PL das Fake News não proíbe compras internacionais e ‘dropshipping’ em comércio eletrônico


Youtuber usa documento desatualizado e distorce fatos para criticar Projeto de Lei 2630/2020; não é verdade que a publicidade direcionada será banida da internet

Por Samuel Lima
Atualização:

O que estão compartilhando: vídeo de youtuber de finanças anunciando o “fim da internet no Brasil” com base em notas de empresas de tecnologia e documento antigo do IAB Brasil. Ele alega, por exemplo, que compras internacionais e o dropshipping serão proibidos com a aprovação do PL 2630/2020, assim como o direcionamento de anúncios.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A maioria das alegações do youtuber se baseia em um documento do IAB Brasil divulgado em março do ano passado e que traz artigos que foram modificados na versão mais recente do PL 2630/2020. Especialistas consultados pelo blog esclarecem ainda que o projeto não abrange plataformas de comércio eletrônico e que não é verdade que a proposta acabe com o direcionamento de anúncios na internet.

Câmara aprovou regime de urgência ao PL 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mas adiou a votação com acordo entre líderes Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados
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Saiba mais: o vídeo analisado pelo Estadão Verifica apresenta o título “PL 2630 - O fim da Internet no Brasil (Entenda como a PL 2630 vai te prejudicar)” e foi publicado por um youtuber de finanças com mais de 460 mil inscritos no YouTube. O material original foi exibido mais de 90 mil vezes. Trechos também circulam em perfis de direita no Instagram; um post acumulou sozinho mais de 37 mil curtidas.

O blog pesquisou pelos documentos mostrados no vídeo e descobriu que a apresentação do IAB Brasil que critica artigos específicos do PL 2630/2020 foi divulgada pela entidade em março do ano passado — ou seja, cerca de um ano antes de o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) protocolar o relatório na Câmara. O IAB é uma organização que tem entre os seus associados empresas de tecnologia como Google e Meta e grupos de mídia como a Globo, entre outros.

A maioria dos artigos mostrados não aparecem mais da forma como estavam escritos naquele momento. Basta comparar com a íntegra do substitutivo do PL 2630/2020, disponível publicamente no site da Câmara. Além disso, pontos levantados neste e em outros materiais, como um informe publicitário do Google, acabaram por gerar comentários incorretos por parte do autor da gravação.

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O Estadão consultou dois especialistas nesta checagem para analisar o que realmente diz a versão mais recente do PL 2630/2020: Gabriel de Britto Silva, diretor jurídico do Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci), e Francisco Brito Cruz, diretor executivo do Internetlab, além do próprio IAB Brasil.

Projeto traz regras para modelos específicos de negócios

O youtuber alega, logo nos primeiros segundos de vídeo, que estaria “proibido pelo PL de anunciarem no Brasil empresas que não têm representação local” e traz dois exemplos. “Sabe quando você vai no Mercado Livre procurar um produto e vê que o produto mais barato está escrito assim: compra internacional? Isso vai ser proibido. Outra coisa, dropshipping, que é quando você vende de fora do Brasil e o fornecedor entrega aqui, está proibido”, afirma.

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Na realidade, o que o PL 2630 propõe é que redes sociais, ferramentas de busca e serviços de mensageria com mais de 10 milhões de usuários — Google, Facebook e WhatsApp, por exemplo — tenham obrigatoriamente representantes no Brasil. O projeto não trata de plataformas de comércio eletrônico como o Mercado Livre, nem de sites de dropshipping, método que consiste em intermediar compras no exterior.

Gabriel de Britto Silva, do Ibraci, pontua que o negócio nem precisa ser um e-commerce de “puro sangue” para ser excluído da abrangência do projeto, conforme o art. 2° do texto discutido atualmente na Câmara. A empresa pode exercer outras atividades, desde que a principal seja a venda de produtos pela internet ou algum dos demais tópicos mencionados (enciclopédias, repositórios científicos, etc).

Ao fazer a afirmação, o youtuber se baseia em uma nota divulgada pelo Google em abril deste ano, mas que trata de outro aspecto: da exigência de que as empresas guardem um documento válido em território nacional para todos os anunciantes que divulguem publicidade na plataforma, presente no art. 27. Isso quer dizer que, caso uma empresa estrangeira queira anunciar o produto no Google ou no Facebook mediante pagamento, ela deve fornecer um documento internamente — que pode ser o passaporte no caso de pessoas físicas.

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Trata-se de uma proteção legal contra anúncios que potencialmente atentem contra a lei e cuja autoria passe a ser investigada pelas autoridades. Em tese, não impede nenhuma empresa de anunciar, ainda que entidades ligadas ao setor de publicidade digital como o IAB critiquem a medida por afastar indiretamente alguns grupos interessados no serviço.

Anunciantes não serão impedidos de direcionar publicidade

Em outro ponto, o youtuber alega que os anunciantes seriam muito prejudicados porque “também está proibido saber localização, idade e gênero do usuário” e promover anúncios com base nessas informações. Novamente, a alegação não se sustenta ao analisar a proposta no Legislativo.

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O PL 2630/2020 não proíbe nenhuma empresa de praticar o chamado perfilamento de usuários, que está no centro do modelo de negócios das big techs. Elas categorizam as pessoas em modelos de consumidores com base no comportamento e nas informações fornecidas no cadastro, o que permite aos anunciantes direcionarem a publicidade de modo mais assertivo.

Google é uma das empresas regulamentadas no PL 2630/2020 em debate na Câmara. Foto: Dado Ruvic/Reuters

O perfilamento só é totalmente vedado no caso de crianças e adolescentes, pelo art. 40, o que dialoga com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código de Defesa do Consumidor. Para adultos, não existe impedimento geral na prática. As empresas continuariam autorizadas a fazer esse tipo de tratamento de dados.

