 31 do relatório).

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu representantes das Forças Armadas que vieram fazer a inspeção dos códigos-fonte da urna eletrônica, na sede do tribunal em Brasília-DF.  Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Essa distribuição dos equipamentos faz com que a análise apresentada na live esconda um viés regional. A diferença dos resultados pode estar ligada, portanto, a fatores sociais diversos, e não ao modelo de urna. Assim como determinados locais votam mais em um candidato do que outro, pode-se supor que a quantidade de votos em branco também varia de acordo com as características de cada região.

Tiago Batalhão, doutor em Física pela Universidade Federal do ABC (UFABC), ressaltou ao Estadão que a abstenção também varia nas cidades onde foram disponibilizadas urnas antigas e novas. A taxa foi de 21,5% em cidades com modelos anteriores e 18,8% em municípios com apenas urnas novas. No primeiro turno, essas taxas foram de 21,8% e 19,3%. O pesquisador aponta que essa variação dificilmente se explica pelo modelo de urna utilizado e reforça a influência de outros fatores no comportamento do eleitorado.

O TSE afirmou ao Estadão Verifica que cada urna eletrônica é atribuída a uma seção eleitoral específica durante a preparação e que o mesmo equipamento, em situações normais, tende a ser utilizado pelos eleitores em ambos os turnos. “A forma como as urnas serão distribuídas entre os locais de votação é definida pelas cortes regionais. Não há nenhuma orientação do Tribunal Superior Eleitoral neste sentido”, comunicou.

Segundo dados do TSE, a quantidade de votos em branco reduziu entre os dois turnos da eleição presidencial — passou de 1.964.779 (1,59%) para 1.769.678 (1,43%). A abstenção também caiu de 32.770.982 eleitores (20,95%) para 32.200.558 (20,59%). A quantidade de votos nulos, por outro lado, subiu de 3.487.874 (2,82%) para 3.930.765 (3,16%).

Aplicativo não quebrou o sigilo do voto

Em uma das supostas anomalias encontradas, o vídeo alega que os nomes dos eleitores se encontram visíveis dentro das máquinas de votação e que essa situação comprometeria o sigilo do voto. A alegação é falsa. Como explicado em nota do TSE, nomes podem aparecer nos logs das urnas, mas não revelam o voto do indivíduo.

O log é um processo de registro de eventos relevantes em um sistema computacional e, para proteção do sistema, a urna eletrônica registra todas as ações de funcionamento e eventuais falhas nesses arquivos, que são disponibilizados publicamente depois do pleito.

É verdade que nomes de eleitores podem aparecer nos logs das urnas, mas em situações muito específicas. Isso acontece quando o mesário tem algum problema para digitar o título do eleitor no terminal. Se houver falha nesse processo, então é registrado no log as informações que constavam no display do terminal, o que pode incluir o nome do eleitor, que é dito em voz alta pelo presidente da mesa antes de habilitar o cidadão para votar.

“É importante reforçar que isso não produz qualquer impacto no sigilo ou destinação do voto digitado pela eleitora ou eleitor, pois os votos são gravados de forma embaralhada no arquivo do Registro Digital do Voto (RDV). Ou seja, não é possível obter nenhum resultado por meio do cruzamento das informações disponibilizadas no log com o RDV”, declarou o TSE.

O Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc), vinculado ao Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), produziu um relatório detalhado a partir dos questionamentos feitos pelo PL, partido de Jair Bolsonaro. O grupo firmou um convênio com o TSE a fim de testar a segurança das urnas eletrônicas brasileiras.

Divulgado em 15 de novembro, o material desmente esse mesmo boato de quebra de sigilo a partir dos logs das urnas. A única informação que pode ser extraída nesse caso é o horário de votação do cidadão, o que é insuficiente para descobrir em quem o eleitor votou no pleito. Não é possível cruzar esse horário com o RDV, pois os votos são armazenados de forma embaralhada.

“O que é possível descobrir com isso é a informação temporal de quando o voto estava sendo realizado pelo eleitor, e nada mais do que isso. Em particular, não é possível, de forma alguma, identificar em quem o eleitor votou, ou mesmo se ele anulou o voto – apenas sabe-se que ele votou e em qual horário”, aponta o relatório.

Marcos Simplicio, da USP, lembra que pesquisadores conseguiram desembaralhar o RDV em um teste público de segurança realizado em parceria com o TSE, em 2012. O problema, no entanto, foi corrigido naquele mesmo ano e nunca mais apareceu nos testes. “Até poderia haver o risco naquela época, mas já faz 10 anos que essa falha não existe mais”, destacou.

