Perfis no Twitter ‘sequestram’ obituários para espalhar desinformação sobre vacina


Usuários antivacina compilam notícias de mortes para fazer conexão infundada com o imunizante contra covid

Por Gabriel Belic
Atualização:

Perfis desinformativos que acumulam mais de 500 mil seguidores no Twitter têm “sequestrado” obituários noticiados pela imprensa para fazer acusações infundadas contra a vacina de covid-19. Usando hashtags como #MalSúbito e #CasoIsolado, eles afirmam, sem qualquer evidência, que diferentes óbitos teriam sido causados pela vacinação. Na maioria dos casos, as causas das mortes divulgadas por esses usuários sequer são divulgadas – e isso já é o suficiente para que militantes antivacina as utilizem como “prova” de supostos malefícios da vacinação.

Esses perfis costumam atravessar fronteiras para buscar obituários, que são de países variados, inclusive do Brasil. As notícias sobre as mortes, utilizadas erroneamente para espalhar desinformação, não fazem qualquer menção à vacina contra covid-19. Ainda que a causa da morte noticiada seja outra, os usuários antivacina insistem em versões conspiratórias para atribuir o falecimento ao imunizante.

Usuários no Twitter associam casos de mortes súbitas às vacinas contra covid para espalhar desinformação Foto: PATRICK T. FALLON/ AFP
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Em uma das postagens, por exemplo, um perfil atribuiu a morte do bailarino Nylson Torres, de Mossoró (RN), à vacina. Na legenda, o responsável pela publicação afirma que o artista foi vítima do “veneno da vacina contra covid”, o que não é verdade. Torres foi internado no dia 10 de maio deste ano por complicações do próprio coronavírus. Por complicações, ele acabou falecendo após uma parada cardiorrespiratória.

Em outra publicação, o mesmo autor caracteriza o falecimento da professora de Ponta Grossa (PR) Rosangela Grigol como uma “morte súbita”. Ainda na postagem, o perfil compila publicações de Rosangela favoráveis à vacina no Facebook, numa tentativa de relacionar o imunizante à causa da morte. No entanto, a professora faleceu de câncer. E não há evidência alguma de que vacinas causam tumores, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca).

A mesma técnica utilizada contra Rosangela foi aplicada com o co-fundador da empresa de engenharia aeroespacial da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Beghelli. O perfil desinformativo também classificou seu falecimento como “súbito” e o relacionou à vacina – na verdade, o engenheiro faleceu por complicações de um câncer raro descoberto em 2022.

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No Brasil, os conteúdos desinformativos costumam ser mapeados com o termo “morte súbita” e “caso isolado”. Em inglês, postagens utilizam “sudden death” (morte súbita) e “died suddenly” (morreu de repente). Mortes súbitas, entretanto, sempre existiram. Em 2010, por exemplo, o Estadão noticiou um alerta do Instituto do Coração (InCor), que afirmou que 212 mil brasileiros poderiam ser vítimas de morte súbita naquele ano, caso não fossem diagnosticados e tratados a tempo.

Embora o imunizante contra a covid tenha sido alvo de desinformação desde o início da campanha de vacinação (veja todas as checagens do Estadão Verifica sobre o assunto aqui), a narrativa da morte súbita começou a ser utilizada massivamente por grupos antivacina para fazer uma falsa relação com possíveis efeitos colaterais. Os boatos começaram em 2021, mas ganharam mais força em 2022.

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Em 2021, por exemplo, o Comprova e o Estadão Verifica desmentiram a relação entre casos de mal súbito em atletas e vacinas contra covid. Mesmo assim, os boatos persistiram. Em junho de 2022, postagens no Twitter viralizaram ao afirmar que 673 atletas tiveram morte súbita após o início da aplicação do imunizante. Na realidade, descobriu-se que, dentro desse número, também eram contabilizadas mortes de pessoas que não foram vacinadas, vítimas de acidentes, pessoas com histórico de doenças cardiovasculares e até algumas que morreram em decorrência de complicações da própria covid.

Como mostrou uma reportagem da revista Wired, a campanha de desinformação ganhou ainda mais tração depois que o empresário Elon Musk assumiu o Twitter em outubro de 2022. Em novembro, Musk lançou uma enquete sobre o restabelecimento de contas suspensas e interrompeu a política de informações enganosas sobre o coronavírus. Assim, a plataforma tornou-se um espaço para boatos sem respaldo científico.