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Alguns artigos foram inseridos no PL 2630/2020 com a finalidade de aumentar a transparência e o poder de escolha do usuário (veja os arts. 26 a 30). O texto exige que as empresas publiquem relatórios semestrais, mantenham uma biblioteca de anúncios e informem ao usuário quantas vezes ele teve contato com a publicidade e quais foram os critérios adotados, por exemplo. Também existem regras contra o encaminhamento de mensagens sem consentimento prévio (arts. 41 e 43).

Em março do ano passado, o IAB Brasil argumentou que o PL 2630/2020 prejudicava o direcionamento de publicidade por conta da proibição de compartilhamento de dados dos provedores com terceiros. Só que o artigo em questão foi modificado na versão mais recente do PL e agora determina que os provedores podem fazer isso, desde que observando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e a Lei da Defesa da Concorrência.

“Como não há uma proibição expressa, esta parte não está contemplada no posicionamento atual do IAB Brasil”, declara a entidade que, no entanto, ainda argumenta que as regras dificultam a prática em alguns casos.

PL estabelece novas regras para disparos em massa no WhatsApp

O vídeo exagera ao dizer que as empresas não poderão mais se comunicar com seus clientes por meio de aplicativos como o WhatsApp. As ferramentas comerciais oferecidas pelas plataformas não serão extintas, ainda que sejam propostas novas regras.

A legislação determina, em seu art. 41, que os provedores devem criar soluções para identificar e impedir mecanismos externos de distribuição em massa de mensagens. Estabelece ainda, no art. 43, que os aplicativos garantam que o uso de ferramentas de negócios seja “estritamente para finalidades institucionais ou comerciais, divulgação de produtos ou serviços comerciais, ou prestação de serviço público”.

Segundo Francisco Brito Cruz, diretor do Internetlab, a medida pode afetar algum negócio que tente contornar essas regras com alguma solução externa, mas é uma tentativa de fazer valer as regras gerais. O PL 2630 determina, por exemplo, que as empresas limitem o encaminhamento de mensagens para vários destinatários e que listas de transmissão só possam efetuar disparos se o remetente e o destinatário tiverem o contato salvo em suas agendas.

O projeto também exige consentimento prévio do usuário para inclusão em grupos, listas e canais de difusão de mensagens, com exceção de “situações de emergência, estado de calamidade pública e circunstâncias análogas”, e pede um termo de consentimento ao usuário de que o uso de contas comerciais não será usado para distribuição em massa de propaganda eleitoral e partidária.

Projeto permite ferramenta de WhatsApp Business, mas determina que novas regras sejam adotadas para o serviço e similares. Foto: REUTERS/Dado Ruvic

Procurado pela reportagem, o IAB Brasil disse que mantém críticas sobre a atual redação do PL 2630 nesse ponto, pois entende que as empresas seriam prejudicadas em um primeiro contato comercial. A entidade não concorda com a exigência de que o cliente tenha o número da loja salvo na agenda de contatos para receber ofertas.

Projeto não estabelece ‘acesso indiscriminado’ a dados de anunciantes

O autor do vídeo alega que o projeto exige que os contatos de todos os empresários e funcionários de companhias que operam negócios pelas redes sociais seriam expostos com a aprovação do PL 2630. Essa informação, mais uma vez, não é verdadeira.

O PL 2630 exige que os provedores tornem públicas as informações sobre os anúncios e conteúdos impulsionados, incluindo “a íntegra dos conteúdos, as informações que permitam a identificação do responsável pelo pagamento, as características gerais da audiência contratada e o número total de destinatários alcançados, além de critérios adicionais e específicos a serem estipulados em regulamentação”, segundo o art. 26.

Não está previsto no PL que empresas que anunciam no Facebook, no Google e no WhatsApp tenham dados pessoais dos sócios ou dos funcionários expostos. Como dito anteriormente, as empresas também serão responsáveis por armazenar documento de identificação, mas este deve ser mantido em sigilo caso não haja ordem judicial solicitando esse documento.

O IAB disse que ainda mantém críticas sobre a proposta nesse ponto porque haveria “abertura de segredos de negócios”, o que poderia afetar a competitividade, e entende que o requisito ainda é subjetivo e um risco por depender de regulamentação futura.

Do que se trata o PL 2630/2020

O Projeto de Lei 2630/20 institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O texto cria medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook, Instagram, TikTok e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram. Apresentado pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), o PL está sendo debatido hoje na Câmara dos Deputados.

Em 25 de abril, os deputados aprovaram regime de urgência para a votação do PL 2630/2020. A matéria teve substitutivo, espécie de nova versão do texto, protocolada pelo relator Orlando Silva. O projeto original foi aprovado pelo Senado em junho de 2020, mas se passar pela Câmara com alterações, deve retornar para análise dos senadores antes de ser sancionado pelo presidente da República.

A base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalha pela aprovação do projeto, argumentando que é necessário para regulamentar o setor e exigir maior controle e transparência das empresas de tecnologia. Parlamentares de oposição, sobretudo deputados bolsonaristas e evangélicos, espalham a tese de que o projeto poderia promover censura nas redes sociais e se unem a big techs contra o texto.

O que diz o autor do boato: o Estadão Verifica tentou falar com o autor do vídeo, Daniel Penin, através de mensagens por e-mail, Instagram e escritório de advocacia nesta segunda-feira, 8 de maio. Ele não retornou os contatos, mas tornou o vídeo privado em seu canal de Youtube sem corrigir as informações aos seus seguidores.

Como lidar com postagens do tipo: o projeto de lei em questão ainda tramita no Congresso e passa por modificações e ajustes a todo momento. Fique atento, portanto, ao momento em que determinado conteúdo foi divulgado e aos materiais usados na análise.

