Fala do Papa Francisco é tirada de contexto para alegar que ele negou a existência de Deus


Vídeo também engana ao dizer que pontífice foi filmado beijando a mão de integrantes da família Rothschild: ele cumprimentava sobreviventes do Holocausto em Israel

Por Clarissa Pacheco
Atualização:

Não, o Papa Francisco não negou a existência de Deus, nem foi filmado beijando as mãos de membros da família Rothschild ou de líderes da “Nova Ordem Mundial”. Estas são apenas duas de diversas alegações presentes em uma sequência de vídeos que espalha desinformação sobre o líder da Igreja Católica. Nenhum dos vídeos é recente e boa parte deles já foi desmentida outras vezes. A fala sobre a existência de Deus, por exemplo, é de 2014 e foi tirada de contexto.

O vídeo aqui investigado se espalhou pelo Facebook e pelo WhatsApp, canal usado por leitores do Estadão Verifica para pedir a checagem do conteúdo, por meio do número (11) 97683-7490. A primeira alegação a aparecer no material foi retirada de uma homilia do Papa Francisco feita na Capela Santa Marta, no Vaticano, durante uma missa na manhã do dia 9 de outubro de 2014.

Card Papa Foto: Reprodução
continua após a publicidade

No vídeo, aparece apenas um trecho da fala, com frases de efeito legendadas em português: “Ah, Deus, Deus... Mas Deus não existe. Não se escandalizem. Deus, em si, não existe. Existe o pai, o filho e o Espírito Santo. São pessoas, não é uma ideia. Este ‘spray’ de Deus não existe”.

A fala completa do pontífice mostra que ele falava sobre a dinâmica da oração e sobre a necessidade de crer no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Na época, o Vaticano publicou um texto sobre a homilia. O trecho completo, que não aparece no vídeo aqui investigado é:

“Nossa oração deve ser trinitária. Muitas vezes, se alguém perguntar: ‘Mas você acredita?’, a resposta é ‘Sim! Sim!’. ‘Em que você acredita?’. ‘Em Deus!’. ‘Mas o que é Deus para você?’. ‘Deus, Deus!’. Mas Deus não existe: não fiquem escandalizados! Deus não existe! Existe o Pai, o Filho e o Espírito Santo: eles são pessoas, não são uma ideia no ar.... Este ‘spray’ de Deus não existe! Há pessoas! Jesus é o companheiro de viagem que nos dá o que pedimos; o Pai que cuida de nós e nos ama; e o Espírito Santo que é o dom, é algo mais que o Pai nos dá, o que nossa consciência não ousa esperar”, disse.

continua após a publicidade

Francisco aparece em vídeo beijou as mãos dos Rothschild?

Não. Logo após a fala sobre a existência de Deus, o vídeo mostra o Papa em meio a um grupo de cinco pessoas – quatro homens e uma mulher – e beija as mãos de um deles. Segundo a legenda, a cena registrava um encontro com “os Rothschild, uma das famílias mais ricas do mundo, dominadoras do sistema bancário mundial”. Os Rothschild são judeus e foram, por mais de um século, a família mais rica do mundo, de acordo com o site judeu JWeekly. Banqueiros, eles costumam ser alvo de teorias conspiratórias.

As pessoas que aparecem na imagem junto com o papa, contudo, não são da família Rothschild, e sim seis sobreviventes do Holocausto, que se encontraram com o Papa em 2014 durante uma visita do pontífice ao Memorial Yad Vashem, durante uma visita a Israel. Uma foto do mesmo momento da cena que aparece no vídeo aqui investigado foi publicada em 26 de maio de 2014 pelo jornal italiano La Stampa.

continua após a publicidade

O site oficial do Memorial Yad Vashem publicou uma foto dos seis sobreviventes na ocasião com um pequeno perfil deles e a legenda: “Os sobreviventes do Holocausto que saudaram o Papa durante a cerimônia”. O homem que aparece no vídeo tendo as mãos beijadas pelo Papa Francisco é Eliezer Grynfeld, que nasceu em Lodz, na Polônia, em 1923, e foi forçado a se mudar para um gueto na mesma cidade junto com os pais e os avós em 1940. Eliezer foi levado ao campo de concentração Sachsenhausen e conseguiu fugir antes de ser levado para a morte, quando se juntou aos soviéticos e atuou como tradutor. A mãe também sobreviveu e, anos depois, eles imigraram para Israel.