Teste público de segurança de 2019. Foto: Abdias Pinheiro/TSE

Ainda para colocar em dúvida o sigilo do voto, o vídeo apresenta a empresa estrangeira Oracle como argumento de uma suposta violação do direito assegurado pela Justiça Eleitoral. Em 2020, o TSE informou que contratou o serviço Cloud at Customer, fornecido pela Oracle. A contratação foi alvo de notícias falsas na época.

Em nota, a Corte explicou que a contratação consiste na cessão, por quatro anos, de dois computadores, sendo um principal e um redundante, para ser utilizado em caso de falhas. Segundo o TSE, os sistemas e os bancos de dados são geridos pela Justiça Eleitoral e não há envolvimento de empresas estrangeiras no processo.

O TSE e os TREs utilizam os serviços da Oracle desde 1996, quando o sistema de votação eletrônica começou a ser utilizado. Em resposta ao Estadão Verifica, a Corte reforçou que a Oracle é responsável apenas pela manutenção, que consiste em um eventual conserto ou troca de peças do aparelho, por exemplo. Já a totalização dos votos de todo o País é processada no Data Center instalado na sede do tribunal.

Outras alegações falsas e enganosas

O Verifica identificou, ao longo da apresentação, outras falsidades desmentidas anteriormente.

Dono do canal tem relação com a família Bolsonaro

No dia 4 de novembro, o canal argentino La Derecha Diário fez uma live apresentando um dossiê apócrifo sobre supostas fraudes nas eleições brasileiras. O canal é controlado por Fernando Cerimedo, abertamente apoiador do presidente Jair Bolsonaro. No dia 13 de outubro, Cerimedo recebeu o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em Buenos Aires. Ele também já afirmou em uma entrevista que mantém amizade com o filho do presidente desde 2010, quando se conheceram nos Estados Unidos. Depois de espalhar as suspeitas, negou ter relação com o governo.

O Estadão e o Projeto Comprova já desmentiram alegações falsas presentes em live de Fernando Cerimedo. Na época, a transmissão ao vivo chegou a ter mais de 415 mil visualizações simultâneas. Relatório usado pelo PL para pedir a anulação do pleito na Justiça guardou semelhanças com a apresentação do argentino. O TSE rejeitou a ação e multou o partido por “litigância de má-fé”.

Em resposta ao Estadão, Cerimedo insistiu na tese de que os logs das urnas mostrariam “milhares de votos fantasmas” e que a “anomalia dos votos em branco não é normal”. Na sua opinião, “sobram” provas de fraude eleitoral no pleito deste ano.

Não é verdade que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha vencido as eleições contra Jair Bolsonaro (PL) por meio de “votos fantasmas” e “roubo de votos em branco” nas urnas eletrônicas. A alegação se baseia em uma nova live de um canal argentino nas redes sociais que especula sobre números divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sem apontar qualquer tipo de inconsistência nos equipamentos.

Especialistas consultados pelo Estadão Verifica destacam que a metodologia utilizada nos cálculos é pouco confiável e que o autor chega a conclusões insustentáveis, como a de que modelos mais antigos das urnas favoreceriam determinado candidato. Na realidade, os equipamentos não foram distribuídos igualmente em todo o território brasileiro. Nesse caso, uma hipótese razoável é a de que a diferença entre os resultados se deve às características da população daquelas localidades em conjunto.

'Live' nas redes sociais especula sobre resultados da eleição de 2022 sem apresentar qualquer prova de fraude nas urnas. Foto: Reprodução/Facebook Foto: Reprodução

Vale lembrar que, embora tenham sido fabricados em anos diferentes, todos os modelos de urna rodam o mesmo programa. O código-fonte é inspecionado por especialistas e fica disponível a partidos políticos, órgãos públicos e organizações da sociedade civil meses antes do pleito. Confira a seguir a checagem das principais alegações do vídeo.

Teoria do ‘voto fantasma’ ignora erro de mesários

Na gravação que circula nas redes sociais, o homem alega que foram encontrados supostos “votos fantasmas” nas urnas eletrônicas. Esse termo se refere a um tipo de crime em que um eleitor apresenta documento falso para se identificar na seção eleitoral, com o objetivo de votar no lugar de outra pessoa.