Neste caso, o vídeo toma documentos de terceiros, todos contrários ao projeto, e não consulta a fonte primária, ou seja, o projeto em debate na Câmara. O uso de expressões alarmistas como o “fim da internet” e a forma de tratar o tema como “censura” indicam que o conteúdo é enviesado e que as informações devem ser ponderadas com outras fontes para melhor compreensão do tema.

O que estão compartilhando: vídeo de youtuber de finanças anunciando o “fim da internet no Brasil” com base em notas de empresas de tecnologia e documento antigo do IAB Brasil. Ele alega, por exemplo, que compras internacionais e o dropshipping serão proibidos com a aprovação do PL 2630/2020, assim como o direcionamento de anúncios.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A maioria das alegações do youtuber se baseia em um documento do IAB Brasil divulgado em março do ano passado e que traz artigos que foram modificados na versão mais recente do PL 2630/2020. Especialistas consultados pelo blog esclarecem ainda que o projeto não abrange plataformas de comércio eletrônico e que não é verdade que a proposta acabe com o direcionamento de anúncios na internet.

Câmara aprovou regime de urgência ao PL 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mas adiou a votação com acordo entre líderes Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Saiba mais: o vídeo analisado pelo Estadão Verifica apresenta o título “PL 2630 - O fim da Internet no Brasil (Entenda como a PL 2630 vai te prejudicar)” e foi publicado por um youtuber de finanças com mais de 460 mil inscritos no YouTube. O material original foi exibido mais de 90 mil vezes. Trechos também circulam em perfis de direita no Instagram; um post acumulou sozinho mais de 37 mil curtidas.

O blog pesquisou pelos documentos mostrados no vídeo e descobriu que a apresentação do IAB Brasil que critica artigos específicos do PL 2630/2020 foi divulgada pela entidade em março do ano passado — ou seja, cerca de um ano antes de o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) protocolar o relatório na Câmara. O IAB é uma organização que tem entre os seus associados empresas de tecnologia como Google e Meta e grupos de mídia como a Globo, entre outros.

A maioria dos artigos mostrados não aparecem mais da forma como estavam escritos naquele momento. Basta comparar com a íntegra do substitutivo do PL 2630/2020, disponível publicamente no site da Câmara. Além disso, pontos levantados neste e em outros materiais, como um informe publicitário do Google, acabaram por gerar comentários incorretos por parte do autor da gravação.

O Estadão consultou dois especialistas nesta checagem para analisar o que realmente diz a versão mais recente do PL 2630/2020: Gabriel de Britto Silva, diretor jurídico do Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci), e Francisco Brito Cruz, diretor executivo do Internetlab, além do próprio IAB Brasil.

Projeto traz regras para modelos específicos de negócios

O youtuber alega, logo nos primeiros segundos de vídeo, que estaria “proibido pelo PL de anunciarem no Brasil empresas que não têm representação local” e traz dois exemplos. “Sabe quando você vai no Mercado Livre procurar um produto e vê que o produto mais barato está escrito assim: compra internacional? Isso vai ser proibido. Outra coisa, dropshipping, que é quando você vende de fora do Brasil e o fornecedor entrega aqui, está proibido”, afirma.

Na realidade, o que o PL 2630 propõe é que redes sociais, ferramentas de busca e serviços de mensageria com mais de 10 milhões de usuários — Google, Facebook e WhatsApp, por exemplo — tenham obrigatoriamente representantes no Brasil. O projeto não trata de plataformas de comércio eletrônico como o Mercado Livre, nem de sites de dropshipping, método que consiste em intermediar compras no exterior.

Gabriel de Britto Silva, do Ibraci, pontua que o negócio nem precisa ser um e-commerce de “puro sangue” para ser excluído da abrangência do projeto, conforme o art. 2° do texto discutido atualmente na Câmara. A empresa pode exercer outras atividades, desde que a principal seja a venda de produtos pela internet ou algum dos demais tópicos mencionados (enciclopédias, repositórios científicos, etc).

Ao fazer a afirmação, o youtuber se baseia em uma nota divulgada pelo Google em abril deste ano, mas que trata de outro aspecto: da exigência de que as empresas guardem um documento válido em território nacional para todos os anunciantes que divulguem publicidade na plataforma, presente no art. 27. Isso quer dizer que, caso uma empresa estrangeira queira anunciar o produto no Google ou no Facebook mediante pagamento, ela deve fornecer um documento internamente — que pode ser o passaporte no caso de pessoas físicas.

Trata-se de uma proteção legal contra anúncios que potencialmente atentem contra a lei e cuja autoria passe a ser investigada pelas autoridades. Em tese, não impede nenhuma empresa de anunciar, ainda que entidades ligadas ao setor de publicidade digital como o IAB critiquem a medida por afastar indiretamente alguns grupos interessados no serviço.

Anunciantes não serão impedidos de direcionar publicidade

Em outro ponto, o youtuber alega que os anunciantes seriam muito prejudicados porque “também está proibido saber localização, idade e gênero do usuário” e promover anúncios com base nessas informações. Novamente, a alegação não se sustenta ao analisar a proposta no Legislativo.

O PL 2630/2020 não proíbe nenhuma empresa de praticar o chamado perfilamento de usuários, que está no centro do modelo de negócios das big techs. Elas categorizam as pessoas em modelos de consumidores com base no comportamento e nas informações fornecidas no cadastro, o que permite aos anunciantes direcionarem a publicidade de modo mais assertivo.

Google é uma das empresas regulamentadas no PL 2630/2020 em debate na Câmara. Foto: Dado Ruvic/Reuters

O perfilamento só é totalmente vedado no caso de crianças e adolescentes, pelo art. 40, o que dialoga com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código de Defesa do Consumidor. Para adultos, não existe impedimento geral na prática. As empresas continuariam autorizadas a fazer esse tipo de tratamento de dados.