Seis sobreviventes do Holocausto participaram de cerimônia com o Papa Francisco no Memorial Yad Vashem, em Israel, em 2014 Foto: Memorial Yad Vashem/Divulgação

A AFP Checamos na Espanha verificou um conteúdo parecido em 2021, quando a mesma imagem foi usada para afirmar que, além de Rothschild, o papa também tinha beijados as mãos de membros das poderosas famílias Rockfeller e Kissinger.

continua após a publicidade

Nojo dos fiéis?

Após a cena com os sobreviventes do Holocausto, o vídeo que aparece é de momentos em que o Papa Francisco puxa a mão após fiéis tentarem beijá-la. O texto sobre a imagem diz que o pontífice tem “nojo dos fiéis”, mas não é bem assim. O episódio aconteceu em março de 2019 após uma missa em Loreto, na Itália.

A BBC teve acesso ao vídeo oficial do evento e publicou que, durante 13 minutos, o papa permaneceu em uma recepção após a missa e foi cumprimentado por 113 monges, freiras e paroquianos. Nos dez primeiros minutos, ele teve a mão apertada por 14 pessoas e beijada por outras 41. Nove, além de beijarem a mão do papa, também o abraçaram. Um monge chegou a beijar a duas mãos e ele não protestou.

continua após a publicidade

Após os dez primeiros minutos, o comportamento mudou, a fila acelerou e o papa recolheu a mão após 19 pessoas tentarem beijá-la. O Vaticano se pronunciou sobre o assunto no dia 28 de março de 2019 e disse que o Papa Francisco recolheu a mão por higiene. O porta-voz, Alessandro Gisotti, disse que perguntou ao papa sobre o gesto e ele explicou que “quando há um grupo de gente muito numerosa ao que tem que saudar em um mesmo lugar prefere, por precaução, que não beijem o anel papal para evitar a difusão de germes”.

Amor a ditadores comunistas?

O vídeo mostra, também, trechos de encontros do papa com líderes latino-americanos, como Fidel Castro, Evo Morales e Nicolás Maduro. Isso não significa, contudo, que o papa ame ditadores comunistas. As imagens foram feitas em visitas oficiais. A primeira, com Fidel Castro, aconteceu na casa do ex-líder cubano, em Havana, durante viagem oficial do papa a Havana, em Cuba. Na ocasião, ele também visitou Raul Castro, irmão de Fidel, que assumiu o governo após o mais velho adoecer.

continua após a publicidade

A segunda imagem também de 2015, quando o papa fez uma vigem pela América do Sul. Na Bolívia, o pontífice foi recebido pelo presidente Evo Morales, de quem recebeu um crucifixo de madeira em formato de foice e martelo. As imagens mostram certo estranhamento do papa ao ver o objeto e, na época, religiosos chegaram a dizer que o presente era uma provocação de Morales. Antes de voltar à Itália, o papa disse que não se sentiu ofendido pelo presente e o levou ao Vaticano.

Na segunda parada de Francisco na América Latina, o papa recebeu um crucifixo na forma de foice e martelo de Evo Morales. O presidente boliviano foi criticado pela escolha de presente pouco comum Foto: AP/ L'Osservatore Romano

Por fim, aparece a imagem de um encontro entre o Papa Francisco e presidente venezuelano Nicolás Maduro. Desta vez, o encontro aconteceu no Vaticano, onde Maduro foi recebido em 2013. Anos mais tarde, Maduro enviou uma carta ao papa pedindo ajuda para mediar conflitos na Venezuela, o que foi negado por Francisco.

Trechos da carta do papa a Maduro, em 2019, foram publicadas pelo jornal italiano Corriere della Sera, mostrando que o papa era contrário a qualquer diálogo e lembrava a Maduro que ele não havia cumprido acordos feitos no passado.

Tapa em fiel

A última imagem a aparecer no vídeo é do momento em que o Papa Francisco dá um tapa na mão de uma fiel que o puxou pelo braço na Praça de São Pedro. O episódio realmente aconteceu após a última missa de 2019, no dia 31 de dezembro daquele ano, e viralizou nas redes com internautas questionando se o papa estava nervoso.

