Postagem engana ao acusar Macron de golpe; lei permite ao presidente dissolver a Assembleia Nacional


Constituição da França permite que o presidente antecipe as eleições legislativas nacionais; resultado do pleito que ampliou força da extrema direita no Parlamento Europeu não foi alterado

Por Clarissa Pacheco
Atualização:

A vitória da extrema direita francesa na eleição do Parlamento Europeu e a reação do presidente Emmanuel Macron de dissolver a Assembleia Nacional e antecipar as eleições legislativas nacionais gerou dúvidas e desinformação nas redes. Dezenas de publicações virais alegam que Macron teria aplicado um golpe de Estado, o que não é verdade. A dissolução da Assembleia Nacional francesa está prevista no artigo 12º da atual Constituição da França, também conhecida como Constituição da Quinta República Francesa, e é uma atribuição do presidente. Ela já aconteceu outras cinco vezes e é permitida porque a França tem um sistema semipresidencialista, cuja governabilidade depende da Assembleia.

Em discurso televisionado no último domingo, 9 de junho, Emmanuel Macron anunciou dissolução da Assembleia Nacional da França. Foto: Ludovic MARIN / AFP Foto: Ludovic Marin/LUDOVIC MARIN

Ao anunciar sua decisão, Macron disse em discurso que “a ascensão de nacionalistas e demagogos é um perigo não só para nossa nação, mas também para a Europa e para o lugar da França na Europa e no mundo”. Embora a decisão do presidente francês tenha sido motivada pelos resultados da eleição do Parlamento Europeu, ela não interfere neste pleito, apenas no cenário nacional francês.

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“A eleição do Parlamento Europeu já foi, os votos de todos os países foram contados e esse Parlamento vai se constituir. A decisão do Macron não muda em nada o resultado da composição do Parlamento Europeu. O que ele fez foi dissolver a Assembleia Nacional da França”, explica Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP).

David Magalhães, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), concorda e explica que não faz sentido chamar de golpe a decisão de Macron, justamente porque todos os representantes do partido Rassemblement National eleitos no Parlamento Europeu irão tomar posse e assumir seus postos.

Leia a seguir o que aconteceu desde o último domingo, 9, e o que significa a dissolução da Assembleia por Emmanuel Macron.

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O que é o Parlamento Europeu e o que aconteceu no último domingo, 9?

O Parlamento Europeu é um dos órgãos legislativos da União Europeia, formado por representantes dos 27 países membros do bloco. É neste Parlamento que são tomadas as decisões que dizem respeito a toda a União Europeia, não a cada país individualmente. Lá, são decididas questões legislativas, orçamentárias e de supervisão. Ele foi instituído em 1952 mas, desde 1979, os eurodeputados são eleitos por voto direto.

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As eleições para as cadeiras do Parlamento Europeu acontecem a cada cinco anos. Em 2024, os cidadãos escolheram 720 eurodeputados entre os dias 6 e 9 de junho. No domingo, dia 9, os resultados preliminares apontavam para uma guinada à direita na composição do quadro do Parlamento Europeu para a próxima legislatura.

Embora as eleições do Parlamento Europeu escolham representantes de todos os países, os eleitos não são agrupados por nacionalidade, e sim por afinidades políticas. Os resultados atualizados às 17h52 desta terça-feira, 11, mostram que o grupo do Partido Popular Europeu, de democratas cristãos, tinha o maior número das 720 cadeiras – 186 delas.

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No caso específico da França, ficou evidente que o partido de extrema direita Rassemblement National, de Marine Le Pen, sairia vitorioso. Os números consolidados desta terça, 11, mostram que os deputados do partido de Marine Le Pen receberam 31,37% dos votos, mais que o dobro do 14,60% que recebeu o segundo colocado, uma coalizão que inclui o Renaissance, partido de Macron.

Isso fez com que o presidente francês, considerado de centro, anunciasse a dissolução da Assembleia Nacional e antecipasse as eleições para este mês de junho. A decisão foi tomada após consulta ao primeiro-ministro, Gabriel Attal, e aos presidentes das assembleias distritais.

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O que é a Assembleia Nacional francesa e por que é importante ter maioria nela?

A Assembleia Nacional da França não tem relação com o Parlamento Europeu. Ela é formada por 577 deputados que, junto com o Senado, estão no centro da democracia francesa. Segundo o site da própria Assembleia, ela é responsável por fazer as leis e controlar o governo.