Alguns artigos foram inseridos no PL 2630/2020 com a finalidade de aumentar a transparência e o poder de escolha do usuário (veja os arts. 26 a 30). O texto exige que as empresas publiquem relatórios semestrais, mantenham uma biblioteca de anúncios e informem ao usuário quantas vezes ele teve contato com a publicidade e quais foram os critérios adotados, por exemplo. Também existem regras contra o encaminhamento de mensagens sem consentimento prévio (arts. 41 e 43).

Em março do ano passado, o IAB Brasil argumentou que o PL 2630/2020 prejudicava o direcionamento de publicidade por conta da proibição de compartilhamento de dados dos provedores com terceiros. Só que o artigo em questão foi modificado na versão mais recente do PL e agora determina que os provedores podem fazer isso, desde que observando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e a Lei da Defesa da Concorrência.

“Como não há uma proibição expressa, esta parte não está contemplada no posicionamento atual do IAB Brasil”, declara a entidade que, no entanto, ainda argumenta que as regras dificultam a prática em alguns casos.

PL estabelece novas regras para disparos em massa no WhatsApp

O vídeo exagera ao dizer que as empresas não poderão mais se comunicar com seus clientes por meio de aplicativos como o WhatsApp. As ferramentas comerciais oferecidas pelas plataformas não serão extintas, ainda que sejam propostas novas regras.

A legislação determina, em seu art. 41, que os provedores devem criar soluções para identificar e impedir mecanismos externos de distribuição em massa de mensagens. Estabelece ainda, no art. 43, que os aplicativos garantam que o uso de ferramentas de negócios seja “estritamente para finalidades institucionais ou comerciais, divulgação de produtos ou serviços comerciais, ou prestação de serviço público”.

Segundo Francisco Brito Cruz, diretor do Internetlab, a medida pode afetar algum negócio que tente contornar essas regras com alguma solução externa, mas é uma tentativa de fazer valer as regras gerais. O PL 2630 determina, por exemplo, que as empresas limitem o encaminhamento de mensagens para vários destinatários e que listas de transmissão só possam efetuar disparos se o remetente e o destinatário tiverem o contato salvo em suas agendas.

O projeto também exige consentimento prévio do usuário para inclusão em grupos, listas e canais de difusão de mensagens, com exceção de “situações de emergência, estado de calamidade pública e circunstâncias análogas”, e pede um termo de consentimento ao usuário de que o uso de contas comerciais não será usado para distribuição em massa de propaganda eleitoral e partidária.

Projeto permite ferramenta de WhatsApp Business, mas determina que novas regras sejam adotadas para o serviço e similares. Foto: REUTERS/Dado Ruvic

Procurado pela reportagem, o IAB Brasil disse que mantém críticas sobre a atual redação do PL 2630 nesse ponto, pois entende que as empresas seriam prejudicadas em um primeiro contato comercial. A entidade não concorda com a exigência de que o cliente tenha o número da loja salvo na agenda de contatos para receber ofertas.

Projeto não estabelece ‘acesso indiscriminado’ a dados de anunciantes

O autor do vídeo alega que o projeto exige que os contatos de todos os empresários e funcionários de companhias que operam negócios pelas redes sociais seriam expostos com a aprovação do PL 2630. Essa informação, mais uma vez, não é verdadeira.

O PL 2630 exige que os provedores tornem públicas as informações sobre os anúncios e conteúdos impulsionados, incluindo “a íntegra dos conteúdos, as informações que permitam a identificação do responsável pelo pagamento, as características gerais da audiência contratada e o número total de destinatários alcançados, além de critérios adicionais e específicos a serem estipulados em regulamentação”, segundo o art. 26.

Não está previsto no PL que empresas que anunciam no Facebook, no Google e no WhatsApp tenham dados pessoais dos sócios ou dos funcionários expostos. Como dito anteriormente, as empresas também serão responsáveis por armazenar documento de identificação, mas este deve ser mantido em sigilo caso não haja ordem judicial solicitando esse documento.

O IAB disse que ainda mantém críticas sobre a proposta nesse ponto porque haveria “abertura de segredos de negócios”, o que poderia afetar a competitividade, e entende que o requisito ainda é subjetivo e um risco por depender de regulamentação futura.

Do que se trata o PL 2630/2020

O Projeto de Lei 2630/20 institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O texto cria medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook, Instagram, TikTok e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram. Apresentado pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), o PL está sendo debatido hoje na Câmara dos Deputados.

Em 25 de abril, os deputados aprovaram regime de urgência para a votação do PL 2630/2020. A matéria teve substitutivo, espécie de nova versão do texto, protocolada pelo relator Orlando Silva. O projeto original foi aprovado pelo Senado em junho de 2020, mas se passar pela Câmara com alterações, deve retornar para análise dos senadores antes de ser sancionado pelo presidente da República.

A base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalha pela aprovação do projeto, argumentando que é necessário para regulamentar o setor e exigir maior controle e transparência das empresas de tecnologia. Parlamentares de oposição, sobretudo deputados bolsonaristas e evangélicos, espalham a tese de que o projeto poderia promover censura nas redes sociais e se unem a big techs contra o texto.

O que diz o autor do boato: o Estadão Verifica tentou falar com o autor do vídeo, Daniel Penin, através de mensagens por e-mail, Instagram e escritório de advocacia nesta segunda-feira, 8 de maio. Ele não retornou os contatos, mas tornou o vídeo privado em seu canal de Youtube sem corrigir as informações aos seus seguidores.

Como lidar com postagens do tipo: o projeto de lei em questão ainda tramita no Congresso e passa por modificações e ajustes a todo momento. Fique atento, portanto, ao momento em que determinado conteúdo foi divulgado e aos materiais usados na análise.

Neste caso, o vídeo toma documentos de terceiros, todos contrários ao projeto, e não consulta a fonte primária, ou seja, o projeto em debate na Câmara. O uso de expressões alarmistas como o “fim da internet” e a forma de tratar o tema como “censura” indicam que o conteúdo é enviesado e que as informações devem ser ponderadas com outras fontes para melhor compreensão do tema.