No dia seguinte, em 1º de janeiro de 2020, o papa apareceu na janela do Palácio Apostólico na mesma Praça de São Pedro e se desculpou com a mulher. “Muitas vezes perdemos a paciência. Isso acontece comigo também. Peço desculpas pelo mau exemplo dado ontem”, disse.

Não, o Papa Francisco não negou a existência de Deus, nem foi filmado beijando as mãos de membros da família Rothschild ou de líderes da “Nova Ordem Mundial”. Estas são apenas duas de diversas alegações presentes em uma sequência de vídeos que espalha desinformação sobre o líder da Igreja Católica. Nenhum dos vídeos é recente e boa parte deles já foi desmentida outras vezes. A fala sobre a existência de Deus, por exemplo, é de 2014 e foi tirada de contexto.

O vídeo aqui investigado se espalhou pelo Facebook e pelo WhatsApp, canal usado por leitores do Estadão Verifica para pedir a checagem do conteúdo, por meio do número (11) 97683-7490. A primeira alegação a aparecer no material foi retirada de uma homilia do Papa Francisco feita na Capela Santa Marta, no Vaticano, durante uma missa na manhã do dia 9 de outubro de 2014.

Card Papa Foto: Reprodução

No vídeo, aparece apenas um trecho da fala, com frases de efeito legendadas em português: “Ah, Deus, Deus... Mas Deus não existe. Não se escandalizem. Deus, em si, não existe. Existe o pai, o filho e o Espírito Santo. São pessoas, não é uma ideia. Este ‘spray’ de Deus não existe”.

A fala completa do pontífice mostra que ele falava sobre a dinâmica da oração e sobre a necessidade de crer no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Na época, o Vaticano publicou um texto sobre a homilia. O trecho completo, que não aparece no vídeo aqui investigado é:

“Nossa oração deve ser trinitária. Muitas vezes, se alguém perguntar: ‘Mas você acredita?’, a resposta é ‘Sim! Sim!’. ‘Em que você acredita?’. ‘Em Deus!’. ‘Mas o que é Deus para você?’. ‘Deus, Deus!’. Mas Deus não existe: não fiquem escandalizados! Deus não existe! Existe o Pai, o Filho e o Espírito Santo: eles são pessoas, não são uma ideia no ar.... Este ‘spray’ de Deus não existe! Há pessoas! Jesus é o companheiro de viagem que nos dá o que pedimos; o Pai que cuida de nós e nos ama; e o Espírito Santo que é o dom, é algo mais que o Pai nos dá, o que nossa consciência não ousa esperar”, disse.

Francisco aparece em vídeo beijou as mãos dos Rothschild?

Não. Logo após a fala sobre a existência de Deus, o vídeo mostra o Papa em meio a um grupo de cinco pessoas – quatro homens e uma mulher – e beija as mãos de um deles. Segundo a legenda, a cena registrava um encontro com “os Rothschild, uma das famílias mais ricas do mundo, dominadoras do sistema bancário mundial”. Os Rothschild são judeus e foram, por mais de um século, a família mais rica do mundo, de acordo com o site judeu JWeekly. Banqueiros, eles costumam ser alvo de teorias conspiratórias.

As pessoas que aparecem na imagem junto com o papa, contudo, não são da família Rothschild, e sim seis sobreviventes do Holocausto, que se encontraram com o Papa em 2014 durante uma visita do pontífice ao Memorial Yad Vashem, durante uma visita a Israel. Uma foto do mesmo momento da cena que aparece no vídeo aqui investigado foi publicada em 26 de maio de 2014 pelo jornal italiano La Stampa.

O site oficial do Memorial Yad Vashem publicou uma foto dos seis sobreviventes na ocasião com um pequeno perfil deles e a legenda: “Os sobreviventes do Holocausto que saudaram o Papa durante a cerimônia”. O homem que aparece no vídeo tendo as mãos beijadas pelo Papa Francisco é Eliezer Grynfeld, que nasceu em Lodz, na Polônia, em 1923, e foi forçado a se mudar para um gueto na mesma cidade junto com os pais e os avós em 1940. Eliezer foi levado ao campo de concentração Sachsenhausen e conseguiu fugir antes de ser levado para a morte, quando se juntou aos soviéticos e atuou como tradutor. A mãe também sobreviveu e, anos depois, eles imigraram para Israel.