O fato de a França ser semipresidencialista é que explica a importância de o presidente fazer uma correlação de forças para conseguir governar, explica o professor David Magalhães. Na prática, é preciso ter maioria na Assembleia para eleger um primeiro-ministro e ter governabilidade.

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“Sendo um sistema semipresidencialista, o presidente fica muito dependente da governabilidade do Parlamento para poder gerir a política francesa. E se há um sentimento de que existe uma animosidade social grande em relação ao seu governo, é necessário recompor as forças. Esse processo de recomposição é feito por meio de um processo eleitoral”, explica.

Assembleia Nacional da França é formada por 577 deputados. Foto: Assemblée Nationale/Divulgação Foto: Assemblee nationale

Para Kai Enno Lehmann, o fato de a França ser semipresidencialista faz com que o presidente tenha mais poder do que em países onde o sistema é parlamentarista. Mesmo assim, o presidente precisa de maioria na Assembleia para conseguir governar.

Atualmente, o partido de Macron, Renaissance, tem maioria na Assembleia Nacional. Mas perdeu a maioria absoluta em 2022 e precisou negociar o apoio de partidos de oposição.

Qual a lei que permite que o presidente dissolva a Assembleia? Isso já aconteceu antes?

A dissolução do Parlamento ou Assembleia Nacional francesa pelo presidente está prevista na Constituição da Quinta República Francesa. O artigo 12º diz que “o Presidente da República pode, após consulta ao Primeiro-Ministro e aos presidentes das assembleias, pronunciar a dissolução da Assembleia Nacional”.

Após a dissolução, as eleições gerais precisam ocorrer em no mínimo vinte dias e no máximo quarenta. A Constituição não permite uma nova dissolução no ano seguinte a essas eleições.

“Não é um golpe. O presidente francês tem o direito de dissolver a Assembleia Nacional e convocar novas eleições, que foi o que ele fez. Se é uma coisa inteligente e vai servir aos objetivos, é outra questão”, observa o professor Kai Enno Lehmann, da USP.

David Magalhães, da PUC-SP, explica que, em sistemas presidencialistas, com um Executivo forte, como é o caso do Brasil, não há um dispositivo na Constituição que permita a dissolução do Parlamento. Na França, isso não só é permitido, como já aconteceu no passado, em medidas adotadas pelos ex-presidentes Charles De Gaulle, François Mitterrand e Jacques Chirac.

As duas primeiras vezes ocorreram em 1962 e 1968, pelo general Charles De Gaulle. Ele saiu vitorioso em ambas as situações. Depois foi a vez de François Mitterrand recorrer ao artigo 12º da Constituição em 1981 e 1988 – ele saiu vitorioso na primeira ocasião, mas não na segunda.

A quinta vez foi em 1997, quando Jacques Chirac dissolveu o Parlamento. Ele acabou tendo apenas uma vitória parcial.

O que Macron ganha com a dissolução da Assembleia Nacional?

A eleição para o Parlamento Europeu e para a Assembleia Nacional francesa são independentes e acontecem em momentos distintos. Além disso, os eleitos têm atribuições diferentes. Este ano, segundo David Magalhães, o pleito da União Europeia mostrou a Macron que sua popularidade estava em xeque, e serviu como uma espécie de “eleição-referendo”.

“Por mais que sejam eleições europeias, elas têm um efeito doméstico interno importante de deixar claro qualquer relação de forças existentes dentro da política interna francesa. E, nessa correlação de forças, o grande derrotado foi o Macron”, explica. Ou seja, ao perceber que a extrema direita teve maioria nas eleições para o Parlamento Europeu, Macron entendeu que sua popularidade, credibilidade e até legitimidade como presidente estavam sendo questionadas.

Para David Magalhães, a jogada de Macron é arriscada. “A Marine Le Pen e o Rassemblement National podem aproveitar essa onda ultradireitista na Europa, em particular na França, para conseguir estabelecer uma maioria na Assembleia. Inclusive conseguir eleger um primeiro-ministro, o que dificultaria bastante a vida do Macron nos três anos que restam para o seu governo”, disse. O presidente francês fica no cargo até 2027.

