Publicado em parceria com o Projeto Comprova. Leia mais aqui.
Conteúdo investigado: Em um vídeo, um homem está reagindo e dando risada ao ler o tweet “Lula ficou no 299° lugar entre os 301 candidatos ao Prêmio Nobel da Paz. Eu fico pensando que ainda tem mais dois indivíduos pior que ele [sic]?!”. Um segundo conteúdo traz o mesmo texto, mas com emojis de risada e uma imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Onde foi publicado: TikTok.
Conclusão do Comprova: É enganoso o post que afirma que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficou na 299ª colocação para o prêmio Nobel da Paz, organizado pelo Comitê Norueguês do Nobel. Um boato a respeito disso circula desde 2019, quando o ativista e escultor argentino Adolfo Pérez Esquivel, vencedor do Nobel da Paz em 1980, iniciou uma campanha para que Lula fosse indicado ao prêmio. Como um dos ganhadores da honraria, Esquivel tem a prerrogativa de fazer uma indicação, como prevê o estatuto da organização. Este ano, após o prêmio ser outorgado à iraniana Narges Mohammadi, o conteúdo voltou a circular.
Na realidade, não há como saber se a nomeação realmente aconteceu porque o Comitê só divulga os nomes selecionados após 50 anos de quando o prêmio é entregue. Também não é possível saber se, caso indicado, em qual posição Lula terminou. As suposições acerca do prêmio são, segundo o Comitê, “produto de pura especulação ou de informações divulgadas pela pessoa ou pessoas por trás da nomeação”.
Os integrantes da comissão discutem todas as nomeações qualificadas e, então, é criada uma lista dos candidatos mais “interessantes e dignos”. Os candidatos da lista restrita são então sujeitos a avaliações e exames realizados pelos conselheiros permanentes do Comité Nobel, juntamente com outros especialistas noruegueses ou internacionais.
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Segundo a organização, o Comitê procura alcançar consenso na seleção do laureado. Nas raras ocasiões em que isso se revela impossível, a decisão é tomada por maioria simples de votos. Apenas o nome do vencedor é anunciado. A informação foi reforçada pela Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) que reiterou, por meio de nota, que os nomes não são divulgados até serem completados 50 anos da premiação.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 30 de outubro, as duas publicações no TikTok somavam mais de 10,4 mil visualizações, 1,3 mil curtidas e 269 comentários.
Como verificamos: Em primeiro lugar, buscamos as palavras-chave “Lula Nobel da Paz” no Google, encontrando matérias (Terra, Veja) sobre a indicação do presidente ao prêmio em 2019, mas sem informações sobre a colocação dele. Encontramos também o abaixo-assinado online produzido pelo ativista argentino Adolfo Pérez Esquivel, que fez campanha para a indicação de Lula à premiação.
Pesquisamos no site oficial do Prêmio Nobel por informações sobre como é feita a indicação aos prêmios e as relações finais de colocações. Entramos em contato com a organização homônima, com a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal e tentamos contato com os autores das peças de desinformação.
Como é a nomeação ao Nobel da Paz
Desde 1901, a Fundação Nobel concede a honraria às pessoas que desenvolvem ações e pesquisas em benefício da humanidade. O Prêmio Nobel é fruto do desejo póstumo de Alfred Nobel, um cientista sueco que inventou a dinamite e outros explosivos. Em seu testamento, alterado pela última vez em 1895, ele atribuiu parte de sua fortuna à distribuição de prêmios anuais para benfeitores humanitários.
As nomeações para o Nobel da Paz podem ser feitas por qualquer indivíduo que cumpra um dos nove critérios previstos no estatuto da organização, através de um formulário online. Os nomeadores qualificados devem ser membros de determinadas instituições ou integrar as seguintes categorias:
- Assembleias nacionais e governos nacionais (membros do gabinete/ministros) de estados soberanos, bem como atuais chefes de estado;
- Tribunal Internacional de Justiça de Haia e do Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia;
- L’Institut de Droit International;
- Conselho Internacional da Liga Internacional das Mulheres pela Paz e Liberdade;
- Professores universitários, professores eméritos e professores associados de história, ciências sociais, direito, filosofia, teologia e religião; reitores e diretores universitários (ou seus equivalentes); diretores de institutos de pesquisa para a paz e institutos de política externa;
- Pessoas que receberam o Prêmio Nobel da Paz;
- Conselho de administração principal ou equivalente de organizações que receberam o Prêmio Nobel da Paz;
- Membros atuais e antigos do Comitê Norueguês do Nobel;
- Ex-conselheiros do Comitê Norueguês do Nobel.
Os candidatos elegíveis e os ganhadores do prêmio são selecionados pelo Comitê Norueguês do Nobel, composto por cinco pessoas nomeadas pelo Storting (parlamento norueguês). De acordo com as informações disponíveis no site da fundação, do mês de setembro até o dia 31 de janeiro, o comitê recebe as indicações dos nomeadores qualificados. Entre fevereiro e março, os trabalhos dos candidatos são avaliados e é gerada uma lista restrita, que é encaminhada para a revisão do conselheiro.
