Uma publicação viral no Facebook e no WhatsApp distorce a reportagem de capa do jornal norte-americano The Wall Street Journal para exaltar o governo Bolsonaro. Publicada na edição de 2 de junho, o texto destaca o crescimento de 1,2% da economia brasileira no primeiro trimestre de 2021, em relação aos três últimos meses do ano passado, e cita que o resultado conduziu o PIB do País a um patamar anterior à pandemia de covid-19.
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Ao contrário do que sugere o boato, a matéria não cita queda da criminalidade "aos níveis mais baixos da história", lucros de estatais, avanços em obras de infraestrutura ou a construção de uma fábrica de vacinas no Rio de Janeiro.
O artigo do The Wall Street Journal atribui a taxa de crescimento econômico aos impactos do auxílio emergencial, ao desempenho do setor agrícola e ao relaxamento de medidas restritivas de combate à pandemia. A reportagem menciona a safra recorde de soja no primeiro bimestre do ano. Segundo a reportagem, a flexibilização do distanciamento social favoreceu o consumo, às custas da saúde pública no País. "Enquanto brasileiros lotam shoppings e bares, cerca de 77 pessoas ainda morrem de covid-19 a cada hora no País. Mais de 460 mil brasileiros já morreram da doença, até o momento", diz o texto.
A reportagem lembra que a economia brasileira encolheu 4% no ano passado, em relação a 2019, mas que o desempenho foi melhor que o de outros países, como México e Argentina. A previsão de economistas, segundo o jornal, é que o PIB brasileiro sofra uma variação negativa no segundo trimestre de 2021, se comparado ao primeiro. Isso porque Estados voltaram a endurecer medidas de distanciamento social entre março e abril deste ano, devido ao crescimento no número de mortes por covid.
O artigo afirma ainda que há expectativas de recuperação no segundo semestre do ano, "à medida que o programa de vacinação do Brasil avança lentamente e mais atividades podem ser retomadas".
Lucros de estatais
Além de distorcer a matéria publicada pelo jornal americano, o conteúdo viral analisado pelo Estadão Verifica apresenta informações exageradas e fora de contexto. Uma delas é a alegação de que "Estatais [estão] dando lucros jamais vistos".
Em 2019, um balanço apresentado pelo Ministério da Economia indicou que as principais estatais brasileiras sob o comando do Governo Federal apresentaram juntas um resultado líquido de R$ 109,1 bilhões no ano. O valor marcou o melhor desempenho financeiro das empresas desde 2008.
As estatais já tinham registrado resultados positivos nos três anos anteriores. Por outro lado, um levantamento da consultoria Economatica indicou que o lucro das três principais estatais federais (Banco do Brasil, Petrobras e Eletrobrás) no segundo trimestre de 2019, especificamente, foi o maior da história.
O último balanço publicado pelo governo federal se refere ainda ao primeiro trimestre de 2020. Uma reportagem da Folha de S. Paulo, publicada em março deste ano, indica que a pandemia derrubou o lucro das empresas públicas no ano passado, para cerca de R$ 60 bilhões.
Fábrica de vacinas, criminalidade e grãos
A fábrica de vacinas mencionada na publicação do Facebook remete a um empreendimento da Fiocruz, cujo edital para construção foi publicado em fevereiro deste ano. De acordo com um artigo divulgado pela instituição, o Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (CIBS) será construído em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, e terá capacidade de produção estimada em 120 milhões de frascos de vacinas e biofármacos ao ano. "Em doses, a capacidade irá variar conforme o mix de produtos, podendo ser superior a 600 milhões de doses/ano", afirma o texto da Fiocruz.
As obras, no entanto, ainda estão longe de ser concluídas. A construção do estabelecimento deve ser iniciada na segunda metade de 2021, com a conclusão prevista em um prazo de quatro anos.
Sobre o recorde de grãos mencionado no post analisado, um levantamento divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em setembro, indica que a safra brasileira de grãos bateu recorde no período 2019/2020, com 257,8 milhões de toneladas. Em abril deste ano, a Conab divulgou estimativas de mais um recorde para o período 2020/2021, com uma produção esperada de 273,8 milhões de toneladas.
A postagem afirma que a criminalidade despencou "aos níveis mais baixos da história", mas omite informações de contexto importantes. Um levantamento do Monitor da Violência do portal de notícias G1 mostrou que o número de assassinatos no Brasil caiu 19% em 2019, a menor taxa da série histórica da pesquisa, iniciada em 2007. A mesma análise identificou um crescimento de 5% no número de assassinatos em 2020.
Uma matéria do Projeto Comprova em parceria com o Estadão Verifica mostrou que, apesar das quedas nos números de mortes violentas no primeiro ano de gestão Bolsonaro, não é possível atribuir o declínio a ações de curto prazo do atual governo. Especialistas destacaram que os resultados de políticas públicas de segurança estão geralmente associados a ações nos âmbitos estaduais e municipais e o efeito de medidas neste setor não costuma ser imediato.