O que estão compartilhando: vídeo de youtuber de finanças anunciando o “fim da internet no Brasil” com base em notas de empresas de tecnologia e documento antigo do IAB Brasil. Ele alega, por exemplo, que compras internacionais e o dropshipping serão proibidos com a aprovação do PL 2630/2020, assim como o direcionamento de anúncios.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A maioria das alegações do youtuber se baseia em um documento do IAB Brasil divulgado em março do ano passado e que traz artigos que foram modificados na versão mais recente do PL 2630/2020. Especialistas consultados pelo blog esclarecem ainda que o projeto não abrange plataformas de comércio eletrônico e que não é verdade que a proposta acabe com o direcionamento de anúncios na internet.

Câmara aprovou regime de urgência ao PL 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mas adiou a votação com acordo entre líderes Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Saiba mais: o vídeo analisado pelo Estadão Verifica apresenta o título “PL 2630 - O fim da Internet no Brasil (Entenda como a PL 2630 vai te prejudicar)” e foi publicado por um youtuber de finanças com mais de 460 mil inscritos no YouTube. O material original foi exibido mais de 90 mil vezes. Trechos também circulam em perfis de direita no Instagram; um post acumulou sozinho mais de 37 mil curtidas.

O blog pesquisou pelos documentos mostrados no vídeo e descobriu que a apresentação do IAB Brasil que critica artigos específicos do PL 2630/2020 foi divulgada pela entidade em março do ano passado — ou seja, cerca de um ano antes de o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) protocolar o relatório na Câmara. O IAB é uma organização que tem entre os seus associados empresas de tecnologia como Google e Meta e grupos de mídia como a Globo, entre outros.

A maioria dos artigos mostrados não aparecem mais da forma como estavam escritos naquele momento. Basta comparar com a íntegra do substitutivo do PL 2630/2020, disponível publicamente no site da Câmara. Além disso, pontos levantados neste e em outros materiais, como um informe publicitário do Google, acabaram por gerar comentários incorretos por parte do autor da gravação.

O Estadão consultou dois especialistas nesta checagem para analisar o que realmente diz a versão mais recente do PL 2630/2020: Gabriel de Britto Silva, diretor jurídico do Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci), e Francisco Brito Cruz, diretor executivo do Internetlab, além do próprio IAB Brasil.

Projeto traz regras para modelos específicos de negócios

O youtuber alega, logo nos primeiros segundos de vídeo, que estaria “proibido pelo PL de anunciarem no Brasil empresas que não têm representação local” e traz dois exemplos. “Sabe quando você vai no Mercado Livre procurar um produto e vê que o produto mais barato está escrito assim: compra internacional? Isso vai ser proibido. Outra coisa, dropshipping, que é quando você vende de fora do Brasil e o fornecedor entrega aqui, está proibido”, afirma.

Na realidade, o que o PL 2630 propõe é que redes sociais, ferramentas de busca e serviços de mensageria com mais de 10 milhões de usuários — Google, Facebook e WhatsApp, por exemplo — tenham obrigatoriamente representantes no Brasil. O projeto não trata de plataformas de comércio eletrônico como o Mercado Livre, nem de sites de dropshipping, método que consiste em intermediar compras no exterior.

Gabriel de Britto Silva, do Ibraci, pontua que o negócio nem precisa ser um e-commerce de “puro sangue” para ser excluído da abrangência do projeto, conforme o art. 2° do texto discutido atualmente na Câmara. A empresa pode exercer outras atividades, desde que a principal seja a venda de produtos pela internet ou algum dos demais tópicos mencionados (enciclopédias, repositórios científicos, etc).

Ao fazer a afirmação, o youtuber se baseia em uma nota divulgada pelo Google em abril deste ano, mas que trata de outro aspecto: da exigência de que as empresas guardem um documento válido em território nacional para todos os anunciantes que divulguem publicidade na plataforma, presente no art. 27. Isso quer dizer que, caso uma empresa estrangeira queira anunciar o produto no Google ou no Facebook mediante pagamento, ela deve fornecer um documento internamente — que pode ser o passaporte no caso de pessoas físicas.

Trata-se de uma proteção legal contra anúncios que potencialmente atentem contra a lei e cuja autoria passe a ser investigada pelas autoridades. Em tese, não impede nenhuma empresa de anunciar, ainda que entidades ligadas ao setor de publicidade digital como o IAB critiquem a medida por afastar indiretamente alguns grupos interessados no serviço.

Anunciantes não serão impedidos de direcionar publicidade

Em outro ponto, o youtuber alega que os anunciantes seriam muito prejudicados porque “também está proibido saber localização, idade e gênero do usuário” e promover anúncios com base nessas informações. Novamente, a alegação não se sustenta ao analisar a proposta no Legislativo.

O PL 2630/2020 não proíbe nenhuma empresa de praticar o chamado perfilamento de usuários, que está no centro do modelo de negócios das big techs. Elas categorizam as pessoas em modelos de consumidores com base no comportamento e nas informações fornecidas no cadastro, o que permite aos anunciantes direcionarem a publicidade de modo mais assertivo.

Google é uma das empresas regulamentadas no PL 2630/2020 em debate na Câmara. Foto: Dado Ruvic/Reuters

O perfilamento só é totalmente vedado no caso de crianças e adolescentes, pelo art. 40, o que dialoga com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código de Defesa do Consumidor. Para adultos, não existe impedimento geral na prática. As empresas continuariam autorizadas a fazer esse tipo de tratamento de dados.