O que o presidente fará, aponta o especialista, é reunir as forças progressistas e a sociedade civil e tentar alertar sobre os perigos de uma ascensão da direita radical. “Ele se aproveita de um estágio de bastante fragmentação da esquerda francesa. É mais fácil você dialogar com esses setores fragmentados utilizando o argumento de que a democracia francesa está em perigo, antes de essa esquerda fragmentada poder se organizar e formar um bloco coeso”, diz.

A vitória da extrema direita francesa na eleição do Parlamento Europeu e a reação do presidente Emmanuel Macron de dissolver a Assembleia Nacional e antecipar as eleições legislativas nacionais gerou dúvidas e desinformação nas redes. Dezenas de publicações virais alegam que Macron teria aplicado um golpe de Estado, o que não é verdade. A dissolução da Assembleia Nacional francesa está prevista no artigo 12º da atual Constituição da França, também conhecida como Constituição da Quinta República Francesa, e é uma atribuição do presidente. Ela já aconteceu outras cinco vezes e é permitida porque a França tem um sistema semipresidencialista, cuja governabilidade depende da Assembleia.

Em discurso televisionado no último domingo, 9 de junho, Emmanuel Macron anunciou dissolução da Assembleia Nacional da França. Foto: Ludovic MARIN / AFP Foto: Ludovic Marin/LUDOVIC MARIN

Ao anunciar sua decisão, Macron disse em discurso que “a ascensão de nacionalistas e demagogos é um perigo não só para nossa nação, mas também para a Europa e para o lugar da França na Europa e no mundo”. Embora a decisão do presidente francês tenha sido motivada pelos resultados da eleição do Parlamento Europeu, ela não interfere neste pleito, apenas no cenário nacional francês.

“A eleição do Parlamento Europeu já foi, os votos de todos os países foram contados e esse Parlamento vai se constituir. A decisão do Macron não muda em nada o resultado da composição do Parlamento Europeu. O que ele fez foi dissolver a Assembleia Nacional da França”, explica Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP).

David Magalhães, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), concorda e explica que não faz sentido chamar de golpe a decisão de Macron, justamente porque todos os representantes do partido Rassemblement National eleitos no Parlamento Europeu irão tomar posse e assumir seus postos.

Leia a seguir o que aconteceu desde o último domingo, 9, e o que significa a dissolução da Assembleia por Emmanuel Macron.

O que é o Parlamento Europeu e o que aconteceu no último domingo, 9?

O Parlamento Europeu é um dos órgãos legislativos da União Europeia, formado por representantes dos 27 países membros do bloco. É neste Parlamento que são tomadas as decisões que dizem respeito a toda a União Europeia, não a cada país individualmente. Lá, são decididas questões legislativas, orçamentárias e de supervisão. Ele foi instituído em 1952 mas, desde 1979, os eurodeputados são eleitos por voto direto.

As eleições para as cadeiras do Parlamento Europeu acontecem a cada cinco anos. Em 2024, os cidadãos escolheram 720 eurodeputados entre os dias 6 e 9 de junho. No domingo, dia 9, os resultados preliminares apontavam para uma guinada à direita na composição do quadro do Parlamento Europeu para a próxima legislatura.

Embora as eleições do Parlamento Europeu escolham representantes de todos os países, os eleitos não são agrupados por nacionalidade, e sim por afinidades políticas. Os resultados atualizados às 17h52 desta terça-feira, 11, mostram que o grupo do Partido Popular Europeu, de democratas cristãos, tinha o maior número das 720 cadeiras – 186 delas.

No caso específico da França, ficou evidente que o partido de extrema direita Rassemblement National, de Marine Le Pen, sairia vitorioso. Os números consolidados desta terça, 11, mostram que os deputados do partido de Marine Le Pen receberam 31,37% dos votos, mais que o dobro do 14,60% que recebeu o segundo colocado, uma coalizão que inclui o Renaissance, partido de Macron.

Isso fez com que o presidente francês, considerado de centro, anunciasse a dissolução da Assembleia Nacional e antecipasse as eleições para este mês de junho. A decisão foi tomada após consulta ao primeiro-ministro, Gabriel Attal, e aos presidentes das assembleias distritais.

O que é a Assembleia Nacional francesa e por que é importante ter maioria nela?

A Assembleia Nacional da França não tem relação com o Parlamento Europeu. Ela é formada por 577 deputados que, junto com o Senado, estão no centro da democracia francesa. Segundo o site da própria Assembleia, ela é responsável por fazer as leis e controlar o governo.