Essa é uma das razões pela qual a Justiça Eleitoral está aderindo gradualmente à biometria. Ao identificar os eleitores por meio da impressão digital, o processo passa a depender menos da intervenção humana e o risco de fraude é reduzido. Nas eleições de 2022, pessoas sem biometria cadastrada ainda estavam aptas a votar, mas a expectativa é de que praticamente toda a população seja registrada e a identificação eletrônica passe a ser obrigatória nos próximos anos.

Diferentemente do que sugere no vídeo, o responsável não identificou “votos fantasmas” nas eleições de 2022. Ele apenas levanta dúvidas sobre um registro encontrado em logs de urnas — espécie de “diário” que descreve todo o funcionamento dos aparelhos. Ao informar em uma das linhas que “O eleitor identificado já votou”, a urna eletrônica sinaliza que o número digitado pelo mesário se refere a um título de um eleitor que já foi habilitado para votar naquele turno da eleição.

TSE adotou biometria para aumentar segurança na identificação de eleitores.  Foto: NILTON FUKUDA/ ESTADÃO

O professor Jéferson Campos Nobre, do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que participou da inspeção do código-fonte em 2022, explica que, nesses casos, o mesário somente digitou o número errado. Contribui para isso o fato de que, na hora de identificar o eleitor, não é raro que um dos voluntários tenha de ditar o número do título para outro a partir do caderno que lista os nomes de todos aptos a votar naquela seção. “O percentual, o número de vezes que isso acontece nos logs, é irrisório frente ao tamanho da votação, do número de votos da eleição”, acrescenta o especialista.

Na live analisada pelo Verifica, o responsável pelo vídeo menciona apenas os resultados totais das urnas que registraram esse tipo de ocorrência. Isso é enganoso, pois mascara a baixa incidência desses eventos em relação ao total de urnas.

Em uma análise preliminar de um grupo de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), a mensagem de que o eleitor já havia votado apareceu em cerca de 13% das urnas — 4.893 de 36.983 arquivos logs. Dentre esses casos, 76% registraram o evento uma única vez e 95% tiveram três registros ou menos. Portanto, é improvável que nesses casos tenha existido algum tipo de má-fé.

De acordo com o professor da Escola Politécnica da USP Marcos Simplicio, houve de fato uma incidência incomum desse tipo de mensagem em uma minoria de seções eleitorais, o que pode sinalizar mau uso do terminal pelo mesário e justificar a abertura de uma investigação do TSE. Nas três seções eleitorais em que esse erro mais ocorreu, uma urna registrou ampla vitória de Lula, outra de Bolsonaro e a terceira, uma disputa mais próxima entre os dois candidatos. Ou seja, os casos de identificação errada de eleitores são isolados.

Procurado pelo Estadão, o TSE afirmou que o registro não indica nenhuma irregularidade no sistema. “É apenas um aviso de que houve uma tentativa duplicada de habilitar uma pessoa autorizada a votar em momento anterior”, explicou a Corte eleitoral em nota.

Não há evidência de ‘roubo de votos em branco’

Assim como na primeira live desmentida pelo Estadão Verifica, o autor do vídeo apresenta um comparativo de resultados entre os modelos de urnas eletrônicas de 2020 e os demais utilizados (2009, 2010, 2011, 2013 e 2015) para sugerir que os equipamentos antigos teriam favorecido Lula nas eleições (veja aqui porque essa afirmação é enganosa). Dessa vez, um novo argumento gira em torno dos votos em branco.

Modelo UE 2020, o mais recente da urna eletrônica, esteve presente em 224.999 seções eleitorais dos 26 estados e do Distrito Federal. Do total de equipamentos utilizados no pleito (577.125), o UE 2020 correspondeu a aproximadamente 39% do total. Foto: Antonio Augusto/TSE

Na live, o responsável pelo conteúdo sugere, sem apresentar provas, que parte desses votos em branco foram “roubados” para o candidato do PT. Ele se baseia em um comparativo entre a quantidade de urnas que não registraram nenhum voto em branco no primeiro e no segundo turno. Nos modelos 2020, o número de seções com nenhum voto em branco teria reduzido; nos modelos mais antigos, essa quantidade teria aumentado.

O cálculo, no entanto, ignora outras duas formas de o eleitor não votar em nenhum candidato: nulos (ao votar em um número de um partido que não está disputando aquele cargo público) e abstenções (ao não comparecer ao local de votação). É possível que um eleitor que votou em branco no primeiro turno deixe de votar no segundo turno, por exemplo, ou mesmo decida por escolher algum candidato ou anular o voto.