Seis sobreviventes do Holocausto participaram de cerimônia com o Papa Francisco no Memorial Yad Vashem, em Israel, em 2014 Foto: Memorial Yad Vashem/Divulgação

A AFP Checamos na Espanha verificou um conteúdo parecido em 2021, quando a mesma imagem foi usada para afirmar que, além de Rothschild, o papa também tinha beijados as mãos de membros das poderosas famílias Rockfeller e Kissinger.

Nojo dos fiéis?

Após a cena com os sobreviventes do Holocausto, o vídeo que aparece é de momentos em que o Papa Francisco puxa a mão após fiéis tentarem beijá-la. O texto sobre a imagem diz que o pontífice tem “nojo dos fiéis”, mas não é bem assim. O episódio aconteceu em março de 2019 após uma missa em Loreto, na Itália.

A BBC teve acesso ao vídeo oficial do evento e publicou que, durante 13 minutos, o papa permaneceu em uma recepção após a missa e foi cumprimentado por 113 monges, freiras e paroquianos. Nos dez primeiros minutos, ele teve a mão apertada por 14 pessoas e beijada por outras 41. Nove, além de beijarem a mão do papa, também o abraçaram. Um monge chegou a beijar a duas mãos e ele não protestou.

Após os dez primeiros minutos, o comportamento mudou, a fila acelerou e o papa recolheu a mão após 19 pessoas tentarem beijá-la. O Vaticano se pronunciou sobre o assunto no dia 28 de março de 2019 e disse que o Papa Francisco recolheu a mão por higiene. O porta-voz, Alessandro Gisotti, disse que perguntou ao papa sobre o gesto e ele explicou que “quando há um grupo de gente muito numerosa ao que tem que saudar em um mesmo lugar prefere, por precaução, que não beijem o anel papal para evitar a difusão de germes”.

Amor a ditadores comunistas?

O vídeo mostra, também, trechos de encontros do papa com líderes latino-americanos, como Fidel Castro, Evo Morales e Nicolás Maduro. Isso não significa, contudo, que o papa ame ditadores comunistas. As imagens foram feitas em visitas oficiais. A primeira, com Fidel Castro, aconteceu na casa do ex-líder cubano, em Havana, durante viagem oficial do papa a Havana, em Cuba. Na ocasião, ele também visitou Raul Castro, irmão de Fidel, que assumiu o governo após o mais velho adoecer.

A segunda imagem também de 2015, quando o papa fez uma vigem pela América do Sul. Na Bolívia, o pontífice foi recebido pelo presidente Evo Morales, de quem recebeu um crucifixo de madeira em formato de foice e martelo. As imagens mostram certo estranhamento do papa ao ver o objeto e, na época, religiosos chegaram a dizer que o presente era uma provocação de Morales. Antes de voltar à Itália, o papa disse que não se sentiu ofendido pelo presente e o levou ao Vaticano.

Na segunda parada de Francisco na América Latina, o papa recebeu um crucifixo na forma de foice e martelo de Evo Morales. O presidente boliviano foi criticado pela escolha de presente pouco comum Foto: AP/ L'Osservatore Romano

Por fim, aparece a imagem de um encontro entre o Papa Francisco e presidente venezuelano Nicolás Maduro. Desta vez, o encontro aconteceu no Vaticano, onde Maduro foi recebido em 2013. Anos mais tarde, Maduro enviou uma carta ao papa pedindo ajuda para mediar conflitos na Venezuela, o que foi negado por Francisco.

Trechos da carta do papa a Maduro, em 2019, foram publicadas pelo jornal italiano Corriere della Sera, mostrando que o papa era contrário a qualquer diálogo e lembrava a Maduro que ele não havia cumprido acordos feitos no passado.

Tapa em fiel

A última imagem a aparecer no vídeo é do momento em que o Papa Francisco dá um tapa na mão de uma fiel que o puxou pelo braço na Praça de São Pedro. O episódio realmente aconteceu após a última missa de 2019, no dia 31 de dezembro daquele ano, e viralizou nas redes com internautas questionando se o papa estava nervoso.