O fato de a França ser semipresidencialista é que explica a importância de o presidente fazer uma correlação de forças para conseguir governar, explica o professor David Magalhães. Na prática, é preciso ter maioria na Assembleia para eleger um primeiro-ministro e ter governabilidade.

“Sendo um sistema semipresidencialista, o presidente fica muito dependente da governabilidade do Parlamento para poder gerir a política francesa. E se há um sentimento de que existe uma animosidade social grande em relação ao seu governo, é necessário recompor as forças. Esse processo de recomposição é feito por meio de um processo eleitoral”, explica.

Assembleia Nacional da França é formada por 577 deputados. Foto: Assemblée Nationale/Divulgação Foto: Assemblee nationale

Para Kai Enno Lehmann, o fato de a França ser semipresidencialista faz com que o presidente tenha mais poder do que em países onde o sistema é parlamentarista. Mesmo assim, o presidente precisa de maioria na Assembleia para conseguir governar.

Atualmente, o partido de Macron, Renaissance, tem maioria na Assembleia Nacional. Mas perdeu a maioria absoluta em 2022 e precisou negociar o apoio de partidos de oposição.

Qual a lei que permite que o presidente dissolva a Assembleia? Isso já aconteceu antes?

A dissolução do Parlamento ou Assembleia Nacional francesa pelo presidente está prevista na Constituição da Quinta República Francesa. O artigo 12º diz que “o Presidente da República pode, após consulta ao Primeiro-Ministro e aos presidentes das assembleias, pronunciar a dissolução da Assembleia Nacional”.

Após a dissolução, as eleições gerais precisam ocorrer em no mínimo vinte dias e no máximo quarenta. A Constituição não permite uma nova dissolução no ano seguinte a essas eleições.

“Não é um golpe. O presidente francês tem o direito de dissolver a Assembleia Nacional e convocar novas eleições, que foi o que ele fez. Se é uma coisa inteligente e vai servir aos objetivos, é outra questão”, observa o professor Kai Enno Lehmann, da USP.

David Magalhães, da PUC-SP, explica que, em sistemas presidencialistas, com um Executivo forte, como é o caso do Brasil, não há um dispositivo na Constituição que permita a dissolução do Parlamento. Na França, isso não só é permitido, como já aconteceu no passado, em medidas adotadas pelos ex-presidentes Charles De Gaulle, François Mitterrand e Jacques Chirac.

As duas primeiras vezes ocorreram em 1962 e 1968, pelo general Charles De Gaulle. Ele saiu vitorioso em ambas as situações. Depois foi a vez de François Mitterrand recorrer ao artigo 12º da Constituição em 1981 e 1988 – ele saiu vitorioso na primeira ocasião, mas não na segunda.

A quinta vez foi em 1997, quando Jacques Chirac dissolveu o Parlamento. Ele acabou tendo apenas uma vitória parcial.

O que Macron ganha com a dissolução da Assembleia Nacional?

A eleição para o Parlamento Europeu e para a Assembleia Nacional francesa são independentes e acontecem em momentos distintos. Além disso, os eleitos têm atribuições diferentes. Este ano, segundo David Magalhães, o pleito da União Europeia mostrou a Macron que sua popularidade estava em xeque, e serviu como uma espécie de “eleição-referendo”.

“Por mais que sejam eleições europeias, elas têm um efeito doméstico interno importante de deixar claro qualquer relação de forças existentes dentro da política interna francesa. E, nessa correlação de forças, o grande derrotado foi o Macron”, explica. Ou seja, ao perceber que a extrema direita teve maioria nas eleições para o Parlamento Europeu, Macron entendeu que sua popularidade, credibilidade e até legitimidade como presidente estavam sendo questionadas.

Para David Magalhães, a jogada de Macron é arriscada. “A Marine Le Pen e o Rassemblement National podem aproveitar essa onda ultradireitista na Europa, em particular na França, para conseguir estabelecer uma maioria na Assembleia. Inclusive conseguir eleger um primeiro-ministro, o que dificultaria bastante a vida do Macron nos três anos que restam para o seu governo”, disse. O presidente francês fica no cargo até 2027.

O que o presidente fará, aponta o especialista, é reunir as forças progressistas e a sociedade civil e tentar alertar sobre os perigos de uma ascensão da direita radical. “Ele se aproveita de um estágio de bastante fragmentação da esquerda francesa. É mais fácil você dialogar com esses setores fragmentados utilizando o argumento de que a democracia francesa está em perigo, antes de essa esquerda fragmentada poder se organizar e formar um bloco coeso”, diz.

