O que estão compartilhando: em vídeo no Instagram, um médico sugere que estão relacionadas às vacinas contra a covid-19 as mortes de uma criança de 10 anos na cidade de Monte Santo de Minas (MG), por enfarte, e da cantora e compositora britânica de 21 anos Faye Fantarrow, por um tumor cerebral. Por duas vezes é inserida na tela a inscrição “use hidrogênio molecular”. No fim do vídeo, ele ainda diz: “não existem consequências pós-ivermectina, mas existem consequências pós outra coisa”, numa provável menção às vacinas.
O Estadão Verifica checou e concluiu que: são mentirosas as afirmações feitas no vídeo. O serviço de imunização da prefeitura de Monte Santo de Minas e a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) não fazem relação entre a vacina e a morte da menina, ocorrida no dia 14 agosto. Segundo os órgãos, não houve nenhuma notificação neste ano de óbito como resultado adverso do imunizante contra a covid-19. Já o Ministério da Saúde afirma que, desde o início da campanha de vacinação, em janeiro de 2021, não há nenhuma morte relacionada à vacina em crianças ou menores de 18 anos.
No caso da cantora britânica, os veículos que noticiaram a morte dela não levantam qualquer suspeita em relação à vacina contra a covid-19. Faye já havia sido diagnosticada com câncer duas vezes na infância.
Sobre o hidrogênio molecular, a Anvisa afirmou que não existe nenhum equipamento gerador de hidrogênio regularizado para fins de tratamentos médicos. Já em relação à ivermectina, tanto a Anvisa quanto agências reguladoras internacionais e a Organização Mundial da Saúde (OMS) desaprovam o uso no tratamento e apontam riscos.
Saiba mais: A prefeitura de Monte Santo de Minas informou que uma criança com as características descritas no vídeo morreu em 14 de agosto, após passar mal na escola. “Até o momento, não há hipótese diagnóstica da causa do óbito, levando-se em conta que o corpo foi encaminhado para o IML”, disse a prefeitura, cujo serviço de imunização afirma não ter realizado nenhuma notificação de óbito como Evento Supostamente Atribuíveis a Vacinação ou Imunização (Esavi) neste ano.
A SES-MG também confirmou que, no ano de 2023, não houve nenhuma notificação de óbitos relacionados às vacinas covid-19 no município de Monte Santo de Minas. A secretaria afirma que as vacinas têm excelente perfil de segurança.
A Secretaria ainda esclarece que a ocorrência de Eventos Supostamente Atribuíveis à Vacinação ou Imunização (Esavi) deve ser imediatamente notificada e investigada. “Por essa razão, os sistemas de vigilância de Esavi realizam a busca e a investigação de todas as possíveis reações notificadas”, informou.
A nota ainda ressalta que “não existe dúvida sobre a importância da vacinação, e que todas as vacinas aprovadas pela Anvisa são seguras e eficazes, impactando diretamente na redução de óbitos, casos graves e internações por covid-19″.
Não há morte de criança ou adolescente com relação causal com a vacina no Brasil
O Ministério da Saúde monitora casos de Esavis, que “são qualquer ocorrência médica indesejada após a vacinação, não possuindo necessariamente uma relação causal com o uso de uma vacina”. Todos os casos considerados graves são investigados, com os resultados publicados periodicamente nos boletins de monitoramento desses eventos.
O mais recente deles, publicado no dia 6 de julho, traz um compilado dos casos verificados desde o início da campanha de vacinação, em janeiro de 2021, até a semana 11 de 2023 (13 a 19 de março). Em relação a crianças e adolescentes (menores de 18 anos), o boletim informa que não há nenhuma morte com associação causal consistente com a vacina. O Ministério da Saúde ainda informou que, após a semana 11 de 2023, não houve notificações de óbitos em crianças e adolescentes no e-SUS Notifica como resultado de Esavi.
Já nas faixas etárias acima de 18 anos, foram constatados, segundo o boletim, 63 óbitos. O documento destaca que “esse resultado corresponde a aproximadamente 1 óbito em cada 10 milhões de doses aplicadas”.
Na conclusão, o boletim explica que, como qualquer outro medicamento, não se pode descartar totalmente o risco de ocorrência de eventos adversos graves. No entanto, o documento acrescenta que “estes eventos são muito raros, ocorrendo em média um (1) caso a cada 100 mil doses aplicadas, apresentando um risco significativamente inferior ao risco de complicações pela própria covid-19″.