Alguns artigos foram inseridos no PL 2630/2020 com a finalidade de aumentar a transparência e o poder de escolha do usuário (veja os arts. 26 a 30). O texto exige que as empresas publiquem relatórios semestrais, mantenham uma biblioteca de anúncios e informem ao usuário quantas vezes ele teve contato com a publicidade e quais foram os critérios adotados, por exemplo. Também existem regras contra o encaminhamento de mensagens sem consentimento prévio (arts. 41 e 43).

Em março do ano passado, o IAB Brasil argumentou que o PL 2630/2020 prejudicava o direcionamento de publicidade por conta da proibição de compartilhamento de dados dos provedores com terceiros. Só que o artigo em questão foi modificado na versão mais recente do PL e agora determina que os provedores podem fazer isso, desde que observando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e a Lei da Defesa da Concorrência.

“Como não há uma proibição expressa, esta parte não está contemplada no posicionamento atual do IAB Brasil”, declara a entidade que, no entanto, ainda argumenta que as regras dificultam a prática em alguns casos.

PL estabelece novas regras para disparos em massa no WhatsApp

O vídeo exagera ao dizer que as empresas não poderão mais se comunicar com seus clientes por meio de aplicativos como o WhatsApp. As ferramentas comerciais oferecidas pelas plataformas não serão extintas, ainda que sejam propostas novas regras.

A legislação determina, em seu art. 41, que os provedores devem criar soluções para identificar e impedir mecanismos externos de distribuição em massa de mensagens. Estabelece ainda, no art. 43, que os aplicativos garantam que o uso de ferramentas de negócios seja “estritamente para finalidades institucionais ou comerciais, divulgação de produtos ou serviços comerciais, ou prestação de serviço público”.

Segundo Francisco Brito Cruz, diretor do Internetlab, a medida pode afetar algum negócio que tente contornar essas regras com alguma solução externa, mas é uma tentativa de fazer valer as regras gerais. O PL 2630 determina, por exemplo, que as empresas limitem o encaminhamento de mensagens para vários destinatários e que listas de transmissão só possam efetuar disparos se o remetente e o destinatário tiverem o contato salvo em suas agendas.

O projeto também exige consentimento prévio do usuário para inclusão em grupos, listas e canais de difusão de mensagens, com exceção de “situações de emergência, estado de calamidade pública e circunstâncias análogas”, e pede um termo de consentimento ao usuário de que o uso de contas comerciais não será usado para distribuição em massa de propaganda eleitoral e partidária.

Projeto permite ferramenta de WhatsApp Business, mas determina que novas regras sejam adotadas para o serviço e similares. Foto: REUTERS/Dado Ruvic

Procurado pela reportagem, o IAB Brasil disse que mantém críticas sobre a atual redação do PL 2630 nesse ponto, pois entende que as empresas seriam prejudicadas em um primeiro contato comercial. A entidade não concorda com a exigência de que o cliente tenha o número da loja salvo na agenda de contatos para receber ofertas.

Projeto não estabelece ‘acesso indiscriminado’ a dados de anunciantes

O autor do vídeo alega que o projeto exige que os contatos de todos os empresários e funcionários de companhias que operam negócios pelas redes sociais seriam expostos com a aprovação do PL 2630. Essa informação, mais uma vez, não é verdadeira.

O PL 2630 exige que os provedores tornem públicas as informações sobre os anúncios e conteúdos impulsionados, incluindo “a íntegra dos conteúdos, as informações que permitam a identificação do responsável pelo pagamento, as características gerais da audiência contratada e o número total de destinatários alcançados, além de critérios adicionais e específicos a serem estipulados em regulamentação”, segundo o art. 26.

Não está previsto no PL que empresas que anunciam no Facebook, no Google e no WhatsApp tenham dados pessoais dos sócios ou dos funcionários expostos. Como dito anteriormente, as empresas também serão responsáveis por armazenar documento de identificação, mas este deve ser mantido em sigilo caso não haja ordem judicial solicitando esse documento.

O IAB disse que ainda mantém críticas sobre a proposta nesse ponto porque haveria “abertura de segredos de negócios”, o que poderia afetar a competitividade, e entende que o requisito ainda é subjetivo e um risco por depender de regulamentação futura.

Do que se trata o PL 2630/2020

O Projeto de Lei 2630/20 institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O texto cria medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook, Instagram, TikTok e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram. Apresentado pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), o PL está sendo debatido hoje na Câmara dos Deputados.

Em 25 de abril, os deputados aprovaram regime de urgência para a votação do PL 2630/2020. A matéria teve substitutivo, espécie de nova versão do texto, protocolada pelo relator Orlando Silva. O projeto original foi aprovado pelo Senado em junho de 2020, mas se passar pela Câmara com alterações, deve retornar para análise dos senadores antes de ser sancionado pelo presidente da República.

A base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalha pela aprovação do projeto, argumentando que é necessário para regulamentar o setor e exigir maior controle e transparência das empresas de tecnologia. Parlamentares de oposição, sobretudo deputados bolsonaristas e evangélicos, espalham a tese de que o projeto poderia promover censura nas redes sociais e se unem a big techs contra o texto.

O que diz o autor do boato: o Estadão Verifica tentou falar com o autor do vídeo, Daniel Penin, através de mensagens por e-mail, Instagram e escritório de advocacia nesta segunda-feira, 8 de maio. Ele não retornou os contatos, mas tornou o vídeo privado em seu canal de Youtube sem corrigir as informações aos seus seguidores.

Como lidar com postagens do tipo: o projeto de lei em questão ainda tramita no Congresso e passa por modificações e ajustes a todo momento. Fique atento, portanto, ao momento em que determinado conteúdo foi divulgado e aos materiais usados na análise.

Neste caso, o vídeo toma documentos de terceiros, todos contrários ao projeto, e não consulta a fonte primária, ou seja, o projeto em debate na Câmara. O uso de expressões alarmistas como o “fim da internet” e a forma de tratar o tema como “censura” indicam que o conteúdo é enviesado e que as informações devem ser ponderadas com outras fontes para melhor compreensão do tema.

