Sem qualquer evidência de que possa ser verdadeira, a tese de que o senador Sérgio Moro (União-PR) poderia estar por trás da deflagração de uma operação da Polícia Federal que investiga planos do Primeiro Comando da Capital (PCC) para matar autoridades, incluindo ele próprio, ganhou impulso nas redes sociais. O principal responsável por alimentar as teorias conspiratórias é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que apontou uma suposta “armação de Moro” no episódio.
Desde que a PF cumpriu mandados de prisão e busca e a investigação se tornou pública, blogueiros e páginas de esquerda postam conteúdos em série colocando em dúvida as informações da PF, levantando suspeitas sobre o momento em que a operação foi deflagrada e politizando a divulgação do caso.
No centro das especulações está a juíza Gabriela Hardt, que condenou Lula no caso do sítio de Atibaia ao substituir Moro como titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, onde tramitaram denúncias da Lava Jato. Foi ela também quem autorizou a operação da PF contra o PCC na terça-feira, 21 de março — o suficiente para gerar controvérsia e rumores na internet, principalmente entre influenciadores ligados ao PT.
“Foi a Gabriela Hardt, juíza amiga de Moro, quem ordenou a operação da PF e disse que Sergio Moro era alvo do PCC”, escreveu Thiago dos Reis, em post no Twitter com mais de 240 mil visualizações. “A mentira foi engolida por toda a imprensa sem questionamento”, acrescentou. Dono de um canal no YouTube com 1,2 milhão de inscritos, ele já recebeu elogios públicos da cúpula do partido de Lula, como a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann.
A alegação feita pelo youtuber é falsa. A informação de que Sérgio Moro era um dos alvos do PCC foi relatada por um ex-integrante da organização criminosa, que foi jurado de morte e agora integra o programa de proteção a testemunhas. O depoimento foi colhido pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo e remetido para a PF em 3 de fevereiro deste ano. Com base nessas informações, a Polícia Federal pediu a quebra de sigilo de telefones e e-mails de suspeitos. O inquérito reuniu provas da ameaça, como mensagens contendo dados pessoais do ex-juiz da Lava Jato e dados indicando que comparsas vigiaram endereços de sua família e mantinham esconderijo em São Paulo e no Paraná.
Os suspeitos também procuraram saber o local de votação de Moro nas eleições de 2022. A mensagem continha informações sobre a presença de câmeras de segurança no entorno e possíveis rotas de fuga, por exemplo. Para a PF, o grupo cogitou fazer um ataque contra o político naquela época. As autoridades acreditam que o objetivo poderia ser tanto um sequestro, para exigir a libertação de Marcola, líder do PCC, ou homicídio (veja detalhes do plano nesta reportagem do Estadão).
Entenda o caso
No dia 13 de março, a PF solicitou autorização judicial para deflagrar a Operação Sequaz, com pedidos de busca e apreensão e de prisões preventivas. O pedido foi feito para a 9ª Vara Federal de Curitiba, cuja titularidade estava com Sandra Regina Soares.
A juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara, substituiu a magistrada quando esta entrou em férias, em 21 de março. Segundo apuração da agência Aos Fatos, a troca havia sido combinada em janeiro. No mesmo dia, Hardt autorizou a medida, que foi executada pela PF no dia seguinte.
Desconfiança
O presidente Lula alimentou a desconfiança nas redes sociais ao dizer, sem provas, que o caso parecia uma “armação do Moro”. A declaração foi dada durante visita ao Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro, na manhã desta quinta-feira, 23. O assunto rapidamente chegou aos trending topics do Twitter, que lista os assuntos mais comentados na plataforma.
“É visível que é uma armação do Moro”, disse Lula, ao mesmo tempo em que sugeria cautela e admitia não ter provas disso. “Eu vou pesquisar, eu vou saber da sentença. Até porque a juíza nem estava em atividade quando deu o parecer para ele, mas isso a gente vai esperar. Não vou ficar atacando ninguém sem ter provas”, completou o presidente.
Um dia antes da operação da PF, Lula havia dito em uma entrevista para a TV 247 que, quando estava preso em Curitiba, pensava em vingança: “Só vou ficar bem quando foder com Moro”. A declaração passou a ser vinculada por opositores nas redes sociais ao plano do PCC desmantelado no dia seguinte. Pelo Twitter, Bolsonaro culpou a esquerda dizendo que “tudo não pode ser coincidência”.
O Estadão encontrou diversas postagens no Twitter, no Facebook e no Instagram repercutindo a fala de Lula e questionando o fato de a operação ter sido autorizada pela juíza Gabriela Hardt.
“Esse caso pode ter safadeza desses dois mais uma vez. Lula já sabe que foi armação do Moro!”, diz um post exibido mais de 18 mil vezes no Twitter. “A tranquilidade com que Lula falou sobre a possibilidade dele ter armado a história de que foi alvo do PCC faz supor que Lula tenha informação que ainda não pode tornar pública”, sugere outra publicação, com 6 mil visualizações.
Uma postagem no Twitter alega que as provas exibidas no relatório da PF podem ter sido forjadas. “A prova do plano do PCC se baseia em relato de testemunha protegida e anotações num caderno espiral com post-it colorido! Deixe sua risada”, escreveu uma usuária em post visualizado mais de 53 mil vezes no Twitter.
Alguns dizem ainda que a história está “mais para o PCC do Gugu, e não o do Marcola”, remetendo a uma falsa entrevista com dois criminosos exibida pelo programa Domingo Legal, em 2003. A publicação teve 23 mil visualizações na mesma plataforma.
A acusação de “armação” contradiz o discurso oficial adotado pelo próprio governo. Antes do episódio, o ministro da Justiça, Flávio Dino, havia feito elogios à PF pela “investigação séria” que teve como objetivo a “defesa da vida e da integridade de um senador de oposição ao nosso governo”. O canal de Lula no Telegram postou uma imagem com os dizeres “PF de Lula salva a vida de Moro”.
A repercussão do caso se deve também a críticos do PT, como parlamentares lavajatistas e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Senhor presidente Lula, o senhor que dá risada da ameaça a um senador e a sua família pelo crime organizado, eu lhe pergunto, o senhor não tem decência?”, escreveu Sergio Moro no Twitter. O deputado federal e ex-procurador Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) também geraram engajamento em posts criticando Lula e o PT.
Contraponto
O Estadão perguntou para a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República se as declarações do presidente Lula podem ter amplificado o cenário de desinformação na internet. Não houve resposta. O youtuber Thiago dos Reis também foi procurado por mensagens diretas nas redes sociais e não respondeu às tentativas de contato.