O autor do vídeo também não explica na prática como teria ocorrido essa suposta fraude nos votos em branco entre os dois turnos. Para fazer algum sentido, as urnas eletrônicas teriam que se comportar de maneira diferente na primeira e na segunda etapa de votação, mas não houve nenhuma alteração de códigos nesse período.

“Não tem nenhum sentido a alegação porque não é possível reprogramar os votos para eles serem de um determinado candidato pra branco ou para nulo, ou vice-versa. Esse aspecto consta no código-fonte, que é verificado nos testes de integridade”, explica Jéferson Nobre, da UFRGS.

Depois de inspecionado, o código-fonte das urnas é lacrado e assinado digitalmente justamente para impedir qualquer tentativa de adulteração dos programas que rodam nos equipamentos de votação. No final das contas, o vídeo apenas especula em cima de estatísticas, sem mostrar evidências concretas que validem o seu argumento, uma tática comum ao se alimentar teorias da conspiração.

Além da ausência de justificativa para duvidar da confiabilidade dos modelos antigos de urna, o autor do vídeo omite que houve uma distribuição desigual dos equipamentos no território nacional. Pesquisadores da USP analisaram esse aspecto a partir do Portal de Dados Abertos do TSE e descobriram que a taxa de utilização dos modelos anteriores a 2020 variou de 35,9%, em Alagoas, até 81,3%, em Roraima.

Discrepâncias podem ainda ser encontradas dentro de cada unidade federativa. Na maioria dos casos, as urnas mais novas ficaram concentradas nas capitais ou em grandes centros urbanos, com exceção de três estados: São Paulo, Distrito Federal e Roraima. No Rio de Janeiro, por exemplo, apenas a capital e as cidades de Mesquita, Nilópolis e Nova Iguaçu usaram exclusivamente o modelo UE2020, enquanto nos demais 88 municípios a votação ocorreu em equipamentos anteriores (O mapa pode ser consultado na pág. 31 do relatório).

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu representantes das Forças Armadas que vieram fazer a inspeção dos códigos-fonte da urna eletrônica, na sede do tribunal em Brasília-DF.  Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Essa distribuição dos equipamentos faz com que a análise apresentada na live esconda um viés regional. A diferença dos resultados pode estar ligada, portanto, a fatores sociais diversos, e não ao modelo de urna. Assim como determinados locais votam mais em um candidato do que outro, pode-se supor que a quantidade de votos em branco também varia de acordo com as características de cada região.

Tiago Batalhão, doutor em Física pela Universidade Federal do ABC (UFABC), ressaltou ao Estadão que a abstenção também varia nas cidades onde foram disponibilizadas urnas antigas e novas. A taxa foi de 21,5% em cidades com modelos anteriores e 18,8% em municípios com apenas urnas novas. No primeiro turno, essas taxas foram de 21,8% e 19,3%. O pesquisador aponta que essa variação dificilmente se explica pelo modelo de urna utilizado e reforça a influência de outros fatores no comportamento do eleitorado.

O TSE afirmou ao Estadão Verifica que cada urna eletrônica é atribuída a uma seção eleitoral específica durante a preparação e que o mesmo equipamento, em situações normais, tende a ser utilizado pelos eleitores em ambos os turnos. “A forma como as urnas serão distribuídas entre os locais de votação é definida pelas cortes regionais. Não há nenhuma orientação do Tribunal Superior Eleitoral neste sentido”, comunicou.

Segundo dados do TSE, a quantidade de votos em branco reduziu entre os dois turnos da eleição presidencial — passou de 1.964.779 (1,59%) para 1.769.678 (1,43%). A abstenção também caiu de 32.770.982 eleitores (20,95%) para 32.200.558 (20,59%). A quantidade de votos nulos, por outro lado, subiu de 3.487.874 (2,82%) para 3.930.765 (3,16%).

Aplicativo não quebrou o sigilo do voto

Em uma das supostas anomalias encontradas, o vídeo alega que os nomes dos eleitores se encontram visíveis dentro das máquinas de votação e que essa situação comprometeria o sigilo do voto. A alegação é falsa. Como explicado em nota do TSE, nomes podem aparecer nos logs das urnas, mas não revelam o voto do indivíduo.

O log é um processo de registro de eventos relevantes em um sistema computacional e, para proteção do sistema, a urna eletrônica registra todas as ações de funcionamento e eventuais falhas nesses arquivos, que são disponibilizados publicamente depois do pleito.