No dia seguinte, em 1º de janeiro de 2020, o papa apareceu na janela do Palácio Apostólico na mesma Praça de São Pedro e se desculpou com a mulher. “Muitas vezes perdemos a paciência. Isso acontece comigo também. Peço desculpas pelo mau exemplo dado ontem”, disse.

Não, o Papa Francisco não negou a existência de Deus, nem foi filmado beijando as mãos de membros da família Rothschild ou de líderes da “Nova Ordem Mundial”. Estas são apenas duas de diversas alegações presentes em uma sequência de vídeos que espalha desinformação sobre o líder da Igreja Católica. Nenhum dos vídeos é recente e boa parte deles já foi desmentida outras vezes. A fala sobre a existência de Deus, por exemplo, é de 2014 e foi tirada de contexto.

O vídeo aqui investigado se espalhou pelo Facebook e pelo WhatsApp, canal usado por leitores do Estadão Verifica para pedir a checagem do conteúdo, por meio do número (11) 97683-7490. A primeira alegação a aparecer no material foi retirada de uma homilia do Papa Francisco feita na Capela Santa Marta, no Vaticano, durante uma missa na manhã do dia 9 de outubro de 2014.

Card Papa Foto: Reprodução

No vídeo, aparece apenas um trecho da fala, com frases de efeito legendadas em português: “Ah, Deus, Deus... Mas Deus não existe. Não se escandalizem. Deus, em si, não existe. Existe o pai, o filho e o Espírito Santo. São pessoas, não é uma ideia. Este ‘spray’ de Deus não existe”.

A fala completa do pontífice mostra que ele falava sobre a dinâmica da oração e sobre a necessidade de crer no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Na época, o Vaticano publicou um texto sobre a homilia. O trecho completo, que não aparece no vídeo aqui investigado é:

“Nossa oração deve ser trinitária. Muitas vezes, se alguém perguntar: ‘Mas você acredita?’, a resposta é ‘Sim! Sim!’. ‘Em que você acredita?’. ‘Em Deus!’. ‘Mas o que é Deus para você?’. ‘Deus, Deus!’. Mas Deus não existe: não fiquem escandalizados! Deus não existe! Existe o Pai, o Filho e o Espírito Santo: eles são pessoas, não são uma ideia no ar.... Este ‘spray’ de Deus não existe! Há pessoas! Jesus é o companheiro de viagem que nos dá o que pedimos; o Pai que cuida de nós e nos ama; e o Espírito Santo que é o dom, é algo mais que o Pai nos dá, o que nossa consciência não ousa esperar”, disse.

Francisco aparece em vídeo beijou as mãos dos Rothschild?

Não. Logo após a fala sobre a existência de Deus, o vídeo mostra o Papa em meio a um grupo de cinco pessoas – quatro homens e uma mulher – e beija as mãos de um deles. Segundo a legenda, a cena registrava um encontro com “os Rothschild, uma das famílias mais ricas do mundo, dominadoras do sistema bancário mundial”. Os Rothschild são judeus e foram, por mais de um século, a família mais rica do mundo, de acordo com o site judeu JWeekly. Banqueiros, eles costumam ser alvo de teorias conspiratórias.

As pessoas que aparecem na imagem junto com o papa, contudo, não são da família Rothschild, e sim seis sobreviventes do Holocausto, que se encontraram com o Papa em 2014 durante uma visita do pontífice ao Memorial Yad Vashem, durante uma visita a Israel. Uma foto do mesmo momento da cena que aparece no vídeo aqui investigado foi publicada em 26 de maio de 2014 pelo jornal italiano La Stampa.

O site oficial do Memorial Yad Vashem publicou uma foto dos seis sobreviventes na ocasião com um pequeno perfil deles e a legenda: “Os sobreviventes do Holocausto que saudaram o Papa durante a cerimônia”. O homem que aparece no vídeo tendo as mãos beijadas pelo Papa Francisco é Eliezer Grynfeld, que nasceu em Lodz, na Polônia, em 1923, e foi forçado a se mudar para um gueto na mesma cidade junto com os pais e os avós em 1940. Eliezer foi levado ao campo de concentração Sachsenhausen e conseguiu fugir antes de ser levado para a morte, quando se juntou aos soviéticos e atuou como tradutor. A mãe também sobreviveu e, anos depois, eles imigraram para Israel.