Perfis que compartilham obituários para acusar a vacina já acumulam mais de 500 mil seguidores no Twitter Foto: AP/Matt Rourke
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Também em novembro de 2022, o filme antivacina Died Suddenly foi lançado na rede social, contribuindo para endossar teorias conspiratórias. O pseudodocumentário reúne casos de mortes súbitas e tenta relacioná-las, sem provas, às vacinas contra covid. Com mais de 400 mil seguidores, o perfil responsável pela divulgação do filme utiliza sua página para divulgar obituários e fazer propaganda antivacina.

Procurado, o Twitter respondeu à solicitação com um emoji de fezes.

O que são mortes súbitas

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Ao Estadão Verifica, o médico Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do InCor, explica que a morte súbita ocorre quando um indivíduo morre sem uma causa evidente até o momento do falecimento. De acordo com o especialista, esses falecimentos geralmente são uma consequência de um colapso do sistema nervoso ou neurológico, como um AVC ou um infarto fulminante.

Ao contrário do que perfis desinformativos espalham nas redes sociais, não existe nenhuma evidência científica que comprove a relação entre as vacinas contra covid e as mortes súbitas. “Essa manipulação de dados é muito perigosa. Uma coisa é o dado e outra coisa é a informação que você tira dele. O dado precisa estar dentro de um contexto. Você pode encontrar com mais frequência um determinado fenômeno que simplesmente começou a ser mais notificado”, explica Kalil.

Questionado sobre o risco de miocardite e pericardite pós-vacinação – um dos principais argumentos utilizados por perfis antivacina –, Kalil explica que, de fato, existem casos associados, sobretudo em homens jovens após a segunda dose. No entanto, o pesquisador explica que esses casos são efêmeros e não estão relacionados à morte e nem a doenças crônicas.

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O médico e cientista Peter Hotez, codiretor do Centro de Desenvolvimento de Vacinas do Hospital para Crianças do Texas e referência mundial contra o negacionismo científico, explica que o governo dos Estados Unidos utiliza um sistema de relatórios avançado projetado para captar qualquer evento após a vacina. “Ele é tão sensível que detectou eventos raros de miocardite, mas não está detectando nenhum aumento de casos de mortes súbitas”, disse, em entrevista ao Verifica.

Hotez, que também atuou para desenvolver uma vacina contra covid de baixo custo, afirma que a tática usada por perfis desinformativos é baseada no ataque à ciência e na tentativa de vilanizar os cientistas. “Se você aplica a vacina em centenas de milhões de indivíduos, existem pessoas que vão adoecer e falecer por causas que não estão relacionadas à vacina. O que esses grupos antivacina fazem é falsamente atribuir essas mortes ao imunizante”.

Perfis desinformativos que acumulam mais de 500 mil seguidores no Twitter têm “sequestrado” obituários noticiados pela imprensa para fazer acusações infundadas contra a vacina de covid-19. Usando hashtags como #MalSúbito e #CasoIsolado, eles afirmam, sem qualquer evidência, que diferentes óbitos teriam sido causados pela vacinação. Na maioria dos casos, as causas das mortes divulgadas por esses usuários sequer são divulgadas – e isso já é o suficiente para que militantes antivacina as utilizem como “prova” de supostos malefícios da vacinação.

Esses perfis costumam atravessar fronteiras para buscar obituários, que são de países variados, inclusive do Brasil. As notícias sobre as mortes, utilizadas erroneamente para espalhar desinformação, não fazem qualquer menção à vacina contra covid-19. Ainda que a causa da morte noticiada seja outra, os usuários antivacina insistem em versões conspiratórias para atribuir o falecimento ao imunizante.

Usuários no Twitter associam casos de mortes súbitas às vacinas contra covid para espalhar desinformação Foto: PATRICK T. FALLON/ AFP

Em uma das postagens, por exemplo, um perfil atribuiu a morte do bailarino Nylson Torres, de Mossoró (RN), à vacina. Na legenda, o responsável pela publicação afirma que o artista foi vítima do “veneno da vacina contra covid”, o que não é verdade. Torres foi internado no dia 10 de maio deste ano por complicações do próprio coronavírus. Por complicações, ele acabou falecendo após uma parada cardiorrespiratória.