A vitória da extrema direita francesa na eleição do Parlamento Europeu e a reação do presidente Emmanuel Macron de dissolver a Assembleia Nacional e antecipar as eleições legislativas nacionais gerou dúvidas e desinformação nas redes. Dezenas de publicações virais alegam que Macron teria aplicado um golpe de Estado, o que não é verdade. A dissolução da Assembleia Nacional francesa está prevista no artigo 12º da atual Constituição da França, também conhecida como Constituição da Quinta República Francesa, e é uma atribuição do presidente. Ela já aconteceu outras cinco vezes e é permitida porque a França tem um sistema semipresidencialista, cuja governabilidade depende da Assembleia.

Em discurso televisionado no último domingo, 9 de junho, Emmanuel Macron anunciou dissolução da Assembleia Nacional da França. Foto: Ludovic MARIN / AFP Foto: Ludovic Marin/LUDOVIC MARIN

Ao anunciar sua decisão, Macron disse em discurso que “a ascensão de nacionalistas e demagogos é um perigo não só para nossa nação, mas também para a Europa e para o lugar da França na Europa e no mundo”. Embora a decisão do presidente francês tenha sido motivada pelos resultados da eleição do Parlamento Europeu, ela não interfere neste pleito, apenas no cenário nacional francês.

“A eleição do Parlamento Europeu já foi, os votos de todos os países foram contados e esse Parlamento vai se constituir. A decisão do Macron não muda em nada o resultado da composição do Parlamento Europeu. O que ele fez foi dissolver a Assembleia Nacional da França”, explica Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP).

David Magalhães, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), concorda e explica que não faz sentido chamar de golpe a decisão de Macron, justamente porque todos os representantes do partido Rassemblement National eleitos no Parlamento Europeu irão tomar posse e assumir seus postos.

Leia a seguir o que aconteceu desde o último domingo, 9, e o que significa a dissolução da Assembleia por Emmanuel Macron.

O que é o Parlamento Europeu e o que aconteceu no último domingo, 9?

O Parlamento Europeu é um dos órgãos legislativos da União Europeia, formado por representantes dos 27 países membros do bloco. É neste Parlamento que são tomadas as decisões que dizem respeito a toda a União Europeia, não a cada país individualmente. Lá, são decididas questões legislativas, orçamentárias e de supervisão. Ele foi instituído em 1952 mas, desde 1979, os eurodeputados são eleitos por voto direto.

As eleições para as cadeiras do Parlamento Europeu acontecem a cada cinco anos. Em 2024, os cidadãos escolheram 720 eurodeputados entre os dias 6 e 9 de junho. No domingo, dia 9, os resultados preliminares apontavam para uma guinada à direita na composição do quadro do Parlamento Europeu para a próxima legislatura.

Embora as eleições do Parlamento Europeu escolham representantes de todos os países, os eleitos não são agrupados por nacionalidade, e sim por afinidades políticas. Os resultados atualizados às 17h52 desta terça-feira, 11, mostram que o grupo do Partido Popular Europeu, de democratas cristãos, tinha o maior número das 720 cadeiras – 186 delas.

No caso específico da França, ficou evidente que o partido de extrema direita Rassemblement National, de Marine Le Pen, sairia vitorioso. Os números consolidados desta terça, 11, mostram que os deputados do partido de Marine Le Pen receberam 31,37% dos votos, mais que o dobro do 14,60% que recebeu o segundo colocado, uma coalizão que inclui o Renaissance, partido de Macron.

Isso fez com que o presidente francês, considerado de centro, anunciasse a dissolução da Assembleia Nacional e antecipasse as eleições para este mês de junho. A decisão foi tomada após consulta ao primeiro-ministro, Gabriel Attal, e aos presidentes das assembleias distritais.

O que é a Assembleia Nacional francesa e por que é importante ter maioria nela?

A Assembleia Nacional da França não tem relação com o Parlamento Europeu. Ela é formada por 577 deputados que, junto com o Senado, estão no centro da democracia francesa. Segundo o site da própria Assembleia, ela é responsável por fazer as leis e controlar o governo.

O fato de a França ser semipresidencialista é que explica a importância de o presidente fazer uma correlação de forças para conseguir governar, explica o professor David Magalhães. Na prática, é preciso ter maioria na Assembleia para eleger um primeiro-ministro e ter governabilidade.