Seis sobreviventes do Holocausto participaram de cerimônia com o Papa Francisco no Memorial Yad Vashem, em Israel, em 2014 Foto: Memorial Yad Vashem/Divulgação

A AFP Checamos na Espanha verificou um conteúdo parecido em 2021, quando a mesma imagem foi usada para afirmar que, além de Rothschild, o papa também tinha beijados as mãos de membros das poderosas famílias Rockfeller e Kissinger.

Nojo dos fiéis?

Após a cena com os sobreviventes do Holocausto, o vídeo que aparece é de momentos em que o Papa Francisco puxa a mão após fiéis tentarem beijá-la. O texto sobre a imagem diz que o pontífice tem “nojo dos fiéis”, mas não é bem assim. O episódio aconteceu em março de 2019 após uma missa em Loreto, na Itália.

A BBC teve acesso ao vídeo oficial do evento e publicou que, durante 13 minutos, o papa permaneceu em uma recepção após a missa e foi cumprimentado por 113 monges, freiras e paroquianos. Nos dez primeiros minutos, ele teve a mão apertada por 14 pessoas e beijada por outras 41. Nove, além de beijarem a mão do papa, também o abraçaram. Um monge chegou a beijar a duas mãos e ele não protestou.

Após os dez primeiros minutos, o comportamento mudou, a fila acelerou e o papa recolheu a mão após 19 pessoas tentarem beijá-la. O Vaticano se pronunciou sobre o assunto no dia 28 de março de 2019 e disse que o Papa Francisco recolheu a mão por higiene. O porta-voz, Alessandro Gisotti, disse que perguntou ao papa sobre o gesto e ele explicou que “quando há um grupo de gente muito numerosa ao que tem que saudar em um mesmo lugar prefere, por precaução, que não beijem o anel papal para evitar a difusão de germes”.

Amor a ditadores comunistas?

O vídeo mostra, também, trechos de encontros do papa com líderes latino-americanos, como Fidel Castro, Evo Morales e Nicolás Maduro. Isso não significa, contudo, que o papa ame ditadores comunistas. As imagens foram feitas em visitas oficiais. A primeira, com Fidel Castro, aconteceu na casa do ex-líder cubano, em Havana, durante viagem oficial do papa a Havana, em Cuba. Na ocasião, ele também visitou Raul Castro, irmão de Fidel, que assumiu o governo após o mais velho adoecer.

A segunda imagem também de 2015, quando o papa fez uma vigem pela América do Sul. Na Bolívia, o pontífice foi recebido pelo presidente Evo Morales, de quem recebeu um crucifixo de madeira em formato de foice e martelo. As imagens mostram certo estranhamento do papa ao ver o objeto e, na época, religiosos chegaram a dizer que o presente era uma provocação de Morales. Antes de voltar à Itália, o papa disse que não se sentiu ofendido pelo presente e o levou ao Vaticano.

Na segunda parada de Francisco na América Latina, o papa recebeu um crucifixo na forma de foice e martelo de Evo Morales. O presidente boliviano foi criticado pela escolha de presente pouco comum Foto: AP/ L'Osservatore Romano

Por fim, aparece a imagem de um encontro entre o Papa Francisco e presidente venezuelano Nicolás Maduro. Desta vez, o encontro aconteceu no Vaticano, onde Maduro foi recebido em 2013. Anos mais tarde, Maduro enviou uma carta ao papa pedindo ajuda para mediar conflitos na Venezuela, o que foi negado por Francisco.

Trechos da carta do papa a Maduro, em 2019, foram publicadas pelo jornal italiano Corriere della Sera, mostrando que o papa era contrário a qualquer diálogo e lembrava a Maduro que ele não havia cumprido acordos feitos no passado.

Tapa em fiel

A última imagem a aparecer no vídeo é do momento em que o Papa Francisco dá um tapa na mão de uma fiel que o puxou pelo braço na Praça de São Pedro. O episódio realmente aconteceu após a última missa de 2019, no dia 31 de dezembro daquele ano, e viralizou nas redes com internautas questionando se o papa estava nervoso.

No dia seguinte, em 1º de janeiro de 2020, o papa apareceu na janela do Palácio Apostólico na mesma Praça de São Pedro e se desculpou com a mulher. “Muitas vezes perdemos a paciência. Isso acontece comigo também. Peço desculpas pelo mau exemplo dado ontem”, disse.