Em outra publicação, o mesmo autor caracteriza o falecimento da professora de Ponta Grossa (PR) Rosangela Grigol como uma “morte súbita”. Ainda na postagem, o perfil compila publicações de Rosangela favoráveis à vacina no Facebook, numa tentativa de relacionar o imunizante à causa da morte. No entanto, a professora faleceu de câncer. E não há evidência alguma de que vacinas causam tumores, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca).

A mesma técnica utilizada contra Rosangela foi aplicada com o co-fundador da empresa de engenharia aeroespacial da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Beghelli. O perfil desinformativo também classificou seu falecimento como “súbito” e o relacionou à vacina – na verdade, o engenheiro faleceu por complicações de um câncer raro descoberto em 2022.

No Brasil, os conteúdos desinformativos costumam ser mapeados com o termo “morte súbita” e “caso isolado”. Em inglês, postagens utilizam “sudden death” (morte súbita) e “died suddenly” (morreu de repente). Mortes súbitas, entretanto, sempre existiram. Em 2010, por exemplo, o Estadão noticiou um alerta do Instituto do Coração (InCor), que afirmou que 212 mil brasileiros poderiam ser vítimas de morte súbita naquele ano, caso não fossem diagnosticados e tratados a tempo.

Embora o imunizante contra a covid tenha sido alvo de desinformação desde o início da campanha de vacinação (veja todas as checagens do Estadão Verifica sobre o assunto aqui), a narrativa da morte súbita começou a ser utilizada massivamente por grupos antivacina para fazer uma falsa relação com possíveis efeitos colaterais. Os boatos começaram em 2021, mas ganharam mais força em 2022.

Em 2021, por exemplo, o Comprova e o Estadão Verifica desmentiram a relação entre casos de mal súbito em atletas e vacinas contra covid. Mesmo assim, os boatos persistiram. Em junho de 2022, postagens no Twitter viralizaram ao afirmar que 673 atletas tiveram morte súbita após o início da aplicação do imunizante. Na realidade, descobriu-se que, dentro desse número, também eram contabilizadas mortes de pessoas que não foram vacinadas, vítimas de acidentes, pessoas com histórico de doenças cardiovasculares e até algumas que morreram em decorrência de complicações da própria covid.

Como mostrou uma reportagem da revista Wired, a campanha de desinformação ganhou ainda mais tração depois que o empresário Elon Musk assumiu o Twitter em outubro de 2022. Em novembro, Musk lançou uma enquete sobre o restabelecimento de contas suspensas e interrompeu a política de informações enganosas sobre o coronavírus. Assim, a plataforma tornou-se um espaço para boatos sem respaldo científico.

Perfis que compartilham obituários para acusar a vacina já acumulam mais de 500 mil seguidores no Twitter Foto: AP/Matt Rourke

Também em novembro de 2022, o filme antivacina Died Suddenly foi lançado na rede social, contribuindo para endossar teorias conspiratórias. O pseudodocumentário reúne casos de mortes súbitas e tenta relacioná-las, sem provas, às vacinas contra covid. Com mais de 400 mil seguidores, o perfil responsável pela divulgação do filme utiliza sua página para divulgar obituários e fazer propaganda antivacina.

Procurado, o Twitter respondeu à solicitação com um emoji de fezes.

O que são mortes súbitas

Ao Estadão Verifica, o médico Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do InCor, explica que a morte súbita ocorre quando um indivíduo morre sem uma causa evidente até o momento do falecimento. De acordo com o especialista, esses falecimentos geralmente são uma consequência de um colapso do sistema nervoso ou neurológico, como um AVC ou um infarto fulminante.

Ao contrário do que perfis desinformativos espalham nas redes sociais, não existe nenhuma evidência científica que comprove a relação entre as vacinas contra covid e as mortes súbitas. “Essa manipulação de dados é muito perigosa. Uma coisa é o dado e outra coisa é a informação que você tira dele. O dado precisa estar dentro de um contexto. Você pode encontrar com mais frequência um determinado fenômeno que simplesmente começou a ser mais notificado”, explica Kalil.

Questionado sobre o risco de miocardite e pericardite pós-vacinação – um dos principais argumentos utilizados por perfis antivacina –, Kalil explica que, de fato, existem casos associados, sobretudo em homens jovens após a segunda dose. No entanto, o pesquisador explica que esses casos são efêmeros e não estão relacionados à morte e nem a doenças crônicas.