“Sendo um sistema semipresidencialista, o presidente fica muito dependente da governabilidade do Parlamento para poder gerir a política francesa. E se há um sentimento de que existe uma animosidade social grande em relação ao seu governo, é necessário recompor as forças. Esse processo de recomposição é feito por meio de um processo eleitoral”, explica.

Assembleia Nacional da França é formada por 577 deputados. Foto: Assemblée Nationale/Divulgação Foto: Assemblee nationale

Para Kai Enno Lehmann, o fato de a França ser semipresidencialista faz com que o presidente tenha mais poder do que em países onde o sistema é parlamentarista. Mesmo assim, o presidente precisa de maioria na Assembleia para conseguir governar.

Atualmente, o partido de Macron, Renaissance, tem maioria na Assembleia Nacional. Mas perdeu a maioria absoluta em 2022 e precisou negociar o apoio de partidos de oposição.

Qual a lei que permite que o presidente dissolva a Assembleia? Isso já aconteceu antes?

A dissolução do Parlamento ou Assembleia Nacional francesa pelo presidente está prevista na Constituição da Quinta República Francesa. O artigo 12º diz que “o Presidente da República pode, após consulta ao Primeiro-Ministro e aos presidentes das assembleias, pronunciar a dissolução da Assembleia Nacional”.

Após a dissolução, as eleições gerais precisam ocorrer em no mínimo vinte dias e no máximo quarenta. A Constituição não permite uma nova dissolução no ano seguinte a essas eleições.

“Não é um golpe. O presidente francês tem o direito de dissolver a Assembleia Nacional e convocar novas eleições, que foi o que ele fez. Se é uma coisa inteligente e vai servir aos objetivos, é outra questão”, observa o professor Kai Enno Lehmann, da USP.

David Magalhães, da PUC-SP, explica que, em sistemas presidencialistas, com um Executivo forte, como é o caso do Brasil, não há um dispositivo na Constituição que permita a dissolução do Parlamento. Na França, isso não só é permitido, como já aconteceu no passado, em medidas adotadas pelos ex-presidentes Charles De Gaulle, François Mitterrand e Jacques Chirac.

As duas primeiras vezes ocorreram em 1962 e 1968, pelo general Charles De Gaulle. Ele saiu vitorioso em ambas as situações. Depois foi a vez de François Mitterrand recorrer ao artigo 12º da Constituição em 1981 e 1988 – ele saiu vitorioso na primeira ocasião, mas não na segunda.

A quinta vez foi em 1997, quando Jacques Chirac dissolveu o Parlamento. Ele acabou tendo apenas uma vitória parcial.

O que Macron ganha com a dissolução da Assembleia Nacional?

A eleição para o Parlamento Europeu e para a Assembleia Nacional francesa são independentes e acontecem em momentos distintos. Além disso, os eleitos têm atribuições diferentes. Este ano, segundo David Magalhães, o pleito da União Europeia mostrou a Macron que sua popularidade estava em xeque, e serviu como uma espécie de “eleição-referendo”.

“Por mais que sejam eleições europeias, elas têm um efeito doméstico interno importante de deixar claro qualquer relação de forças existentes dentro da política interna francesa. E, nessa correlação de forças, o grande derrotado foi o Macron”, explica. Ou seja, ao perceber que a extrema direita teve maioria nas eleições para o Parlamento Europeu, Macron entendeu que sua popularidade, credibilidade e até legitimidade como presidente estavam sendo questionadas.

Para David Magalhães, a jogada de Macron é arriscada. “A Marine Le Pen e o Rassemblement National podem aproveitar essa onda ultradireitista na Europa, em particular na França, para conseguir estabelecer uma maioria na Assembleia. Inclusive conseguir eleger um primeiro-ministro, o que dificultaria bastante a vida do Macron nos três anos que restam para o seu governo”, disse. O presidente francês fica no cargo até 2027.

O que o presidente fará, aponta o especialista, é reunir as forças progressistas e a sociedade civil e tentar alertar sobre os perigos de uma ascensão da direita radical. “Ele se aproveita de um estágio de bastante fragmentação da esquerda francesa. É mais fácil você dialogar com esses setores fragmentados utilizando o argumento de que a democracia francesa está em perigo, antes de essa esquerda fragmentada poder se organizar e formar um bloco coeso”, diz.

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