Morte de cantora foi devido a tumor cerebral
No vídeo, o homem compartilha notícia do site Metrópoles sobre a morte da cantora e compositora britânica Faye Fantarrow, aos 21 anos, vítima de um tumor raro no cérebro. O homem sugere que a enfermidade teria sido consequência da vacina contra a covid-19, o que é falso.
Tanto a reportagem exibida no vídeo quanto diversas outras que noticiaram o falecimento não abordam qualquer relação com a vacina. Algumas delas, como as de BBC, Billboard e The Hollywood Reporter, citam que, na infância, a artista havia lutado contra o câncer duas vezes. As chamadas recidivas do câncer, quando é verificado o reaparecimento da doença, são eventos conhecidos da literatura médica.
Sobre a relação entre câncer e vacinas contra a covid-19, diversas checagens já mostraram não haver fundamento na associação. Abaixo, alguns exemplos:
Vacinas não causam estresse oxidativo no organismo
No vídeo, o homem sugere que as vacinas podem “alterar a inflamação do nosso organismo, fazendo com que a gente entre numa coisa chamada estresse oxidativo e as doenças crônicas se aflorem”. A afirmação é feita por ele como hipótese para justificar as mortes da criança e da cantora britânica.
O Ministério da Saúde também rechaça essa afirmação: “Não há evidências científicas que indiquem que as vacinas contra a covid-19 causem estresse oxidativo ou conduzam diretamente ao desenvolvimento de doenças crônicas”.
E acrescenta: “Todas as vacinas ofertadas à população são seguras, eficazes e aprovadas pela Anvisa. O atual cenário da covid-19 no País, com redução de casos graves e óbitos pela doença, é resultado da população vacinada”.
Eventos adversos pós-ivermectina e pós-vacina covid-19
No fim do vídeo, o homem afirma “não existem consequências pós-ivermectina, mas existem consequências pós outra coisa”, de novo numa provável referência à vacina contra a covid-19. A afirmação também é falsa. A lista de medicamentos aprovados pela Anvisa para tratamento da covid-19 não inclui ivermectina. O mesmo se verifica em relação à agência reguladora dos Estados Unidos (FDA), à Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e nas orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
No mês passado, a FDA postou no X (antigo Twitter) informações reafirmando que não há comprovação de efetividade e segurança do uso de ivermectina para tratar ou prevenir a covid-19. Na ocasião, compartilhou análise recente de estudos sobre o medicamento, publicada em março deste ano. A conclusão é pela não recomendação do uso de ivermectina para tratamento da covid-19.
Ao contrário do que sugere o homem, há sim riscos para o uso não indicado de ivermectina. Eles aparecem descritos no site da FDA, que afirma que uma overdose do medicamento pode causar uma série de problemas como convulsões, coma e até mesmo a morte.
Em relação às vacinas contra a covid-19, a OMS informa que os efeitos adversos relacionados ao imunizante são leves ou moderados, como febre, cansaço, dor de cabeça e dor muscular, e que os mais graves, embora possíveis, são “extremamente raros”. “As vacinas são continuamente monitorizadas enquanto estiverem em uso para detectar e responder a eventos adversos raros”, destaca a OMS.
Hidrogênio molecular não tem aprovação pela Anvisa
Ao longo do vídeo, é inserida duas vezes na tela a frase “use hidrogênio molecular”, numa sugestão de que a prática tenha efetividade no combate ao coronavírus. Como verificado nos sites da Anvisa, da FDA, da EMA e da OMS, não há indicação desse tipo de terapia para o tratamento da covid-19.
Em resposta ao Estadão Verifica, a Anvisa informou que “não existe nenhum equipamento gerador de hidrogênio regularizado para fins de tratamentos médicos, bem como para tratamento de pacientes com covid-19″.
A nota acrescenta que, conforme a Resolução RDC 751/2022, todos os equipamentos destinados à terapia ou diagnóstico em saúde devem ser regularizados na Anvisa antes da sua comercialização e uso em serviços de saúde. “Para a regularização dos equipamentos médicos na Anvisa, as empresas devem comprovar a segurança e eficácia clínica para cada indicação de uso”, diz a agência.
O médico que fez as afirmações falsas no vídeo foi procurado pelo Estadão Verifica, mas não respondeu até a publicação desta checagem.