O médico e cientista Peter Hotez, codiretor do Centro de Desenvolvimento de Vacinas do Hospital para Crianças do Texas e referência mundial contra o negacionismo científico, explica que o governo dos Estados Unidos utiliza um sistema de relatórios avançado projetado para captar qualquer evento após a vacina. “Ele é tão sensível que detectou eventos raros de miocardite, mas não está detectando nenhum aumento de casos de mortes súbitas”, disse, em entrevista ao Verifica.

Hotez, que também atuou para desenvolver uma vacina contra covid de baixo custo, afirma que a tática usada por perfis desinformativos é baseada no ataque à ciência e na tentativa de vilanizar os cientistas. “Se você aplica a vacina em centenas de milhões de indivíduos, existem pessoas que vão adoecer e falecer por causas que não estão relacionadas à vacina. O que esses grupos antivacina fazem é falsamente atribuir essas mortes ao imunizante”.

Perfis desinformativos que acumulam mais de 500 mil seguidores no Twitter têm “sequestrado” obituários noticiados pela imprensa para fazer acusações infundadas contra a vacina de covid-19. Usando hashtags como #MalSúbito e #CasoIsolado, eles afirmam, sem qualquer evidência, que diferentes óbitos teriam sido causados pela vacinação. Na maioria dos casos, as causas das mortes divulgadas por esses usuários sequer são divulgadas – e isso já é o suficiente para que militantes antivacina as utilizem como “prova” de supostos malefícios da vacinação.

Esses perfis costumam atravessar fronteiras para buscar obituários, que são de países variados, inclusive do Brasil. As notícias sobre as mortes, utilizadas erroneamente para espalhar desinformação, não fazem qualquer menção à vacina contra covid-19. Ainda que a causa da morte noticiada seja outra, os usuários antivacina insistem em versões conspiratórias para atribuir o falecimento ao imunizante.

Usuários no Twitter associam casos de mortes súbitas às vacinas contra covid para espalhar desinformação Foto: PATRICK T. FALLON/ AFP

Em uma das postagens, por exemplo, um perfil atribuiu a morte do bailarino Nylson Torres, de Mossoró (RN), à vacina. Na legenda, o responsável pela publicação afirma que o artista foi vítima do “veneno da vacina contra covid”, o que não é verdade. Torres foi internado no dia 10 de maio deste ano por complicações do próprio coronavírus. Por complicações, ele acabou falecendo após uma parada cardiorrespiratória.

Em outra publicação, o mesmo autor caracteriza o falecimento da professora de Ponta Grossa (PR) Rosangela Grigol como uma “morte súbita”. Ainda na postagem, o perfil compila publicações de Rosangela favoráveis à vacina no Facebook, numa tentativa de relacionar o imunizante à causa da morte. No entanto, a professora faleceu de câncer. E não há evidência alguma de que vacinas causam tumores, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca).

A mesma técnica utilizada contra Rosangela foi aplicada com o co-fundador da empresa de engenharia aeroespacial da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Beghelli. O perfil desinformativo também classificou seu falecimento como “súbito” e o relacionou à vacina – na verdade, o engenheiro faleceu por complicações de um câncer raro descoberto em 2022.

No Brasil, os conteúdos desinformativos costumam ser mapeados com o termo “morte súbita” e “caso isolado”. Em inglês, postagens utilizam “sudden death” (morte súbita) e “died suddenly” (morreu de repente). Mortes súbitas, entretanto, sempre existiram. Em 2010, por exemplo, o Estadão noticiou um alerta do Instituto do Coração (InCor), que afirmou que 212 mil brasileiros poderiam ser vítimas de morte súbita naquele ano, caso não fossem diagnosticados e tratados a tempo.

Embora o imunizante contra a covid tenha sido alvo de desinformação desde o início da campanha de vacinação (veja todas as checagens do Estadão Verifica sobre o assunto aqui), a narrativa da morte súbita começou a ser utilizada massivamente por grupos antivacina para fazer uma falsa relação com possíveis efeitos colaterais. Os boatos começaram em 2021, mas ganharam mais força em 2022.

