O que estão compartilhando: que a colaboração premiada é responsabilidade exclusiva do Ministério Público (MP) e que por isso o acordo feito entre o tenente-coronel Mauro Cid e a Polícia Federal (PF) será invalidado pelo chefe do MP, o Procurador Geral da República Augusto Aras.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. De acordo com a lei de combate ao crime organizado (12.850/2013), além do Ministério Público, também delegados podem firmar acordos de colaboração premiada durante o inquérito policial para a obtenção de provas. O Ministério Público Federal (MPF) explicou que pode recorrer nos casos em que o acordo é firmado pela autoridade policial, mas que a decisão final é do Supremo Tribunal Federal (STF). Especialista ouvida pelo Estadão Verifica explicou que Aras e demais membros do MP não têm competência para invalidar um acordo firmado com a PF.
Saiba mais: Em 9 de setembro, o ministro Alexandre de Moraes homologou o acordo de colaboração premiada que Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, firmou com a Polícia Federal. Nesse mesmo dia, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, se manifestou contrário ao acordo. Ele afirmou que a PGR não aceita delações conduzidas pela PF. Confira a publicação de Aras no X (antigo Twitter):
Diante da manifestação contrária de Aras, passou a circular nas redes sociais a informação falsa de que o Procurador-Geral da República iria invalidar o acordo firmado entre Cid e a Polícia Federal. Um vídeo que viralizou trazia a seguinte afirmação: “A briga agora é de cachorro grande, Augusto Aras bateu de frente com Moraes, e diz que delação premiada de Mauro Cid não cabe a PF. Isso é responsabilidade de Ministério Público Federal e não vai aceitar e vai ser invalidado pela PGR”.
A advogada criminalista e mestre em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) Luísa Walter da Rosa afirma que essa postagem parte de uma premissa falsa. Ela explica que o Ministério Público, seja ele representado por promotor de primeiro grau, por um Procurador da República ou pela própria PGR, não tem poder de decisão. “O MP atua como representante da acusação numa ação criminal e ele apenas faz pedidos a um magistrado, no caso a um ministro, que é quem está competente, no momento, para decidir questões relacionadas ao caso”, disse.
O Ministério Público Federal respondeu de forma semelhante aos questionamentos do Verifica. Disse que a decisão final sobre um acordo de colaboração é do STF.
Colaboração premiada
A colaboração premiada é uma técnica de investigação que existe no Brasil desde 2013, quando foi sancionada a lei de combate ao crime organizado (12.850/2013). A advogada criminalista ouvida pelo Verifica explica que ela é usada quando um integrante de uma organização criminosa se dispõe a colaborar com a Justiça, entregando provas que não poderiam ser obtidas por meios tradicionais de investigação.
O parágrafo 2º do artigo 4º da lei prevê que tanto o Ministério Público quanto o delegado de polícia - este apenas durante o processo de investigação - podem firmar acordo de delação premiada.
A lei diz ainda que quando o acordo é firmado pela polícia é obrigatório que o MP se manifeste (parágrafo 6º do artigo 4º). Foi isso que aconteceu no caso de Mauro Cid. Em 6 de setembro, Cid foi até o STF e apresentou um termo de intenção de fazer delação premiada com a PF. O MP foi contra, mas mesmo assim o ministro Alexandre de Moraes autorizou, em 9 de setembro, o acordo.
A divergência de posição não configura uma ilegalidade por parte de Moraes, de acordo com a advogada criminalista ouvida pelo Verifica. “A lei não diz que o Ministério Público tem que concordar, ela disse que ele tem que se manifestar”, explicou Luisa Walter da Rosa.
Ela complementou que não há um posicionamento uniforme do STF se a manifestação precisa ser no sentido de concordar ou discordar e o que que aconteceria em casos de discordância. “Isso é uma das polêmicas que ainda existem em relação à colaboração premiada”, explicou.