Mensagens nas redes sociais e no WhatsApp espalham boatos enganosos a respeito da morte de um policial militar que efetuou uma série de disparos de fuzil para o alto e contra colegas oficiais, após entoar palavras de ordem no Farol da Barra, em Salvador (BA), neste domingo, 28.
Publicações no Facebook disseminam que a ação do PM seria um protesto contra as medidas restritivas adotadas pelo governo do Estado para conter a pandemia de covid-19. Uma postagem viral diz que ele foi alvo de voz de prisão depois de supostamente se negar a "prender trabalhador". Não há, porém, evidências que sustentem essas versões.
De acordo a Secretaria de Segurança Pública da Bahia, Wesley Soares Góes teria sofrido um "surto psicótico" por uma razão ainda desconhecida. O comandante-geral da PM da Bahia, coronel Paulo Coutinho, disse nesta segunda-feira, 29, que o soldado "alternava picos de lucidez com loucura" e tinha dificuldades para entender o que estava acontecendo.
Também não há relatos de que ele recebeu uma voz de prisão antes do episódio. "Não houve voz de prisão. Havia uma negociação", afirmou a assessoria de comunicação do órgão, em resposta ao Estadão. A Secretaria também desconhece qualquer caso de prisão de trabalhadores em Itacaré -- cidade onde ficava lotado o soldado da Polícia Militar da Bahia, a 250 quilômetros de Salvador -- que pudesse ter motivado o ato.
O mesmo boato ainda espalha que o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) não conduziu negociações antes de disparar contra o PM, outra alegação falsa. Negociadores tentaram, sem sucesso, desmobilizar o policial durante três horas e meia. Ele foi baleado após disparar contra seus colegas de corporação, o que é confirmado por filmagens do confronto de uma emissora de TV local.
O que já se sabe sobre o episódio
Segundo o jornal Correio, o soldado Wesley Soares Góes era lotado na 72.º Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Itacaré), cidade no sul do Estado. Ele estava de serviço neste domingo, 28 de março, e deixou o batalhão armado em direção à capital baiana.
Os primeiros disparos teriam sido feitos na Avenida Centenário, próximo ao 5º Centro de Saúde Clementino Fraga, segundo relatos de testemunhas, ainda não confirmados pela polícia. Depois, o soldado se dirigiu ao Farol da Barra, onde chegou por volta das 14h.
Imagens mostram o soldado estacionando o seu carro em frente ao ponto turístico. De farda e armado com um fuzil e uma pistola, ele desce agitado do veículo, começa a andar de um lado para o outro, pinta o rosto de verde e amarelo e grita: "Venham testemunhar a honra ou desonra do policial militar da Bahia". Wesley então começa a atirar para o alto, provocando pânico na volta.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia, ele foi cercado por unidades do Comando de Policiamento Regional (CPR) Atlântico e outras especializadas, que imediatamente isolaram o local. Às 15h, uma equipe do Bope começou as negociações com o soldado, que "alternava momentos de lucidez com acessos de raiva, acompanhados de disparos'', conforme nota da secretaria.
A SSP afirma que o PM jogou grades, bicicletas e outros objetos no mar. Esse fato também está registrado em vídeos divulgados durante o caso. Em outra gravação, Wesley aparece empurrando uma viatura, colocada em ponto morto, contra barreiras montadas no local.
Por volta das 18h35, o soldado disparou contra a equipe do Bope, que reagiu e baleou o policial. Imagens gravadas pelo cinegrafista Dario Cerqueira, da TV Aratu, mostram o momento exato em que o PM abriu fogo contra os negociadores e depois foi atingido (Atenção: o conteúdo abaixo contém imagens fortes).
Segundo as forças de segurança, Wesley teria feito uma contagem regressiva antes do ataque e continuou disparando mesmo quando já havia sido alvejado pela primeira vez e estava no chão. Ele foi socorrido por uma ambulância e levado para o Hospital Geral do Estado (HGE) em estado grave, mas não resistiu aos ferimentos. A morte foi confirmada perto das 23h.
"Buscamos, utilizando técnicas internacionais de negociação, impedir um confronto, mas o militar atacou as nossas equipes", relatou o comandante do Bope, major Clédson Conceição, depois do incidente. "Além de colocar em risco os militares, estávamos em uma área residencial, expondo também os moradores", disse. Um inquérito policial militar foi instaurado para apurar o caso, e o resultado deve sair em 30 dias.
Nas redes, bolsonaristas investem em narrativa sem provas
A narrativa de que o policial militar agiu contra as medidas de isolamento social adotadas pelo governo baiano foi impulsionada por políticos bolsonaristas nas redes sociais. A deputada federal e presidente da Comissão de Constituição de Justiça, Bia Kicis (PSL-DF) publicou nesta madrugada uma mensagem que dizia que o PM "morreu porque recusou a prender trabalhadores". Na manhã desta segunda-feira, a parlamentar excluiu o post e que foi informada que o policial morto havia atirado para cima e depois baleado.
Outro que impulsiona a desinformação nas redes é o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ). O filho "03" do presidente Jair Bolsonaro compartilhou um vídeo no Twitter em que o soldado aparentemente grita: "Eu não vou deixar, não vou permitir que violem a dignidade humana de um trabalhador". A frase não é capaz de provar a suposta relação entre o episódio e o fechamento temporário de serviços não essenciais no Estado.
Um decreto do governo da Bahia estabelece que, até o dia 5 de abril, apenas serviços essenciais podem funcionar em Salvador e outras cidades de Região Metropolitana. O governador Rui Costa (PT) adotou a medida por conta da alta no número de casos e na procura por leitos de UTI destinados à covid-19. Nas demais localidades, está permitida a operação em horários específicos. O Estado também determinou toque de recolher em todo o território, restringindo a circulação de pessoas das 18h às 5h.