Em 2021, por exemplo, o Comprova e o Estadão Verifica desmentiram a relação entre casos de mal súbito em atletas e vacinas contra covid. Mesmo assim, os boatos persistiram. Em junho de 2022, postagens no Twitter viralizaram ao afirmar que 673 atletas tiveram morte súbita após o início da aplicação do imunizante. Na realidade, descobriu-se que, dentro desse número, também eram contabilizadas mortes de pessoas que não foram vacinadas, vítimas de acidentes, pessoas com histórico de doenças cardiovasculares e até algumas que morreram em decorrência de complicações da própria covid.

Como mostrou uma reportagem da revista Wired, a campanha de desinformação ganhou ainda mais tração depois que o empresário Elon Musk assumiu o Twitter em outubro de 2022. Em novembro, Musk lançou uma enquete sobre o restabelecimento de contas suspensas e interrompeu a política de informações enganosas sobre o coronavírus. Assim, a plataforma tornou-se um espaço para boatos sem respaldo científico.

Perfis que compartilham obituários para acusar a vacina já acumulam mais de 500 mil seguidores no Twitter Foto: AP/Matt Rourke

Também em novembro de 2022, o filme antivacina Died Suddenly foi lançado na rede social, contribuindo para endossar teorias conspiratórias. O pseudodocumentário reúne casos de mortes súbitas e tenta relacioná-las, sem provas, às vacinas contra covid. Com mais de 400 mil seguidores, o perfil responsável pela divulgação do filme utiliza sua página para divulgar obituários e fazer propaganda antivacina.

Procurado, o Twitter respondeu à solicitação com um emoji de fezes.

O que são mortes súbitas

Ao Estadão Verifica, o médico Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do InCor, explica que a morte súbita ocorre quando um indivíduo morre sem uma causa evidente até o momento do falecimento. De acordo com o especialista, esses falecimentos geralmente são uma consequência de um colapso do sistema nervoso ou neurológico, como um AVC ou um infarto fulminante.

Ao contrário do que perfis desinformativos espalham nas redes sociais, não existe nenhuma evidência científica que comprove a relação entre as vacinas contra covid e as mortes súbitas. “Essa manipulação de dados é muito perigosa. Uma coisa é o dado e outra coisa é a informação que você tira dele. O dado precisa estar dentro de um contexto. Você pode encontrar com mais frequência um determinado fenômeno que simplesmente começou a ser mais notificado”, explica Kalil.

Questionado sobre o risco de miocardite e pericardite pós-vacinação – um dos principais argumentos utilizados por perfis antivacina –, Kalil explica que, de fato, existem casos associados, sobretudo em homens jovens após a segunda dose. No entanto, o pesquisador explica que esses casos são efêmeros e não estão relacionados à morte e nem a doenças crônicas.

O médico e cientista Peter Hotez, codiretor do Centro de Desenvolvimento de Vacinas do Hospital para Crianças do Texas e referência mundial contra o negacionismo científico, explica que o governo dos Estados Unidos utiliza um sistema de relatórios avançado projetado para captar qualquer evento após a vacina. “Ele é tão sensível que detectou eventos raros de miocardite, mas não está detectando nenhum aumento de casos de mortes súbitas”, disse, em entrevista ao Verifica.

Hotez, que também atuou para desenvolver uma vacina contra covid de baixo custo, afirma que a tática usada por perfis desinformativos é baseada no ataque à ciência e na tentativa de vilanizar os cientistas. “Se você aplica a vacina em centenas de milhões de indivíduos, existem pessoas que vão adoecer e falecer por causas que não estão relacionadas à vacina. O que esses grupos antivacina fazem é falsamente atribuir essas mortes ao imunizante”.

Perfis desinformativos que acumulam mais de 500 mil seguidores no Twitter têm “sequestrado” obituários noticiados pela imprensa para fazer acusações infundadas contra a vacina de covid-19. Usando hashtags como #MalSúbito e #CasoIsolado, eles afirmam, sem qualquer evidência, que diferentes óbitos teriam sido causados pela vacinação. Na maioria dos casos, as causas das mortes divulgadas por esses usuários sequer são divulgadas – e isso já é o suficiente para que militantes antivacina as utilizem como “prova” de supostos malefícios da vacinação.

Esses perfis costumam atravessar fronteiras para buscar obituários, que são de países variados, inclusive do Brasil. As notícias sobre as mortes, utilizadas erroneamente para espalhar desinformação, não fazem qualquer menção à vacina contra covid-19. Ainda que a causa da morte noticiada seja outra, os usuários antivacina insistem em versões conspiratórias para atribuir o falecimento ao imunizante.