Não, o Papa Francisco não negou a existência de Deus, nem foi filmado beijando as mãos de membros da família Rothschild ou de líderes da “Nova Ordem Mundial”. Estas são apenas duas de diversas alegações presentes em uma sequência de vídeos que espalha desinformação sobre o líder da Igreja Católica. Nenhum dos vídeos é recente e boa parte deles já foi desmentida outras vezes. A fala sobre a existência de Deus, por exemplo, é de 2014 e foi tirada de contexto.

O vídeo aqui investigado se espalhou pelo Facebook e pelo WhatsApp, canal usado por leitores do Estadão Verifica para pedir a checagem do conteúdo, por meio do número (11) 97683-7490. A primeira alegação a aparecer no material foi retirada de uma homilia do Papa Francisco feita na Capela Santa Marta, no Vaticano, durante uma missa na manhã do dia 9 de outubro de 2014.

Card Papa Foto: Reprodução

No vídeo, aparece apenas um trecho da fala, com frases de efeito legendadas em português: “Ah, Deus, Deus... Mas Deus não existe. Não se escandalizem. Deus, em si, não existe. Existe o pai, o filho e o Espírito Santo. São pessoas, não é uma ideia. Este ‘spray’ de Deus não existe”.

A fala completa do pontífice mostra que ele falava sobre a dinâmica da oração e sobre a necessidade de crer no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Na época, o Vaticano publicou um texto sobre a homilia. O trecho completo, que não aparece no vídeo aqui investigado é:

“Nossa oração deve ser trinitária. Muitas vezes, se alguém perguntar: ‘Mas você acredita?’, a resposta é ‘Sim! Sim!’. ‘Em que você acredita?’. ‘Em Deus!’. ‘Mas o que é Deus para você?’. ‘Deus, Deus!’. Mas Deus não existe: não fiquem escandalizados! Deus não existe! Existe o Pai, o Filho e o Espírito Santo: eles são pessoas, não são uma ideia no ar.... Este ‘spray’ de Deus não existe! Há pessoas! Jesus é o companheiro de viagem que nos dá o que pedimos; o Pai que cuida de nós e nos ama; e o Espírito Santo que é o dom, é algo mais que o Pai nos dá, o que nossa consciência não ousa esperar”, disse.

Francisco aparece em vídeo beijou as mãos dos Rothschild?

Não. Logo após a fala sobre a existência de Deus, o vídeo mostra o Papa em meio a um grupo de cinco pessoas – quatro homens e uma mulher – e beija as mãos de um deles. Segundo a legenda, a cena registrava um encontro com “os Rothschild, uma das famílias mais ricas do mundo, dominadoras do sistema bancário mundial”. Os Rothschild são judeus e foram, por mais de um século, a família mais rica do mundo, de acordo com o site judeu JWeekly. Banqueiros, eles costumam ser alvo de teorias conspiratórias.

As pessoas que aparecem na imagem junto com o papa, contudo, não são da família Rothschild, e sim seis sobreviventes do Holocausto, que se encontraram com o Papa em 2014 durante uma visita do pontífice ao Memorial Yad Vashem, durante uma visita a Israel. Uma foto do mesmo momento da cena que aparece no vídeo aqui investigado foi publicada em 26 de maio de 2014 pelo jornal italiano La Stampa.

O site oficial do Memorial Yad Vashem publicou uma foto dos seis sobreviventes na ocasião com um pequeno perfil deles e a legenda: “Os sobreviventes do Holocausto que saudaram o Papa durante a cerimônia”. O homem que aparece no vídeo tendo as mãos beijadas pelo Papa Francisco é Eliezer Grynfeld, que nasceu em Lodz, na Polônia, em 1923, e foi forçado a se mudar para um gueto na mesma cidade junto com os pais e os avós em 1940. Eliezer foi levado ao campo de concentração Sachsenhausen e conseguiu fugir antes de ser levado para a morte, quando se juntou aos soviéticos e atuou como tradutor. A mãe também sobreviveu e, anos depois, eles imigraram para Israel.