Já no início de outubro, o comitê escolhe os vencedores através de uma votação e os resultados são anunciados. A cerimônia de entrega do prêmio acontece em 10 de dezembro, em Oslo, capital da Noruega. Os ganhadores recebem uma medalha, um diploma, além de um valor em dinheiro.
Em 2019, ano em que ocorreu a campanha para que Lula fosse um dos indicados ao prêmio, foram registrados 301 candidatos, sendo 223 indivíduos e 78 organizações. Já neste ano de 2023, foram 351 candidaturas no total. Esse é o segundo maior quantitativo de candidatos de todas as edições, segundo a fundação. Em 2016, a organização recebeu 376 indicações.
Além do Nobel da Paz, a fundação homenageia quem contribui para as áreas da Literatura, Física, Medicina e Química. Em 2023, o Comitê Norueguês do Nobel decidiu oferecer o Prêmio Nobel da Paz à Narges Mohammadi, de 51 anos, uma ativista conhecida por lutar contra a pena de morte no Irã.
Indicação de Lula em 2019
Desde 2019, circula a mensagem apresentada nos conteúdos investigados, primeiramente publicada no X (antigo Twitter). A data dessa postagem antiga, de 11 de outubro de 2019, é a mesma do anúncio do Nobel da Paz daquele ano, dado ao primeiro-ministro da Etiópia Abiy Ahmed Ali. A honraria lhe foi concedida por sua atuação como responsável por um acordo de paz entre o país e a vizinha Eritreia, encerrando um impasse militar que durou de 1998 a 2008, mesmo com acordo de paz em 2000. O prêmio contou com 301 indicados, assim como descrito no conteúdo analisado.
Um dos motivos para o início da circulação desse conteúdo – a postagem inicial no X conta hoje com mil republicações, cinco mil curtidas e 465 comentários – se deve pela campanha para que o petista fosse indicado ao prêmio para a edição daquele ano, como foi confirmado ao Comprova pela Secom. A movimentação foi iniciada pelo ativista e escultor argentino Adolfo Pérez Esquivel, vencedor do Nobel da Paz em 1980 pela sua atuação de defensor dos direitos humanos contra as ditaduras latinoamericanas.
Em abril de 2018, o argentino deu início a um abaixo-assinado online para que Lula recebesse a honraria de Nobel da Paz no ano seguinte, justificando-o pelo “seu compromisso social, sindical e político, desenvolveu políticas públicas para superar a fome e a pobreza em seu país, uma das desigualdades mais estruturais do mundo”, como explicado na própria petição.
A indicação por parte de Esquivel é possível por ele ser um nomeador qualificado para tal, justamente por ter vencido a premiação. Ao todo, o texto recebeu 650.250 assinaturas. Não é possível saber, contudo, se a nomeação foi efetivamente realizada ou se chegou às fases finais do prêmio, tendo em vista a confidencialidade dos nomes indicados durante 50 anos – o que só seria divulgado, portanto, em 2069.
50 anos de confidencialidade
O estatuto da Fundação Nobel define que as nomeações recebidas para o prêmio, assim como as avaliações e pareceres relativos à atribuição da honraria, não podem ser divulgadas até que sejam completados 50 anos desde que o prêmio foi entregue.
O Comitê Norueguês também não pode divulgar antes desse prazo a identidade dos nomeadores. O órgão permitirá o acesso ao material que serviu de base para a avaliação e decisão relativa ao prêmio, “após devida consideração de cada caso individual, […] para fins de pesquisa em história intelectual”, mas isso não pode ocorrer até que tenham se passado pelo menos 50 anos da decisão. Os pedidos de acesso devem ser encaminhados ao comitê responsável pela oferta dos prêmios.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou entrar em contato com os dois perfis que publicaram o conteúdo no TikTok, mas não obteve retorno. Uma das contas foi suspensa e não poderia receber a mensagem. Foi enviada mensagem para um perfil no Facebook com nome e fotos semelhantes de um dos autores das publicações, mas também não houve resposta.
O que podemos aprender com esta verificação: O presidente e o PT são alvos comuns de desinformação. Neste caso, o conteúdo investigado se utiliza de um contexto recente, uma vez que a vencedora do Prêmio Nobel da Paz 2023 foi anunciada neste mês de outubro, mas engana ao utilizar informações de anos atrás, referentes à campanha para a indicação de Lula em 2019. É também recomendável desconfiar de informações “sensacionais” ou “exclusivas” compartilhadas apenas por perfis comuns em redes sociais. No caso desta verificação, o responsável pelo post não fornece a fonte da sua informação, o que é comum em postagens enganosas. Quando isso acontece, faça uma busca pelas principais palavras-chave da postagem no Google ou em outro buscador de sua preferência para confirmar a informação com outras fontes como o site do prêmio ou em veículos de comunicação de sua confiança.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O nome do presidente Lula é citado em uma série de peças de desinformação que já foram verificadas pelo Comprova. Recentemente, a iniciativa mostrou que Biden não disse que Lula deveria se preocupar com comida para brasileiros em vez da guerra, que o presidente não instituiu banheiro unissex nas escolas e que vídeo não mostra Putin criticando o brasileiro após encontro com Zelensky.