Usuários no Twitter associam casos de mortes súbitas às vacinas contra covid para espalhar desinformação Foto: PATRICK T. FALLON/ AFP

Em uma das postagens, por exemplo, um perfil atribuiu a morte do bailarino Nylson Torres, de Mossoró (RN), à vacina. Na legenda, o responsável pela publicação afirma que o artista foi vítima do “veneno da vacina contra covid”, o que não é verdade. Torres foi internado no dia 10 de maio deste ano por complicações do próprio coronavírus. Por complicações, ele acabou falecendo após uma parada cardiorrespiratória.

Em outra publicação, o mesmo autor caracteriza o falecimento da professora de Ponta Grossa (PR) Rosangela Grigol como uma “morte súbita”. Ainda na postagem, o perfil compila publicações de Rosangela favoráveis à vacina no Facebook, numa tentativa de relacionar o imunizante à causa da morte. No entanto, a professora faleceu de câncer. E não há evidência alguma de que vacinas causam tumores, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca).

A mesma técnica utilizada contra Rosangela foi aplicada com o co-fundador da empresa de engenharia aeroespacial da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Beghelli. O perfil desinformativo também classificou seu falecimento como “súbito” e o relacionou à vacina – na verdade, o engenheiro faleceu por complicações de um câncer raro descoberto em 2022.

No Brasil, os conteúdos desinformativos costumam ser mapeados com o termo “morte súbita” e “caso isolado”. Em inglês, postagens utilizam “sudden death” (morte súbita) e “died suddenly” (morreu de repente). Mortes súbitas, entretanto, sempre existiram. Em 2010, por exemplo, o Estadão noticiou um alerta do Instituto do Coração (InCor), que afirmou que 212 mil brasileiros poderiam ser vítimas de morte súbita naquele ano, caso não fossem diagnosticados e tratados a tempo.

Embora o imunizante contra a covid tenha sido alvo de desinformação desde o início da campanha de vacinação (veja todas as checagens do Estadão Verifica sobre o assunto aqui), a narrativa da morte súbita começou a ser utilizada massivamente por grupos antivacina para fazer uma falsa relação com possíveis efeitos colaterais. Os boatos começaram em 2021, mas ganharam mais força em 2022.

Em 2021, por exemplo, o Comprova e o Estadão Verifica desmentiram a relação entre casos de mal súbito em atletas e vacinas contra covid. Mesmo assim, os boatos persistiram. Em junho de 2022, postagens no Twitter viralizaram ao afirmar que 673 atletas tiveram morte súbita após o início da aplicação do imunizante. Na realidade, descobriu-se que, dentro desse número, também eram contabilizadas mortes de pessoas que não foram vacinadas, vítimas de acidentes, pessoas com histórico de doenças cardiovasculares e até algumas que morreram em decorrência de complicações da própria covid.

Como mostrou uma reportagem da revista Wired, a campanha de desinformação ganhou ainda mais tração depois que o empresário Elon Musk assumiu o Twitter em outubro de 2022. Em novembro, Musk lançou uma enquete sobre o restabelecimento de contas suspensas e interrompeu a política de informações enganosas sobre o coronavírus. Assim, a plataforma tornou-se um espaço para boatos sem respaldo científico.

Perfis que compartilham obituários para acusar a vacina já acumulam mais de 500 mil seguidores no Twitter Foto: AP/Matt Rourke

Também em novembro de 2022, o filme antivacina Died Suddenly foi lançado na rede social, contribuindo para endossar teorias conspiratórias. O pseudodocumentário reúne casos de mortes súbitas e tenta relacioná-las, sem provas, às vacinas contra covid. Com mais de 400 mil seguidores, o perfil responsável pela divulgação do filme utiliza sua página para divulgar obituários e fazer propaganda antivacina.

Procurado, o Twitter respondeu à solicitação com um emoji de fezes.

O que são mortes súbitas

Ao Estadão Verifica, o médico Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do InCor, explica que a morte súbita ocorre quando um indivíduo morre sem uma causa evidente até o momento do falecimento. De acordo com o especialista, esses falecimentos geralmente são uma consequência de um colapso do sistema nervoso ou neurológico, como um AVC ou um infarto fulminante.