Seis sobreviventes do Holocausto participaram de cerimônia com o Papa Francisco no Memorial Yad Vashem, em Israel, em 2014 Foto: Memorial Yad Vashem/Divulgação

A AFP Checamos na Espanha verificou um conteúdo parecido em 2021, quando a mesma imagem foi usada para afirmar que, além de Rothschild, o papa também tinha beijados as mãos de membros das poderosas famílias Rockfeller e Kissinger.

Nojo dos fiéis?

Após a cena com os sobreviventes do Holocausto, o vídeo que aparece é de momentos em que o Papa Francisco puxa a mão após fiéis tentarem beijá-la. O texto sobre a imagem diz que o pontífice tem “nojo dos fiéis”, mas não é bem assim. O episódio aconteceu em março de 2019 após uma missa em Loreto, na Itália.

A BBC teve acesso ao vídeo oficial do evento e publicou que, durante 13 minutos, o papa permaneceu em uma recepção após a missa e foi cumprimentado por 113 monges, freiras e paroquianos. Nos dez primeiros minutos, ele teve a mão apertada por 14 pessoas e beijada por outras 41. Nove, além de beijarem a mão do papa, também o abraçaram. Um monge chegou a beijar a duas mãos e ele não protestou.

Após os dez primeiros minutos, o comportamento mudou, a fila acelerou e o papa recolheu a mão após 19 pessoas tentarem beijá-la. O Vaticano se pronunciou sobre o assunto no dia 28 de março de 2019 e disse que o Papa Francisco recolheu a mão por higiene. O porta-voz, Alessandro Gisotti, disse que perguntou ao papa sobre o gesto e ele explicou que “quando há um grupo de gente muito numerosa ao que tem que saudar em um mesmo lugar prefere, por precaução, que não beijem o anel papal para evitar a difusão de germes”.

Amor a ditadores comunistas?

O vídeo mostra, também, trechos de encontros do papa com líderes latino-americanos, como Fidel Castro, Evo Morales e Nicolás Maduro. Isso não significa, contudo, que o papa ame ditadores comunistas. As imagens foram feitas em visitas oficiais. A primeira, com Fidel Castro, aconteceu na casa do ex-líder cubano, em Havana, durante viagem oficial do papa a Havana, em Cuba. Na ocasião, ele também visitou Raul Castro, irmão de Fidel, que assumiu o governo após o mais velho adoecer.

A segunda imagem também de 2015, quando o papa fez uma vigem pela América do Sul. Na Bolívia, o pontífice foi recebido pelo presidente Evo Morales, de quem recebeu um crucifixo de madeira em formato de foice e martelo. As imagens mostram certo estranhamento do papa ao ver o objeto e, na época, religiosos chegaram a dizer que o presente era uma provocação de Morales. Antes de voltar à Itália, o papa disse que não se sentiu ofendido pelo presente e o levou ao Vaticano.

Na segunda parada de Francisco na América Latina, o papa recebeu um crucifixo na forma de foice e martelo de Evo Morales. O presidente boliviano foi criticado pela escolha de presente pouco comum Foto: AP/ L'Osservatore Romano

Por fim, aparece a imagem de um encontro entre o Papa Francisco e presidente venezuelano Nicolás Maduro. Desta vez, o encontro aconteceu no Vaticano, onde Maduro foi recebido em 2013. Anos mais tarde, Maduro enviou uma carta ao papa pedindo ajuda para mediar conflitos na Venezuela, o que foi negado por Francisco.

Trechos da carta do papa a Maduro, em 2019, foram publicadas pelo jornal italiano Corriere della Sera, mostrando que o papa era contrário a qualquer diálogo e lembrava a Maduro que ele não havia cumprido acordos feitos no passado.

Tapa em fiel

A última imagem a aparecer no vídeo é do momento em que o Papa Francisco dá um tapa na mão de uma fiel que o puxou pelo braço na Praça de São Pedro. O episódio realmente aconteceu após a última missa de 2019, no dia 31 de dezembro daquele ano, e viralizou nas redes com internautas questionando se o papa estava nervoso.

No dia seguinte, em 1º de janeiro de 2020, o papa apareceu na janela do Palácio Apostólico na mesma Praça de São Pedro e se desculpou com a mulher. “Muitas vezes perdemos a paciência. Isso acontece comigo também. Peço desculpas pelo mau exemplo dado ontem”, disse.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.