É verdade que nomes de eleitores podem aparecer nos logs das urnas, mas em situações muito específicas. Isso acontece quando o mesário tem algum problema para digitar o título do eleitor no terminal. Se houver falha nesse processo, então é registrado no log as informações que constavam no display do terminal, o que pode incluir o nome do eleitor, que é dito em voz alta pelo presidente da mesa antes de habilitar o cidadão para votar.

“É importante reforçar que isso não produz qualquer impacto no sigilo ou destinação do voto digitado pela eleitora ou eleitor, pois os votos são gravados de forma embaralhada no arquivo do Registro Digital do Voto (RDV). Ou seja, não é possível obter nenhum resultado por meio do cruzamento das informações disponibilizadas no log com o RDV”, declarou o TSE.

O Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc), vinculado ao Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), produziu um relatório detalhado a partir dos questionamentos feitos pelo PL, partido de Jair Bolsonaro. O grupo firmou um convênio com o TSE a fim de testar a segurança das urnas eletrônicas brasileiras.

Divulgado em 15 de novembro, o material desmente esse mesmo boato de quebra de sigilo a partir dos logs das urnas. A única informação que pode ser extraída nesse caso é o horário de votação do cidadão, o que é insuficiente para descobrir em quem o eleitor votou no pleito. Não é possível cruzar esse horário com o RDV, pois os votos são armazenados de forma embaralhada.

“O que é possível descobrir com isso é a informação temporal de quando o voto estava sendo realizado pelo eleitor, e nada mais do que isso. Em particular, não é possível, de forma alguma, identificar em quem o eleitor votou, ou mesmo se ele anulou o voto – apenas sabe-se que ele votou e em qual horário”, aponta o relatório.

Marcos Simplicio, da USP, lembra que pesquisadores conseguiram desembaralhar o RDV em um teste público de segurança realizado em parceria com o TSE, em 2012. O problema, no entanto, foi corrigido naquele mesmo ano e nunca mais apareceu nos testes. “Até poderia haver o risco naquela época, mas já faz 10 anos que essa falha não existe mais”, destacou.

Teste público de segurança de 2019. Foto: Abdias Pinheiro/TSE

Ainda para colocar em dúvida o sigilo do voto, o vídeo apresenta a empresa estrangeira Oracle como argumento de uma suposta violação do direito assegurado pela Justiça Eleitoral. Em 2020, o TSE informou que contratou o serviço Cloud at Customer, fornecido pela Oracle. A contratação foi alvo de notícias falsas na época.

Em nota, a Corte explicou que a contratação consiste na cessão, por quatro anos, de dois computadores, sendo um principal e um redundante, para ser utilizado em caso de falhas. Segundo o TSE, os sistemas e os bancos de dados são geridos pela Justiça Eleitoral e não há envolvimento de empresas estrangeiras no processo.

O TSE e os TREs utilizam os serviços da Oracle desde 1996, quando o sistema de votação eletrônica começou a ser utilizado. Em resposta ao Estadão Verifica, a Corte reforçou que a Oracle é responsável apenas pela manutenção, que consiste em um eventual conserto ou troca de peças do aparelho, por exemplo. Já a totalização dos votos de todo o País é processada no Data Center instalado na sede do tribunal.

Outras alegações falsas e enganosas

O Verifica identificou, ao longo da apresentação, outras falsidades desmentidas anteriormente.

Dono do canal tem relação com a família Bolsonaro

No dia 4 de novembro, o canal argentino La Derecha Diário fez uma live apresentando um dossiê apócrifo sobre supostas fraudes nas eleições brasileiras. O canal é controlado por Fernando Cerimedo, abertamente apoiador do presidente Jair Bolsonaro. No dia 13 de outubro, Cerimedo recebeu o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em Buenos Aires. Ele também já afirmou em uma entrevista que mantém amizade com o filho do presidente desde 2010, quando se conheceram nos Estados Unidos. Depois de espalhar as suspeitas, negou ter relação com o governo.

O Estadão e o Projeto Comprova já desmentiram alegações falsas presentes em live de Fernando Cerimedo. Na época, a transmissão ao vivo chegou a ter mais de 415 mil visualizações simultâneas. Relatório usado pelo PL para pedir a anulação do pleito na Justiça guardou semelhanças com a apresentação do argentino. O TSE rejeitou a ação e multou o partido por “litigância de má-fé”.

Em resposta ao Estadão, Cerimedo insistiu na tese de que os logs das urnas mostrariam “milhares de votos fantasmas” e que a “anomalia dos votos em branco não é normal”. Na sua opinião, “sobram” provas de fraude eleitoral no pleito deste ano.

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