O que estão compartilhando: vídeo de youtuber de finanças anunciando o “fim da internet no Brasil” com base em notas de empresas de tecnologia e documento antigo do IAB Brasil. Ele alega, por exemplo, que compras internacionais e o dropshipping serão proibidos com a aprovação do PL 2630/2020, assim como o direcionamento de anúncios.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A maioria das alegações do youtuber se baseia em um documento do IAB Brasil divulgado em março do ano passado e que traz artigos que foram modificados na versão mais recente do PL 2630/2020. Especialistas consultados pelo blog esclarecem ainda que o projeto não abrange plataformas de comércio eletrônico e que não é verdade que a proposta acabe com o direcionamento de anúncios na internet.

Câmara aprovou regime de urgência ao PL 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mas adiou a votação com acordo entre líderes Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Saiba mais: o vídeo analisado pelo Estadão Verifica apresenta o título “PL 2630 - O fim da Internet no Brasil (Entenda como a PL 2630 vai te prejudicar)” e foi publicado por um youtuber de finanças com mais de 460 mil inscritos no YouTube. O material original foi exibido mais de 90 mil vezes. Trechos também circulam em perfis de direita no Instagram; um post acumulou sozinho mais de 37 mil curtidas.

O blog pesquisou pelos documentos mostrados no vídeo e descobriu que a apresentação do IAB Brasil que critica artigos específicos do PL 2630/2020 foi divulgada pela entidade em março do ano passado — ou seja, cerca de um ano antes de o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) protocolar o relatório na Câmara. O IAB é uma organização que tem entre os seus associados empresas de tecnologia como Google e Meta e grupos de mídia como a Globo, entre outros.

A maioria dos artigos mostrados não aparecem mais da forma como estavam escritos naquele momento. Basta comparar com a íntegra do substitutivo do PL 2630/2020, disponível publicamente no site da Câmara. Além disso, pontos levantados neste e em outros materiais, como um informe publicitário do Google, acabaram por gerar comentários incorretos por parte do autor da gravação.

O Estadão consultou dois especialistas nesta checagem para analisar o que realmente diz a versão mais recente do PL 2630/2020: Gabriel de Britto Silva, diretor jurídico do Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci), e Francisco Brito Cruz, diretor executivo do Internetlab, além do próprio IAB Brasil.

Projeto traz regras para modelos específicos de negócios

O youtuber alega, logo nos primeiros segundos de vídeo, que estaria “proibido pelo PL de anunciarem no Brasil empresas que não têm representação local” e traz dois exemplos. “Sabe quando você vai no Mercado Livre procurar um produto e vê que o produto mais barato está escrito assim: compra internacional? Isso vai ser proibido. Outra coisa, dropshipping, que é quando você vende de fora do Brasil e o fornecedor entrega aqui, está proibido”, afirma.

Na realidade, o que o PL 2630 propõe é que redes sociais, ferramentas de busca e serviços de mensageria com mais de 10 milhões de usuários — Google, Facebook e WhatsApp, por exemplo — tenham obrigatoriamente representantes no Brasil. O projeto não trata de plataformas de comércio eletrônico como o Mercado Livre, nem de sites de dropshipping, método que consiste em intermediar compras no exterior.

Gabriel de Britto Silva, do Ibraci, pontua que o negócio nem precisa ser um e-commerce de “puro sangue” para ser excluído da abrangência do projeto, conforme o art. 2° do texto discutido atualmente na Câmara. A empresa pode exercer outras atividades, desde que a principal seja a venda de produtos pela internet ou algum dos demais tópicos mencionados (enciclopédias, repositórios científicos, etc).

Ao fazer a afirmação, o youtuber se baseia em uma nota divulgada pelo Google em abril deste ano, mas que trata de outro aspecto: da exigência de que as empresas guardem um documento válido em território nacional para todos os anunciantes que divulguem publicidade na plataforma, presente no art. 27. Isso quer dizer que, caso uma empresa estrangeira queira anunciar o produto no Google ou no Facebook mediante pagamento, ela deve fornecer um documento internamente — que pode ser o passaporte no caso de pessoas físicas.

Trata-se de uma proteção legal contra anúncios que potencialmente atentem contra a lei e cuja autoria passe a ser investigada pelas autoridades. Em tese, não impede nenhuma empresa de anunciar, ainda que entidades ligadas ao setor de publicidade digital como o IAB critiquem a medida por afastar indiretamente alguns grupos interessados no serviço.

Anunciantes não serão impedidos de direcionar publicidade

Em outro ponto, o youtuber alega que os anunciantes seriam muito prejudicados porque “também está proibido saber localização, idade e gênero do usuário” e promover anúncios com base nessas informações. Novamente, a alegação não se sustenta ao analisar a proposta no Legislativo.

O PL 2630/2020 não proíbe nenhuma empresa de praticar o chamado perfilamento de usuários, que está no centro do modelo de negócios das big techs. Elas categorizam as pessoas em modelos de consumidores com base no comportamento e nas informações fornecidas no cadastro, o que permite aos anunciantes direcionarem a publicidade de modo mais assertivo.

Google é uma das empresas regulamentadas no PL 2630/2020 em debate na Câmara. Foto: Dado Ruvic/Reuters

O perfilamento só é totalmente vedado no caso de crianças e adolescentes, pelo art. 40, o que dialoga com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código de Defesa do Consumidor. Para adultos, não existe impedimento geral na prática. As empresas continuariam autorizadas a fazer esse tipo de tratamento de dados.

Alguns artigos foram inseridos no PL 2630/2020 com a finalidade de aumentar a transparência e o poder de escolha do usuário (veja os arts. 26 a 30). O texto exige que as empresas publiquem relatórios semestrais, mantenham uma biblioteca de anúncios e informem ao usuário quantas vezes ele teve contato com a publicidade e quais foram os critérios adotados, por exemplo. Também existem regras contra o encaminhamento de mensagens sem consentimento prévio (arts. 41 e 43).