Ao contrário do que perfis desinformativos espalham nas redes sociais, não existe nenhuma evidência científica que comprove a relação entre as vacinas contra covid e as mortes súbitas. “Essa manipulação de dados é muito perigosa. Uma coisa é o dado e outra coisa é a informação que você tira dele. O dado precisa estar dentro de um contexto. Você pode encontrar com mais frequência um determinado fenômeno que simplesmente começou a ser mais notificado”, explica Kalil.

Questionado sobre o risco de miocardite e pericardite pós-vacinação – um dos principais argumentos utilizados por perfis antivacina –, Kalil explica que, de fato, existem casos associados, sobretudo em homens jovens após a segunda dose. No entanto, o pesquisador explica que esses casos são efêmeros e não estão relacionados à morte e nem a doenças crônicas.

O médico e cientista Peter Hotez, codiretor do Centro de Desenvolvimento de Vacinas do Hospital para Crianças do Texas e referência mundial contra o negacionismo científico, explica que o governo dos Estados Unidos utiliza um sistema de relatórios avançado projetado para captar qualquer evento após a vacina. “Ele é tão sensível que detectou eventos raros de miocardite, mas não está detectando nenhum aumento de casos de mortes súbitas”, disse, em entrevista ao Verifica.

Hotez, que também atuou para desenvolver uma vacina contra covid de baixo custo, afirma que a tática usada por perfis desinformativos é baseada no ataque à ciência e na tentativa de vilanizar os cientistas. “Se você aplica a vacina em centenas de milhões de indivíduos, existem pessoas que vão adoecer e falecer por causas que não estão relacionadas à vacina. O que esses grupos antivacina fazem é falsamente atribuir essas mortes ao imunizante”.

Perfis desinformativos que acumulam mais de 500 mil seguidores no Twitter têm “sequestrado” obituários noticiados pela imprensa para fazer acusações infundadas contra a vacina de covid-19. Usando hashtags como #MalSúbito e #CasoIsolado, eles afirmam, sem qualquer evidência, que diferentes óbitos teriam sido causados pela vacinação. Na maioria dos casos, as causas das mortes divulgadas por esses usuários sequer são divulgadas – e isso já é o suficiente para que militantes antivacina as utilizem como “prova” de supostos malefícios da vacinação.

Esses perfis costumam atravessar fronteiras para buscar obituários, que são de países variados, inclusive do Brasil. As notícias sobre as mortes, utilizadas erroneamente para espalhar desinformação, não fazem qualquer menção à vacina contra covid-19. Ainda que a causa da morte noticiada seja outra, os usuários antivacina insistem em versões conspiratórias para atribuir o falecimento ao imunizante.

Usuários no Twitter associam casos de mortes súbitas às vacinas contra covid para espalhar desinformação Foto: PATRICK T. FALLON/ AFP

Em uma das postagens, por exemplo, um perfil atribuiu a morte do bailarino Nylson Torres, de Mossoró (RN), à vacina. Na legenda, o responsável pela publicação afirma que o artista foi vítima do “veneno da vacina contra covid”, o que não é verdade. Torres foi internado no dia 10 de maio deste ano por complicações do próprio coronavírus. Por complicações, ele acabou falecendo após uma parada cardiorrespiratória.

Em outra publicação, o mesmo autor caracteriza o falecimento da professora de Ponta Grossa (PR) Rosangela Grigol como uma “morte súbita”. Ainda na postagem, o perfil compila publicações de Rosangela favoráveis à vacina no Facebook, numa tentativa de relacionar o imunizante à causa da morte. No entanto, a professora faleceu de câncer. E não há evidência alguma de que vacinas causam tumores, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca).

A mesma técnica utilizada contra Rosangela foi aplicada com o co-fundador da empresa de engenharia aeroespacial da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Beghelli. O perfil desinformativo também classificou seu falecimento como “súbito” e o relacionou à vacina – na verdade, o engenheiro faleceu por complicações de um câncer raro descoberto em 2022.

No Brasil, os conteúdos desinformativos costumam ser mapeados com o termo “morte súbita” e “caso isolado”. Em inglês, postagens utilizam “sudden death” (morte súbita) e “died suddenly” (morreu de repente). Mortes súbitas, entretanto, sempre existiram. Em 2010, por exemplo, o Estadão noticiou um alerta do Instituto do Coração (InCor), que afirmou que 212 mil brasileiros poderiam ser vítimas de morte súbita naquele ano, caso não fossem diagnosticados e tratados a tempo.