Em março do ano passado, o IAB Brasil argumentou que o PL 2630/2020 prejudicava o direcionamento de publicidade por conta da proibição de compartilhamento de dados dos provedores com terceiros. Só que o artigo em questão foi modificado na versão mais recente do PL e agora determina que os provedores podem fazer isso, desde que observando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e a Lei da Defesa da Concorrência.

“Como não há uma proibição expressa, esta parte não está contemplada no posicionamento atual do IAB Brasil”, declara a entidade que, no entanto, ainda argumenta que as regras dificultam a prática em alguns casos.

PL estabelece novas regras para disparos em massa no WhatsApp

O vídeo exagera ao dizer que as empresas não poderão mais se comunicar com seus clientes por meio de aplicativos como o WhatsApp. As ferramentas comerciais oferecidas pelas plataformas não serão extintas, ainda que sejam propostas novas regras.

A legislação determina, em seu art. 41, que os provedores devem criar soluções para identificar e impedir mecanismos externos de distribuição em massa de mensagens. Estabelece ainda, no art. 43, que os aplicativos garantam que o uso de ferramentas de negócios seja “estritamente para finalidades institucionais ou comerciais, divulgação de produtos ou serviços comerciais, ou prestação de serviço público”.

Segundo Francisco Brito Cruz, diretor do Internetlab, a medida pode afetar algum negócio que tente contornar essas regras com alguma solução externa, mas é uma tentativa de fazer valer as regras gerais. O PL 2630 determina, por exemplo, que as empresas limitem o encaminhamento de mensagens para vários destinatários e que listas de transmissão só possam efetuar disparos se o remetente e o destinatário tiverem o contato salvo em suas agendas.

O projeto também exige consentimento prévio do usuário para inclusão em grupos, listas e canais de difusão de mensagens, com exceção de “situações de emergência, estado de calamidade pública e circunstâncias análogas”, e pede um termo de consentimento ao usuário de que o uso de contas comerciais não será usado para distribuição em massa de propaganda eleitoral e partidária.

Projeto permite ferramenta de WhatsApp Business, mas determina que novas regras sejam adotadas para o serviço e similares. Foto: REUTERS/Dado Ruvic

Procurado pela reportagem, o IAB Brasil disse que mantém críticas sobre a atual redação do PL 2630 nesse ponto, pois entende que as empresas seriam prejudicadas em um primeiro contato comercial. A entidade não concorda com a exigência de que o cliente tenha o número da loja salvo na agenda de contatos para receber ofertas.

Projeto não estabelece ‘acesso indiscriminado’ a dados de anunciantes

O autor do vídeo alega que o projeto exige que os contatos de todos os empresários e funcionários de companhias que operam negócios pelas redes sociais seriam expostos com a aprovação do PL 2630. Essa informação, mais uma vez, não é verdadeira.

O PL 2630 exige que os provedores tornem públicas as informações sobre os anúncios e conteúdos impulsionados, incluindo “a íntegra dos conteúdos, as informações que permitam a identificação do responsável pelo pagamento, as características gerais da audiência contratada e o número total de destinatários alcançados, além de critérios adicionais e específicos a serem estipulados em regulamentação”, segundo o art. 26.

Não está previsto no PL que empresas que anunciam no Facebook, no Google e no WhatsApp tenham dados pessoais dos sócios ou dos funcionários expostos. Como dito anteriormente, as empresas também serão responsáveis por armazenar documento de identificação, mas este deve ser mantido em sigilo caso não haja ordem judicial solicitando esse documento.

O IAB disse que ainda mantém críticas sobre a proposta nesse ponto porque haveria “abertura de segredos de negócios”, o que poderia afetar a competitividade, e entende que o requisito ainda é subjetivo e um risco por depender de regulamentação futura.

Do que se trata o PL 2630/2020

O Projeto de Lei 2630/20 institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O texto cria medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook, Instagram, TikTok e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram. Apresentado pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), o PL está sendo debatido hoje na Câmara dos Deputados.

Em 25 de abril, os deputados aprovaram regime de urgência para a votação do PL 2630/2020. A matéria teve substitutivo, espécie de nova versão do texto, protocolada pelo relator Orlando Silva. O projeto original foi aprovado pelo Senado em junho de 2020, mas se passar pela Câmara com alterações, deve retornar para análise dos senadores antes de ser sancionado pelo presidente da República.

A base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalha pela aprovação do projeto, argumentando que é necessário para regulamentar o setor e exigir maior controle e transparência das empresas de tecnologia. Parlamentares de oposição, sobretudo deputados bolsonaristas e evangélicos, espalham a tese de que o projeto poderia promover censura nas redes sociais e se unem a big techs contra o texto.

O que diz o autor do boato: o Estadão Verifica tentou falar com o autor do vídeo, Daniel Penin, através de mensagens por e-mail, Instagram e escritório de advocacia nesta segunda-feira, 8 de maio. Ele não retornou os contatos, mas tornou o vídeo privado em seu canal de Youtube sem corrigir as informações aos seus seguidores.

Como lidar com postagens do tipo: o projeto de lei em questão ainda tramita no Congresso e passa por modificações e ajustes a todo momento. Fique atento, portanto, ao momento em que determinado conteúdo foi divulgado e aos materiais usados na análise.

Neste caso, o vídeo toma documentos de terceiros, todos contrários ao projeto, e não consulta a fonte primária, ou seja, o projeto em debate na Câmara. O uso de expressões alarmistas como o “fim da internet” e a forma de tratar o tema como “censura” indicam que o conteúdo é enviesado e que as informações devem ser ponderadas com outras fontes para melhor compreensão do tema.

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