Embora o imunizante contra a covid tenha sido alvo de desinformação desde o início da campanha de vacinação (veja todas as checagens do Estadão Verifica sobre o assunto aqui), a narrativa da morte súbita começou a ser utilizada massivamente por grupos antivacina para fazer uma falsa relação com possíveis efeitos colaterais. Os boatos começaram em 2021, mas ganharam mais força em 2022.

Em 2021, por exemplo, o Comprova e o Estadão Verifica desmentiram a relação entre casos de mal súbito em atletas e vacinas contra covid. Mesmo assim, os boatos persistiram. Em junho de 2022, postagens no Twitter viralizaram ao afirmar que 673 atletas tiveram morte súbita após o início da aplicação do imunizante. Na realidade, descobriu-se que, dentro desse número, também eram contabilizadas mortes de pessoas que não foram vacinadas, vítimas de acidentes, pessoas com histórico de doenças cardiovasculares e até algumas que morreram em decorrência de complicações da própria covid.

Como mostrou uma reportagem da revista Wired, a campanha de desinformação ganhou ainda mais tração depois que o empresário Elon Musk assumiu o Twitter em outubro de 2022. Em novembro, Musk lançou uma enquete sobre o restabelecimento de contas suspensas e interrompeu a política de informações enganosas sobre o coronavírus. Assim, a plataforma tornou-se um espaço para boatos sem respaldo científico.

Perfis que compartilham obituários para acusar a vacina já acumulam mais de 500 mil seguidores no Twitter Foto: AP/Matt Rourke

Também em novembro de 2022, o filme antivacina Died Suddenly foi lançado na rede social, contribuindo para endossar teorias conspiratórias. O pseudodocumentário reúne casos de mortes súbitas e tenta relacioná-las, sem provas, às vacinas contra covid. Com mais de 400 mil seguidores, o perfil responsável pela divulgação do filme utiliza sua página para divulgar obituários e fazer propaganda antivacina.

Procurado, o Twitter respondeu à solicitação com um emoji de fezes.

O que são mortes súbitas

Ao Estadão Verifica, o médico Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do InCor, explica que a morte súbita ocorre quando um indivíduo morre sem uma causa evidente até o momento do falecimento. De acordo com o especialista, esses falecimentos geralmente são uma consequência de um colapso do sistema nervoso ou neurológico, como um AVC ou um infarto fulminante.

Ao contrário do que perfis desinformativos espalham nas redes sociais, não existe nenhuma evidência científica que comprove a relação entre as vacinas contra covid e as mortes súbitas. “Essa manipulação de dados é muito perigosa. Uma coisa é o dado e outra coisa é a informação que você tira dele. O dado precisa estar dentro de um contexto. Você pode encontrar com mais frequência um determinado fenômeno que simplesmente começou a ser mais notificado”, explica Kalil.

Questionado sobre o risco de miocardite e pericardite pós-vacinação – um dos principais argumentos utilizados por perfis antivacina –, Kalil explica que, de fato, existem casos associados, sobretudo em homens jovens após a segunda dose. No entanto, o pesquisador explica que esses casos são efêmeros e não estão relacionados à morte e nem a doenças crônicas.

O médico e cientista Peter Hotez, codiretor do Centro de Desenvolvimento de Vacinas do Hospital para Crianças do Texas e referência mundial contra o negacionismo científico, explica que o governo dos Estados Unidos utiliza um sistema de relatórios avançado projetado para captar qualquer evento após a vacina. “Ele é tão sensível que detectou eventos raros de miocardite, mas não está detectando nenhum aumento de casos de mortes súbitas”, disse, em entrevista ao Verifica.

Hotez, que também atuou para desenvolver uma vacina contra covid de baixo custo, afirma que a tática usada por perfis desinformativos é baseada no ataque à ciência e na tentativa de vilanizar os cientistas. “Se você aplica a vacina em centenas de milhões de indivíduos, existem pessoas que vão adoecer e falecer por causas que não estão relacionadas à vacina. O que esses grupos antivacina fazem é falsamente atribuir essas mortes ao imunizante”.

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